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Do controle de constitucionalidade por omissão

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Reflexões sobre os remédios jurídicos existentes para combater a omissão do Poder Legislativo em regulamentar as normas constitucionais de eficácia limitada.

RESUMO: Trata-se de artigo com a preocupação de abordar os remédios jurídicos existentes para combater a omissão do Poder Legislativo em regulamentar as normas constitucionais de eficácia limitada. Assim, é estudada a classificação das normas constitucionais no que diz respeito à aplicabilidade das mesmas. Em seguida, são estudadas as formas de controle de constitucionalidade. Por fim, são estudadas as características e os efeitos da ação de inconstitucionalidade por omissão e do mandado de injunção. Desse modo, o artigo se propõe a analisar mecanismos passíveis de acabar com a falta de efetividade das normas constitucionais, em virtude da omissão dos nossos legisladores no cumprimento dos mandamentos constitucionais.

Palavras-chave: normas constitucionais; omissão; controle de constitucionalidade.


INTRODUÇÃO

No final da década de oitenta, o povo brasileiro teve a promulgação de sua atual Constituição, o início de um novo ordenamento jurídico no Brasil. Ulisses Guimarães levantou o texto em suas mãos e o denominou de “A Constituição Cidadã”.  Era o início de uma nova era, o povo se enchia de esperanças, o país tinha a sua primeira Constituição após o fim da ditadura militar. A Carta Magna de 1988 tinha muitos direitos passíveis de serem exercidos imediatamente, porém, tinha algumas normas que dependiam de regulamentação.

Assim, conforme será aprofundado, na clássica divisão de JOSÉ AFONSO DA SILVA, as normas constitucionais se dividem, no que tange à sua eficácia, em normas de eficácia plena, contida e limitada. Estas últimas não têm aplicação imediata, exigindo uma atuação do Poder Público no sentido de efetivar os direitos delas inerentes.

Entretanto, os gestores públicos, assim como os legisladores, omitem-se em diversas oportunidades, deixando o povo desamparado em situações em que têm os seus direitos assegurados pelo Texto Constitucional, porém, não os têm devidamente regulamentados, gerando, assim, como afirma JORGE MIRANDA, “omissões juridicamente relevantes”. (MIRANDA, 2012, p.9).

Para evitar a perpetuação dos males decorrentes dessa omissão, existem meios para combater o que se denominou de “Síndrome da inefetividade das normas constitucionais”, quais sejam: a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão e o Mandado de Injunção, que serão o alvo principal desse nosso estudo.

Frise-se, contudo, que as referidas ações têm como objetivo combater a omissão do Poder Público em legislar, e não em deixar de realizar as políticas públicas (SANTOS; VIEIRA; DAMASCENO; CHAGAS, 2015. p.2598), questão extremamente importante, mas que não será objeto deste estudo por envolver temas como o do ativismo judicial, que não está dentro do nosso recorte de estudo.

O presente trabalho teve como método de estudo a análise da doutrina brasileira sobre o tema, bem como o enfoque jurisprudencial dado ao mesmo.

A maior problemática encontrada foi encontrar autores dedicados especificamente ao estudo da matéria, bem como doutrinadores generalistas que tenham dedicado parte significativa de seus livros ao estudo do assunto em testilha sem apenas repetir os ditames legais. Procuramos suprir a falta de uma vasta doutrina dobre o tema com as decisões judiciais, especialmente do Supremo Tribunal Federal – STF.

Enfim, não pretendemos esgotar a discussão sobre o assunto, mas acreditamos ter colaborado um pouco com estudo na matéria.


Da Eficácia das Normas Constitucionais

 Se todas as normas constitucionais fossem aplicadas de imediato, não haveria uma preocupação com a omissão dos legisladores e/ou dos gestores públicos no que tange à não efetividade das normas constitucionais. Entretanto, nem todos os dispositivos da Constituição são aplicados com a simples feitura do Texto Constitucional, conforme podemos observar na doutrina de PONTES DE MIRANDA abaixo colacionada:

quando uma regra se basta, por si mesma, para a sua incidência, diz-se bastante em si, self executing, self acting, self enforcing. Quando, porém, precisam as regras jurídicas de regulamentação, porque, sem a criação de novas regras jurídicas, que as complementem ou suplementem, não poderiam incidir e, pois, ser aplicadas, dizem-se não bastantes em si” (MIRANDA, 1946, p.148).

