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Direito à saúde no Brasil e nos Estados Unidos

08/05/2020 às 09:20
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As comparações com sistemas estrangeiros não são eficazes, uma vez que as particularidades históricas, culturais, ambientais e sociais do Brasil são únicas, reclamando solução individualizada.

ÍNDICE: DOS DOIS SISTEMAS DE SAÚDE. O OBAMACARE. O TRUMPCARE. DOS PAPÉIS DA INICIATIVA PRIVADA EM AMBOS OS SISTEMAS. DO ENGANO QUANTO À PERCEPÇÃO DA EXCESSIVA ONEROSIDADE DO SISTEMA NORTE-AMERICANO. DA IMPROPRIEDADE DAS COMPARAÇÕES. CONCLUSÃO. FONTES REFERENCIAIS.


DOS DOIS SISTEMAS DE SAÚDE

O direito à saúde, na República Federativa do Brasil, caracteriza-se pela sua positivação em nível constitucional desde 1988, sob a rubrica de direito fundamental, como consequência das correntes da social democracia, que nasceram desde o período posterior à Segunda Guerra Mundial.

Antes de 1988, a legislação brasileira relativa ao tema saúde limitava-se a normas esparsas, a exemplo das garantias ao socorro público e à inviolabilidade do direito à subsistência, ou, ainda, das formas indiretas de proteção, quando a saúde integrava os direitos do trabalhador e as normas de assistência social.

Nos Estados Unidos da América do Norte, o debate sobre o dever estatal de fornecer cuidados médicos teve início no século XIX.

Em 1854, a ativista Dorothea Dix elaborou projeto de lei que pretendia assegurar saúde pública a todos os cidadãos. No entanto, sua ideia foi vetada pelo então presidente, Franklin Pierce, sob o argumento de que o bem estar social não deveria estar sob os cuidados do Estado.

No início do século 20, o ex-presidente Theodore Roosevelt tentou implementar um sistema de saúde assegurado pelo governo para todos os cidadãos, mas foi derrotado.

Hoje, naquele País, existem seis sistemas de saúde diferentes, sendo três exclusivamente públicos, dois mistos e um exclusivamente privado.

Os sistemas públicos são, em ordem decrescente de quantidade de pessoas atendidas, o Medicaid, o Medicare e o Veterans Affairs (VA).

À exceção do último, que volta sua atuação para militares aposentados, os outros dois foram criados na década de 1960, a fim de amparar os idosos (Medicare) e a população de baixa renda (Medicaid), após o fracasso da tentativa de implementação de um “SUS norte-americano”.

Juntos, os três atendem quase 100 milhões de habitantes, cerca de um a cada três americanos.

Se adicionarmos as clínicas populares e de caridade, que funcionam com repasses públicos, além de doações, e os atendimentos emergenciais subsidiados, chegaremos a uma estimativa de cobertura próxima a 120 milhões de pessoas.

Os serviços, tanto do Medicare quanto do Medicaid, são fornecidos por empresas privadas, mas os custos são pagos pelo governo. Financiados por tributos, seus beneficiários quase sempre usufruem de cuidados médicos sem que com isso precisem arcar financeiramente, nem mesmo por tratamentos. Em alguns casos, entretanto, há a necessidade de pagamento de apólices de seguro de saúde, algo mais comum no Medicare do que no Medicaid.

No Brasil, a Constituição de 1988, em seu art. 196, outorgou titularidade universal do direito à saúde, o que significa que deve ser reconhecido e assegurado a todas as pessoas. A dimensão objetiva da citada titularidade evidencia-se no SUS (Sistema Único de Saúde), informado pelos princípios da unidade, descentralização, regionalização, hierarquização, integralidade e participação da comunidade.

Trata-se de uma rede regionalizada e hierarquizada de ações e serviços de saúde, operantes em todo território nacional, sem qualificação prévia dos seus destinatários, especificidade que o diferencia do sistema norte-americano.

O OBAMACARE

O Obamacare ampliou a faixa econômica do Medicaid, atingindo mais de 15 milhões de indivíduos.  Pessoas com renda mensal até quatro vezes acima da linha da pobreza e jovens com até 26 anos foram beneficiados. Empresas com mais de 50 funcionários foram obrigadas a oferecer convênio, enquanto companhias menores puderam solicitar benefícios fiscais em troca de ofertar assistência de saúde.

