Capa da publicação A MP que flexibiliza regras trabalhistas em razão do Covid-19
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Os principais destaques da Medida Provisória 927/2020, dispondo de regras trabalhistas durante o combate ao Covid-19 (Coronavírus), explicados ponto a ponto

26/03/2020 às 13:15
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Comentam-se as novidades trazidas pela Medida Provisória 927/2020 e que serão observadas durante o período de calamidade pública originado pelo combate ao Coronavírus.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS - A SAÚDE DA POPULAÇÃO É IMPORTANTE; A SAÚDE FINANCEIRA DE QUEM CRIA POSTOS DE TRABALHO TAMBÉM  

 Na noite do dia 22/03/2020, foi publicada a Medida Provisória (MP) n. 927/2020 com o objetivo de flexibilizar diversas regras anteriormente previstas na legislação trabalhista para surtir efeitos durante o estado de calamidade pública decretado pelo Brasil através do Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020 e do estado de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Coronavírus (COVID-19), decretada pelo Ministro de Estado da Saúde, em 3 de fevereiro de 2020.

  Como consequência das medidas adotadas tanto pelo Governo Federal quanto pelos Governos dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, as relações de trabalho foram fortemente impactadas tendo em vista que, em diversos locais, o desempenho de atividades tidas como não essenciais foi restringido. Cita-se, por exemplo, o caso do Estado de Santa Catarina, onde o Governo Estadual determinou o isolamento da população, para que ficasse em quarentena, além de proibir a prática de qualquer atividade empresarial não essencial.

Obviamente que tais medidas trouxeram impacto financeiro imediato, uma vez que empregadores passaram, de forma repentina, a não poder mais exercer a sua atividade e, consequentemente, passaram a não dispor de qualquer fonte de renda. Por conseguinte, os empregados passaram a sentir temor pela perda de seus empregos. O que podemos chamar de “ciclo do caos nas relações de emprego” parecia estar formado, uma vez que sem dispor de fonte de renda e remanescendo suas obrigações pecuniárias (como o pagamento de salário aos empregados), o empregador não conseguiria atravessar a crise e manter suas portas abertas; fatalmente, isso acarretaria o aumento do desemprego; o trabalhador, desempregado, passa a não dispor de fonte de renda, fazendo com que a economia não gire deixando de consumir o produto fornecido por outros empregadores que, por conseguinte, deixarão de ter saúde financeira e terão de extinguir postos de trabalho, perpetuando os efeitos da crise.

 Tal “ciclo do caos nas relações de emprego” seria um forte golpe para a concretização do princípio da continuidade das relações de emprego, um dos mais basilares princípios do Direito do Trabalho.

Fazia-se absolutamente necessário, portanto, que o Poder Público tivesse iniciativas para proteger o trabalhador e o seu emprego. Todavia, faz-se cogente notar que o posto de trabalho somente será mantido se o empregador continuar de portas abertas. Um é consequência direta do outro.

  A Administração Pública precisava, portanto, não apenas cuidar da saúde da população; era necessário, também, cuidar da saúde financeira de quem cria os postos de trabalho.               

E foi neste contexto que a MP n. 927/2020. Mesmo que o objetivo imediato seja cuidar da saúde financeira do empregador, dando fôlego a ele para que possa atravessar essa crise, é inegável que a preocupação maior está na consequência deste primeiro ato, tendo em vista que somente desta maneira evitar-se-á a catastrófica demissão em massa - hipótese essa que logo que foi aventada, causou temor geral na população brasileira. 

 A ideia, aqui, não é exaurir todas as informações constantes na MP n. 927/2020, mas sim trazer os aspectos mais importantes e que mais impactarão, de forma imediata, nas relações trabalhistas, uma vez que empregados e empregadores encontram-se afoitos para entender o que é permitido ou não fazer para tentar sobreviver a esse período turbulento. Para tal, fez-se ainda um estudo comparado com regras anteriormente estabelecidas na legislação trabalhista na busca pela comprovação de que a flexibilização das medidas tinha o intuito de minimizar ao máximo o risco da extinção em massa de postos de trabalho.

Desta feita, passa-se agora à análise da MP n. 927/2020 ponto a ponto.

2. DO PERÍODO DENTRO DO QUAL AS NOVAS REGRAS PODERÃO SER ADOTADAS

 Logo de início, vale destacar que a MP n. 927/2020 entrou em vigor no mesmo dia em que foi publicada, ou seja, 22 de março de 2020, momento a partir do qual a MP passou a produzir efeitos.

