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A (im)possibilidade do Comitê Gestor do Simples Nacional (CGSN) ser composto por membros estranhos às administrações tributárias

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16/02/2025 às 08:25
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4. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O SIMPLES NACIONAL E SOBRE O COMITÊ GESTOR

Embora existam questionamentos acerca da constitucionalidade do Simples Nacional, a discussão está superada no âmbito doutrinário e jurisprudencial, restando sedimentado que a Lei Complementar Federal nº 123/2006, com as alterações correlatas, é constitucional, visto estar estribada no artigo 146, III, “d” e parágrafo único, da Constituição Federal, com redação da Emenda Constitucional (EC) nº 42/2003, que assim preconiza:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

[…];

d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.

Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que:

I - será opcional para o contribuinte;

II - poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por Estado;

III - o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento;

IV - a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes.

O Simples Nacional, metaforicamente falando, representa a pequena maior reforma tributária já feita no País nas últimas décadas. Ele promoveu importante revolução na sistemática de arrecadação do País, na medida em que extinguiu os regimes tributários simplificados da União, dos Estados e dos Municípios, nos termos do artigo 94 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórios (ADCT), com redação da EC nº 42/2003:

Art. 94. Os regimes especiais de tributação para microempresas e empresas de pequeno porte próprios da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cessarão a partir da entrada em vigor do regime previsto no art. 146, III, d, da Constituição.

Não obstante a extinção dos regimes especiais de tributação no âmbito das esferas governamentais, a vigência da Lei Complementar Federal nº 123/2006, que se deu a partir de julho de 2007, ao estatuir o Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte - Simples Nacional, criou um fluxo único de arrecadação. Na prática, verticalizou os fiscos e impôs, forçadamente, a atuação conjunta e centralizada. Isso conferiu efetividade ao escopo magno do princípio federativo, de cujo postulado se insculpiu o inciso XXII do art. 37. da Constituição Federal.

Sobre a LCF nº 123/2006, Hugo de Brito Machado Segundo enfatiza:

Tais disposições se valem da noção, já assente no Direito Brasileiro, e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, de que cabe à lei complementar, em matéria tributária, traçar normais que vinculam União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Dando cumprimento a essas disposições, o Congresso Nacional editou, em 2006, a Lei Complementar 123, que veicula não propriamente “normas de competência”, ou meras “normas sobre normas” de tributação, mas, em sua maioria, disposições já atributivas de direitos, o que, todavia, não lhe altera a natureza de lei “nacional”, vinculante da legislação ordinária dos entes políticos que compõem o Estado federal. (SEGUNDO, 2017, p. 329)

É inconteste que o Simples Nacional, para as Microempresas e Empresas de pequeno porte, representou significativo avanço, na medida em que resumiu diversas obrigações tributárias acessórias a que se sujeitavam e, com isso, minimizou os chamados custos de conformidades, suavizando o ônus tributário incidente. Não obstante isso, importante destaque deve ser dado ao Comitê Gestor do Simples Nacional – CGSN, ante sua natureza e função regulamentadora.

4.1. Breves apontamentos sobre o CGSN e sobre a natureza das suas resoluções

Uma das maiores inovações no Sistema Tributário Nacional, inegavelmente, foi a instituição do Comitê Gestor do Simples Nacional (CGSN), nos termos previstos no art. 2º, I, §§ 1º, 2º, 4º, 6º e 8º, da LFC nº 123/2006, com as alterações correlatas:

Art. 2o O tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte de que trata o art. 1o desta Lei Complementar será gerido pelas instâncias a seguir especificadas:

I - Comitê Gestor do Simples Nacional, vinculado ao Ministério da Fazenda, composto por 4 (quatro) representantes da Secretaria da Receita Federal do Brasil, como representantes da União, 2 (dois) dos Estados e do Distrito Federal e 2 (dois) dos Municípios, para tratar dos aspectos tributários;

[...].

§ 1º Os Comitês de que tratam os incisos I e III do caput deste artigo serão presididos e coordenados por representantes da União.

§ 2º Os representantes dos Estados e do Distrito Federal nos Comitês referidos nos incisos I e III do caput deste artigo serão indicados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária - CONFAZ e os dos Municípios serão indicados, um pela entidade representativa das Secretarias de Finanças das Capitais e outro pelas entidades de representação nacional dos Municípios brasileiros.

[...].

§ 4º Os Comitês de que tratam os incisos I e III do caput deste artigo elaborarão seus regimentos internos mediante resolução.

[...].

§ 6º Ao Comitê de que trata o inciso I do caput deste artigo compete regulamentar a opção, exclusão, tributação, fiscalização, arrecadação, cobrança, dívida ativa, recolhimento e demais itens relativos ao regime de que trata o art. 12. desta Lei Complementar, observadas as demais disposições desta Lei Complementar.

[...].

§ 8º Os membros dos Comitês de que tratam os incisos I e III do caput deste artigo serão designados, respectivamente, pelos Ministros de Estado da Fazenda e da Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República, mediante indicação dos órgãos e entidades vinculados.

