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Limitações ao poder de tributar em correlação aos direitos e garantias fundamentais do cidadão

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10/07/2020 às 14:40
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Há uma correlação entre as limitações ao poder de tributar do Estado, previstas na Constituição, e a realização de alguns direitos e garantias fundamentais assegurados ao cidadão, também no mesmo diploma.

1 ASPECTOS INTRODUTÓRIOS SOBRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A construção de um regime democrático passa por custos e estudos que vão muito além da simples declaração de direitos. Não existe Estado Social sem que haja, ao mesmo tempo, Estado Fiscal. Se todos os direitos fundamentais têm uma dimensão positiva, não é menos verdade que todos implicam custos para sua efetivação[1].

Não é novo o famigerado debate doutrinário sobre o que seriam os direitos fundamentais presentes em um Estado Democrático de Direito. Não obstante a discussão, podemos compreender os direitos fundamentais como aqueles que, em regra, são advindos do princípio da dignidade da pessoa humana, os quais formam o alicerce democrático do ordenamento jurídico, constituindo as prerrogativas reconhecidas e protegidas pelo Direito Constitucional de cada Estado[2].

A doutrina tradicional fixou a classificação dos direitos fundamentais em gerações, as quais seriam: 1º geração - abrange os direitos civis e políticos referidos nas Revoluções americana e francesa, os quais teriam o condão de impor um dever de abstenção por parte do Estado, na medida em que este deveria evitar abusos que eram constantemente perpetrados na vida privada do cidadão, constituindo assim o primado da liberdade; 2º geração - encontram-se os direitos sociais, econômicos e culturais, ao passo que fixavam a ideia de igualdade entre todos e exigiam um papel ativo do Estado na efetivação das políticas públicas; 3º geração - são os direitos difusos e coletivos, transindividuais e indisponíveis, como o respeito ao meio-ambiente e à preservação da paz, além da conservação do patrimônio histórico e cultural[3].

Realizando uma interpretação teleológica do § 2º, do artigo 5º da Carta Política, podemos dizer que são também direitos fundamentais aqueles concebidos como materialmente constitucionais, embora dispersos pela Constituição, além daqueles previstos em tratados internacionais dos quais a República Federativa do Brasil seja parte. No âmbito do que se concebe como postulados fundamentais do cidadão perante o Estado, surge uma nova classificação que passa a considerar as limitações constitucionais ao poder de tributar, presentes no Título VI, Seção II, da Constituição Federal, como verdadeiro estatuto do contribuinte.


2 ESTADO REPUBLICANO E AS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR

Ao tratarmos do Sistema Tributário Nacional, iniciaremos o tópico pelo questionamento do que seriam os princípios que o revestem. Princípios, segundo Carlos Ari Sundfeld[4], são os alicerces que dão base ao sistema, que implicam eficácia dos mandamentos legais e que fundamentam a sua aplicação. Dentre os princípios que são citados como essenciais à Republica Federativa do Brasil, encontra-se o princípio republicano.

Segundo balizada doutrina, tal princípio consiste na exigência de legitimação dos Chefes do Poder Executivo, assim como dos Congressistas, de serem eleitos pelo voto popular. Mais que isso: não poderá haver privilégios para nenhuma classe social ou política, salvo aqueles assegurados pelo poder constituinte originário[5].

Conforme exposto previamente, percebe-se que o princípio republicano repousa em uma ideia de igualdade, de isonomia material.  Como exemplo consistente do postulado republicano, podemos citar o seguinte artigo da CF/88:

Art. 145, § 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Destarte, fica evidente a conclusão de que o supracitado princípio dirige-se ao princípio da generalidade da tributação (CF, art. 145, § 1º), o qual versa que a carga tributária, imposta por critérios técnicos e estudos anteriores, alcança a todos os contribuintes com isonomia e justiça. Dessa forma, o princípio republicano exige que todos os que realizam o fato gerador de determinado tributo venham a ser tributados com igualdade[6].

