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A penhora online: a utilização do sistema BacenJud para constrição judicial de contas bancárias e sua legalidade

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02/06/2006 às 00:00
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6. Momento para a realização da "penhora on line"

O magistrado deve se utilizar do sistema Bacen-Jud observando a legislação processual já existente, como assinalamos. A criação do sistema de "penhora on line" e sua disponibilização, via convênio com o Banco Central, ao conjunto dos magistrados brasileiros não importou na alteração das regras processuais preexistentes. Os juízes agora têm à disposição um meio rápido e eficaz de comunicação, para o envio de ordens judiciais, às entidades integrantes do Sistema Financeiro Nacional. Nada mais que isso. A utilização do sistema, portanto, deve ser feita de maneira a se subsumir integralmente às normas previstas no Código para o processo de execução. O magistrado não pode se valer do sistema Bacen-Jud para atropelar as fases processuais e, em ocorrendo tal situação, a parte prejudicada pode ofertar os recursos cabíveis, demonstrando o prejuízo sofrido e requerendo a nulidade do ato judicial.

Por essa necessidade que a penhora eletrônica de dinheiro (depositado em conta bancária) tem de obedecer às normas processuais, é importante que o Juiz observe o momento adequado para utilizar o sistema do Bacen-Jud. Em regra, salvo situações que justifiquem a concessão de medidas cautelares, o Juiz não deve utilizar o sistema de requisições on line antes da citação do réu. De acordo com as normas atinentes à execução por quantia certa (art. 646. e seguintes do CPC), o devedor deve ser "citado para, no prazo de 24 horas, pagar ou nomear bens à penhora" (art. 652). O devedor, portanto, tem o direito processual de indicar bens à penhora, depois de citado. Então, o Juiz não deve utilizar o Bacen-Jud antes de oferecer a oportunidade para que o réu indique bens à penhora, através de sua citação.

Além disso, o próprio credor pode preferir outro bem que não o dinheiro, hipótese em que a nomeação que não segue a ordem legal (656, I). Não se opondo o exeqüente, a nomeação feita pelo devedor prevalece7. Claro que isso, na prática, dificilmente vai ocorrer, pois nenhum credor prefere dinheiro a outro bem, mas se deve respeitar essa possibilidade assegurada legalmente. De qualquer maneira, o Juiz deve como regra citar o executado e ouvir o exeqüente sobre a nomeação, decidindo-se em seguida pela rejeição dos bens oferecidos à penhora (quando for o caso) e investigando a existência de outros (dinheiro em conta bancária) por via do Bacen-Jud.

6.1. Medida cautelar pelo sistema do Bacen-Jud

Se é possível o bloqueio de conta-corrente, para penhora de dinheiro nela depositado, esse tipo de apreensão pode se fazer como medida cautelar, para garantir a eficácia do processo de execução.

A medida cautelar pode ser preparatória ou incidental ao processo de execução (art. 796. do CPC)8. O Juiz pode conceder uma medida cautelar específica, desde que patentes os requisitos específicos, ou uma medida cautelar inominada, quando outras situações (e não aquelas elencadas expressamente para um dos procedimentos cautelares específicos9) se fizerem presentes 10, demonstrativas do "periculum in mora" e do "fumos boni juris" do requerente. Nesse sentido, o Juiz pode, observando que o devedor tenta ausentar-se, alienar seus bens, transferi-los para nome de terceiros ou comete outro artifício fraudulento com a intenção de frustrar a execução e lesar o credor, conceder uma medida cautelar específica de arresto (art. 813), determinando o bloqueio de dinheiro em conta bancária do devedor 11 pelo sistema do Bacen-Jud. O Juiz processante da execução também pode conferir ao credor uma medida cautelar inominada, valendo-se do seu poder geral de cautela (art. 798), quando outras situações, que não as discriminadas nos incisos do art. 813. se mostrem presentes. Por exemplo, quando o credor comprova que o devedor tem outros processos de execução em andamento, onde as dívidas não foram satisfeitas, ou que tem um passado de mau pagador, com nome em bancos de dados de proteção ao crédito. Essas são situações que podem perfeitamente autorizar a concessão de medidas cautelares pelo Juiz, para preservar a eficácia do processo de execução.

Atualmente, certos devedores, para escaparem da constrição eletrônica, retiram os valores das contas assim que têm conhecimento do processo de execução (e às vezes antes disso). Como os devedores (e seus advogados) já têm conhecimento do potencial de utilização do sistema Bacen-Jud pelos juízes, sacam os valores de suas contas para escapar da "penhora on line". Se o requerente consegue demonstrar indícios de que tal manobra está a ocorrer e que, sem o bloqueio de contas, dificilmente sobrarão bens para garantir a execução (ou que os bens restantes são de difícil conversão em dinheiro), o Juiz pode conceder a medida liminarmente, concretizando a ordem via sistema Bacen-Jud.