Além disso, a MP n. 927/2020 é bastante enfática ao salientar que as novas regras servem para preservação do emprego e da renda e para enfrentamento do estado de calamidade pública que, segundo o Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, deve perdurar até o dia 31 de dezembro de 2020.

Por fim, a MP ainda estabeleceu que todas as medidas, que não tenham contrariado o texto da Medida Provisória, tomadas pelos empregadores nos 30 dias anteriores à sua publicação seriam convalidadas, observando a finalidade de abarcar os atos praticados de forma mais imediata pelos empregadores que já estivessem buscando proteger-se contra os efeitos da crise.  

Aqui vale fazer uma ressalva. Em que pese a MP tenha estabelecido que as regras trabalhistas podem ser adotadas até 31 de dezembro de 2020, a própria Media Provisória tem vigência por apenas 60 dias, podendo ser prorrogada caso não tenha sua votação concluída pelas Casas do Congresso Nacional. Destarte, em que pese as regras possam ser adotadas imediatamente, é necessário ficar atento ao prazo de vigência, uma vez que caso a MP não seja votada dentro do prazo ou caso seja rejeitada pelo Congresso, as novas regras não poderão mais ser adotadas ainda que perdure o estado de calamidade pública no país.

3. A POSSIBILIDADE DE CELEBRAÇÃO DE ACORDOS INDIVIDUAIS ESCRITOS ENTRE EMPREGADO E EMPREGADOR

A MP n. 927/2020 estabeleceu que, durante o período de calamidade pública (até 31/12/2020), empregado e empregador poderão estabelecer acordo individual escrito com o intuito de preservação do emprego. Tal acordo terá superioridade sobre os demais instrumentos normativos. 

Todavia, isso não quer dizer que empregador e empregado podem, livremente, dispor sobre qualquer direito em tal acordo: a MP n. 927/2020 é enfática ao salientar que devem ser respeitados os limites dispostos na Constituição Federal.

4. DO TELETRABALHO OU TRABALHO À DISTÂNCIA

A MP n. 927/2020 estabeleceu que, durante o estado de calamidade pública, alguns dos requisitos para o estabelecimento do teletrabalho (art. 75-B, CLT), que é aquele realizado à distância (na casa do empregado ou em outros locais que não a sede da empresa) e com a utilização de tecnologias da informação e comunicação, serão flexibilizados.

O objetivo da MP não foi criar uma nova modalidade de prestação de serviços, mas sim encontrar uma solução imediata, flexibilizando regras mais rígidas, para possibilitar que empregadores sentissem menos impacto durante a crise já que empregados continuariam trabalhando remotamente, mantendo, portanto, seus empregos.

O primeiro ponto a ser observado, no art. 4º da MP n. 927/2020, é que a opção pela alteração do regime presencial pelo trabalho à distância e, posteriormente, a nova alteração para o regime de trabalho presencial passa a ser uma escolha do empregador (flexibilizando o art. 75-C, § 1o, da CLT, que previa o mútuo acordo para alteração entre regime presencial e teletrabalho); todavia, é necessário que o empregado seja avisado sobre a alteração, por escrito ou por meio eletrônico, com antecedência mínima de 48 horas.

Ademais, ao contrário do previsto no art. 75-C, 1o, da CLT, pela urgência com a qual tal medida pode ser tomada, não é necessário registrar a alteração na Carteira de Trabalho.

Além dos empregados, os estagiários e os aprendizes também podem realizar o teletrabalho.

O art. 4º, § 3º, da MP, traz disposição praticamente idêntica ao que consta no art. 75-D, da CLT, uma vez que estabelece que as partes deverão prever, através de contrato escrito, as responsabilidades pela aquisição e manutenção dos equipamentos e da infraestrutura necessária para a realização do teletrabalho, bem como a forma como se dará o reembolso no caso de o empregado ter que arcar com a compra de qualquer equipamento. A única novidade é que, na MP, o documento prevendo tais responsabilidades pode ser confeccionado em até 30 dias. 

Uma novidade trazida pelo art. 4, § 4º, da MP, justificada justamente pela urgência da medida, diz respeito ao caso de o empregado não possuir os equipamentos para realizar o teletrabalho. Nesses casos, o empregador poderá emprestá-los gratuitamente ao trabalhador. Além disso, o empregador poderá pagar por serviços de infraestrutura, ou seja, pagar para que o trabalhador possa trabalhar em outros locais que não a sua casa, mas que possam ser mais próximos dela, uma vez que, em diversas cidades, o serviço de transporte público foi reduzido ou paralisado.

