A ADPF n. 347 e a (in)observância dos direitos humanos fundamentais no sistema prisional brasileiro

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Resumo:


  • O Estado de Direito e a valorização dos direitos humanos surgiram após o declínio dos regimes totalitários e a Segunda Guerra Mundial, promovendo a discussão sobre a aplicabilidade das normas jurídicas que garantem os direitos fundamentais.

  • A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 347 foi proposta com o objetivo de assegurar a efetividade dos direitos humanos no sistema prisional brasileiro, diante das condições desumanas e degradantes enfrentadas pelos detentos.

  • O conceito de Estado de Coisas Inconstitucional, originário da Corte Constitucional colombiana, foi aplicado no Brasil para denunciar e buscar soluções para as falhas estruturais do sistema prisional que resultam em violações massivas e sistemáticas dos direitos fundamentais dos encarcerados.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4. A PROPOSITURA DA ADPF nº. 347 DIANTE DO ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL RELATIVO AO SISTEMA PRISIONAL BRASIEIRO

Em face da análise da aplicação das normas constitucionais definidoras de direitos fundamentais, objetiva-se discutir se as mesmas vêm sendo ou não aplicadas com a devida eficácia, conforme mandamento previsto na Constituição da República de 1988 em seu art. 5º, §1º de onde se extrai: “as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.

Por conta do imperativo constitucional, analisamos o quadro estrutural em que se encontra o sistema prisional brasileiro, tendo por escopo norma constitucional de direito fundamental que assim afirma no seu art. 5º, III: “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. Destarte, o que se pretende aqui é, em face de tal dispositivo constitucional de direito fundamento, englobando, também, caráter protetivo dos direitos humanos, o porquê das constantes violações e, consequentemente, dos aspectos desumanos e degradantes em que se encontra o sistema prisional brasileiro, que, fruto de tais consequências teratológicas, fomentou o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), a propor junto ao Supremo Tribunal Federal a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº. 347 a fim de que a Suprema Corte declarasse o Estado de Coisas Inconstitucional no referido sistema prisional.

Realizadas informações iniciais, torna-se de suma importância a explicação do que vem a ser o Estado de Coisas Inconstitucional. O que se percebe diante de tal estudo, é a omissão inconstitucional relacionada a falhas estruturais e, assim, tal omissão estatal tem como consequência um conjunto de violações de direitos fundamentais.

Corroborando o que fora mencionado alhures, tem-se o nascedouro de tal estudo (Estado de Coisas Inconstitucional) na Corte Constitucional colombiana. Conforme aponta CAMPOS (2016, p. 96) tratou-se de decisão onde o Estado fora conduzido à observância de graves violações de direitos por omissão por parte de setores do Poder Público, dentre tais, violações a direitos fundamentais e omissão no que tange a garantir efetivar a dignidade da pessoa humana. Ao depararmos com tal quadro de omissão de aplicação e garantia dos direitos humanos fundamentais, a Corte Colombiana reconheceu que o Estado estaria vivendo um Estado de Coisas Inconstitucional e que se faria necessária a atuação de um Juiz Constitucional a fim de, fruto de uma intervenção judicial, promover transformações no intuito de reparar as falhas estruturais promovidas pela omissão estatal. CAMPOS (2016, p. 96)

Em liame hermenêutico ao que fora acima exposto, cita-se apontamento de Clara Inés Vargas Hernandez[14], Magistrada da Corte Constitucional colombiana:

A doutrina do (estado de coisas inconstitucional) defende a intervenção estrutural da Corte Constitucional naqueles casos em que detecta a violação massiva e sistemática de direitos. Tal situação é entendida como tendo sido gerada por deficiências dos arranjos institucionais do Estado. (...) quando a Corte detecta um “bloqueio institucional” que gere uma violação de direitos dessa magnitude, ela declara a existência de uma realidade inconstitucional, sendo a principal consequência que a Corte passa a cumprir funções de criar políticas públicas, alocar recursos, e implementar direitos sociais e econômicos que seriam de competência do poder legislativo em um modelo convencional de separação de poderes.

Diante do estudo de tal caso, o que se vislumbra com o caso da Corte Constitucional colombiana, é que a Corte estaria atuando para defender o sistema de direitos fundamentais, vislumbrando não como um mero enunciado constitucional, mas, sim, uma dimensão objetiva de tais direitos fundamentais CAMPOS (2016, p. 97).

No que diz respeito ao Estado brasileiro há possibilidade da aplicação da referida teoria (Estado de Coisas Inconstitucional), especialmente em face de previsão constitucional  em extensiva variedade de direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º) e direitos sociais (art. 6º), e que, assim, representam rol de direitos tutelados pelo Estado, em especial, no que se a um quadro de Estado de Coisas Inconstitucional CAMPOS (2016, p. 258).  Vislumbra-se, ainda, outro caso em que há expressa disposição Constitucional quando, em sede de omissão por parte do Poder Público, a Suprema Corte (STF), via Remédio Constitucional de Mandado de Injunção, não outro motivo que surgiu o questionamento sobre o Estado de Coisas Inconstitucional em que se encontra o ssitema prisional brasileiro.

