Não faz muito sentido a acirrada discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da base de cálculo para apuração da contribuição previdenciária devida a terceiros, onde se inclui as entidades integrantes do Sistema S, dada a lapidar clareza dos textos legislativos invocados.
Alguns doutrinadores, ao apontar um Decreto-lei, editado na vigência da ordem constitucional antecedente - portanto, com força de lei em sentido estrito - referem-se, simplesmente, a Decreto, adicionando o elenco de dúvidas e confusões, porque um Decreto não pode implicar alteração da Lei. Na vigência da Constituição de 1967/69, o Chefe do Poder Executivo podia legislar por meio de Decreto-lei sobre determinadas matérias expressamente previstas no texto constitucional.
Antes de mais nada, convém recapitular noção de contribuição para terceiros ou para o Sistema S.
As contribuições devidas para o SENAI, SESI, SENAC e SESC são conhecidas na doutrina como contribuições parafiscais. Elas não têm propriamente a mesma natureza dos tributos em geral, porque não têm como sujeito ativo a entidade política tributante. A parafiscalidade, consoante escrevemos, nada mais é do que “a atribuição de tributos para pessoas jurídicas diferentes das que compõem a Federação para cumprimento de suas finalidades de interesse público” [1]. No caso, o sujeito ativo do tributo designado por lei recai sobre uma entidade de direito privado, podendo, também, recair sobre uma pessoa física, como é o caso dos notários e registradores públicos.
As contribuições para as quatro entidades retromencionadas foram recepcionadas pelo art. 240 da Constituição de 1988, não podendo ser suprimidas ou alteradas pela legislação infraconstitucional. As contribuições para o SEST e para o SENAT, igualmente, integram o sistema S, porém, por terem sido criadas na vigência da Constituição de 1988 elas não têm a garantia da perenidade.
Feitas essas considerações passemos ao exame do tema em foco, mediante transcrições de textos legislativos pertinentes.
Decreto-lei nº 1.867, de 25 de março de 1981:
“Art. 1º O Decreto-lei nº 1.861, de 25 de fevereiro de 1981, que altera a legislação referente às contribuições compulsórias recolhidas pelo instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social - IAPAS à conta de diversas entidades, e dá outras providências, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 1ºAs contribuições compulsórias dos empregadores calculadas sobre a folha de pagamento e recolhidas pelo Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social - IAPAS em favor do Serviço Social da Indústria - SESI, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - SENAI, Serviço Social do Comércio - SESC e Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial - SENAC passarão a incidir até o limite máximo de exigência das contribuições previdenciárias, mantidas as mesmas alíquotas e contribuintes”.
“Art. 2º Será automaticamente transferido a cada uma das entidades de que trata o artigo 1º, como receita própria, o montante correspondente ao resultado da aplicação da respectiva alíquota sobre o salário-de-contribuição até 10 (dez) vezes o maior valor de referência (MVR), admitidos repasses de maior valor mediante decreto, com base em proposta conjunta do Ministro do Trabalho, do Ministro da Previdência e Assistência Social e do Ministro Chefe da Secretaria de Planejamento da Presidência da República.”
Lei no 6.950, de 04 de novembro de 1981:
Art 1º - Constituirão fontes de receita da Previdência Social 20% (vinte por cento) sobre o preço da comercialização final dos bens considerados supérfluos em atos do Poder Executivo.
[...]
Art 4º - O limite máximo do salário-de-contribuição, previsto no art. 5º da Leinº 6.332, de 18 de maio de 1976, é fixado em valor correspondente a 20 (vinte) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.
Parágrafo único - O limite a que se refere o presente artigo aplica-se às contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros.
Lei nº 6.332, de 18 de maio de 1976:
“Art. 5º O limite máximo do salário-de-contribuição para o cálculo das contribuições destinadas ao INPS a que corresponde também a última classe da escala de salário-base de que trata o artigo 13 da Lei número 5.890, de 8 de junho de 1973, será reajustado de acordo com o disposto nos artigos 1º e 2º da Lei número 6.147, de 29 de novembro de 1974.”
Tanto o art. 1º do Decreto-lei nº 1.867, de 25-3-1981, como o art. 4º e parágrafo único da Lei nº 6.950, de 4-11-1981 fixam, com solar clareza, a base de cálculo de contribuições devidas a terceiros (Sistema S) em 20 salários mínimos. A única diferença é que enquanto o primeiro diploma legal fixa a base de cálculo em até 20 salários mínimos, o segundo instrumento normativo, fixa essa base de cálculo em valor correspondente a 20 salários mínimos, sendo certo que não é dado ultrapassar esse limite.
Como explicamos anteriormente, a arrecadação “por conta de terceiros” significa arrecadação para o Sistema S. Aqueles que contestam essa afirmativa são incapazes de apontar quem seriam esses terceiros.
Toda confusão começou com o advento do Decreto-lei nº 2.318, de 30 de dezembro de 1986:
“Art 1º Mantida a cobrança, fiscalização, arrecadação e repasse às entidades beneficiárias das contribuições para o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), para o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), para o Serviço Social da Indústria (SESI) e para o Serviço Social do Comércio (SESC), ficam revogados:
I - o teto limite a que se referem os artigos 1º e 2º do Decreto-lei nº 1.861, de 25 de fevereiro de 1981, com a redação dada pelo artigo 1º do Decreto-lei nº 1.867, de 25 de março de 1981;
II - o artigo 3º do Decreto-lei nº 1.861, de 25 de fevereiro de 1981, com a redação dada pelo artigo 1º do Decreto-lei nº 1.867, de 25 de março de 1981.”
[...]
