Já há a maioria do Plenário do Supremo Tribunal Federal formada para referendar a suspensão de liminar concedida pelo Ministro Luiz Fux, que determinou que André Oliveira Macedo, mais conhecido como André do Rap, seja preso novamente. O total de votos foi seis, estruturados em cinco ministros que seguiram o relator. O julgamento fora suspenso nessa quarta, dia 14.10.2020 e retomará no dia seguinte.
Todo debate concentra-se sobre a hermenêutica do artigo 316 do CPP impactado pelo Pacote Anticrime, ou seja, a Lei 13.964/2017. Ressalte-se que seu parágrafo único aduz in litteris: "Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada noventa dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal".
No entendimento mais positivista e literal, o relator do HC 191.836, o Ministro Marco Aurélio Mello, decidira que havia constrangimento ilegal na manutenção da prisão preventiva, já que o acusado estava preso havia mais de noventa dias sem formação de culpa e sem a renovação da fundamentação da prisão. O que fez com que o Ministro Relator determinar sua soltura, seguindo sua tradicional linha garantista.
O entendimento do Presidente do STF é que os noventa dias não significa causa automática para a revogação da prisão. De sorte que o Ministro Fux afirmou que a norma não admite a prorrogação da prisão preventiva, nem determina a renovação cautelar, apenas dispõe sobre a necessidade de revisão dos fundamentos da sua manutenção.
Para confirmar-se a revogação da prisão preventiva, conforme salientou Ministro Fux, o juiz deverá apontar os fundamentos que o motivaram, indicando que os motivos não existem mais. Portanto, a obrigação do julgador, in casu, é motivar se revogar a preventiva e, não soltar imediatamente. Outra discussão alentada a ser encarada pela Suprema Corte refere-se à possibilidade do Presidente do STF suspender a liminar de outro Ministro.
Afinal, o voto do Presidente do STF enfatizou-se no comprometimento da segurança e ordem público, denunciando que deu-se descompasso havido entre a decisão impugnada e a jurisprudência da Suprema Corte, apontando um precedente da Primeira Turma em que não fora revogada a prisão do acusado, mesmo tendo ultrapassado os noventa dias para verificar a manutenção da prisão. Enfim, para o Ministro Fux, a decisão em liminar proferida pelo Ministro Marco Aurélio desprestigiou os precedentes do tribunal.
Frisou ainda o Ministro Fux que no caso concreto, em análise, o réu encontra-se foragido, pois aproveitou para se evadir rapidamente, cometendo explícita fraude processual ao indicar endereço falso. Enfim, debochou da justiça.
O Ministro Alexandre de Moraes, endossando entendimento do Relator, ressalvou que, diferentemente da repercussão da lei, esta não pretende liberar geral, mas sim, verificar quem realmente precisa deve continuar encarcerado preventivamente. Assim, analisando o artigo 316 CPP a obrigatoriedade de reanálise dos requisitos pretende evitar os excessos. Moraes ainda destacou a diferença entre prisão preventiva e prisão temporária, e apontou que a norma em comento não estabeleceu prazo fatal para a prisão preventiva, quiçá, estabeleceu imediata soltura, não estabeleceu a necessidade de prorrogação em nova decisão judicial.
Seguiram-se os votos no mesmo sentido dos Ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Edson Fachin e Dias Toffoli. Todos realizaram ressalvas e apontaram a necessidade de uniformização sobre a competência do Presidente da Corte para suspensão da decisão liminar conferida por outro ministro.
A discussão ainda remonta sobre a manutenção da prisão após condenação em segunda instância, o que ainda não fora totalmente decidido pela Suprema Corte, conforme destacou Ministro Barroso.
Para o Ministro Marco Aurélio, pivô de toda controvérsia, a suspensão da liminar não poderia ter sido feita, posto que desacredita a Corte. E, segundo o Relator, o Presidente da Corte tentou apenas responder e atender aos anseios populares na busca desenfreada por justiçamento. Condenou a prática, pechando-a de autofagia. Mas, com os tempos estranhos, tudo é possível, atalhou o Ministro Marco Aurélio. E, ainda referendou o entendimento de ministro Gilmar Mendes, em derradeira sessão que, afirmou ser o Presidente do STF um coordenador de iguais e não superior hierárquico.