Essa nova realidade induz a que os Juízes se mostrem sensíveis à possibilidade de utilização do Bacen-Jud de forma cautelar, para evitar o cometimento de prejuízo ao direito de crédito do credor, pela retirada antecipada do numerário existente em contas bancárias de titularidade do devedor. A constatação de que a maioria dos devedores sacam valores de contas bancárias quando pressentem a iminência de um processo de execução, deve conduzir a uma utilização cada vez maior do sistema Bacen-Jud para a implementação de medidas cautelares de bloqueio de contas. Em todo e qualquer caso, o Juiz tem sempre que fundamentar a concessão da medida, indicando a presença dos requisitos que a autorizam.

O Juiz, ao conceder uma medida cautelar para bloqueio de conta bancária sem ouvida da parte contrária (o devedor), precisa no entanto estar atento para a possibilidade do cálculo de atualização da dívida (feito pelo credor) exceder demasiadamente o valor da dívida. Como se sabe, cumpre ao credor, ao requerer a execução, instruir a petição inicial com o demonstrativo de débito atualizado até a data da propositura da ação, quando se tratar de execução por quantia certa (art. 614, II, CPC) 12. Eventualmente, o cálculo feito pelo devedor pode conter erro que o faça ultrapassar em muito a atualização da dívida real. Por essa razão, o Juiz deve sempre observar se o cálculo do credor, pelo menos aparentemente, não ultrapassa os limites do título exeqüendo 13, de modo a evitar uma constrição de valor excessivo, antes de conceder uma medida cautelar de bloqueio de contas.

6.1.1. Medida cautelar no bojo do processo de execução

Antes da citação do devedor, a lei processual prevê, no capítulo que trata do processo de execução por quantia certa 14, a figura do arresto provisório, ou seja, a possibilidade de constrição de bens (para futura conversão em penhora) do devedor não encontrado pelo Oficial de Justiça. Tal faculdade está prevista no art. 653. do CPC, que estabelece: "O oficial de justiça, não encontrando o devedor, arrestar-lhe-á tantos bens quantos bastem para garantir a execução". Nada impede que, verificada a situação fática (devedor não encontrado para citação pelo oficial de justiça), que o arresto provisório seja realizado por meio de bloqueio de conta bancária 15, através da utilização, pelo Juiz, do sistema Bacen-Jud. Ciente da certidão do oficial de justiça de que não conseguiu encontrar o devedor, o Juiz pode ordenar, no próprio âmbito do processo de execução, a medida do arresto provisório 16.

Além dessa situação específica, o Juiz está autorizado a determinar medidas cautelares de bloqueio de contas bancárias do devedor (via Bacen-Jud) no próprio processo de execução, sem necessidade de o credor ajuizar um processo cautelar autônomo. No processo de execução, diferentemente do processo de conhecimento, sempre existiu a possibilidade de o autor cumular ao pedido principal requerimento para que o Juiz adote providências cautelares. Essa autorização legal consta do inc. III do art. 615. do CPC, que estabelece que ao credor, ao requerer a execução, cumpre também, em sendo o caso, "requerer medidas acautelatórias urgentes". Esse dispositivo, portanto, já assegurava ao exeqüente a possibilidade de requerer medidas cautelares no bojo do próprio processo de execução.

Mas, mesmo diante dessa regra de evidente facilitação da prestação jurisdicional em benefício do credor, sempre houve quem sustentasse a necessidade do manuseio de um processo cautelar autônomo, como forma de obter uma medida cautelar. Argumentava-se que o inc. III do art. 615. não dispensava a necessidade de o credor promover o processo cautelar em paralelo à execução.

Uma alteração no Código de Processo Civil veio reforçar, no entanto, a idéia de que as medidas cautelares podem ser, sim, deferidas no bojo do próprio processo de execução. Trata-se do acréscimo do parágrafo 7º. ao art. 273. do CPC, incluído pela Lei 10.442/02, o qual estabelece que o Juiz pode adotar medidas cautelares na esfera do próprio processo principal, "quando presentes os respectivos pressupostos". Diz o citado dispositivo que: "Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado". Ao prever a fungibilidade entre a tutela antecipada e a medida cautelar, o parágrafo 7o. do art. 273. acabou autorizando a possibilidade de o Juiz conceder medida cautelar incidental em qualquer tipo de processo e procedimento.

Antes da edição da Lei 10.444, de 07.05.02, não havia previsão no sistema jurídico pátrio para uma concessão de liminar de natureza assecuratória no processo principal (de conhecimento). Sobrava a regra do art. 292, inc. III, do CPC, que exige como requisito da admissibilidade da cumulação "que seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento". Interpretando essa regra, a jurisprudência repelia a cumulação de um pedido cautelar com o principal 17, determinando inclusive que o autor promovesse o desmembramento dos processos 18. Assim, por exemplo, um devedor não podia, nos próprios autos de uma ação ordinária declaratória de inexigibilidade do débito, formular um pedido cautelar de sustação do protesto. Não se admitia a sustação liminar na própria ação principal, havendo sempre a necessidade de o interessado promover um processo cautelar autônomo.