Por uma questão de didática, não podemos deixar de mencionar a divisão feita por JOSÉ AFONSO DA SILVA, pois a mesma é a mais utilizada pelos autores pátrios, bem como pelo próprio Supremo Tribunal Federal – STF.

O professor da Universidade de São Paulo divide as normas constitucionais, no que tange a sua eficácia, em: normas de eficácia plena, normas de eficácia contida e normas de eficácia limitada. (SILVA, 1999, p.266)

De antemão, já podemos iniciar, superficialmente, uma crítica à referida divisão. Em verdade, todas as normas constitucionais têm uma eficácia plena, pois até mesmo as denominadas normas de eficácia limitada, que, conforme veremos, requerem uma regulamentação, não deixam de ter uma certa aplicação logo quando de sua feitura, vez que, em hipótese mínima, elas impedem que as normas infraconstitucionais as desrespeitem, bem como possibilitam a propositura da Ação de Inconstitucionalidade por Omissão e do Mandado de Injunção.

Passemos a aprofundar um pouco mais a referida divisão:

Normas de eficácia plena

São as normas que têm aplicação imediata, independentemente de regulamentação posterior, não estando passíveis de terem os seus efeitos restringidos posteriormente, conforme as palavras de JOSÉ AFONSO DA SILVA, são as normas que Criam situações subjetivas de vantagem ou de vínculo, desde logo exigíveis. (SILVA, 1998, p.262)  

Podemos citar como exemplo o artigo 44 da Constituição brasileira de 1988, in verbis: O poder legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

Ora, o referido texto da Constituição não requer qualquer tipo de norma o regulamentando; ele é aplicado de imediato, diz claramente quem exerce o poder legislativo no âmbito da União, no caso, o Congresso Nacional, bem como quem compõe esse último.

No mais, o texto em testilha não remete a sua regulamentação a ninguém; nem ao Poder Legislativo nem ao Poder Executivo. Assim, o referido texto estabelece como deve ser feito, sem precisar de qualquer complementação e sem possibilitar que seja regulado de outra forma. Se todos os dispositivos do Pergaminho Máximo fossem redigidos dessa forma, não haveria a possibilidade de omissão inconstitucional, todos poderiam exercer os seus direitos constitucionais de imediato.

Entretanto, o ordenamento jurídico não pode ficar engessado. Antes da Constituição da República de 1988, o país vivia uma fase chamada patrimonialista, onde os gestores públicos agiam como verdadeiros donos do poder, o que dava margem para vícios críticos, como o nepotismo. O texto original da nossa atual Carta Política adotou, inicialmente, o modelo burocrático, de modo a se contrapor de forma radical ao modelo anterior. Acontece que o modelo adotado inicialmente pelo texto de 1988 trazia sérias amarras aos administradores. Por isso, as Emendas Constitucionais trouxeram uma nova fase: a gerencial. (OLIVEIRA,2013, p.121).

Sendo assim, é importante que exista, em determinadas normas, a possibilidade de restrição das mesmas, bem como a necessidade de que elas sejam reguladas posteriormente, em atividade conjunta dos representantes dos estados, os senadores e dos representantes do povo, os deputados federais, bem como, em outras situações, através de atuação dos gestores públicos. Dessa forma, o país não estará totalmente amarrado, de modo que o modelo gerencial poderá ser aplicado, o que facilita sobremaneira o crescimento do país.

Assim, passemos ao estudo da eficácia das demais normas constitucionais.

1.2. Das Normas de eficácia contida

Essas normas também têm eficácia plena, porém estão passíveis de restrição pela atuação do legislador infraconstitucional.

O exemplo clássico desse tipo de norma é o artigo 5º, inciso XIII, da Constituição Brasileira de 1988, que afirma: é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.  

Pelo dispositivo supracitado, todos podem exercer qualquer profissão, mas existe a possibilidade das leis regulamentares as profissões, assim sendo, todos podem exercer a medicina, desde que obedeçam ao que diz a lei que regula a profissão, que exige que os médicos sejam formados em Ciências Médicas, da mesma forma que todos os interessados podem ser advogados, desde que sejam bacharéis em Direito e que tenham sido aprovados no cada vez mais difícil Exame da Ordem.

