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Os crimes contra a honra: Weintraub e o STF

26/05/2020 às 13:00
Leia nesta página:

A divulgação da reunião entre o Presidente e seus Ministros expôs ofensas que podem caracterizar-se como a prática do delito de injúria, previsto no Código Penal, no rol dos crimes contra a honra.

INTRODUÇÃO

No mês de maio do corrente ano o Ministro Celso de Mello autorizou a divulgação de um vídeo do Presidente Jair Bolsonaro com os seus ministros, no qual, de maneira suposta, o vídeo serviria para provar que o Presidente estava, de fato, com a intenção de interferir na Polícia Federal. Dentre os diversos insultos proferidos no vídeo por quem estava presente na reunião, um dos mais graves ocorridos foi o do Ministro da Educação, Abraham Weintraub, que insultou os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os chamando de “vagabundos”. Após a assustadora conduta realizada por Weintraub, o Ministro Celso de Mello, em sua decisão de acesso ao vídeo da reunião ministerial, afirmou que as ofensas podem configurar possível prática delituosa.

Os crimes contra a honra estão previstos nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal, respectivamente tratam de calúnia, difamação e injúria. Portanto, a ofensa aos ministros, de maneira aparente, configura o crime de injúria, onde a honra subjetiva do sujeito é atingida, onde a imagem dos ministros é colocada como negativa, com a atribuição de qualidades insultantes à moral. Dessa maneira, é necessária a avaliação das condutas citadas para a observância de uma possível prática delituosa em comparação com a legislação vigente.


1 – Dos crimes contra a honra

Os crimes contra a honra têm previsibilidade nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal. O artigo 138 trata do crime de calúnia, que consiste na prática de atribuir, de modo falso, a alguém, a prática de um fato definido como crime. No artigo 139, o crime especificado é o de difamação e consiste na imputação a fato ofensivo a reputação da vítima. O artigo 140 trata do crime de injúria, que será especificado nesse artigo e trata sobre ofender, insultar ou falar mal, de modo a abalar o conceito que a vítima tem de si própria.

1.1 -  Conceito de honra

A honra é atribuída pelo conjunto de qualidades físicas, morais e intelectuais de um ser humano[1], que o fazem merecedor de respeito no âmbito social. Trata de elemento cuja violação produz ofensa ao psicológico, pois representa o valor social que esse indivíduo tem perante a sociedade, por estar ligado à aceitação no meio social. É direito fundamental do ser humano, previsto no artigo 5°, X, da Constituição Federal.

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; ”

A honra se classifica como objetiva e subjetiva: a objetiva representa a visão social do indivíduo, tratando de sua reputação; e a subjetiva, por sua vez, trata do sentimento que cada pessoa possui acerca das suas qualidades físicas, morais e intelectuais. Além da previsão constitucional, a defesa do direito à honra é prevista também na Declaração Internacional do Direitos Humanos:

“Artigo XII: Ninguém será sujeito à interferência em sua vida privada, em sua família, em seu lar ou em sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques” [2]

1.2 – Injúria

A injúria é o crime que afeta a honra subjetiva, caracterizando-se pelo delito de ofensa ao decoro da vítima[3], mediante xingamento ou atribuição de qualidade negativa. Dessa maneira, quando é ofendida a qualidade moral da pessoa, de modo que abala o conceito que a vítima tem de si própria, ocorre o crime de injúria, como é explícito no artigo 140 do Código Penal:

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Em razão disso, qualquer ofensa que ultrapasse a esfera da liberdade de expressão e atinja a honra subjetiva da vítima, será considerada injúria, conforme preceitua a jurisprudência:

“Assim, avaliando o direito reivindicado à luz do ordenamento constitucional, que, ao mesmo tempo em que prevê que a manifestação do pensamento, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão nenhuma restrição (art. 5º, IV, e art. 220 da CRFB/88), também assegura a inviolabilidade à honra, à vida privada e a proteção à imagem (art. 5º, X, da CRFB/88, conclui-se que, no presente caso, houve abuso do direito à liberdade de expressão, devendo prevalecer o direito à honra e à imagem das instituições públicas envolvidas, posto que entes públicos e seus membros não devem ter sua imagem denegrida por acusações ofensivas à sua moral sem o mínimo lastro probatório.” [4]

Entre os crimes contra a honra, a injúria possui a menor pena, podendo haver detenção de um a seis meses, ou multa. Porém, pode se tornar um crime ainda mais grave quando versar sobre injúria real ou injúria racial, porquanto em ambas, ocorre um dano maior ao ofendido e à sociedade.


