Princípio da razoabilidade e proporcionalidade: o remanejamento de recursos do Bolsa Família é correto?

08/06/2020 às 21:57

Resumo:


  • O Governo Federal transferiu $83,9 milhões do programa Bolsa Família para a publicidade.

  • A transferência foi motivada pelo auxílio emergencial, que resultou em valores superiores para famílias do Bolsa Família.

  • Os princípios da razoabilidade e proporcionalidade na Administração Pública podem ter sido infringidos nesse remanejamento.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

No último dia 02/06, através da Portaria nº 13.474, o Governo Federal deslocou R$83,9 milhões em verbas que seriam destinadas ao Bolsa Família da região nordeste, para o setor de publicidade.

INTRODUÇÃO 

Em recente portaria editada pelo Governo Federal, foram transferidos $ 83,9 milhões de recursos do programa Bolsa Família para a publicidade. O Ministério da Economia informou que em razão do recente benefício do auxílio emergencial, diversas famílias beneficiadas pelo Bolsa família receberam valores superiores aos garantidos pelo programa. Assim, foi necessária a redistribuição de recursos para a Secretaria Especial de Comunicação Social, que necessitava de mais capital. Contudo, dentre os princípios que são estabelecidos na Administração Pública brasileira, estão os da razoabilidade e proporcionalidade, que, de forma básica, determinam que o Poder Público deve ter uma conduta sensata ao realizar suas ações, que talvez podem estar sendo infringidas pelas condutas realizadas.


1 - DAS VERBAS DO BOLSA FAMÍLIA

No último dia 02/06, através da Portaria nº 13.474 [1], o Governo Federal deslocou R$ 83,9 milhões em verbas que seriam destinadas para o pagamento do programa social Bolsa Família da região nordeste, conforme informa a portaria:

“PORTARIA Nº 13.474, DE 2 DE JUNHO DE 2020

Abre ao Orçamento Fiscal da União, em favor da Presidência da República, crédito suplementar no valor de R$ 83.904.162,00, para reforço de dotação constante da Lei Orçamentária vigente.

O SECRETÁRIO ESPECIAL DE FAZENDA DO MINISTÉRIO DA ECONOMIA, no uso da competência que lhe foi subdelegada pelo art. 1º, inciso I, da Portaria GM/ME nº 42, de 3 de fevereiro de 2020, e tendo em vista a autorização constante do art. 4º, caput, inciso V, da Lei nº 13.978, de 17 de janeiro de 2020, resolve:

Art. 1º Abrir ao Orçamento Fiscal da União (Lei nº 13.978, de 17 de janeiro de 2020), em favor da Presidência da República, crédito suplementar no valor de R$ 83.904.162,00 (oitenta e três milhões, novecentos e quatro mil, cento e sessenta e dois reais), para atender à programação constante do Anexo I.

Art. 2º Os recursos necessários à abertura do crédito de que trata o art. 1º decorrem de anulação de dotação orçamentária conforme indicado no Anexo II.

Art. 3º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação. “

O dinheiro foi remetido para a comunicação institucional do Palácio do Planalto. O Ministério da Economia entendeu pela necessidade da observância do teto de gastos, em razão da despesa ocasionada pelo auxílio emergencial [2]. Cabe destacar que a transferência ocorre em um momento em que o Governo discute ampliar o benefício do auxílio emergencial.

 “Importante destacar que nenhum beneficiário do Programa Bolsa Família foi prejudicado no recebimento de seu benefício e, com a instituição do Auxílio Emergencial, a maioria teve benefícios superiores”, afirmou o Ministério da Economia.


3 - DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE

Para a realização dos atos da Administração Pública existem algumas diretrizes que precisam ser cumpridas. Logo, além das normas vigentes específicas, há preceitos que devem ser seguidos, conhecidos como princípios do Direito Administrativo. Dois dos mais importantes são os da razoabilidade e o da proporcionalidade, que afirmam que a Administração Pública deve ter uma atuação equilibrada, sensata, aceitável não realizando condutas abusivas. Dessa maneira, a conduta do Poder Público deve beneficiar o interesse público, como destaca Licínia Rossi [3]:

“Consiste na relação de congruência lógica entre o motivo ou fato e a atuação concreta da Administração – o que permite verificar se o ato administrativo foi praticado em conformidade com os ditames legais.