Por fim, a MP previu ainda que o tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação, pelo empregado, fora da sua jornada de trabalho normal não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou coletivo.

5. ANTECIPAÇÃO DAS FÉRIAS INDIVIDUAIS

Se a CLT previa que o empregado deveria ser informado sobre suas férias com no mínimo 30 dias de antecedência (art. 135), agora, durante o estado de calamidade pública, o empregador poderá informar ao empregado sobre a antecipação de suas férias com antecedência mínima de 48 horas (art. 6º, MP n. 927/2020).

Tal informação poderá ser feita por escrito ou por meio eletrônico e deverá conter o período de férias a ser gozado pelo empregado. Além disso, abriu-se a possibilidade de empregado e empregador negociarem, por escrito, a antecipação de períodos futuros de férias.

As férias não poderão ser gozadas em períodos inferiores a cinco dias corridos (mesma previsão constante no art. 134, § 1o, da CLT) e, ainda, o empregador poderá antecipar as férias, concedendo descanso mesmo que o respectivo período aquisitivo ainda não tenha transcorrido completamente (art. 6º, § 1º, II, MP n. 927/2020).

Outra informação importante é a de que empregados que estão no grupo de risco do COVID-19 terão prioridade para o gozo de férias (art. 6º, § 3º, MP n. 927/2020). Além disso, os profissionais da área de saúde ou aqueles que desempenhem funções essenciais que estiverem de férias ou licença não remunerada durante a calamidade, poderão ter tais férias ou licenças suspensas (art. 7º, MP n. 927/2020), justamente para poder auxiliar no combate à pandemia do Coronavírus. Obviamente que se trata de novidades (justificadas, diga-se) trazidas pela MP.  

Quanto ao pagamento, a quitação da remuneração das férias não precisará ser feita com dois dias de antecedência, como prevê a CLT em seu art. art. 145.

De acordo com o art. 9º da MP, o empregador poderá pagar ao empregado a remuneração das férias até o 5º dia útil do mês subsequente ao início das férias do trabalhador. Já no que diz respeito ao pagamento do adicional de 1/3 (um terço) de férias, ele poderá ser feito após a concessão do descanso, e a data limite para pagamento é a mesma data de pagamento da gratificação natalina, ou seja, até o dia 20 de dezembro de 2020 (art. 8º da MP n. 927/2020).

Assim sendo, nenhum pagamento foi suprimido, houve tão somente a flexibilização dos prazos para pagamento justamente na tentativa de desafogar o caixa dos empregadores que, uma vez que não previam dar férias aos trabalhadores nessa época, certamente não disporiam de valores suficientes para efetuar, de forma antecipada, o pagamento das férias.

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Caso o empregado venha a ser demitido durante o período de calamidade pública, os valores ainda não adimplidos relativos às férias deverão ser pagos juntamente com o valor da rescisão (art. 10, MP n. 927/2020).

6. DAS FÉRIAS COLETIVAS

 A MP estabeleceu, em seu art. 11,  que o empregador poderá conceder férias coletivas, devendo notificar o conjunto de trabalhadores com antecedência mínima de 48 horas, não se aplicando o limite máximo de dois períodos anuais e o limite mínimo de 10 dias corridos por período (art. 139, § 1º da CLT). Em outras palavras, o empregador poderá conceder férias coletivas em períodos menores de 10 dias corridos e ainda poderá conceder tais férias em tantos períodos quanto necessário. Novamente, é uma clara flexibilização das regras trabalhistas, sem a supressão de direitos, possibilitando que a medida seja adotada inclusive por todos os empregadores.

Apesar de a MP n. 927/2020 não ter previsto o número mínimo de dias de cada período de férias, o mais sensato é utilizar, por analogia, o prazo mínimo de 05 dias estabelecido para férias individuais (art. 143, § 1º da CLT) até mesmo para minimizar eventuais problemas judiciais no futuro.

Por fim, o empregador está dispensado da comunicação prévia ao órgão local do Ministério da Economia e da comunicação aos sindicatos representativos da categoria profissional, novamente flexibilizando o que estava disposto na CLT, em seu art. 139, §§ 2º e 3º. Deve-se salientar que a CLT previa a comunicação prévia ao Ministério do Trabalho; por sua vez, a MP dispõe sobre a comunicação ao Ministério da Economia. A despeito de tal divergência, a intenção clara é reduzir a burocracia possibilitando a tomada imediata da decisão.