III – Da fala de Weintraub na reunião

No mês de maio do corrente ano, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, autorizou o acesso ao vídeo da reunião ministerial ocorrida no dia 22 de abril, em que se apuram declarações proferidas pelo Ex-Ministro da Justiça, Sergio Moro, sobre uma suposta tentativa de interferência na Polícia Federal, por parte do Presidente da República. A única restrição de acesso ao vídeo imposta, foi relacionada a trechos específicos, que poderiam causar uma crise diplomática entre o Brasil e mais dois Países que foram citados.

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Assim sendo, na referida reunião, foram citadas diversas palavras de baixo calão por parte de vários integrantes. Porém, uma das falas que mais causou desconforto e pode configurar uma prática delituosa, foi a do Ministro da Educação, Abraham Weintraub. O Ministro proferiu a seguinte fala “Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF”. Diante disso, o Ministro Celso de Mello alertou o teor da fala em sua decisão:

 “Essa gravíssima aleivosia perpetrada por referido Ministro de Estado, consubstanciada em discurso contumelioso e aparentemente ofensivo ao patrimônio moral dos Ministros da Suprema Corte brasileira ("Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF") – externada em plena reunião governamental ocorrida no próprio Palácio do Planalto, que contou com a presença de inúmeros participantes –, põe em evidência, além do seu destacado grau de incivilidade e de inaceitável grosseria, que tal afirmação configuraria possível delito contra a honra (como o crime de injúria). ” [5]

Diante da possível prática delituosa cometida pelo Ministro da Educação, o Ministro Celso de Mello determinou, de ofício, aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, que tomassem as medidas necessárias acerca do ocorrido:

“Desse modo, e tendo em vista o fato indicado e as razões por mim expostas, determino que se oficie a cada um dos eminentes Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal, transmitindo-se-lhes cópia do inteiro teor desta decisão (com especial destaque para o presente item), bem assim reprodução daquele constante da degravação integral (Arquivo 00007.MTS, p. 52/54) procedida pelo Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal (Laudo nº 1242/2020-INC/DITEC/PF), para que possam, querendo, adotar as medidas que julgarem pertinentes. “


III – Conclusão

A violação da honra subjetiva é, de maneira clara, especificada no artigo 140 do Código Penal. Além disso, a honra também é protegida tanto na Constituição Federal, quando na Declaração Internacional do Direitos Humanos. Portanto, se algum tipo de ofensa produzir a maculação do psicológico, esse insulto estará afetando o valor social que esse indivíduo representa para a sociedade e, de modo consequente, o cometimento do delito de injúria. Logo, como se vê, há uma grande diferença entre a esfera da liberdade de expressão e a violação de um direito previsto na Constituição Federal, que incide em uma prática criminosa.

Em razão disso, as falas proferidas por Weintraub, de modo claro, podem configurar o delito especificado nesse artigo, pois as referidas ofensas afetam o decoro dos Ministros, mediante atribuição negativa. Entretanto, como especificado pelo Ministro Celso de Mello, cabe a cada Ministro proceder da maneira que achar adequado, de modo individual. Porém, resta claro que as falas proferidas pelo Ministro expõem a violabilidade da esfera da liberdade de expressão, porquanto é possível constatar, com clareza, a violação da honra subjetiva, o que pode ocasionar o crime de injúria.


REFERÊNCIAS

[1] Direito Penal Esquematizado - volume 02 - Parte Especial- Pág 201 - 11ª edição / 2018 - Cleber Masson.

[2] https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf

[3] Direito Penal Esquematizado - volume 02 - Parte Especial- Pág 216 - 11ª edição / 2018 - Cleber Masson.

[4] TRF-2-Apelação: AC 0087608-42.2015.4.02.5101 RJ 0087608-42.2015.4.02.5101, Relator: REIS FREIDE, Data de Julgamento: 24/08/2017, 6ª TURMA ESPECIALIZADA

[5] http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/decisao4831.pdf

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Sobre o autor
Pedro Vitor Serodio de Abreu

LL.M. em Direito Econômico Europeu, Comércio Exterior e Investimento pela Universität des Saarlandes. Legal Assistant na MarketVector Indexes.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ABREU, Pedro Vitor Serodio. Os crimes contra a honra: Weintraub e o STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6173, 26 mai. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/82442. Acesso em: 23 nov. 2024.

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