Esse princípio possui três elementos:

a) Adequação, segundo o qual as medidas adotadas pelo Poder Público devem ser aptas a atingir seus objetivos.

b) Necessidade ou exigibilidade, impondo a verificação de inexistência de meios menos gravosos para atingimento dos objetivos.

c) Proporcionalidade stricto sensu, consistente na proporção entre o ônus imposto e o benefício trazido, isto é, proporção entre o meio e o fim.

Conveniente ressaltar que só se fala em razoabilidade quanto a atos discricionários. Nos atos vinculados há presunção legal de razoabilidade.

Na doutrina, prevalece a noção de que os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade se entrelaçam e se completam, ou seja, não são considerados separadamente. “

De modo que é também destacado pela jurisprudência a inobservância dos referidos princípios:

“Servidores do Judiciário, conforme apurado em processo administrativo disciplinar (PAD), com objetivo de obterem o anonimato, teriam ludibriado partes para que assinassem documento de cujo teor e finalidade não tinham conhecimento: assinaram representações contra a juíza, o escrivão e dois escreventes da comarca, acusando-os de cometer injustiças, maltratar usuários do serviço forense, contribuir para a morosidade e praticar corrupção. Segundo o Min. Relator, apurados os ilícitos de indisciplina, eles merecem reprovação na medida em que demonstrado o intuito dos ora recorrentes de, no mínimo, submeter os representados a constrangimento, por figurarem em processo instaurado em corregedoria-geral de Justiça estadual. Também aponta que, não obstante sua indiscutível gravidade, o ato não teve maiores consequências nem para os representados nem para a própria Administração, uma vez que logo foi constatada a impropriedade das imputações. Assim, conclui que a aplicação da pena máxima de demissão, imposta com base nos arts. 273, I e IV, 274, V, e 285, III, da LC estadual n. 59/2001, deu-se mediante inobservância dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, impondo-se que a Administração aplique sanção disciplinar mais branda. Diante do exposto, a Turma deu parcial provimento ao RMS, concedendo em parte a segurança para anular a demissão dos recorrentes e determinar a reintegração aos cargos que ocupavam, ressalvada à Administração eventual aplicação de pena menos gravosa em decorrência das infrações disciplinares já apuradas, se for o caso. “ [4]

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4 - CONCLUSÃO

A Administração Pública deve realizar seus atos se pautando nos princípios que regem o Direito Administrativo, sobretudo os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, cuja importância é inconsteste para que se observe o equilíbrio necessário, na conduta dos agentes públicos, de modo a preservar o adequado custo benefício à população: conduta menos gravosa possível e que atenda ao interesse público, sem a prática de condutas abusivas. Assim sendo, na doutrina, diante da similaridade dos princípios, ambos se completam, não podendo ser considerados de maneira separada.

No remanejamento de verbas destinadas ao Bolsa Família, recentemente permitido por meio de Portaria, a violação desses princípios parece patente. Deslocar o dinheiro que seria destinado a um programa social para o setor de publicidade do Planalto, nesse momento, causa significativo impacto e fere o interesse público. Não se vislumbra a proporção que deve haver, consoante doutrina afeta à matéria, entre o ônus imposto e o benefício trazido, razão pela qual entende-se estar tal conduta ferindo os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.


REFERÊNCIAS

[1]http://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-n-13.474-de-2-de-junho-de-2020-260078555

[2]https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/06/04/governo-transfere-r-839-milhoes-do-bolsa-familia-para-a-secretaria-de-comunicacao.ghtml

[3] (Manual de direito administrativo / Licinia Rossi. – 6. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020. Pág 122).

[4] Precedentes citados: MS 12.369-DF, DJ 10-9- 2007, e MS 8.401-DF, DJe 17-5-2009. RMS 29.290-MG, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 18-2- 2010 (Informativo STJ 423).

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Sobre o autor
Pedro Vitor Serodio de Abreu

LL.M. em Direito Econômico Europeu, Comércio Exterior e Investimento pela Universität des Saarlandes. Legal Assistant na MarketVector Indexes.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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