Novamente, percebe-se que houve somente a flexibilização de regras já existentes, possibilitando que as medidas possam ser tomadas imediatamente justamente porquanto se destinam a minimizar os impactos causados pela pandemia do Coronavírus.   

7. DO APROVEITAMENTO E ANTECIPAÇÃO DOS FERIADOS

Neste ponto a flexibilização foi um pouco maior do que nos demais. De acordo com a Lei 605/49, ou “Lei do Repouso Remunerado”, o trabalho nos feriados seria remunerado em dobro, salvo se o empregado gozasse de folga compensatória. Tal dispositivo foi revogado recentemente pela MP n. 905/2019, que instituiu o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo - essa última lei traz a mesma previsão de pagamento do feriado trabalhado em dobro a menos que seja concedida folga compensatória. 

A MP n. 927/2020, por sua vez, trouxe a possibilidade de antecipação dos feriados religiosos e não religiosos, ou seja, houve uma espécie de flexibilização quanto à concessão da folga compensatória. Foi uma medida para possibilitar que, considerando o período dentro do qual os trabalhadores encontram-se em quarentena e não podem trabalhar, esses dias não trabalhados possam ser considerados como o descanso antecipado dos feriados.

Para se aproveitar de tal regra, no que diz respeito à antecipação do gozo de feriados não religiosos federais, estaduais, distritais e municipais, os empregadores deverão notificar, por escrito ou por meio eletrônico, o conjunto de empregados beneficiados, mencionando expressamente os feriados aproveitados, com no mínimo 48 horas de antecedência (art. 13, MP n. 927/2020). Além disso, os feriados poderão ser aproveitados para compensação do saldo em banco de horas.

Quanto aos feriados religiosos, a antecipação dependerá de concordância do empregado, e deverá ser formalizado em acordo individual por escrito (art. 13, § 2º, MP n. 927/2020). 

8. DO BANCO DE HORAS

Enquanto perdurar o estado de calamidade pública, o empregador poderá interromper suas atividades e, consequentemente, poderá, por meio de acordo individual formal ou acordo coletivo, instituir regime de banco de horas tanto em favor do empregador quanto em favor do empregado (art. 14, MP n. 927/2020). A compensação das horas poderá ser realizada em até 18 meses contados a partir da data de encerramento do estado de calamidade pública (art. 14, § 1º, MP n. 927/2020).

Novamente, apenas a flexibilização de regras, sobretudo no que diz respeito ao prazo, uma vez que o art. 59, §§ 2º e 5º, da CLT, previam que o banco de horas poderia ser instituído por CCT ou ACT, quando as horas podem ser compensadas dentro de um ano, ou por acordo individual, quando as horas podem ser compensadas dentro de seis meses.

Uma novidade trazida pela MP n. 927/2020, ao estabelecer expressamente que o banco de horas poderá ser em favor do empregador, é a possibilidade de haver uma espécie de banco de horas negativo, ou seja, as atividades da empresa são imediatamente interrompidas, o empregado para de prestar serviços e as horas não trabalhadas serão compensadas posteriormente.

Vale destacar, ainda, que quando houver a compensação para recuperar o tempo interrompido, poderá haver a prorrogação de jornada diária em até duas horas, não podendo a jornada exceder a 10 horas diárias, ou seja, nada diferente do que já previsto nos artigos celetistas.

9. DO ADIAMENTO DOS DEPÓSITOS DE FGTS

Importante medida visando desafogar financeiramente os empregadores é a suspensão da exigibilidade dos depósitos de FGTS referentes a março, abril e maio de 2020 (com vencimento em abril, maio e junho de 2020 respectivamente). Tal medida pode ser tomada não importando o número de empregados, nem o regime de tributação, nem o ramo de atividade econômica, nem depende de adesão prévia (art. 19, MP n. 927/2020).

O depósito do valor referente às parcelas suspensas poderá ser realizado em até 06 prestações mensais, sem incidência de atualização, multa e encargos, a vencer no sétimo dia de cada mês a partir de julho de 2020 (art. 20, MP n. 927/2020) - ou seja, a partir de julho de 2020, deverá ser feito o depósito do mês referência (competência de junho) somado ao depósito do valor das parcelas até então suspensas (competência março, abril e maio).