As companhias de seguro precisaram se adaptar. Antes, elas podiam negar a assistência a pessoas que tivessem problemas de saúde pré-existentes. Após a lei, foram obrigadas a oferecer seguro para todos e ficaram proibidas de retirar a cobertura de quem ficasse doente.

O TRUMPCARE

Quando assumiu a presidência, em 2017, Donald Trump criou o Trumpcare.

O projeto criado por Barack Obama ainda está em vigor, mas o atual presidente está aprovando novas medidas, aos poucos.

No final de 2017, por exemplo, o governo retirou a obrigatoriedade concernente às sociedades com mais de 50 empregados. Algumas disposições foram mantidas, como a possibilidade de manter os filhos no seguro até que completem 26 anos.


DOS PAPÉIS DA INICIATIVA PRIVADA EM AMBOS OS SISTEMAS

A participação da iniciativa privada brasileira na prestação do serviço de saúde opera-se de modo complementar e suplementar, o primeiro – complementar -, por intermédio de convênios ou contratos administrativos firmados com o SUS, enquanto o segundo – suplementar -, mediante os contratos de direito privado previstos na Lei 9.656/98 (operadoras de planos de saúde), devendo ainda haver conformidade com as normas emanadas da ANS (Agência Nacional de Saúde).

Seguramente, no que diz respeito aos referidos modos (de participação privada), é no campo da saúde suplementar que o Estado Brasileiro exerce, de forma mais veemente, o seu papel de guardião do direito fundamental em análise.

Algumas pessoas consideram o sistema de saúde norte-americano problemático.

A razão para tanto, apesar da presença do Medicaid, do Medicare e do Veterans Affairs (VA), é a propalada concepção de que uma opção absolutamente gratuita não está disponível no País.

Os cidadãos dos Estados Unidos, segundo esta linha de entendimento, devem necessariamente recorrer a um plano de saúde privado caso precisem de qualquer atendimento médico.

Além disso, segundo informam, não basta possuir dinheiro para pagar os planos. Em alguns casos, os seguros são negados com base em listas de restrições. Tais restrições podem até mesmo limitar os atendimentos das pessoas que já são seguradas.

Os altos valores dos procedimentos são outro ponto que suscita duras críticas.


DO ENGANO QUANTO À PERCEPÇÃO DA EXCESSIVA ONEROSIDADE DO SISTEMA NORTE-AMERICANO

Não existe sistema de saúde gratuito. Todos possuem custos, que são subsidiados, em regra -, por tributos (a exemplo do Obamacare, norte-americano), pagamentos diretos ou recolhimentos para planos de saúde.

Nos países que contam com sistemas de saúde estatais, as pessoas não possuem a exata noção do quanto pagam em tributos para subsidiar os seus próprios tratamentos.

Quando se fala no alto custo do sistema de saúde norte-americano, em comparação com os países nos quais estes são públicos, o que se faz, na verdade, é olvidar os pagamentos de tributos efetuados por todos os contribuintes que tornam viáveis as prestações dos serviços em análise.

Os Estados Unidos investem, e muito, em saúde pública. Além dos três programas acima mencionados (Medicaid, Medicare e Veterans Affairs), o Poder Público daquela Nação subsidia o custeio de tratamentos médicos para pessoas pobres, independentemente da regularidade da residência.

Devido ao excedente tecnológico e à variedade de tipos de serviços, além da maior disponibilidade de medicamentos e opções de tratamento, um pobre nos Estados Unidos tem mais facilidade de acesso à saúde do que alguém da classe média brasileira que dependa do SUS.

Além disso, naquele País, existe a participação filantrópica, que, por intermédio de doações, verbas de pesquisa e vendas de produtos como cadernos, camisetas e obras de arte, oferece tratamentos integralmente gratuitos para pessoas necessitadas. Instituições desse gênero estão enraizadas na cultura da sociedade, o que diminui a pressão por um sistema coercitivo de financiamento de saúde como o SUS.


