A ADPF n. 347 e a (in)observância dos direitos humanos fundamentais no sistema prisional brasileiro

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Em vista da ampla discussão sobre direitos humanos e sua aplicabilidade no sistema prisional brasileiro, questiona-se se a propositura da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 347 é instrumento hábil a garantir-lhes efetivo exercício.

RESUMO: Com o declínio dos regimes totalitários, o Estado de Direito ganhou notoriedade, alargando a discussão sobre o alcance jurídico das normas sobre direitos humanos, assegurando pleno exercício destes, promovendo condições mínimas de sobrevivência, bem como respeitando a integridade física do ser humano. Em vista da ampla discussão sobre direitos humanos e sua aplicabilidade no sistema prisional brasileiro, questiona-se se a propositura da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 347 é instrumento hábil a garantir-lhe efetivo exercício. A partir de uma revisão bibliográfica e jurisprudencial, objetivamos em aspecto geral, definir historicamente direitos humanos e, de maneira específica, discutir os direitos fundamentais consagrados no ordenamento jurídico brasileiro, analisando-os sob a perspectiva da ADPF nº. 347, discutindo em face dessa, a relação de direitos humanos, sistema prisional brasileiro e o estado de coisas inconstitucional.

Palavras-chave: Direitos Humanos, Sistema Prisional Brasileiro, Estado de Coisas Inconstitucional


1. INTRODUÇÃO

Muito se discute acerca do Estado Democrático de Direito como consequência do fim da Segunda Grande Guerra e o declínio, deste modo, dos regimes totalitários. Tendo por base a diminuição de tais regimes, evidenciou-se, assim, o Constitucionalismo Moderno, dissipando-se dos laços de um Estado de Direito e fomentando, cada vez mais, o escopo democrático dos direitos que por vir seriam adquiridos, exercidos e, em especial, garantidos.

No cenário acima exposto, acrescenta-se, ainda, de forma relevante para entendimento tal Constitucionalismo Moderno, o advento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada em 1948, que engloba um arcabouço normativo passando a ser reconhecido na ordem interna e externa pelos Estados (MARTINS; MARTA, 2010, p.19).  Temática jurídica de extrema relevância, os Direitos Humanos, ao longo dos tempos, sofreram mudanças diante de seu processo histórico. Entretanto, é de suma importância salientar que tais direitos têm alcance jurídico nos cenários nacional e internacional e, ressalta-se que, no âmbito interno são também chamados de direitos humanos fundamentais. (ZAMBONE; TEIXEIRA, 2012, p. 53).

Destarte, feitas brevíssimas linhas introdutórias acerca dos Direitos Humanos e sua forte relação em nosso ordenamento jurídico com a efetivação com o que se encontra positiva nos diplomas legais do Estado Democrático de Direito, objetiva-se com o presente trabalho discutir, em sede de efetividade de Direitos Humanos e da eficácia das normas constitucionais, se a propositura da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 347, é um instituto jurídico hábil a garantir da aplicabilidade dos Direitos Humanos Fundamentais no Sistema Prisional brasileiro. Diante disso, indaga-se: a propositura da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 347, é um instituto jurídico hábil a garantir da aplicabilidade dos Direitos Humanos Fundamentais no Sistema Prisional brasileiro?

Com vistas a responder o presente questionamento, o trabalho em tela se organiza em três capítulos: breve histórico dos direitos humanos, sua relação direta com o princípio da dignidade da pessoa humana e seu caráter de universalidade; os direitos fundamentais consagrados no ordenamento jurídico brasileiro e o estudo de sua eficácia; a propositura da ADPF nº. 54 diante do estado de coisas inconstitucional relativo ao sistema prisional brasileiro.


2. BREVE HISTÓRICO DOS DIREITOS HUMANOS

Desde a Antiguidade não se falava, nem tampouco se praticava, o que hodiernamente se entende por direitos humanos. O estado de natureza em que se encontrava o homem, em especial nas lições de Thomas Hobbes, evidencia o aspecto de exercício arbitrário das próprias razões em que se encontrava a vida em coletividade.