Para usufruir do benefício os empregadores devem declarar os valores até o dia 20 de junho de 2020 - caso não o faça, os valores não declarados serão considerados em atraso e serão aplicadas as penalidades cabíveis.

Caso haja rescisão do contrato de trabalho (art. 21, MP n. 927/2020), a suspensão da obrigatoriedade dos depósitos deixa de existir e o empregador fica obrigado ao recolhimento integral dos valores que ficaram para trás, pertencentes ao trabalhador desligado, sem incidência de multas e encargos (caso efetuado dentro do prazo legal), além do já costumeiro depósito dos valores do mês da rescisão e do mês imediatamente anterior.

É bastante óbvio que tal medida é uma novidade, sem qualquer correspondente na legislação trabalhista, visando auxiliar os empregadores no que diz respeito ao seu fluxo de caixa. Novamente, não houve supressão de quaisquer direitos, mas tão somente a prorrogação da data limite para o cumprimento de prestações pecuniárias.

10. DOS EXAMES MÉDICOS OCUPACIONAIS E TREINAMENTOS PERIÓDICOS

Durante o período de calamidade pública, há obrigatoriedade da realização apenas dos exames demissionais, sendo que os demais exames médicos clínicos e complementares poderão ser realizados em até 60 dias após o encerramento do período de calamidade pública (a não ser que o médico coordenador de programa de controle médico e saúde ocupacional entenda que tal prorrogação implique em risco para o empregado); todavia, os exames demissionais podem ser dispensados caso o último exame do trabalhador tenha sido realizado há menos de 180 dias - art. 15 e parágrafos da MP n. 927/2020.  

 Quanto aos treinamentos periódicos dos atuais empregados (art. 16 e parágrafos da MP n. 927/2020), sua obrigatoriedade fica suspensa durante o estado de calamidade pública, podendo ser realizados no prazo de 90 dias após o encerramento de tal período ou, ainda, podendo ser realizados à distância.

11. DO DIRECIONAMENTO DO TRABALHADOR PARA QUALIFICAÇÃO

Essa foi a medida mais polêmica trazida pela MP n. 927/2020 - tão polêmica que gerou críticas a ponto de o Presidente da República determinar a sua revogação menos de 24 horas após a publicação da MP.

Dizia respeito à possibilidade suspender o contrato de trabalho, por até 04 meses, para que o empregado participasse de curso ou programa de qualificação profissional não presencial (por óbvio, devido às restrições para movimentação em decorrência da pandemia do COVID-19) - art. 18 da MP n. 927/2020. Tal suspensão não dependeria de acordo ou convenção coletiva, podendo ser acordada individualmente entre empregado e empregador, devendo ser registrada na CTPS do trabalhador.

Durante tal período, o empregador poderia conceder ao empregado uma ajuda compensatória mensal que não teria natureza salarial, sendo que o valor seria livremente negociado entre empregado e empregador. O empregador poderia, ainda, voluntariamente, conceder eventuais benefícios que não integrariam o contrato de trabalho.

E aqui residia o ponto de maior crítica. Isso porque não havia a previsão da obrigatoriedade de pagamento de qualquer valor ao trabalhador, ou seja, abriu-se a possibilidade de o empregador suspender o contrato de trabalho, promovendo cursos de qualificação, sem que precisasse pagar quaisquer valores ao empregado.

Cabe destacar que a CLT possui previsão muito semelhante a essa quando, em seu art. 476-A, prevê a possibilidade de suspensão do contrato para qualificação profissional pelo período de 2 a 5 meses. Aqui, entretanto, há a previsão da possibilidade do pagamento de ajuda compensatória mensal, mas o valor, que na MP poderia ser negociado diretamente entre empregado e empregador, dependeria de acordo ou convenção coletiva. Ou seja, havia uma garantia a mais de que o trabalhador receberia valores durante a suspensão contratual.

A medida era, de fato, a mais crítica trazida pela MP. Isso porque dificilmente aqueles empregadores que estivessem desesperados com a grave crise causada pela pandemia, com o fluxo de caixa fortemente impactado, adotariam medidas para realizar o pagamento da ajuda compensatória ao trabalhador. Estabelecia-se, assim, uma desproporcionalidade, uma vez que, se de um lado o empregador ficava desobrigado financeiramente, tomando fôlego, de outro o empregado poderia perder totalmente a fonte de sua subsistência.

