2. DA PRISÃO PREVENTIVA
Ab initio, há de frisar que CARNELUTTI ensina com autoridade que a prisão preventiva do imputado se assemelha a um daqueles remédios heroicos que devem ser ministrados pelo médico com suma prudência, porque podem curar o enfermo, mas também pode ocasionar-lhe um mal mais grave; quiçá uma comparação eficaz se possa fazer com a anestesia, e sobretudo com a anestesia geral, a qual é um meio indispensável para o cirurgião, mas ah se este abusa dela. [2]
ROXIN assevera que, num Estado de Direito, a regulação dos conflitos sociais não é determinada pela antítese Estado-cidadão; o Estado mesmo está obrigado por ambos os fins: assegurar a ordem por meio da persecução penal e proteção da esfera de liberdade do cidadão. Com isso, o princípio constitucional da proporcionalidade exige restringir a medida e os limites da prisão preventiva ao estritamente necessário. [3]
A prisão preventiva está prevista implicitamente no artigo 5º, inciso LXI, Constituição Federal de 1988, segundo o qual ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei, e encontra-se detalhada nos artigos 311 a 316 do CPP, com redação determinada pelas leis nº 12.403, de 2011 e Lei nº 13.964, de 2019 (Pacote Anticrime). No Direito Penal Militar, a prisão preventiva é prevista no artigo 254 a 261 do Decreto-Lei nº 1.002/69 – que define o Código de Processo Penal Militar.
A prisão preventiva pode ser decretada durante a investigação policial ou no curso do processo penal. Destarte, de acordo como o artigo 311 do CPP, em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.
Para o decreto de prisão preventiva há necessidade da presença de indícios suficientes de autoria e prova da materialidade do crime, o que se chama na doutrina de fumus comissi delicti, classificados como elementos objetivos para a medida extrema. Segundo dicção do artigo 312 do CPP, a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.
Percebe-se claramente, que a prisão preventiva pode ser decretada quando houver a presença desses elementos objetivos e mais os pressupostos subjetivos da garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, além da comprovação de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, o que se chama de periculum libertatis.
A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares, consoante art. 282, § 4º da Código de Processo Penal. A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.
Os pressupostos de cabimento da prisão preventiva estão previstos no artigo 313 do CPP, sendo admitida a sua decretação nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos, se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa, ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.
Não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena, ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada e fundamentada. Na motivação da decretação da prisão preventiva, ou de qualquer outra cautelar, o juiz deverá indicar concretamente a existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.
Acerca da motivação da decisão judicial, artigo 93, inciso IX, CF/88, o Pacote Anticrime, prevê que não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I - limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.
Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.
Em julgamento do HABEAS CORPUS Nº 589.544 - SC (2020/0144047-4), relatora ministra LAURITA VAZ, concluiu-se:
1. A obrigação de revisar, a cada 90 (noventa) dias, a necessidade de se manter a custódia cautelar (art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal) é imposta apenas ao juiz ou tribunal que decretar a prisão preventiva. Com efeito, a Lei nova atribui ao "órgão emissor da decisão" – em referência expressa à decisão que decreta a prisão preventiva – o dever de reavaliá-la. 2. Encerrada a instrução criminal, e prolatada a sentença ou acórdão condenatórios, a impugnação à custódia cautelar – decorrente, a partir daí, de novo título judicial a justificá-la – continua sendo feita pelas vias ordinárias recursais, sem prejuízo do manejo da ação constitucional de habeas corpus a qualquer tempo. 3. Pretender o intérprete da Lei nova que essa obrigação – de revisar, de ofício, os fundamentos da prisão preventiva, no exíguo prazo de noventa dias, e em períodos sucessivos – seja estendida por toda a cadeia recursal, impondo aos tribunais (todos abarrotados de recursos e de habeas corpus) tarefa desarrazoada ou, quiçá, inexequível, sob pena de tornar a prisão preventiva "ilegal", data maxima venia, é o mesmo que permitir uma contracautela, de modo indiscriminado, impedindo o Poder Judiciário de zelar pelos interesses da persecução criminal e, em última análise, da sociedade.[4]
2.1 DA REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA
A prisão preventiva se justifica enquanto prevalece os fundamentos pelos quais ela foi decretada, observando-se a cláusula rebus sic stantibus, e, por isso, deve ser revista periodicamente sob pena de tornar a prisão ilegal. A lei de abuso de autoridade, em eu artigo 12, inciso IV, prevê como crime o fato de prolongar a execução de pena privativa de liberdade, de prisão temporária, de prisão preventiva, de medida de segurança ou de internação, deixando, sem motivo justo e excepcionalíssimo, de executar o alvará de soltura imediatamente após recebido ou de promover a soltura do preso quando esgotado o prazo judicial ou legal.