Agora, por força da norma do par. 7º. do art. 273, o autor de um processo de conhecimento pode requerer uma liminar cautelar, na forma de providência incidente ao processo ajuizado 19. Antes não se admitia a cumulação do pedido cautelar com o principal, ou a concessão liminar de medida cautelar na ação principal, em razão da falta de previsão expressa em lei. A nova regra veio preencher esse vácuo legal, autorizando a concessão de liminar de natureza cautelar "em caráter incidental ao processo ajuizado" e proporcionando elevada simplificação processual.

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O art. 273. (e seu par. 7º.) refere-se ao processo de conhecimento, mas à execução aplicam-se subsidiariamente as disposições que regem o processo de conhecimento (art. 598. do CPC). Essa aplicação subsidiária das normas do processo de conhecimento à execução só tem limitação quando existe norma específica no segundo 20. O entendimento é de que as normas do processo de conhecimento aplicam-se de forma subsidiária em tudo quanto não forem incompatíveis com o processo de execução 21. Esse entendimento confirma a viabilidade de medida cautelar incidental nos próprios autos do processo de execução, sem necessidade de um processo autônomo cautelar.

Se é possível cautelar incidental (nos próprios autos) do processo de conhecimento, o mesmo se aplica ao processo de execução, ainda com mais razão em face da regra do art. 615, III.

Se o Juiz, pela nova sistemática processual, está autorizado a deferir uma medida cautelar de bloqueio de conta (ou outra providência liminar) no bojo do processo de execução, a facilidade da comunicação eletrônica recomenda que a implemente por meio do sistema Bacen-Jud.


7. Conclusões

  1. A "penhora on line", assim entendida a determinação judicial para o bloqueio de contas bancárias via sistema Bacen-Jud, não interfere com as regras do Processo de Execução (Livro II do CPC) e a ele deve se subsumir integralmente.

  2. O princípio da economicidade não pode superar o princípio maior da utilidade da execução para o credor, propiciando que se realize por meios ultrapassados e ineficientes à solução do crédito exeqüendo. Por essa razão, deve haver uma preferência pela penhora de dinheiro, através do sistema eletrônico de requisições judiciárias (sistema Bacen-Jud), método idôneo e suficiente para alcançar o resultado pretendido com o processo de execução.

  3. Possuindo o devedor mais de uma espécie de bens, dentre estes dinheiro em conta-corrente, deve o Juiz, o máximo que possível, atender a ordem de preferência do art. 655. do CPC, isto é, determinar que a constrição recaia sobre dinheiro, utilizando-se do sistema Bacen-Jud, dada a agilidade e praticidade que esse sistema oferece para o bloqueio de valores depositados em instituições financeiras.

  4. Não se pode afirmar que as conseqüências geradas pela utilização do sistema de "penhora on line" sejam mais gravosas do que a utilização de outro meio. As adaptações realizadas no sistema Bacen-Jud deram maior agilidade ao processo de desbloqueio de contas bancárias, em caso de penhora excessiva, evitando a possibilidade de prejuízos. Utilizando o sistema do Bacen-Jud o Juiz sempre tem a faculdade de, da mesma forma como determina o bloqueio, ordenar o desbloqueio, em caso de verificar que a penhora atingiu conta onde estão depositados valores (bens) de natureza impenhorável ou quantias acima do valor da dívida executada. A nova versão do Bacen Jud (2.0) corrigiu algumas falhas no sistema antigo, principalmente em relação à falta de agilidade para desbloquear recursos penhorados em excesso.

  5. Em regra, salvo situações que justifiquem a concessão de medidas cautelares, o Juiz não deve utilizar o sistema requisições on line antes da citação do réu.

  6. O Juiz pode, observando a presença de situações de periculum in mora para a satisfação do crédito do exeqüente, conceder medida cautelar de bloqueio de dinheiro em conta bancária do devedor pelo sistema do Bacen-Jud.

  7. O Juiz está autorizado a determinar medidas cautelares de bloqueio de contas bancárias do devedor (via Bacen-Jud) no próprio processo de execução, sem necessidade de o credor ajuizar um processo cautelar autônomo, em face da regra do do inc. III do art. 615. do CPC, reforçada com o advento da norma do parágrafo 7º. do art. 273. do CPC, incluído pela Lei 10.442/02, desde que "presentes os respectivos pressupostos".

  8. É recomendável que o Juiz, tendo em vista que a memória de cálculo de atualização da dívida é feita pelo próprio credor (art. 614, II), verifique cuidadosamente sua adequação aos índices legais de correção, valendo-se de contador se necessário, antes de promover um bloqueio cautelar (sem ouvida do devedor) via Bacen-Jud, para evitar a possibilidade de constrição excessiva.

  9. A criação do sistema de penhora eletrônica do Banco Central trouxe maior efetividade ao processo de execução do que qualquer reforma da legislação processual.

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Sobre o autor
Demócrito Reinaldo Filho

Juiz de Direito. Doutor em Direito. Ex-Presidente do IBDI - Instituto Brasileiro de Direito da Informática.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REINALDO FILHO, Demócrito. A penhora online: a utilização do sistema BacenJud para constrição judicial de contas bancárias e sua legalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1066, 2 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8459. Acesso em: 22 nov. 2024.

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