Talvez o mais sensato fosse ter estabelecido a possibilidade de as partes acordarem a suspensão do contrato (ao invés de ter previsto que o empregador unilateralmente poderia suspender) mediante o obrigatório pagamento de ajuda compensatória (ao invés da possibilidade de não haver pagamento), estabelecendo-se que tal ajuda deveria respeitar um patamar percentual mínimo em se comparado ao salário do trabalhador. Seria mais razoável e traria uma distribuição proporcional do ônus às partes; todavia, tal cuidado não foi tomado, e a regra acabou revogada, conforme dito. 

12. DOS ESTABELECIMENTOS DE SAÚDE

Regramento que se aplica apenas aos estabelecimentos de saúde estabelece que é permitido que mediante acordo individual escrito, mesmo para as atividades insalubres e para a jornada de doze horas de trabalho por trinta e seis horas de descanso, seja pactuada a prorrogação da jornada de trabalho e a adoção de escalas suplementares  entre a décima terceira e a vigésima quarta hora do intervalo interjornada, sem que haja penalidade administrativa, garantido o repouso semanal remunerado.

A exemplo do que já estabelecido em tópico anterior, aqui as horas suplementares também poderão ser compensadas, no prazo de dezoito meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública, por meio de banco de horas ou, ainda, ser remuneradas como hora extra.

13. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Metaforizando, é preciso entender que quem mata a galinha, até pode ter um farto jantar; mas, amanhã, não terá ovo para comer. É preciso, portanto, manter o empregador de portas abertas uma vez que é somente desta forma que serão mantidos os empregos dos trabalhadores. 

Conforme visto, a MP n. 927/2020 tinha, como objetivo primário, flexibilizar regras trabalhistas, mais rígidas, possibilitando a adoção de medidas imediatas frente à crise vivida no Brasil, buscando auxiliar os empregadores a atravessar esse período turbulento; como objetivo final, a MP sem dúvidas busca minimizar a chance de haver uma demissão em massa.

Conforme dito, cuidar da saúde da população, o que inclui a saúde dos trabalhadores, é importante; mas tão importante quanto é cuidar da saúde econômica daqueles que geram os empregos no Brasil, sob o risco de, não o fazendo, ver-se surgir um ciclo em que o fechamento de portas gerará demissões em massa que, por sua vez, diminuirão o poder aquisitivo e o consumo, gerando novos fechamentos de empresas e, consequentemente, a extinção de outros postos de trabalho.  

Em outras palavras, é preciso cuidar da saúde corpórea e financeira de empregados e empregadores.

Neste contexto, a MP n. 927/2020 vem como uma resposta a esse quadro, trazendo medidas que tem o condão de minimizar os efeitos da crise, objetivando dar certo fôlego para os empregadores com vistas à viabilizar a continuidade da sua atividade, evitando que portas sejam fechadas e postos de trabalho extintos.

Em um ramo em que historicamente o empregado é (justificadamente) protegido pela legislação, é chegada a hora de todos, sobretudo dos próprios trabalhadores, entenderem que, em muitos casos, a flexibilização de regras trabalhistas (sem supressão de direitos) faz-se como medida necessária para garantir que o seu próprio emprego continue existindo no futuro. Isso é, inclusive, respeitar a concretização do princípio da continuidade da relação de emprego, visando manter os postos de trabalho atualmente existentes.

Além disso, o art. 8º da CLT é claro ao asseverar que o interesse público se sobrepõe a interesses particulares ou interesses de classe. O interesse público em evitar um colapso na economia é inquestionável.   

Por certo que tais regras trarão bastante discussão, sobretudo no âmbito dos sindicatos; entretanto, é inegável que era preciso que medidas drásticas fossem tomadas para trazer segurança jurídica às relações trabalhistas e para que os vínculos empregatícios atualmente existentes não sejam dizimados após esse período turbulento passar. Afinal, de nada adiantaria exigir que os empregadores cumprissem rigorosamente o disposto na legislação trabalhista e, como consequência, houvesse a inviabilização da manutenção de sua atividade.

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Sobre o autor
Luiz Fernando Calegari

Advogado, OAB/SC 49886, sócio do escritório Fontes, Philippi, Calegari Advogados, graduado em Direito (Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC), Especialista em Direito Civil (Rede LFG) e em Compliance Contratual (LFG), Mestrando em Direito (UFSC).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CALEGARI, Luiz Fernando. Os principais destaques da Medida Provisória 927/2020, dispondo de regras trabalhistas durante o combate ao Covid-19 (Coronavírus), explicados ponto a ponto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6112, 26 mar. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/80377. Acesso em: 19 mar. 2024.

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