O nepotismo é um velho hábito na Administração Pública brasileira em todos os seus níveis e em todos os Poderes. O Conselho Nacional da Justiça – CNJ-, recentemente, preocupado com a prática no Poder Judiciário, publicou a RES. nº 07, de 18.10.2005, que traz no seu art. 1º a seguinte redação: É vedada a prática de nepotismo no âmbito de todos os órgãos do Poder Judiciário, sendo nulos os atos assim caracterizados. Pelo texto, não somente fica vedada a prática, como ainda são declarados nulos os atos assim caracterizados. O art. 5º fixa o prazo de noventa dias, contado da publicação da Resolução, para que os Presidentes dos Tribunais promovam exoneração dos atuais ocupantes de cargos de provimento em comissão e de funções gratificadas, nas situações previstas no art. 2º, comunicando ao Conselho (1).
A reação foi imediata pelas Cortes de Justiça, especialmente as Estaduais. Sob a forma do moralmente relevante e do politicamente correto, a RES do CNJ é juridicamente ineficaz, servindo como medida de efeito para a opinião, escondendo em si, contudo, grave risco para a ordem jurídica. Não é pregando o moralismo e o politicamente correto que se combatem práticas lesivas ao Estado. Creio que o CNJ ao promulgar a Resolução como norma de eficácia plena, não somente deu cancha aos que combateram a sua instituição, como ainda motiva um esvaziamento na luta contra o nepotismo.
As reações foram pró e contra. O desembargador Júlio Paulo Neto, Presidente em exercício do TJ da Paraíba anunciou que não se alinharia àqueles que pretendiam promover medidas judiciais contra a Resolução (2). O Ministério Público do Trabalho (MPT) anunciou que vai exonerar servidores ocupantes de funções comissionadas (FC) que sejam parentes, cônjuges ou companheiros de Procuradores do Trabalho e tenham sido contratados sem aprovação em concurso público (sem vínculo). A decisão obedece à resolução nº 1, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) - publicada no Diário Oficial da União de 14 de novembro (2). Quatro servidores do Maranhão entraram com Mandado de Segurança no Supremo Tribunal Federal contra a resolução do Conselho Nacional de Justiça que proíbe a contratação de parentes de juízes sem concurso público e determina a exoneração dos contratados. A relatora do processo é a ministra Ellen Gracie (3). O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (2), Roberto Busato, se reuniu na sede da OAB, em Brasília, com os presidentes da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Rodrigo Collaço; da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Jorge Maurique; da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), José Nilton Pandelot; e da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Nicolao Dino, visando à implementação da vedação ao nepotismo (2). Contra a Resolução levantaram-se Desembargadores dos Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e Goiás.
A Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages) questionou no STF a inconstitucionalidade dos artigos 1º, 2º, 3º e 5º da Resolução nº 07/05, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIN 3617 -, distribuída ao Min. Cezar Peluso (4). Na Bahia, os candidatos que irão disputar a Presidência do Tribunal de Justiça para o próximo biênio, Desembargadores Eduardo Jorge Magalhães, Benito Figueiredo e Luci Moreira, mesmo admitindo que tenham parentes beneficiados, informam que farão cumprir a Resolução do CNJ se indiscutível a validade jurídica. O Des. Dultra Cintra, ex-Presidente do TJBA que promoveu uma revolução no Judiciário Baiano, hoje Presidente do TRE-BA, falando de cátedra por não ter parentes ocupantes cargos comissionados, questiona a eficácia da validade jurídica da RES CNJ, defendendo que a vedação ao nepotismo deveria ocorrer por Lei e extensiva a todos os Poderes. Razão lhe assiste (5).
No particular, entendo que somente uma Emenda Constitucional seria capaz de proibir a prática do nepotismo em razão das Competências Constitucionais da União, Estados, Município e Distrito Federal e dos Poderes. EC ou Lei depende do Congresso Nacional ou Assembléias Legislativas onde o nepotismo é coisa corriqueira. O Prof. Cláudio Lembo (6), sobre a RES CNJ manifestou o seguinte: "Eu acho que o nepotismo não é o grande problema. Os cargos de confiança podem ser exercidos por pessoas da família desde que sejam competentes e capacitadas. Eu não tenho ninguém da minha família em posto público. Nem permito que a minha família freqüente meu trabalho. O CNJ pegou um caso pequeno e transformou em um grande caso nacional. É importante que não se abuse da utilização de parentes, nem que se deva utilizar, mas eu acho que é um caso meramente simbólico, sem profundidade."
O combate ao nepotismo depende apenas de vontades políticas da União, Estados, Municípios e Distrito Federal e seus respectivos Poderes, a não ser isso, como afirmei, somente uma Emenda Constitucional resolveria o problema. Enquanto isso não ocorrer, fica difícil evitar o nepotismo. Elpídio Donizette, Presidente da Anamages e Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (7) esclarece: "Não tenho nenhum parente empregado. Mas não quero tapar o Sol com a peneira. A verdade nua e crua é que tem interesses. Nos três poderes. Querem que não se proíba isso. Temos por aí afora, em todo país, parentes empregados", e ainda: "Uma ordem ilegal, vinda de um órgão administrativo, não pode ser cumprida. Afrontaria o texto constitucional. O que nós queremos é marcar qual é o território do Conselho Nacional de Justiça. O objetivo não é o nepotismo."
