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Lições do constitucionalismo lusitano: o caso da reprodução assistida

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05/12/2019 às 13:30
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CONCLUSÃO

A complexidade do tema já se faz perceber pelo número de alterações pelas quais passou a Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, sendo elas as Leis nº 59/2007, de 4 de setembro; nº 17/2016, de 20 de junho; nº 25/2016, de 22 de agosto; nº 58/2017, de 25 de julho; nº 49/2018, de 14 de agosto; e nº 48/2019, de 8 de julho.

Ademais, além da natureza dos contratos envolvendo a procriação assistida e o momento da revogação do consentimento, outro aspecto assaz polêmico, pertinente ao normativo, seria a confidencialidade em técnicas relativas a doadores de esperma, ovócitos ou embriões. Por instrumento do Acórdão n.º 225/2018, o TC declarou a inconstitucionalidade das normas do n.º 1 do artigo 15, na parte em que se impõe a obrigação de sigilo absoluto relativamente às pessoas nascidas em consequência de processo de procriação medicamente assistida, incluindo situações de gestação de substituição. Entendeu-se que haveria violação dos direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade, em consequência de uma restrição desnecessária. Dada a enfatizada complexidade do assunto, optamos por abordá-lo em outros debates.

No texto do Acórdão n.º 225/2018, são citados três modelos de normatização da gestação de substituição. Um deles é o da França, onde tal prática é proibida expressamente pelo legislador desde 1994, quando entraram em vigor as leis bioéticas. Naquele país, por força do artigo 227-12 do Código Penal, criminalizou-se o incitamento ao abandono de criança, com o objetivo de coibir a adoção praticada para encobrir contratos de gestação de substituição. A Itália também se filia ao modelo francês, sendo as condutas de realização, de organização e de publicitação da gestação de substituição, gratuita ou onerosa, legalmente proibidas e criminalizadas.

A Grécia, por sua vez, seria o país europeu com legislação mais liberal sobre o tema. Porém, somente cidadãos gregos ou residentes na Grécia, por força do artigo 8.º da Lei n.º 3089/2002, podem usufruir das técnicas. Seria uma forma de se evitar os casos de turismo reprodutivo.

Também naquele país, os contratos onerosos de gestação de substituição são vedados, e há sanções penais para quem contrate ou intermedeie procedimentos de gestação de substituição que violem o que a lei permite.

O Reino Unido, segundo texto do acórdão, seria um modelo intermediário entre o francês e o grego. A primeira legislação criada sobre gestação de substituição pelo país anglo-saxão é 1985, e, atualmente, regida pelo Human Fertilization and Embriology Act - Lei de Fertilização e Embriologia Humana, de 2008. Basicamente, as condições seriam as seguintes:

“(i) os beneficiários devem ser casais, heterossexuais ou homossexuais, que se encontrem unidos pelo matrimónio, por união civil ou por união de facto; (ii) os contratos de gestação não são judicialmente executáveis contra a vontade de qualquer dos intervenientes; (iii) são proibidos e criminalmente punidos os contratos onerosos de gestação; (iv) não se exige autorização judicial ou administrativa prévia do contrato de gestação; (v) a criança deve ser concebida com recurso aos gâmetas de pelo menos um dos membros do casal beneficiário; (vi) é proibida a substituição genética (ou seja, a utilização de gâmetas da gestante, o que faria com que a criança fosse geneticamente sua); e (vii) consagra-se um modelo de transferência judicial da parentalidade da criança, após o nascimento - em regra, através de uma “ordem de parentalidade” (parental order), nos primeiros seis meses de vida do menor - sendo a gestante legalmente considerada como mãe até então” (PORTUGAL, TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, Acórdão n.º 225/2018, Relator: Conselheiro Pedro Machete, Data de Julgamento: 24/04/2018, Plenário, Data de Publicação: 07/05/2018, Diário da República).

O modelo português, talvez por possuir legislação mais recente, esteja em estágio de institucionalização. De qualquer forma, a citação do Parecer n.º 63/CNECV/2012 demonstra que o reconhecimento de aspectos técnico-científicos se faz necessário em decisões que reverberam em impactos que vão muito além da seara jurídica.

No Brasil, o tema da reprodução assistida é regulado, basicamente, pela Resolução 2.168/2017 do Conselho Federal de Medicina (CFM). Adicionalmente, a Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005, versa sobre normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados (OGM); sobre a criação do Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e da Política Nacional de Biossegurança (PNB).

No entanto, há projeto de lei (PL) em tramitação sob a forma do (PL) da Câmara dos Deputados nº 1184/2003, ao qual foram apensados outros 18 PL’s. Até a data de conclusão deste artigo, o texto aguardava parecer do Relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).

A ausência de Tribunal Constitucional específico e de controle jurisdicional preventivo em abstrato no sistema brasileiro poderá impor desafios adicionais para conjugação de valores supremos postos pela Constituição Federal, bem como para a manutenção da segurança jurídica. Talvez a decisão de se amparar no Parecer n.º 63/CNECV/2012 seja inspiradora para o caso brasileiro, ensejando, assim, uma parametrização dos projetos de lei em tramitação, a partir da Resolução 2.168/2017 do CFM.


REFERÊNCIAS

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_______. Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 2.168/2017. Disponível em: < https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2017/2168>. Acesso em: 24 nov. 2019.

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_______. Tribunal Constitucional. Acórdão n.º 101/2009, 01 de abril de 2009. Processo nº n.º 963/06. págs. 12452 a 12472. Disponível em: < https://dre.pt/application/conteudo/1143211>. Acesso em: 24 nov. 2019.

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_______. Parecer n.º 63, de 2012, do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV). Disponível em: < http://www.cnecv.pt/admin/files/data/docs/1333387220-parecer-63-cnecv-2012-apr.pdf>. Acesso em: 24 nov. 2019.

SAMPAIO, José Adércio Leite. A Constituição Reinventada. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. 1015 p.


Notas

[1]  Lei n.º 59/2007, de 04/09; Lei n.º 17/2016, de 20/06; Lei n.º 25/2016, de 22/08; Lei n.º 58/2017, de 25/07; Lei n.º 49/2018, de 14/08; e Lei n.º 48/2019, de 08/07.

[2] “(...)

4 - O consentimento dos beneficiários é livremente revogável por qualquer deles até ao início dos processos terapêuticos de PMA.

5 - O disposto nos números anteriores é aplicável à gestante de substituição nas situações previstas no artigo 8.º (Declarado inconstitucional, com força obrigatória geral, em sede do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 225/2018 - Diário da República n.º 87/2018, Série I de 2018-05-07)

6 - Nas situações previstas no artigo 8.º, devem os beneficiários e a gestante de substituição ser ainda informados, por escrito, do significado da influência da gestante de substituição no desenvolvimento embrionário e fetal” (PORTUGAL, 2006, art. 14, negrito nosso).

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Sobre o autor
Leonardo de Vargas Marques

Servidor público federal, integrante de carreira de gestão da Secretaria Especial de Tesouro e Orçamento (SETO) do Ministério da Economia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Leonardo Vargas. Lições do constitucionalismo lusitano: o caso da reprodução assistida. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 6000, 5 dez. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/78167. Acesso em: 2 nov. 2024.

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