Se não existisse legislação regulamentando as profissões acima mencionadas, qualquer leigo poderia exercê-las, isso acontece com algumas profissões, como, por exemplo, a de jardineiro, de modo que qualquer pessoa pode exercer o referido ofício, entretanto, caso venha uma lei que diga que para ser jardineiro é necessário que o cidadão seja formado em “Ciências do Jardim”, haverá a necessidade de que os interessados em exercer a profissão em tela façam o referido curso superior.

1.3. Normas de eficácia limitada

São aquelas que não têm total aplicação imediata, dizemos “total”, pois, como já foi dito alhures, elas não deixam de terem uma certa aplicação, não sendo, como afirma LUÍS ROBERTO BARROSO, “completamente desprovidas de normatividade”(BARROSO, 2009.p.214.), entretanto, no que tange ao direito subjetivo precípuo, sobre o qual as mesmas se inserem, urge a necessidade de existir uma norma infraconstitucional regulando a sua aplicabilidade; ou ainda mais, possibilitando a sua aplicação.

Como exemplo, temos o inciso VII, do artigo 37 da Constituição Federal que, no que tange ao direito de greve dos servidores públicos, afirma: o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica.

O dispositivo acima claramente impede a possibilidade de os servidores públicos de imediato realizarem greve. O que o referido dispositivo constitucional faz é trazer a possibilidade da existência desse direito, porém, condicionado à existência de lei regulamentando a referida situação.

Esses tipos de normas são as mais importantes para o nosso estudo, pois são elas que geram a possibilidade de omissão por parte dos nossos legisladores, e, em conseqüência, possibilitam a propositura do Mandado de Injunção e da Ação de Inconstitucionalidade por omissão.

Outrossim, as ações supramencionadas são de extrema importância para o nosso ordenamento jurídico, principalmente se tiverem efeitos concretos.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, e o constitucionalista Celso Ribeiro Bastos, afirmam: Dado o seu caráter instrumental, o direito (e dentro deste o da Constituição não faz exceção) é elaborado com vistas à produção de efeitos práticos. (BASTOS E BRITO, 1982, p.34).

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Na esteira do entendimento dos autores mencionados, de nada teria valor um texto normativo que não tivesse aplicabilidade, eis a importância de existirem meios processuais/constitucionais para dar às normas os efeitos que os nossos constituintes pretenderam dar, nem que seja em apenas um segundo momento.

Desse modo, a partir do tópico seguinte passaremos a fazer um breve estudo sobre o Controle de Constitucionalidade, para, em seguida, aprofundarmos os estudos acerca da Ação de Inconstitucionalidade por omissão e em ato contínuo estudarmos o Mandado de Injunção. 


Breves noções sobre o Controle de Constitucionalidade

O controle de constitucionalidade só existe em face de um motivo primordial: a supremacia da constituição, ou seja, o nosso ordenamento jurídico permite o referido controle em face do fato da nossa Constituição ser rígida, desse modo, como afirma JOSÉ AFONSO DA SILVA, todas as normas que integram a ordenação jurídica nacional só serão válidas se conformarem com as normas da Constituição Federal. (SILVA, 2005, p. 46).

A rigidez se caracteriza em face do processo para modificação das normas constitucionais ser mais dificultoso do que o processo para alterar os demais dispositivos legais, levando em consideração que as normas constitucionais também são leis, sendo leis de hierarquia superior as demais.

Assim, podemos nos utilizar das palavras do saudoso mestre PERNAMBUCANO PINTO FERREIRA: A constituição é uma superlei, com uma força valorativa acima das leis ordinárias (FERREIRA, 1996, p.421). Acrescentamos as palavras do referido autor que ela é superior a todos os demais tipos legais, como a Lei Complementar e a Medida Provisória, que, apesar de não ser lei em sentido estrito, tem força de lei.

Desta feita, quando uma norma infraconstitucional desobedecer aos preceitos da Carta Magna, ela será inconstitucional. Essa desobediência pode se dar em dois aspectos: o aspecto formal e o material.