Não vedando a CF e não havendo normas proibitivas nos níveis das competências, fica difícil evitar o nepotismo. A censura meramente moral, difusa, para ter resultados depende muito do trabalho da imprensa. Temos conhecimento de iniciativas judiciais do Ministério Público contra o emprego de parentes de dirigentes de Órgão Públicos, sob a alegação de improbidade administrativa por violação aos princípios da moralidade e da impessoalidade do art. 37, caput, da CF. A Juíza de Direito Adriana Lampert no último dia 19, da comarca de Iguatemi, determinou o afastamento das 1ªs Damas dos municípios de Iguatemi e de Tacuru, ao deferir liminar requerida pelo Promotor de Justiça Fernando Jamusse. O Promotor de Justiça ajuizara duas ações de improbidade administrativa, uma contra o Prefeito de Iguatemi, Lídio Ledesma, que contratou a sua esposa, Cecília Welter Ledesma, para cargo em comissão, e outra, contra o Prefeito de Tacuru, Cláudio Rocha Barcelos, que nomeou a sua esposa, Shirlei Aparecida Gilbertoni, para o cargo em comissão de Secretária Municipal de Ação Social. Não havendo norma proibitiva, entendendo que somente será possível caracterizar o emprego de parentes como ato de improbidade administrativa se o parente empregado receber sem trabalhar. Se o parente do Gestor Público trabalha, tem freqüência e produz, não creio ter aplicabilidade os princípios da moralidade e impessoalidade, em razão do princípio da legalidade, todos do art. 37, "caput", da CF.
A questão do nepotismo tratada na Resolução 007 do CNJ esconde um risco altamente preocupante. È necessário preservar as competências constitucionais. O CNJ sempre foi um anseio da sociedade, não podendo, contudo, entender que seja um Poder ou que tenha competência legislativa. É órgão de controle externo do Poder Judiciário com sua função Constitucional-administrativo de planejamento, controle, avaliação e de execução e de força disciplinar. A instituição do CNJ se deu com a EC 45/2004, que acresceu o inciso I-A ao art. 92, e nele encontramos: "Art. 92 - São órgãos do Poder Judiciário: I-A - o Conselho Nacional de Justiça;". No seu Regimento Interno, quanto a sua competência, temos: Art. 19. Ao Plenário do Conselho compete o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura, o seguinte: I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências; II - zelar pela observância do art. 37 da Constituição Federal e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União e dos Tribunais de Contas dos Estados."
O Poder de Legislar é da competência exclusiva do Congresso Nacional, arts. 44, 48, 59, 60 e 61 a 68, todos da CF, abrindo-se exceção apenas ao Poder Executivo que poderá usar das Medidas Provisórias, art. 62 (usadas de forma espúria com o permissivo dos Poderes Legislativo e Judiciário), com as vedações ali consignadas. A RES 07/2005 do CNJ, agora, por força da ADIN 3617, está sujeita ao controle direto da Suprema Corte Federal que deverá declarar sua inconstitucionalidade, sob pena de se perverter a ordem constitucional e se oficializar as invasões de competências.
A forma do ato jurídico também invalida. A vedação ao nepotismo se deu mediante Resolução, e no dizer de Hely Lopes Meirelles (8), "As Resoluções, normativas ou individuais, são sempre atos inferiores ao regulamento e ao regimento, não podendo inová-los ou contrariá-los, mas unicamente complementá-los e explicá-los...". Ora, se não há Lei proibitiva não poderá haver Resolução, ato de efeito meramente interno. Sobre a declaração de inconstitucionalidade da norma, Buzaid (8) ensina: A função do judiciário, ao apreciar a lei, ou o ato normativo eivado de inconstitucionalidade, limita-se a negar-lhe obediência, liberando o ofendido do dever de se sujeitar à sua autoridade. Essa atividade consiste não tanto em anular ou revogar, quanto em deixar de aplicar a lei, incompatível com outra lei hierarquicamente superior ou com a Constituição." José Afonso da Silva (8) citando Themístocles Brandão Cavalcanti, quanto aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, pensa de forma diversa, sob que pese isso não importar ao caso por que a Resolução somente terá vigência 90 dias após a sua publicação e até lá o STF já terá se posicionado mediante liminar.
A Resolução invade ainda diversas outras competências constitucionalmente previstas. A nossa Lei Mater diz ser da competência privativa dos Tribunais "dispor sobre os seus órgãos jurisdicionais e administrativos e organizar suas secretarias e serviços auxiliares", art. 96, I, letras a e b, sendo assegurado ao Poder Judiciário autonomia administrativa e financeira, art. 99, caput. Está previsto que "os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos na Constituição, Art. 125". A "competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça", § 1º do artigo retro. O nosso sistema de governo é o federativo, sendo a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e Distrito Federal, art. 1º. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição, art. 18. Não havendo norma primária impeditiva do nepotismo, a RES. do CNJ, infelizmente, é norma ineficaz
Entendo que princípios, competências e prerrogativas não se transigem. Entender como válida a Resolução do CNJ em razão do moralismo nela embutido não é o caminho. Se o STF vir declarar a constitucionalidade da Resolução nº. 07/2005, do CNJ, com certeza, estará se dando margem à ditadura dos Tribunais. No sentido, vale ainda transcrever o pensamento do Prof. Cláudio Lembo: — Isso é apavorante, já que a pior ditadura é a ditadura do Judiciário. A ditadura da toga é a mais perigosa das ditaduras, porque é difícil de ser combatida.
Fontes de pesquisa:
1. www.soleis.adv.br;
2.Notícias, site do Conselho Federal da OAB;
3.Site Conjur;
4.STF- Notícias de 24.11.2005;
5.A Tarde (Bahia) edição de 16.11.2005, -C-1, 14, título Política;
6.ConJur (20.11.2005);
7.Blog de Josias de Souza (folha online, 26.11);
8.Meirelles, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, M, 24ª edição, pág. 165;
9.SILVEIRA, Maísa Cristina Dante da. A questão da nulidade do ato inconstitucional no direito pó positivo brasileiro. Jus Navigandi. Teresina, a. 9, n. 718, 23 jun. 2005. Disponível em: http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=6927