2.1 Considerações sobre as limitações ao poder de tributar

Limitações ao poder de tributar são as restrições impostas aos entes federativos por meio das regras de competência tributária, de princípios, de garantias e de direitos fundamentais[7].  Na CF/88, as limitações constitucionais ao poder de tributar estão previstas a partir do art. 150 da Carta Política[8]. Se apresentam então as limitações como garantias para assegurar os direitos do contribuinte (legalidade, isonomia, irretroatividade, anterioridade e vedação do confisco), concretizando também outros direitos e garantias individuais (imunidade dos livros e dos templos), ou servindo como instrumento para preservação da forma federativa do Estado (imunidade recíproca, vedação da isenção heterônoma e de distinção tributária em razão da procedência ou origem), constituindo assim cláusulas pétreas, aplicando-lhes o art. 60, § 4º, da Constituição Federal[9].


3 DAS LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR EM ESPÉCIE

A partir do art. 150, o texto constitucional possui longo catálogo das limitações expressas ao poder de tributar. No presente tópico, serão analisadas cada uma separadamente. Em atenção ao sobredito dispositivo, passa-se à sua transcrição:

Art. 150: Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

3.1 Exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça

A presente garantia é fruto do princípio da legalidade. Este, por sua vez, está previsto em diversas searas do âmbito jurídico no sistema normativo nacional e pode ser compreendido de diversas formas, conforme a área de sua aplicação. No que tange ao direito penal, o princípio ora mencionado estabelece que não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (CF, art. 5º, XXXIX). Possui, entretanto, sentido diverso quanto ao direito administrativo: não poderá o administrador fazer o que não está permitido pela lei (CF, art. 37, caput).

Por fim, no que concerne ao objeto de nosso estudo - o direito tributário -  o princípio da legalidade dispõe que não poderá o Estado criar tributo, exigir o seu pagamento, ou mesmo aumentar sua alíquota (salvo exceções previstas na Constituição), sem lei, em sentido formal, que o estabeleça.

Embora possua sentidos distintos em diversas searas do Direito, no que tange, especificamente à álea tributarista, o princípio da legalidade advém dos primados do direito norte-americano, o qual prevê o seguinte brocardo: "No Taxation Without Representation". A célebre frase pode ser compreendida no sentido de que não haverá taxação sem nenhuma representatividade. Destarte, conclui-se que, em tese, a sociedade não pagará por nenhum tributo que não tenha ela instituído por meio de seus representantes (Chefes do Executivo e Congressistas).

Compete aqui fazer o alerta de que o princípio em questão não possui viés absoluto. Tanto a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto o próprio texto constitucional preveem hipóteses de não aplicação da legalidade. Por exemplo, a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo e a fixação do prazo do recolhimento são exceções à reserva legal[10]. Ainda, conforme permissivo constitucional, os impostos sobre importação (II), e sobre exportação (IE), podem ser majorados sem necessidade de lei formal. Assim já decidiu a Suprema Corte:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE EXPORTAÇÃO. ALTERAÇÃO DE ALÍQUOTA. ART. 153, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA NÃO CONFIGURADA. ATRIBUIÇÃO DEFERIDA À CAMEX. CONSTITUCIONALIDADE. FACULDADE DISCRICIONÁRIA CUJOS LIMITES ENCONTRAM-SE ESTABELECIDOS EM LEI. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. 1 - É compatível com a Carta Magna a norma infraconstitucional que atribui à órgão integrante do Poder Executivo da União a faculdade de estabelecer as alíquotas do Imposto de Importação. II - Competência que não é privativa do Presidente da República. III - inocorrência de ofensa aos arts. 84, IV e parágrafo único, e 153, § 1º, da Constituição Federal ou ao princípio da reserva legal. Precedentes. IV - Faculdade discricionária atribuída à Câmara do Comércio Exterior. - CAMEX, que se circunscreve ao disposto no Decreto-Lei 1.578/1977 e às demais normas regulamentares. V - Recurso extraordinário conhecido e desprovido.

STF - RE: 570680/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em 28/10/2009 (sem grifos no original).