Uma lei será formalmente inconstitucional quando não obedecer ao processo de elaboração determinado pelo Texto Constitucional, como, por exemplo, a necessidade de as leis complementares serem aprovadas pela maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional. Por outro lado, será materialmente inconstitucional quando existir uma colisão entre o conteúdo do novo dispositivo legal com a do Texto Constitucional, como a estipulação da pena de morte em situação que não seja de guerra declarada.

A inconstitucionalidade pode ser ainda por ação ou por omissão. Lendo tudo que foi escrito até agora podemos facilmente perceber a diferença entre esses dois institutos: a inconstitucionalidade por ação se dá quando o legislador age de forma positiva, ou seja, quando de fato legisla, porém em desacordo, formalmente ou materialmente, com o texto constitucional. Por outro lado, a inconstitucionalidade por omissão ocorre quando nos deparamos com uma norma constitucional de eficácia limitada e com a ausência de norma infraconstitucional regulando a sua aplicabilidade, tal como será aprofundado neste apanhado.

Vias de controle

Para finalizar essa breve passagem pelos conceitos inerentes ao Controle de Constitucionalidade é importante que seja dito que o controle de constitucionalidade pode ser feito por duas vias, por via de ação, ou por via de exceção.

O controle por via exceção, ou controle difuso, é o feito diante de um caso concreto, o mesmo se dá, segundo as palavras de PAULO BONAVIDES: quando, no curso de um pleito judiciário, uma das partes levanta, em defesa de sua causa, a objeção de inconstitucionalidade da lei que se quer aplicar. (BONAVIDES, 2001, p.272).

Assim, todos os juízes e tribunais têm a possibilidade de avaliar, de forma incidental, a inconstitucionalidade de uma lei. Não podem os mesmos afirmarem no dispositivo da sentença que a norma é inconstitucional, sob pena de invadir a competência do STF, mas podem fundamentar as suas decisões com base na inconstitucionalidade levantada pelas partes, de modo que os efeitos dessa declaração, apesar de serem ex tunc, só terão validade no caso concreto, tendo efeito entre as partes, e não erga omnes, salvo, se depois de ratificada pelo STF, a referida decisão for encaminhada para o Senado, e este último, por sua vez, através de Resolução, estender esses efeitos para todos.

Atualmente, o STF tem progredido de modo a considerar a existência da chamada objetivação do controle de constitucionalidade, onde, em tese, uma decisão proferida no controle difuso pode ter efeito não apenas entre as partes. Entretanto, o aprofundamento da referida discussão também foge do objetivo do presente trabalho.

 Já o controle por via de ação, é o que discute a inconstitucionalidade em tese da norma legal, ou seja, são ações que não discutem um direito subjetivo, não havendo o que se falar em partes, uma vez que tem caráter objetivo.

As ações de controle de constitucionalidade

No Brasil, as ações que averiguam a constitucionalidade em tese das normas legais são as seguintes: a Ação Declaratória de Constitucionalidade, a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, Ação Declaratória de Inconstitucionalidade e a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão, essa última será mais aprofunda nos tópicos seguintes.

Essas ações têm efeitos erga omnes e, em regra, ex tunc, podendo haver a modulação de seus efeitos pelo STF, de modo que, por uma questão de segurança jurídica, os ministros podem, por decisão de 2/3 de seus membros, dar efeitos ex nunc a referida decisão, ou determinar que seus efeitos não irão retroagir ab ovo, e sim, somente, até determinado período.

Passemos agora ao estudo do controle de constitucionalidade perante a omissão de nossos legisladores.

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Sobre o autor
Ricardo Russell Brandão Cavalcanti

Doutor em Ciências Jurídicas-Públicas pela Universidade do Minho, Braga, Portugal (subárea: Direito Administrativo). Mestre em Direito, Processo e Cidadania pela Universidade Católica de Pernambuco. Especialista em Ciência Política pela Faculdade Prominas. Especialista em Direito Administrativo, Constitucional e Tributário pela ESMAPE/FMN. Especialista em Filosofia e Sociologia pela FAVENI. Especialista em Educação Profissional e Tecnologia pela Faculdade Dom Alberto. Capacitado em Gestão Pública pela FAVENI. Defensor Público Federal. Professor efetivo de Ciências Jurídicas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco - IFPE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVALCANTI, Ricardo Russell Brandão. Do controle de constitucionalidade por omissão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6202, 24 jun. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83401. Acesso em: 28 mar. 2024.

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