Evidencia-se que o CGSN foi concebido para dispor sobre prerrogativas das administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, visto que foi investido da competência para tratar dos aspectos tributários inerentes à opção, exclusão, tributação, fiscalização, arrecadação, cobrança, dívida ativa, recolhimento e demais itens relativos ao regime tributário simplificado ora em comento. Para tanto, o Legislador dispôs que referidas matérias seriam tratadas em sede de resoluções (art. 3º, §16, da LCF nº 123/2006).

Importante anotar que, dada sua natureza jurídica e função reguladora, as Resoluções do CGSN possuem envergadura de norma complementar à legislação tributária, nos estreitos limites do art. 100, II, da lei federal nº 5. 172/1966 (Código Tributário Nacional– CTN), in verbis:

Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos:

[...];

II - as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa;

Por estar a LCF nº 123/2006 ancorada nas disposições do artigo 146, III, “d” e parágrafo único, da Constituição Federal de 1988, com redação da EC nº 42/2003, as resoluções do CGSN ingressam na ordem jurídica com força para disciplinar as relações entre os fiscos e os contribuintes, nos três níveis de governo. Elas são dotadas de características especiais e decorrem do poder regulamentar de que dispõe a Administração Pública. Ademais, não regulam ou explicitam disposições tributárias deste ou daquele ente político especificamente.

A bem da verdade, assumem proporções federativas, tendo em vista que suas disposições absorvem a autonomia individual dos entes federativos, que integram o Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições, e impedem seu exercício individualmente. Elas possuem o condão de suprimir a eficácia da legislação federal, estadual ou municipal, inclusive de modificarem a mesma independente de lei específica para tal fim, devendo ser observadas pelas que lhes sobrevenham.

4.2. Do Comitê Gestor em sede da Reforma Tributária

É inegável que a instituição Comitê Gestor do Simples Nacional representou ruptura de paradigma no federalismo brasileiro. É inconteste que suas resoluções assumiram patamares nunca vivenciados no Brasil, ante a efetividade que se deu ao escopo do pacto federativo, impondo a atuação conjunta e integrada dos fiscos federal, estadual e municipal. Ainda que pairem controvérsias sobre sua constitucionalidade, no sentido de mudar o centro do exercício da autonomia de que dispõem os entes políticos, é preciso reconhecer que tais discordâncias se tornaram pequenas e praticamente não produzem os mesmos ecos, quando posto em confronto o caráter técnico das resoluções editadas e seu dinamismo.

Decorrida mais de uma década da vigência da LCF nº 123/2006, aí incluso o próprio CGSN, ascendem as luzes para um novo cenário tributário nacional, tanto que se discute no Congresso Nacional, nas Câmaras Alta e Baixa, duas propostas de Emenda Constitucional (PEC nº 110/2019 e PEC nº 45/20019, respectivamente) com o escopo de produzir uma reforma tributária tendente a extinguir diversos tributos (PIS/COFINS, IPI, ICMS e ISSQN) de competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, criando, em substituição a eles, um novo imposto incidente sobre a circulação de bens e serviços, denominado de Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS).

Pelo que se desenha, o ponto alto das referidas propostas de emenda à Constituição, caso sejam aprovadas, não será a fusão ou extinção dos referidos tributos ou a criação do IBS em substituição àqueles. A questão relevante tange à instituição de um Comitê Gestor da Administração Tributária de caráter nacional, destinado a reger, nos termos estabelecidos em lei complementar, as questões inerentes ao novo imposto. Nesse sentido, a PEC nº 110/2019 pretende incluir o artigo 162-B no Texto Constitucional, ostentando a seguinte redação:

Art. 162-B. Fica criado o Comitê Gestor da Administração Tributária Nacional, composto por representantes da administração tributária estadual, distrital e municipal para administrar e coordenar, de modo integrado, as atribuições previstas no presente artigo, cabendo-lhe estabelecer, nos termos de lei complementar:

I - a instituição de regulamentações e obrigações acessórias unificadas, em âmbito nacional, e a harmonização e divulgação de interpretações relativas à legislação:

II - a gestão compartilhada de banco de dados, cadastros, sistemas de contas e informações fiscais referentes aos tributos estaduais, distritais e municipais;

III - a emissão de diretivas gerais para as autoridades tributárias estaduais, distritais e municipais;

IV - a coordenação de fiscalizações integradas em âmbito nacional, bem como a arrecadação, cobrança e distribuição de recursos aos entes federados;

V - os procedimentos a serem adotados para a implantação e funcionamento da Escola Nacional de Administração Tributária, visando a capacitação, formação e aperfeiçoamento, em âmbito nacional, das autoridades tributárias;

VI - a forma pela qual seus dirigentes serão escolhidos pelos governadores dos Estados e Distrito Federal, prefeitos das capitais e demais Municípios.