Destacamos que o supramencionado princípio da legalidade não se confunde com o antigo princípio da anualidade. Este último, que existia perante a vigência da Carta de 1946, determinava que nenhum tributo podia ser cobrado, em cada exercício, sem prévia autorização orçamentária. Assim, para que um tributo pudesse ser exigido, era necessário que a lei orçamentária anual autorizasse sua cobrança, todos os anos[11].

3.1.1 Princípio da legalidade e as medidas provisórias

Consonante ao que consta na Constituição Federal, em seu art. 62, é atribuída ao Chefe do Poder Executivo a prerrogativa de editar medidas provisórias. Tais atos normativos seriam elaborados pelo chefe da Administração Pública em casos de relevância e urgência. Por muito tempo, houve grande discussão na doutrina e na jurisprudência sobre o poder efetivo das medidas provisórias em matéria tributária. Com a vigência da Emenda Constitucional nº 32/2001, foram delimitadas as áreas em que não poderia ser instituída medida provisória. Assim, silenciou o texto constitucional sobre matéria tributária. Destarte, entendeu o Pretório Excelso que não haveria óbice ao Chefe do Poder Executivo dispor sobre assuntos de ordem tributária por meio de MP, desde que preenchidos os pressupostos objetivos de relevância e urgência e que o conteúdo do ato normativo se limite a pautas que possam ser tratadas por lei ordinária[12].

3.2 Instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos

A limitação em questão trata do princípio da igualdade, disposto no artigo 5º do texto constitucional, em seu inciso II. Nota-se que, ao invés de seguir o amplo princípio da igualdade formal, a limitação tomou como fundamento a igualdade material (tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade), em evidência pelo trecho "que se encontrem em situação equivalente". A parte final do dispositivo vem para efetivar de vez a não distinção entre classes sociais e profissionais que estejam em situação de equivalência, prática comum em épocas passadas. Como exemplo, apontamos o art. 19, parágrafo único do Código Tributário do Município de Manaus (Lei nº 1.617/83), no que trata sobre o antigo Imposto Imobiliário:

Art. 19 - São isentos do imposto imobiliário:

(...)

Parágrafo único - A isenção estende-se ao servidor celetista enquanto durar o contato de trabalho e desde que tenha dois (2) anos de efetivo exercício, comprovados mediante certidão do setor pessoal, acompanhada de pedido ao Chefe do Executivo Municipal.

De pronto, percebemos que a isenção citada fere a garantia da igualdade, ao passo em que diferencia o servidor celetista, sem nenhum fundamento jurídico relevante, dos demais contribuintes em situação equivalente[13]. No caso, trata-se de norma não recepcionada pela atual ordem constitucional.

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3.3 Cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado

O dispositivo versa sobre o postulado da irretroatividade. Não poderá o Fisco cobrar tributos antes que a lei publicada comece a viger[14].Como regra geral, as normas tributárias obedecem o disposto nas regras da Lei de Introdução do Direito Brasileiro (LINDB), em seu artigo 6º, abaixo transcrito:

A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

A regra é a irretroatividade da lei. Para que esta possa retroagir, deverá haver permissivo legal da norma[15]. O próprio Código Tributário Nacional prevê em seu artigo 106 as hipóteses de retroatividade. Cumpre anotar que, a norma em avaliação no presente tópico, encarada como norma formal e materialmente constitucional, não poderia ser modificada por lei complementar ou ordinária. Mesmo que houvesse previsão contrária no CTN, esta seria considerada não recepcionada pela CF/88. Entendemos que mesmo que fosse proposta Emenda Constitucional que visasse abolir a presente garantia, aquela seria eivada de inconstitucionalidade, pois tenderia a cercear direitos e garantias fundamentais do cidadão (CF, art. 60, § 4º, inciso IV).