Para tanto vislumbrou-se a necessidade de findar com esta concepção de estado hobbesiano e dar início ao liberal, pautado no contrato social, conforme lições de John Locke para, assim, constituir a sociedade civil. (MARTINS; ARANHA, 206, p.247).

Com o objetivo de corroborar com o que fora supramencionado, cita-se o entendimento do sistema de freios e contrapesos a fim de que a teoria da “tripartição de poderes”, mencionada por Montesquieu, delimitasse e equilibrasse o Estado, descentralizando e desconcentrando o poder, estabelecendo, assim, o exercício da atividade democrática, como instrumento de legitimidade do Estado liberal (DALLARI, 1991, p. 184-185):

O sistema de separação dos poderes, consagrado nas Constituições de quase todo o mundo, foi associado à ideia de Estado Democrático e deu origem a uma engenhosa construção doutrinária, conhecida como sistema de freios e contrapesos. Segundo essa teoria os atos que os Estado prática podem ser de duas espécies: ou são atos gerais ou são especiais. Os atos gerais, que só podem ser praticados pelo poder legislativo, constituem-se na emissão de regras gerais e abstratas, não se sabendo, no momento de serem emitidas, a quem elas irão atingir. Dessa forma, o poder legislativo, que só pratica os atos gerais, não atua concretamente na vida social, não tendo meios para cometer abusos de poder nem para beneficiar ou prejudicar a uma pessoa ou a um grupo em particular. Só depois de emitida a norma geral é que se abre a possibilidade de atuação do poder executivo, por meio dos atos especiais. O executivo dispõe de meios concretos para agir, mas está igualmente impossibilitado de atuar discricionariamente, porque todos os seus atos estão limitados pelos atos gerais praticados pelo legislativo. E se houver exorbitância de qualquer dos poderes surge a ação fiscalizadora do poder judiciário, obrigando cada um a permanecer nos limites de sua respectiva esfera de competência.

Assim, o que se vislumbrava é que tais direitos positivados não tornavam, de forma efetiva, o que fora que fora demandado pela sociedade. Contudo, importa ressaltar que, ao final do século XVIII, a ideia de justiça veio reforçada, em especial, com a eclosão da Revolução Francesa, principalmente porque seus ideais de liberdade, igualdade e fraternidade fomentavam o surgimento do Estado Constitucional, limitando, assim, os abusos de poder dos governantes, proporcionando a emergência da democracia. Tem-se neste momento a transição do Estado Absolutista para o Estado de Direito. Referenda-se tal pensamento com o advento da Constituição Francesa de 1791 que teve como preâmbulo a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão. (LENZA, 2008, p. 06).

Com o avançar do processo histórico do homem, a Declaração de Direitos da Organização das Nações Unidas (ONU) fez inaugurar a internacionalização dos direitos humanos, cunhando seu atual entendimento (TRINDADE, 2011, p. 193). Cada vez mais vinculados ao princípio da dignidade da pessoa humana, os direitos humanos conferem ao ser humano a sua plena individualidade, assegurando condições mínimas de respeito à sua integridade (física e moral), garantindo-lhe, também, sobreviver de maneira digna, respeitando o mínimo necessário para sua existência. Segundo lição de Ingo Wolfgang Sarlet (2006, p. 56)

Um leque de liberdades, incluindo as assim denominadas liberdades de expressão coletiva (liberdade de expressão, imprensa, manifestação, reunião, associação, etc.) e pelos direitos de participação política, tais como o direito de voto e a capacidade eleitoral passiva, revelando, de tal sorte, a íntima correlação entre os direitos fundamentais e a democracia. Também o direito de igualdade, entendido como igualdade formal (perante a lei) e algumas garantias processuais (devido processo legal, habeas corpus, direito de petição) se enquadram nesta categoria.

Buscou-se assim, estabelecer um conceito no âmbito da dignidade da pessoa humana sem lacunas normativas, para aclarar que tais direitos estão inerentes às liberdades, igualdade e dignidade, reforçando a existência de um conjunto mínimos de direitos garantidores de uma vida digna. (RAMOS, 2013, p. 32).