Por seu turno, a PEC nº 45/20019, sem se desgarrar das mesmas premissas, visa também acrescer o artigo 162-B ao Magno Texto, estabelecendo:

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Art. 162-B. Fica criado o Comitê Gestor da Administração Tributária Subnacional, composto por representantes da administração tributária estadual, distrital e municipal e dos contribuintes para administrar e coordenar, de modo integrado, as atribuições previstas no presente artigo, cabendo-lhe estabelecer, nos termos de lei complementar:

I – a instituição de regulamentações e obrigações acessórias unificadas, em âmbito nacional, e a harmonização e divulgação de interpretações relativas à legislação:

II – a gestão compartilhada de banco de dados, cadastros, sistemas de contas e informações fiscais referentes aos tributos estaduais, distritais e municipais;

III – a emissão de diretivas gerais para as autoridades tributárias estaduais, distritais e municipais;

IV – a coordenação de fiscalizações integradas em âmbito nacional, bem como a arrecadação, cobrança e distribuição de recursos aos entes federados;

V – os procedimentos a serem adotados para a implantação e funcionamento da Escola Nacional de Administração Tributária, visando a capacitação, formação e aperfeiçoamento, em âmbito nacional, das autoridades tributárias;

VI – a forma pela qual seus dirigentes serão escolhidos pelos governadores dos Estados e Distrito Federal, prefeitos das capitais e demais Municípios;

VII – o rateio entre os Estados, o Distrito Federal e os Municípios das despesas do Comitê Gestor da Administração Tributária Subnacional e da Escola Nacional de Administração Tributária.

Diferente do CGSN, que está previsto unicamente na LCF nº 123/2006, o Comitê Gestor da Administração Tributária Nacional ou Subnacional ganhará previsão constitucional e, igualmente ao seu predecessor, assumirá dimensões federativas e suas resoluções produzirão eficácia erga omnes. Importante que se diga, a introdução do Comitê Gestor no bojo constitucional eliminará as discussões ou controvérsias acerca da afetação da autonomia dos entes políticos, a exemplo do que atualmente ocorre com o CGSN, pelo menos no âmbito das administrações tributárias municipais.

A previsão constitucional do citado Comitê dotá-lo-á de envergadura estruturante do pacto federativo fiscal, do qual o princípio da autonomia decorre, alicerçando as prerrogativas das competências tributárias.

4.3. Do PLC nº 147, de 2019 e da alteração na composição do CGSN

O Comitê Gestor do Simples Nacional não é perfeito e carece de aprimoramentos, especialmente no que concerne à paridade de poder na tomada de decisões entre os entes políticos, visto estar concentrado na pessoa da União, que sozinha possui 50% das representações. Isto afeta o princípio da autonomia dos Municípios no tocante ao ISSQN, posto que restam vinculados às determinações que não são suas. Embora relevante, esse é um assunto a ser aprofundado noutra oportunidade.

Como dito, o CGSN regula prorrogativas inerentes às competências tributárias dos entes políticos. Nesse sentido, porém abstraindo a discussão sobre a ausência de paridade na tomada de decisões, para fins da formulação das resoluções, ao analisar a atual composição do Comitê, verifica-se que todos os membros são oriundos das administrações tributárias federal, estadual e municipal. Portanto, não há que se falar em prejuízo a quaisquer disposições constitucionais ou infraconstitucionais.

Referido cenário está prestes a ser modificado, na medida em que, se aprovado for, e tudo indica que será, o PLC nº 147/2019, além de outras grandes modificações, pretende alterar a composição a composição do Comitê Gestor do Simples Nacional. Para tanto, o inciso I do artigo 2º da LCF nº 123/2006 passará a vigorar com a seguinte redação:

I - Comitê Gestor do Simples Nacional, vinculado ao Ministério da Economia, composto de 4 (quatro) representantes da União, 2 (dois) dos Estados e do Distrito Federal, 2 (dois) dos Municípios, 1 (um) do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e 1 (um) das confederações nacionais de representação do segmento de micro e pequenas empresas mencionadas no art. 11. da Lei Complementar n° 147, de 7 de agosto de 2014, para tratar dos aspectos tributários;

Pela proposta, o CGSN passará a ter dois novos integrantes, sendo um represente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e um representante das confederações nacionais de representação do segmento de micro e pequenas empresas. Importante frisar que, notadamente, referidas representações são oriundas da iniciativa privada e serão investidas das prerrogativas inerentes às Administrações Tributárias, especialmente para exercer o poder regulamentar típico da Administração Pública.

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Sobre o autor
Miqueas Liborio de Jesus

Auditor Fiscal da Receita Municipal de Joinville/SC e Professor na Associação Catarinense de Ensino - ACE/FGG, no curso de Direito, ministrando as disciplinas de Direito Tributário I e Direito Tributário II. Bacharel em Ciências Jurídicas (Direito) pela Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE, Aprovado no Exame da OAB em 21/05/2006 e MBA em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas – FGV.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JESUS, Miqueas Liborio. A (im)possibilidade do Comitê Gestor do Simples Nacional (CGSN) ser composto por membros estranhos às administrações tributárias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7900, 16 fev. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/78827. Acesso em: 5 dez. 2025.

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