Demonstra-se aqui a necessidade de que fosse suscitada provocação da Corte Suprema a fim do reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional em que se encontra o sistema prisional brasileiro. Destaca-se aqui, apontamentos realizados pela Clínica de Direitos Fundamentais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, acerca das várias formas de violações de direitos de direitos fundamentais da população carcerária brasileira CAMPOS (2016, p. 265). De acordo com dados da pesquisa, CAMPOS (2016, p. 265) afirma que população carcerária, é em sua maioria pobres e negros e aproxima-se dos 570 mil presos, tendo garantias violados, em análise aos seus direitos fundamentais que deveriam ser salvaguardados pelo Estado:

Superlotação, tortura, homicídios, violência sexual, celas imundas e insalubres, proliferação, de doenças infectocontagiosas, comida intragável, falta de água potável e de produtos higiênicos, corrupção, deficiência no acesso à assistência judiciária, à educação e ao trabalho, domínio dos cárceres por organizações criminosas, insuficiência do controle estatal sobre o cumprimento das penas, discriminação social racial, de gênero e de orientação sexual.

Trata-se, no que fora exposto acima, de agravantes no que tange à violações de direitos e garantias fundamentais ocorrendo em todas as unidades da Federação do Estado brasileiro e que podem ser imputadas a omissões das três Funções do Poder: Executivo, Legislativo e Judiciário. Em junho de 2014, conforme dados apresentados pelo Conselho Nacional de Justiça, o Brasil já vivenciara um problema deveras impactante e negativo[15] no tange à superlotação carcerária, CAMPOS (2016, p. 265).

Mesmo assim, diante de todos os estudos e de uma Comissão Parlamentar de Inquérito apontando as piores situações degradantes possíveis, o Relator, Deputado Domingos Dutra disse que “não há soluções para o sistema carcerário”, e encerra seu relatório da seguinte forma:

Assim, acreditamos que com as políticas econômicas viáveis, programas sociais efetivos; ações de prevenção e combater a criminalidade, governo e sociedade estarão caminhando a passos largos para FECHAR as portas de entrada no sistema carcerário.

Da mesma forma. governo e sociedade devem juntar as mãos no esforço concentrado e solidário para ABRIR as portas do sistema carcerário ao cumprimento das leis, ao respeito dos encarcerados e sobretudo para garantir o direito de todos os brasileiros a uma tranquila e segura.

É com este sentimento e com esta certeza de que “a vida é um combate, que aos fracos abate e que aos fortes e bravios só pode se exaltar” que entrego à sociedade brasileira este relatório com esperanças renovadas de que é possível construir uma sociedade livre, justa e humana para TODOS[16].

Destarte, conforme fora inicialmente narrado, em sede da ADPF nº. 347, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), a propor junto ao Supremo Tribunal Federal tal instrumento judicial para a efetivação de direitos humanos fundamentais, dos apenados, que estavam sendo violados. Assim, diante da análise do que fora peticionado na ADPF, o relator Ministro Marco Aurélio, em sede de liminar, assim determinou para que fossem sanadas as irregularidades de maior importância[17]:

(a) A realização de audiências de custodia, que deveriam viabilizar o comparecimento do preso em no máximo de 24 horas, contados do momento da prisão. Com base nos artigos 9.3 do pacto dos direitos civis e políticos e 7.5 da convenção interamericana de direitos humanos;

(b) Dever dos juízes de, quando possível, estabelecer penas alternativas à prisão pelo fato de ser desarrazoado o cumprimento de prisão nas condições atuais do sistema carcerário; e

(c) Liberação imediata do saldo acumulado no fundo penitenciário nacional para restauração, reforma e adequação dos presídios brasileiros ao necessário para manter o detento em condições de se cumprir a pena com dignidade.

Como se observa com o que se menciona acima nas medidas determinadas pelo Min. Relator, é patente afirmar que o Estado brasileiro vivia um Estado de Coisas Inconstitucional e o Ativismo Judicial fruto da ADPF em tela denota que tal instrumento judicial corrobora com a tese da não efetividade das normas constitucionais conforme mandamento Constitucional, violando norma de direitos humanos das quais o Estado brasileiro é signatário, tendo como exemplo a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Mesmo que por parte da doutrina este estudo apresente divergência, o objetivo em questão é ressaltar que, em face das omissões do Poder Público, vislumbra-se na Constituição da República de 1988 institutos que permitam evocar a aplicação da tese e da normatividade do Estado de Coisas Inconstitucional, a fim que não se viole e sim, se garanta a aplicação imediata das normas definidoras de direito fundamenta. Sobre a relevância da temática, explica o jurista Lênio Luiz Streck[18]:

O próprio nome da tese (Estado de Coisas Inconstitucional — ECI) é tão abrangente que é difícil combatê-la. Em um país continental, presidencialista, em que os poderes Executivo e Legislativo vivem às turras e as tensões tornam o Judiciário cada dia mais forte, nada melhor do que uma tese que ponha “a cereja no bolo”, vitaminando o ativismo, cujo conceito e sua diferença com a judicialização estão desenvolvidos em vários lugares. A origem do ECI é a Corte Constitucional da Colômbia, cujas decisões não serão debatidas aqui. Não me parece que a questão colombiana seja aplicável no Brasil. Aliás, a Colômbia continua tendo muitos estados de coisas inconstitucionais e já há alguns anos não aplica a tese.