Neste sentido, percebe-se que existe um nexo entre o rol hermenêutico de alcance protetivo dos direitos humanos como, também, no rol protetivo dos direitos fundamentais e suas garantias inerentes ao homem. Porém, para aclarar tal entendimento na doutrina moderna, explica Marcos Viana Ribeiro (2011, p. 14):

A diferença entre que pode ser feita entre as expressões é que, normalmente, a acepção direitos fundamentais está ligada à ideia da consagração constitucional da liberdades do indivíduo (esta foi a denominação utilizada por nosso constituinte de 1988), enquanto que direitos humanos ou direitos do homem estariam ligados à proteção da esfera de liberdade de ser do humano, mesmo que sua proteção ainda não seja prevista expressamente pelo ordenamento jurídico. Em outras palavras: os direitos fundamentais são os direitos humanos que foram positivados.

Para tanto, fruto da dinâmica e intensa vida em sociedade, percebeu-se que algumas conquistas no aspecto jurisdicional representam estruturas fundamentais para o exercício de uma vida digna, atinente a todos os dispositivos normativos na Constituição Federal de 1988 do Estado brasileiro, especialmente no que tange ao princípio da dignidade da pessoa humana, conforme positivado como um dos Princípios Fundamentais (art. 1º, III) e, também, no art. 5º e seguintes da Carta Magna, no que tange ao Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais. Segundo Ingo Wolfgang Sarlet, entende-se pela referida dignidade (2001, p.60):

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos.

No diapasão exposto pelo parágrafo e citação supra, vislumbra-se que para alcançar uma vida com dignidade, mister se faz que em um sistema normatizo, sejam garantidos um mínimo de condições que promovam, estabeleçam e mantenham o atendimento às demandas sociais. À vista disso, há que se ponderar que os direitos fundamentais têm sua eficácia e aplicação limitada, garantindo que o exercício dos referidos direitos não firam, não ultrapassem o que é garantido aos seus pares, promovendo, assim, sua razoável aplicação, sendo possível ilustrar tal afirmação a partir do o entendimento de Alexandre de Moraes (2008, p.33),

Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal, portanto, não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna (Princípio da relatividade ou da convivência das liberdades públicas). Dessa forma, quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade precípua.

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Assim, em consonância com o princípio da imparcialidade, a interpretação da norma constitucional deve ter como norte a promoção social e a igualdade de todos, estabelecendo o que se encontra positivado na Constituição Federal. Mesmo orientados para uma igualdade na aplicação indistinta dos direitos humanos, há quem considere aplica-los observando aspectos regionais dos povos, visando melhor adequar-se aos fatos e atos culturais, tal qual, por exemplo, as particularidades dos povos africanos. (FILHO, 2015, p.20)

Porém, a argumentação acima exposta é deveras perigosa, vez que, em face de interpretações teratológicas, seria suscitado o embate argumentativo entre a brutalidade e a civilidade, o descompasso educacional existente e demais vulnerabilidades vividas ao longo do processo histórico do homem, à custa de subjugação de povos, por outros que se entendiam e se declaram superiores.

Assim, objetivando explicar a importância de que se compreenda os direitos humanos em sua Universalidade, esclarece Boaventura de Sousa Santos (2014, p. 53-54):

Para tornar mais claro o que tenho em mente, passo a definir o que considero ser a versão hegemônica ou convencional dos direitos humanos. Considero um entendimento convencional dos direitos humanos como tendo as seguintes características: os direitos políticos são universalmente válidos independentemente do contexto social, político e cultural em que operam e dos diferentes regimes de direitos humanos existentes em diferentes regiões do mundo; partem de uma concepção de natureza humana como sendo individual, autossustentada e qualitativamente diferente da natureza não humana; o que conta como violação dos direitos humanos é definido pelas declarações universais, instituições multilaterais (tribunais e comissões) e organizações não governamentais (predominantemente baseadas no Norte); o fenômeno recorrente dos duplos critérios na avaliação da observância dos direitos humanos de modo algum compromete a validade universal dos direitos humanos; o respeito pelos direitos humanos é muito mais problemático no Sul global do que no Norte global.

Deve-se, assim, evitar desrespeito às particularidades dos povos, pois, ao mesmo tempo, seriam, a tais povos, destinadas negativas de igualdade e equidade no que tange aos direitos humanos e sua eficácia.


3. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS CONSAGRADOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E SUA EFICÁCIA

Perceber o direito enquanto ciência proporciona ao estudioso observar os fatos que levaram o dinamismo das relações sociais a instituir um ordenamento legal, estabelecendo limites às ações do homem, promovendo equilíbrio e harmonia na vida em sociedade.

O que se percebe é que o direito objetivo passa a designar o império da lei em um arcabouço de regras de ação – norma agendi – para reger as relações humanas de maneira coativa, estabelecendo a obediência de todos. Já o direito subjetivo – campo da faculdade de cumprimento da norma (facultas agendi) – determina que caso alguém desrespeite o direito de outro, abre espaço para a imposição de decisão judicial, frente uma lide instaurada. Tem-se, dessa forma, o processo de instituição e institucionalização de normas e, posteriormente, suas regras de procedimento social para a sua eficácia jurídica. Assim, percebe-se que o direito subjetivo se apresenta como possibilidade ou prerrogativa atribuída a alguém e correlativa de um dever de outrem com aspecto de imperatividade coativa, segundo positivado pelo ordenamento jurídico.

Na visão de Jean Dabin (2003, p. 77), “o direito subjetivo é prerrogativa, concedida a uma pessoa pelo direito objetivo e garantida por vias de direito, de dispor como dono de um bem que se reconhece e que lhe pertence, quer como seu, quer como devido”.

Por esta perspectiva, a positivação do direito e sua adjetivação como “fundamental”, indica-o como característica intrínseca ao homem, portanto, advém da sua própria condição natural, demonstrando que estabelecer condições mínimas para o exercício da vida com dignidade, traduz-se como instituto basilar dos Estados Constitucionais, apoiados em práticas democráticas, consolidando seu caráter plural, distanciando-se dos Estados Absolutistas, que ignoravam as necessidades coletivas, centralizando o poder.

Segundo Habermans (1997, p. 17), o homem passa a ser conduzido por faculdades subjetivas primando pelo alcance da sua felicidade, tendo como base o individualismo e a autonomia individual. Assim, passa o homem a assumir importante papel na sociedade civil para construção do Estado. O rompimento com práticas absolutistas, nos auxilia a compreender ainda mais o modelo do Estado de Direito, especialmente se analisarmos o surgimento deste pela perspectiva da modernidade, a qual leciona Baracho Júnior (1999, p. 29):

A modernidade importa em ruptura com a justificação sagrada de uma ordem normativa aglutinadora, o que viabiliza a distinção entre moral, religião, direito e tradição. Ao comprometer a estabilidade da ordem, fundada no amálgama normativo indiferenciado, a modernidade passa a exigir uma justificação própria para os diversos sistemas de normas, particularmente para o Direito. O Direito passa a exigir uma justificação que substituta a fundamentação naturalizada presente nas estruturas sagradas.

Todas as normas constitucionais, como regra geral, apresentam eficácia que se divide em eficácia jurídica e eficácia social. Isto corrobora com o aspecto jus-histórico de produção de leis, em especial quando se trata de um Estado Democrático de Direito. No que diz respeito aos direitos fundamentais e sua eficácia, deve-se explicitar o que positiva a Carta da República de 1988 em seu art. 5º, § 1º: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.

Em sede da eficácia dos direitos fundamentais, Virgílio Afonso da Silva (2009, p. 210) apresenta diferente interpretação à realizada e teorizada por José Afonso da Silva em sua obra Aplicabilidade das Normas Constitucionais, em especial, pelo fato de discutir a aplicabilidade e eficácia da norma, no qual aquele narra que “se a norma não dispõe de todos os requisitos para a sua aplicação aos casos concretos, falta-lhe eficácia, não dispõe de aplicabilidade” (SILVA, 2009, p. 210).

Conforme apresentado, os direitos fundamentais representam os chamados direitos de defesa e os direitos a prestações, determinando de tal o que está positivado na Carta da República brasileira em seu art. 5º, § 1º. Isto remonta à ideia de que o referido instituto constitucional determina a produção dos efeitos jurídicos e sociais do que está positivado no rol dos direitos fundamentais. Sobre o tema, Tércio Sampaio Ferraz Jr., diz ser “eficaz a norma que tem condições fáticas de atuar, por ser adequada em relação à realidade, e que tem condições técnicas de atuar, por estarem presentes os elementos normativos para adequá-la à produção de efeitos concretos”[3]. Mister se faz, frente ao instituto da eficácia de normas constitucionais, ilustrar entendimento de Luiz Roberto Barroso, que não utiliza do vocábulo eficácia para tratar dos efeitos da norma, mas, sim, do vocábulo efetividade que seria “a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social[4].