“Art 3º Para efeito do cálculo da contribuição da empresa para a previdência social, o salário de contribuição não está sujeito ao limite de vinte vezes o salário mínimo, imposto pelo art. 4º da Lei nº 6.950, de 4 de novembro de 1981.”
Setores da doutrina e vários julgados de tribunais regionais chegaram a sustentar a revogação do teto de 20 salários mínimos para a contribuição para terceiros (Sistema S).
Ora, onde essa revogação pelo Decreto-lei nº 2.318/86 dos dispositivos do art. 4º e parágrafo único da Lei nº 6.950, de 04 de novembro de 1981? Quisesse o legislador revogar o limite da contribuição para terceiros teria incluído no elenco das revogações o dispositivo especial do art. 4º e parágrafo único da Lei nº 6.950, de 04 de novembro de 1981. O teto de 20 salários mínimos só não tem aplicação em relação às contribuições da empresa para a previdência social em virtude do disposto no art. 3º desse diploma legal.
Exatamente nesse sentido, o recentíssimo julgado do STJ:
EDcl no AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1570980 - SP (2015/0294357-2) RELATOR : MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. OBSCURIDADE VERIFICADA. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL DEVIDAS AO SALÁRIO EDUCAÇÃO, INCRA, DPC E FAER. LIMITE DE VINTE SALÁRIOS MÍNIMOS, NOS TERMOS DO ART. 4o. DA LEI 6.950/1981. JULGAMENTO ULTRA PETITA CARACTERIZADO EM RELAÇÃO ÀS CONTRIBUIÇÕES AO SESI E SENAI. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DO SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM INDUSTRIAL-SENAI E OUTRO ACOLHIDOS APENAS PARA, EM INTEGRAÇÃO À DECISÃO VERGASTADA, RECONHECER QUE, NOS TERMOS DO PEDIDO INICIAL, A CONTRIBUINTE FAZ JUS À LIMITAÇÃO A 20 SALÁRIOS MÍNIMOS RESTRITA ÀS CONTRIBUIÇÕES DEVIDAS AO SALÁRIO EDUCAÇÃO, INCRA, DPC E FAER.
1. O art. 1.022 do Código Fux - CPC/2015 - (art. 535 do CPC/1973) é peremptório ao prescrever as hipóteses de cabimento dos Embargos de Declaração; trata-se, pois, de recurso de fundamentação vinculada, restrito a situações em que patente a incidência do julgado em obscuridade, contradição, omissão ou erro material.
2. Na hipótese dos autos, a Contribuinte postulou, tanto em sua inicial como nas razões do Recurso Especial, que fosse mantido o limite de incidência para o recolhimento de terceiros, como previsto para o Salário Educação (anteriormente FNDE), INCRA, DPC e FAer, a 20 salários mínimos, nos termos do parágrafo único do art. 4o. da Lei 6.950/1981, constando do polo passivo da demanda apenas a União, FNDE, Divisão de Portos e Canais (DPC), Fundo Aeroviário (FAer) e INCRA.
3. Em relação às contribuições ao SESI e SENAI, houve expressa referência, na petição inicial, de que não se pretendeu limitá-las, tanto que foram regularmente recolhidas e não impugnadas pela empresa.
4. Segundo a dicção dos arts. 128 e 460 do CPC/1973, vigente à época da propositura da presente ação, o juiz só pode decidir a lide nos limites em que proposta, sendo-lhe vedado julgar além, aquém ou fora do pedido do autor.
5. Sendo assim, ocorrendo julgamento para além do pedido (ultra petita), para que haja a readequação ao princípio da congruência, o comando deve ser reduzido, até mesmo de ofício, ao âmbito do pedido formulado pelas partes.
6. Logo, nos termos do pedido inicial, reconhece-se que a Contribuinte faz jus à limitação a 20 salários mínimos restrita às contribuições devidas ao salário-educação, INCRA, DPC e FAer, nos termos do parág. único, do art. 4º da Lei 6.950/1981, haja vista que a postulação não abrange as contribuições ao SESI e SENAI.
7. Embargos de Declaração do SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM INDUSTRIAL-SENAI E OUTRO acolhidos, a fim de reconhecer que a Contribuinte faz jus à limitação a 20 salários mínimos restrita às contribuições devidas ao salário-educação, INCRA, DPC e FAer, nos termos do parág. único, do art. 4º da Lei 6.950/1981.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, acolher os embargos de declaração, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina, Regina Helena Costa e Gurgel de Faria votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Gurgel de Faria.
Brasília, 14 de setembro de 2020.
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO Ministro Relator
Como se verifica, a exclusão do SESI e do SENAI da observância do teto de 20 salários mínimos ocorreu unicamente pelo fato de a petição inaugural não se insurgir em relação a eles, contra a inobservância daquele limite máximo, conforme se depreende do item 3 de douta decisão.
Contudo, é importante esclarecer que o referido limite não se aplica ao cálculo da contribuição da empresa para a previdência social, em decorrência do que preceitua o art. 3º do Decreto-Lei nº 2.318/86 - que retirou o referido limite para o cálculo da contribuição da empresa, como antes assinalamos.
Por fim, julgados dos TRFs que aplicam esse teto de 20 salários mínimos em relação a cada empregado, e não sobre o total da folha, estão equivocados por duas razões. Primeiramente, não têm respaldo legal, porque a redação vigente refere-se ao “valor correspondente a 20 (vinte) vezes o maior salário-mínimo vigente no País”, e não mais a “até o limite de 20 salários mínimos”, o que dá a ideia de graduação para cada empregado. Em segundo lugar, a contribuição é paga pela empresa com base na folha salarial, e não pelo trabalhador.
Nota
[1] Cf. nosso Direito financeiro e tributário, 29ª Ed. São Paulo: Atlas, 2020, p. 369.