Diante de todo o exposto, fica evidente a necessidade do acompanhamento acerca da aplicabilidade e o efeito garantidor dos direitos humanos fundamentais, a fim de que os fundamentos e objetivos previstos na Constituição da República de 1988 possibilitem aos cidadãos residentes no Brasil o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.

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5. CONCLUSÃO

Os direitos humanos fundamentais ganharam destaque no cenário nacional e internacional a partir da diminuição dos regimes totalitários pós Segunda Grande Guerra Mundial. A necessidade de delimitar e descentralizar o Estado fez com que o exercício da atividade democrática se institui e legitimasse o Estado Liberal.

Entretanto, à medida que a sociedade foi evoluindo, com ela o direito, enquanto ciência social, percebeu a necessidade de garantir à pessoa humana instrumentos que, além de assegurar a plena liberdade individual, respeito à integridade física e moral, tutelasse normas garantidoras de condições mínimas de sobrevivência, especialmente para que todo ser humano vivesse dignamente.

Esta evolução permitiu a consolidação do espírito revolucionário francês, garantindo no Estado Constitucional direitos inerentes à liberdade, igualdade, fraternidade, portanto, dignidade, reforçando mínimo de direitos garantidores de uma vida respeitosa.

Ocorre que a aplicabilidade desses direitos é influenciada por um exercício hermenêutico, permitindo à vista do caso concreto limitar a aplicação, visando que um direito garantido não fira, não ultrapasse e não prejudique seus pares, devendo, portanto, ser aplicado de maneira razoável.

Essa eficácia e aplicabilidade limitada dos direitos humanos, bem como a necessidade de sua aplicação indistinta faz surgir um debate que provoca clara divergência, especialmente ao considerarmos encarceradas as pessoas que, por diversas razões, praticaram delitos, encontram-se à margem da sociedade, aguardando condições dignas do Estado que permitam a elas ressocializarem-se, portanto, serem novamente inseridas na sociedade.

Porém, conforme visto, em que pese ter aplicação imediata, os direitos e garantias fundamentais, especialmente quando analisadas à luz do sistema prisional brasileiro encontram-se em permanente violação, haja vista que a superlotação dos cárceres coloca os presos em situação degradante e desumana, violando direitos fundamentais.

Não bastassem as situações a quem são expostos, a situação precária dos presídios brasileiros é apresentada como algo sem solução. E concordamos com tal afirmativa, acrescentando que não basta o aumento dos presídios para a resolução do problema, já que seria oferecer soluções imediatistas e que, em um futuro breve mostrar-se-iam ineficazes. É necessário ampliar o debate, propor políticas públicas eficazes que não apenas se preocupem com a marginalização, com o crime - organizado ou não -, com a população carcerária. Tem-se, nesse momento, que preocuparmos com a efetivação de direitos fundamentais básicos à toda população, garantindo-lhes acesso à saúde, educação e segurança pública eficiente.

A necessidade de pensarmos os direitos humanos fundamentais aos cidadãos de um país continental, é imaginar meios de frear o crescimento exponencial de uma população carcerária, doente, excluída e marginalizada, promovendo a dignidade da pessoa humana, certos de que, pensando o problema de maneira mais profunda, a longo prazo garantam o exercício de uma vida fraterna e plural.

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Sobre os autores
Roberto Metzker Colares Pacheco

Professor no Centro Universitário Doctum (UniDoctum). Graduado em Ciências Sociais pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro – Fenord (1998). Graduado em Direito pelas Faculdades Unificadas de Teófilo Otoni – Doctum (2011). Ex-Coordenador Acadêmico nas Faculdades Unificadas de Teófilo Otoni. Ex-Membro do Conselho Superior Acadêmico e do Núcleo Docente Estruturante (NDE), das Faculdades Unificadas de Teófilo Otoni. Membro do Núcleo Docente Estruturante do curso de Direito do Centro Universitário Doctum de Teófilo Otoni. Especialista em História do Brasil - Faculdades Simonsen. Especialista em Elaboração e Gestão e Gestão de Projetos Internacionais com Ênfase no Terceiro Setor - PUC MG. Especialista em Ciências Penais e Segurança Pública - Faculdades Unificadas de Teófilo Otoni - Rede Doctum de Ensino. Especialização em Ciências Forenses: Medicina Legal e Perícia Criminal - Faculdade Supremo. Especialização em Criminologia - Faveni. Especialização em Direito Constitucional - Faveni. Capacitação em Direitos Humanos e Segurança Pública.

Rodrigo Barbosa Luz

Advogado, Professor no Centro Universitário Doctum (UniDoctum), especialista em Direito Tributário pela Uniderp – Anhanguera, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), com ênfase em análise do discurso.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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