No âmbito dos direitos fundamentais, cita-se casos importantes das normas constitucionais de eficácia plena, na lição de José Afonso da Silva[5], que, fruto de sua eficácia plena, seriam tidos como irrestringíveis. Ilustra-se como exemplo, em procedimento hermenêutico ao que positiva a Constituição brasileira, o art. 5º, III, onde o autor supramencionado trata que as liberdades públicas seriam garantidas por normas não-restringíveis.

Neste sentido, lança-se a questão de como proceder em sede hermenêutica de um dado direito fundamental para diagnosticar a possibilidade, ou não, de restringi-los; de não imprimir aos direitos fundamentais sua devida eficácia/efetividade conforme positiva a Carta da República de 1988.

O estudo dos direitos fundamentais remonta a uma complexa categoria jurídica. Afirma-se tal posição em face dos direitos fundamentais incorporarem os ganhos jurídicos da sociedade civil, no constitucionalismo contemporâneo, principalmente pelo processo jus-histórico vivenciado e que marca o caráter vinculante do valor de tais direitos no ordenamento jurídico, em especial, no caso brasileiro.

Cabe aqui estabelecer, frente a interpretação dos dispositivos constitucionais, a distinção entre direito fundamental, norma jusfundamental e dispositivo jusfundamental, por apresentarem escopo diferenciado em termos de figura jurídica. Com o intuito de estabelecer diferenciação termológica acima mencionada, segue ensinamento de Luiz Fernando Calil de Freitas[6]

Os dispositivos de direitos fundamentais são, na termologia que se vem empregando, o enunciado semântico ou programa da norma, tal como literalmente expresso no texto constitucional. A norma jusfundamental, por sua vez, coincide com o significado atribuído aos dispositivos de direito fundamental; é o resultado ao qual se chega depois de devidamente interpretado o enunciado semântico do dispositivo que veicula o respectivo comando textual. Já o direito fundamental seria, em acordo com o que vem sendo afirmado, a conclusão final a que se chega depois de realizado todo o percurso metodológico que se inicia com o exame do dispositivo jusfundamental onde consta expressamente o enunciado da norma, passando à consideração do âmbito de norma e, ao fim dessa primeira etapa, chegando-se até o entendimento no sentido de qual seja a norma efetivamente; em uma segunda etapa conhecida a norma jusfundamental em questão, passa ela a ser analisada à luz da teoria interna (limites imanentes), teoria externa (sistema de reservas) ou da teoria dos direitos fundamentais como princípios (Alexy), a fim de que se possa delimitar o conteúdo do direito fundamental e a extensão do âmbito de proteção da norma jusfundamental e verificar se a hipótese fática de que trata o caso concreto nele se inclui e, de conseguinte, goza da proteção jusfundamental; em caso afirmativo, da normalidade produzida pela proteção jusfundamental no caso concreto, obtém-se o direito fundamental em definitivo.

Após a explanação acima realizada, o que se busca neste sentido é frente uma colisão de direitos fundamentais, como deveria se proceder o Estado para a devida operacionalização do direito para promover jurisdição? Assim, necessita-se estabelecer um juízo de ponderação, que em sede de exposição conceitual, afirma Jane Reis Gonçalves Pereira[7]

O vocábulo ponderação, em sua acepção mais corrente, significa a operação hermenêutica pela qual são contrabalançados bens ou interesses constitucionalmente protegidos que se apresentem em conflito em situações concretas, a fim de determinar, à luz das circunstâncias do caso, em que na medida cada um deles deverá ceder ou, quando seja o caso, qual deverá prevalecer.