3. DA PRISÃO TEMPORÁRIA
Modalidade de prisão, introduzida no direito brasileiro pela lei nº 7960 de 21 de dezembro de 1989, mediante conversão da Medida Provisória nº.111 de 24 de novembro de 1989. A Constituição da República de 1988, em seu art. 62, veda de forma expressa que medidas provisórias tratem de matéria de direito penal e processual, consoante §1º, inciso I, alínea b) do art. 62. Nesse sentido, não pode a Presidência da República inovar nestas matérias via medida provisória como já o fez no passado.
Segundo o artigo 1º da Lei nº 7.960/89, caberá prisão temporária quando imprescindível para as investigações do inquérito policial ou quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade. Um desses dois fundamentos deve combinar com o inciso III do mesmo artigo, um rol de delitos onde aparece a possibilidade do decreto dessa modalidade de prisão, lembrando-se que do rol ainda aparecem as figuras delituosas de formação de quadrilha ou bando, atentado violento ao pudor e rapto, tipos penais que desapareceram do direito penal, com deslocamento para outras classificações, como no caso do artigo 288 do CP, que possui o nome hoje de associação criminosa, o rapto que se deslocou para uma das qualificadoras do artigo 148 do CP, e atentado violento ao pudor tratado nos dias atuais no artigo 213 do CP.
A prisão temporária será decretada pelo Juiz, em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público, e terá o prazo de 5 (cinco) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.
Consoante artigo 2º, § 4º, da Lei nº 8.072/90, Lei dos crimes hediondos, a prisão temporária, nos crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo terá o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.
Decorrido o prazo contido no mandado de prisão, a autoridade responsável pela custódia deverá, independentemente de nova ordem da autoridade judicial, pôr imediatamente o preso em liberdade, salvo se já tiver sido comunicada da prorrogação da prisão temporária ou da decretação da prisão preventiva.
Inclui-se o dia do cumprimento do mandado de prisão no cômputo do prazo de prisão temporária. Os presos temporários deverão permanecer, obrigatoriamente, separados dos demais detentos.
3.1 RELAXAMENTO OU REVOGAÇÃO DA PRISÃO TEMPORÁRIA
Acerca da prisão temporária, cabível apenas em sede de inquérito policial, prevista na Lei nº 7.960/89, poderão aparecer duas medidas para ensejar a liberdade do preso: relaxamento, se ilegal e, revogação, se desnecessária.
Será considerada como ILEGAL a decretação da prisão temporária e, como tal, deverá ser RELAXADA, quando:
I – A prisão exceder o prazo legal, sem prorrogação ou conversão para a prisão preventiva.
II – A prisão não for expedida em duas vias, sendo uma delas como prova de nota de culpa;
III - A prisão for decretada fora do rol do inciso III, art. 1º, da Lei nº 7.960, de 1989;
IV - Quando o juiz decretar a prisão em face de representação da Autoridade Policial, sem antes ouvir o Ministério Público;
V - O investigado possuir domicilio fixo;
VI – A prisão for decretada durante o processo;
VII - Decretada pelo juiz de ofício;
VIII - Prorrogada pelo juiz de ofício;
IX - Efetuada a prisão, a autoridade policial NÃO informar o preso dos direitos previstos no art. 5° da Constituição Federal.
X - A prisão FOR executada antes da expedição de mandado judicial.
Xi - Os presos temporários permanecerem na mesma cela dos demais detentos.
Entrementes, se a prisão temporária não for imprescindível, ou seja, sendo, desnecessária, logicamente será REVOGADA. Imagine-se o presente caso hipotético. O Delegado de Polícia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa, representa pela prisão temporária de um investigado por crime de sequestro e cárcere privado, artigo 148 do CP c/a artigo 1º, inciso III, alínea b) da Lei nº 7.960/89. Decretada a prisão temporária por 05 dias, o autor é preso e no dia da prisão é interrogado, acaba narrando com riquezas de detalhes os fatos, portanto, coadjuvante com a justiça criminal, de forma que não há mais necessidade de prisão, e também não há motivos para um decreto de prisão preventiva.
É claro que, nessa hipótese, desaparecendo a imprescindibilidade da prisão temporária, esta deve ser REVOGADA, inclusive, segundo entendimento, revogação feita pela própria Autoridade policial, que somente assume a obrigação legal de comunicar o fato ao Poder Judiciário, na melhor forma do artigo 2º da Lei nº 12.830/2013.