3.4 Cobrar tributo no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os institui ou aumentou

A alínea b), do inciso III, do art. 150 da Constituição Federal, dispõe sobre o postulado da anterioridade do exercício financeiro. O princípio em questão é uma das maiores garantias ao contribuinte, ao passo que é complementado pelo dogma da não surpresa. Dessa forma, não pode ser o particular compelido a pagar tributos não previstos em lei. Mais do que isso: não pode ser exigido do cidadão tributo no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que o instituiu. Todavia, deve ser salientado que o texto constitucional possui diversas exceções ao princípio da anterioridade do exercício financeiro, quais sejam:

a) Imposto sobre importação;

b) Imposto sobre exportação;

c) Imposto sobre produtos industrializados;

d) Imposto sobre operações financeiras;

e) Impostos extraordinários de guerra;

f) Empréstimos compulsórios, por motivos de guerra ou calamidade pública;

g) Contribuições para Financiamento da Seguridade Social (CF, art. 195, § 6º;

h) ICMS monofásico sobre Combustíveis (CF, art. 155, § 4º, IV);

i) CIDE-combustível (CF, art. 177, § 4º, I, b);

As quatro primeiras exceções (II, IE, IPI e IOF) possuem fundamento no fato de que esses impostos apresentam características marcantemente extrafiscais, na medida em que constituem meios de intervenção no domínio econômico por parte do Poder Executivo. Por conseguinte, as duas últimas exceções são parciais, criadas pela EC 33/2001. Trata-se do restabelecimento das alíquotas do ICMS-monofásico incidente sobre combustíveis definidos em Lei Complementar e das alíquotas da CIDE-combustíveis[16].

3.5 Cobrar tributo antes de decorrido noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou

Hipótese acrescentada com a Emenda Constitucional nº 42/2003, a garantia em questão foi uma das raras hipóteses em que o poder constituinte reformador beneficiou o contribuinte. Trata-se do princípio da anterioridade nonagesimal (ou noventena), o qual prevê que é vedado ao Estado cobrar tributos antes de que tenham se passado 90 (noventa) dias da data da publicação da norma que tenha criado ou majorado determinado tributo. Antes da chegada do princípio ao ordenamento jurídico tributário pátrio, não eram raras as ocasiões em que, no apagar das luzes do ano fiscal, o Congresso Nacional elaborava lei com finalidade de criar tributos, ou majorar os já existentes. Dessa forma, o particular era surpreendido na virada do ano com novo tributo que lhe seria cobrado, ou com o aumento da alíquota de tributo que já existente, situação totalmente incompatível com a não surpresa.

Destarte, caso um tributo venha a ser majorado, ou instituído por lei que seja publicada após o dia 2 de outubro (data em que faltam 90 dias para o término do exercício financeiro), a cobrança não poderá ser feita a partir de 1º de janeiro seguinte, sob pena de descumprir o princípio da noventena[17].

Porém, assim como o princípio da anterioridade do exercício financeiro, a noventena possui exceções previstas no texto constitucional, a saber:

a) Imposto sobre importação

b) Imposto sobre exportação

c) Imposto sobre operações financeiras

d) Impostos extraordinários de guerra

e) Empréstimos compulsórios, por motivos de guerra ou calamidade pública

f) Imposto de renda

g) Base de cálculo do IPTU

h) Base de cálculo do IPVA

3.6 Utilizar tributo com efeito de confisco

A própria definição de tributo já seria suficiente para afastar qualquer contrariedade ao item em análise[18]. Porém, o que o constituinte quis ressaltar foi o que o efeito da carga tributária não poderá exercer viés confiscatório ao contribuinte, identificando o confisco como a tributação praticada de modo excessivamente oneroso, de maneira a não respeitar a proporcionalidade e absorver a própria fonte da tributação[19]. Ademais, conforme já decidiu a Suprema Corte, para afastar o efeito de confisco de determinado tributo deverá ser verificada não apenas a situação do contribuinte perante aquele tributo em questão, mas perante toda carga tributária a qual o cidadão possui o dever de adimplir:

"A identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função da totalidade da carga tributária, mediante verificação da capacidade de que dispõe o contribuinte - considerado o montante de sua riqueza (renda e capital) - para suportar e sofrer a incidência de todos os tributos que ele deverá pagar, dentro de determinado período, à mesma pessoa política que os houver instituído (União Federal, no caso), condicionando-se, ainda, a aferição do grau de insuportabilidade econômico financeira, à observância, pelo legislador, de padrões de razoabilidade destinados a neutralizar excessos de ordem fiscal eventualmente praticados pelo Poder Público. Resulta configurado o caráter confiscatório de determinado tributo, sempre que o efeito cumulativo - resultante das múltiplas incidências tributárias estabelecidas pela mesma entidade estatal - afetar, substancialmente, de maneira irrazoável, o patrimônio e/ou os rendimentos do contribuinte. - O Poder Público, especialmente em sede de tributação (as contribuições de seguridade social revestem-se de caráter tributário), não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade (...)

STF - ADI 2.010-2/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 12-04-2002, p. 51

3.7 Estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público

O princípio em questão é consequência natural da unidade econômica e política do território brasileiro. O postulado possui como objetivo garantir a livre circulação de pessoas, bens e meios de transportes, que não pode ser obstruída por tributação interestadual ou intermunicipal[20]. Ainda, deve a limitação em análise obedecer ao direito fundamental da livre locomoção, previsto no artigo 5º, inciso XV da CF/88.

3.7.1 Natureza jurídica do pedágio: tarifa ou taxa?

Há muito tempo se discute qual seria natureza jurídica do pedágio, se este faria parte do gênero tributo no qual seria considerado uma taxa, ou se seria tarifa (preço público), o que resultaria na sua exclusão quanto à qualificação prevista no art. 3º do CTN.

Para a primeira corrente que debate o tema, o pedágio deve ser considerado tributo. O fundamento para este entendimento se encontra no art. 150 da Constituição, em seu inciso V, abaixo transcrito:

Art. 150: Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

V - estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público

Conforme o destaque, o texto constitucional trata no inciso V de tributos interestaduais e intermunicipais, dispondo que estes não podem estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens. Em seguida, o artigo faz ressalva expressa ao pedágio. Destarte, não haveria sentido para o texto constitucional ressalvar o pedágio se este não fosse espécie do gênero tributo. Seria, por exemplo, o mesmo que dizer que o Direito Constitucional e o Direito Tributário fazem parte do ramo de direito público, ressalvado o Direito Comercial (que como se sabe, é ramo do direito privado).

Todavia, pode-se constatar que o entendimento mencionado anteriormente não foi o adotado pelo STF, conforme se percebe no seguinte julgado:

Segundo a jurisprudência firmada nessa Corte, o elemento nuclear para identificar e distinguir taxa e preço público é o da compulsoriedade, presente na primeira e ausente na segunda espécie, como faz certo, aliás, a Súmula 545: "Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu". Esse foi o critério para determinar, por exemplo, que o fornecimento de água é serviço remunerado por preço público (...). Em suma, no atual estágio normativo constitucional, o pedágio cobrado pela efetiva utilização de rodovias não tem natureza tributária, mas sim de preço público, não estando, consequentemente, sujeita ao princípio da legalidade estrita. 8. Ante o exposto, julgo improcedente o pedido formulado nesta ação direta de inconstitucionalidade.

ADI 800, Rel. Min.Teori Zavascki, P, j. 11-6-2014, DJE 125 de 1º-7-2014.

Pelo exposto, constata-se que a Corte firmou como caráter distintivo entre taxa e preço público a sua compulsoriedade. Não teria, dessa forma, o preço público natureza jurídica obrigatória, o que lhe excluiria a natureza tributária, possuindo assim características de instituto do direito privado.

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Sobre o autor
Thiago da Penha Lima

Mestre em Constitucionalismo e Direitos na Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas. Especialista em Direito Tributário e em Direito Processual Civil Aplicado. Assessor Jurídico no Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas. Professor Universitário. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Thiago Penha. Limitações ao poder de tributar em correlação aos direitos e garantias fundamentais do cidadão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6218, 10 jul. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83842. Acesso em: 21 nov. 2024.

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