DA IMPROPRIEDADE DAS COMPARAÇÕES

As instituições existentes em todas as nações decorrem dos seus respectivos processos históricos e das consequentes necessidades que as suas populações demandam. Não são pertinentes as comparações entre sistemas, visando encontrar qual é o melhor, uma vez que resultam de fatores totalmente distintos. Cada um possui as suas virtudes e vicissitudes, as quais são usufruídas e sofridas por pessoas inseridas em ambientes diferentes.

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No final de maio de 2015, depois de uma visita ao Brasil para participar de palestras sobre seus estudos em defesa do ateísmo, o acadêmico britânico Richard Dawkins sofreu um pequeno acidente no aeroporto, quando ia deixar o País. Tropeçou e caiu ao tentar entrar no avião em um aeroporto de São Paulo e teve que ir ao hospital.

Dawkings publicou uma "carta do Brasil" em seu site pessoal, na qual descreveu o ocorrido e disse ter ficado surpreso com o bom e rápido atendimento do Sistema de Saúde Brasileiro (mesmo sem especificar para onde havia sido levado para tratamento).

"No hospital, fiquei impressionado com o quanto foi curta a espera. A experiência britânica havia me preparado para longas horas (...)”.

Alguns dias depois, no início de junho, um artigo acadêmico publicado em uma das mais prestigiosas revistas de estudos sobre saúde no mundo se debruçou sobre o Sistema Único de Saúde e ressaltou que "o mundo pode aprender algumas lições da experiência brasileira" (ver em https://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2015/06/09/criticado-no-brasil-sus-ganha-elogios-de-pesquisadores-de-eua-e-inglaterra/?cmpid=copiaecola).


CONCLUSÃO

A discussão sobre saúde pública não pode restar limitada a cotejos destinados a encontrar este ou aquele modelo melhor do que o brasileiro; tampouco ao debate político, superficial, entre governo e oposição.

As comparações com sistemas estrangeiros não são eficazes, uma vez que as particularidades históricas, culturais, ambientais e sociais do Brasil são únicas, o que reclama solução individualizada, a exemplo do SUS, que, apesar dos inegáveis problemas, cumpre o seu papel.

Logicamente, isso não impede o estudo das situações presentes alhures.

Recentes pesquisas sobre o SUS, de estrangeiros e do IBGE, demonstram que o sistema brasileiro, de fato, avançou nas últimas décadas, o que é algo positivo, mesmo que seja verdade que ainda há enormes vicissitudes.


FONTES REFERENCIAIS

SARLET, Ingo Wolfang e FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. O Direito Fundamental à Proteção e Promoção da Saúde no Brasil: Principais Aspectos e Problemas.  Revista TEMAS APROFUNDADOS DEFENSORIA PÚBLICA. 2. ed. V.1. São Paulo: Jus Podivm, pp. 111-146.

Fund, The Commonwealth. The U.S. Health Care System. Revista eletrônica. Disponível em https://idp.instructure.com/courses/296/files?preview=1780257. Acesso em abr. 2020.

BUARQUE, Daniel. Criticado no Brasil, SUS ganha elogios de pesquisadores dos EUA e Inglaterra. Blog do Brasilianismo. 2015. Disponível em https://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2015/06/09/criticado-no-brasil-sus-ganha-elogios-de-pesquisadores-de-eua-e-inglaterra/. Acesso em abr. 2020.

LUZ, Camila. Como funciona o sistema de saúde dos Estados Unidos? Revista eletrônica Politize. Disponível em https://www.politize.com.br/sistema-de-saude-dos-estados-unidos/. Acesso em abr. 2020.

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Sobre o autor
Paulo Danilo Reis Lopes

Mestrando em direito pelo Instituto de Direito Público de São Paulo (IDP/SP). Especialista em auditoria fiscal e contábil pela UNIFACS - Universidade Salvador. Auditor fiscal do Estado da Bahia. Membro do Consef/BA - Conselho Estadual de Fazenda do Estado da Bahia (colegiado responsável pelo julgamento administrativo das lides tributárias).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, Paulo Danilo Reis. Direito à saúde no Brasil e nos Estados Unidos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6155, 8 mai. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/81916. Acesso em: 21 nov. 2024.

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