Porém, observa-se que na realização do juízo de ponderação no momento de conflito entre normas jusfundamentais, deve-se estabelecer entendimento se, frente ao procedimento hermenêutico, cabe a análise relacionado ao instituto de princípios ou ao instituto de regras. Em breves linhas, explica-se que os princípios se ligam a uma norma que vai apontar objetivo a ser alcançado, uma orientação para a atuação do Estado, determinado os deveres para promover os meios necessários a uma vida humana digna. Costuma ser associado ao mínimo existencial, o qual foi criado porque os direitos individuais e sociais encontram dificuldade quanto à efetividade. A aplicação dos princípios se dá, predominantemente, mediante ponderação.  Já o instituto das regras elenca proposições normativas aplicáveis sob a forma do tudo ou nada. Os fatos nela previstos que chegarem a ocorrer, devem incidir, de modo direto e automático, produzindo todos os seus efeitos. Destarte, uma regra somente deixará de incidir sobre a hipótese de um caso concreto, caso a mesma seja inválida. Sua aplicação se dá, predominantemente, mediante subsunção.

A teoria aqui apresentada é conhecida como distinção forte e tem como marco teórico os apontamentos de Ronald Dworkin e Robert Alexy. A referida teoria aplica a distinção entre os institutos acima narrados com base no emprego de critérios lógicos e substanciais, que estão diretamente relacionados aos mecanismos de interpretação destas categorias normativas.

Com o objetivo de ampliar o escopo de entendimento acerca de princípios e regras, segue posicionamento doutrinário de Robert Alexy[8]:

O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que na medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes[9]

Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Isso significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e não uma distinção de grau. Toda norma é ou uma regra ou um princípio

De acordo com o escopo argumentativo do trabalho em tela, em se tratando de hermenêutica de normas fundamentais, os dois autores sustentam teses totalmente diferenciadas. Para Dworkin os direitos fundamentais não podem ser ponderados, tendo fins coletivos, pelo fato de serem tidos como trunfos; já Alexy, teoriza que os princípios podem ser restringidos mediante a aplicação do princípio da proporcionalidade, mesmo em face de fins coletivos.

Objetivando ilustrar as teses acimas mencionadas em sede de juízo de ponderação de normas jusfundamentais, conforme ilustrado na doutrina de Luiz Fernando Calil de Freitas[10], segue institutos jurisprudenciais, em face do princípio da reserva do possível[11], do limite fático aos direitos fundamentais prestacionais[12] e da reserva do possível enquanto limitador dos direitos fundamentais[13].

Destarte, no que tange à eficácia dos Direitos Fundamentais, há de tornar-se explícito o entendimento doutrinário que os referidos direitos, para quaisquer indivíduos, terão sua eficácia limitada, isto é, terão sua devida aplicação desde que não firam, não ultrapassem o que é garantido aos seus pares, promovendo, assim, sua razoável aplicação, que é o que se apresenta no capítulo seguinte.

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Sobre os autores
Roberto Metzker Colares Pacheco

Professor no Centro Universitário Doctum (UniDoctum). Graduado em Ciências Sociais pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro – Fenord (1998). Graduado em Direito pelas Faculdades Unificadas de Teófilo Otoni – Doctum (2011). Ex-Coordenador Acadêmico nas Faculdades Unificadas de Teófilo Otoni. Ex-Membro do Conselho Superior Acadêmico e do Núcleo Docente Estruturante (NDE), das Faculdades Unificadas de Teófilo Otoni. Membro do Núcleo Docente Estruturante do curso de Direito do Centro Universitário Doctum de Teófilo Otoni. Especialista em História do Brasil - Faculdades Simonsen. Especialista em Elaboração e Gestão e Gestão de Projetos Internacionais com Ênfase no Terceiro Setor - PUC MG. Especialista em Ciências Penais e Segurança Pública - Faculdades Unificadas de Teófilo Otoni - Rede Doctum de Ensino. Especialização em Ciências Forenses: Medicina Legal e Perícia Criminal - Faculdade Supremo. Especialização em Criminologia - Faveni. Especialização em Direito Constitucional - Faveni. Capacitação em Direitos Humanos e Segurança Pública.

Rodrigo Barbosa Luz

Advogado, Professor no Centro Universitário Doctum (UniDoctum), especialista em Direito Tributário pela Uniderp – Anhanguera, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), com ênfase em análise do discurso.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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