Reiterou o Ministro Fux a importância da uniformização de entendimentos para impedir atritos do colegiado e questionamentos futuros. E, não se pode desconsiderar o eeito multiplicador que as decisões do STF irradiam por toda esfera do Poder Judiciário, sejam elas monocráticas ou colegiadas.
Após, a decisão do Ministro Marco Aurélio outros réus pediram a extensão do HC, havendo grave risco sistêmico. E, para o Ministro Fux, a medida colocaria no seio social milhares de agentes de altíssima periculosidade, livres em razão dessa questão. Mais que um corpo composto por onze juízes, somos um só tribunal sobre o qual recai gravíssima responsabilidade da guarda da Constituição Federal. Afinal, é através da justaposição sobre nossas diferentes visões que se constrói as soluções mais justas para problemas coletivos.
Ainda destacou que sua atuação no caso concreto fora excepcional e meramente jurisdicional. Porque o Presidente do Supremo tem que velar pela Corte e não pode denegar Justiça.
A decisão do Ministro Presidente do STF deu-se por provocação do Procurador-Geral da República que apontou que o pressuposto do periculum libertatis está também evidenciado nos autos, representado pelo risco efetivo que o paciente em liberdade podem criar à ordem pública além de serem fartas as provas de autoria e materialidade criminosa na espécie, bem como claras evidências concretas da necessidade de acautelamento do paciente.
A prisão cautelar torna patente que sobre o líder criminoso se impõe a lei, e que seus esquemas de corrupção, cobrança de fidelidade e retribuição de favores já feitos, bem como o arsenal para potencial extorsão e exigência de proteção de agentes políticos não prevalecem perante o movimento de persecução penal.
O zelo judicial com a revisão de prisões preventivas a cada noventa dias pressupõe que nesse interregno haja alteração do quadro processual de modo favorável ao preso.
De sorte que a prisão preventiva continua sendo uma prisão cautelar, duradoura enquanto vigentes os motivos que a determinaram. Esta não se transmudou em prisão temporária submissa a caducidade de noventa dias, conforme faz crer a decisão impugnada.
No caso concreto, sublinhe-se que o mandado de prisão somente fora cumprido em 15.9.2019, mais de cinco anos após sua expedição, em razão de o paciente ter se mantido foragido durante esse tempo.
Na esteira do HC do André do Rap, há outro pedido feito por Gilcimar de Abreu, preso na Penitenciária de Mirandópolis em SP, por tráfico e associação para o tráfico transnacional de drogas. Os argumentos de defesa no caso de André do Rap foram reproduzidos pelos advogados de Gilcimar. Em 2014, Abreu foi sentenciado a 12 anos de prisão, pena que caiu para 8 anos e 2 meses em regime inicial fechado. Assim como André, ele permaneceu foragido ao longo do processo. Marco Aurélio Mello não tem prazo para decidir sobre o pedido de Gilcimar.
Conclui-se que mesmo uma interpretação positivista nitidamente garantista pode produzir desajustes na produção da Justiça e na manutenção da segurança pública e a proteção da ordem pública.
Ao analisarmos a argumentação esboçada nos votos dos ministros em diversos acórdãos, percebe-se a pluralidade de concepçõs que conviveram com a missão do STF cumprida em face da sociedade brasileira.
No século XX, particularmente após a Segunda Guerra Mundial, uma das dominantes concepções que surgiu coo reação enérgica ao formalismo e ao positivismo do século anterior e, boa parte do século XX.
Denúncias já foram feitas sobre o positivismo ter se olvidado dos padrões de justiça reclamados pela sociedade, em prestígio exagerado dos processos formais e da fidelidade à letra da lei, há novas tendências na jurisprudência brasileira, ligadas à jurisprudência de valores e outro pendor denominado de direito alternativo que passaram a defender a ampliação de poderes dos julgadores, especialmente no poder de interpretar o Direito. Somente pela flexibilização da lei que se torna possível a melhor adequação do texto legal escrito à realidade do caso concreto.
A questão central não é a de identificar determinadas posturas políticas tomadas nas decisões do STF como conservadoras ou progressistas, mas perceber que, independentemente da orientação ideológica, posturas axiológicas tendem a interpretar a sociedade como uma unidade e a Constituição como o texto que configura e positiva a unidade da sociedade e que por seu turno é também uma unidade.