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Colaboração premiada sem prova de corroboração não se presta para justificar o recebimento da ação de improbidade administrativa

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CONCLUSÃO

O ingresso da ação de improbidade administrativa não pode ser lastreado no “ouviu dizer” ou embasado em depoimento ou confissão, objeto de delação premiada, como já dito alhures.

Necessita a petição inicial de regularidade formal, onde o ilícito imputado aos acusados deve vir precedido de viabilidade jurídica, a fim de se evitar o manejo de natimortas ações de improbidade administrativas.

O rigor é total, pois sendo a Lei n.º 8.429/92 uma norma vaga e aberta, o legislador exigiu que fossem, desde o início, demonstrados os índicos da prática do ato ímprobo, como condição mínima de seu manejo.

Isso significa dizer que a autoria e a materialidade devem estar invencivelmente demonstradas nas provas que carreiam a referida ação de improbidade administrativa, para que ela seja subsistente e não temerária.

Deve ser indeferida, via de consequência, a petição inicial que não demonstre, com precisão, a prática do ato de improbidade, porquanto a demonstração do elemento subjetivo que conecte a conduta do agente ao fim ímprobo, não é aquela demonstrada revelada em uma delação premiada, que somente se baseia na “palavra” livre do acusado ou suspeito que faz a aludida transação penal e, sim, em outros idôneos meios de prova que atestem a existência de que há autoria e materialidade na prática do ato de improbidade administrativa.

Consoante o disposto no artigo 17, § 8º, da Lei n.º 8.429/92, a rejeição da ação de improbidade administrativa está vinculada ao convencimento motivado do juízo quanto à inexistência do ato de improbidade, a improcedência da ação ou à inadequação da via processual eleita.

Por isso o contexto fático-probatório deve ser suficientemente explicitado na petição inicial, capaz de comprovar a prática de ato de improbidade, tendo em vista que a delação premiada, como objeto de transação entre o Estado e o acusado, não serve isoladamente como elemento de base de prova capaz de induzir a admissibilidade da ação de improbidade administrativa.

Há que se ter a efetiva caracterização dos elementos subjetivos e objetivos indispensáveis à tipificação e à punibilidade de atos de improbidade revelados por outros confiáveis tipos de provas (documentos, perícias, provas testemunhais, etc.)

Portanto, deve ser inadmitida a ação de improbidade administrativa que se revele carente do seu dever de demonstrar, logo em sua petição inicial, da existência de provas que conduzam a plausibilidade do direito invocado.

Como é recente, e ainda pouco explicitado o presente tema sob o prisma da improbidade administrativa, resolvemos estudar o impacto da delação premiada sob o âmbito de uma possível admissibilidade da petição inicial, para que não haja graves e injustas ações, manejadas sem um mínimo de plausibilidade jurídica e movidas por insubsistentes meios de acusação.

A delação premiada surte o efeito desejado no âmbito criminal, e é importante para desarticular quadrilhas e revelar detalhes de possíveis crimes ou esquemas inescrupulosos.

Não somos contra o referido instituto para os fins que a lei o destinar. Pelo contrário, através da delação premiada, muitas verdades virão à tona, e “esquemas” de corrupção poderão ser coibidos ou punidos, após a devida investigação e comprovação das imputações.

Contudo, o que é aplicado no direito penal apesar de quase sempre balizar o direito sancionador, quando transposto para a improbidade administrativa, deve se compatibilizar com a presente esfera, para que não seja aplicado por analogia, trazendo graves consequências injustificadas para a parte acusada ilegítima ou irresponsável.

Por isso todo o cuidado e zelo ao direito não é suficiente quando se trata de direito sancionador e a sua efetiva aplicação nos diversos ramos do direito.

Deve o Ministério Público aprofundar-se no objeto da delação e produzir provas indiciárias robustas que, de plano, demonstrem que a ação de improbidade administrativa possui viabilidade perante a Lei n.º 8.429/92.

E, matéria de prova, e na dúvida acerca da oportunidade da sua produção, deve-se, num juízo de razoabilidade, optar pelo deferimento, dentro dos padrões da ampla defesa, especialmente no caso, onde se investiga a prática do ato de improbidade administrativa, permitido que haja uma investigação mais técnica e robusta, não necessariamente exauriente, com a finalidade de embasar a futura petição inicial do Ministério Público.

Não resta dúvida que a delação premiada serve como ponto de partida de uma investigação cível através do inquérito civil, mas jamais ela possui o requisito legal elencado pela Lei n.º 8.429/92, para dar início à ação de improbidade administrativa.

Em sendo assim, a petição inicial que somente traga a delação premiada como meio de prova, não cumpre o requisito formal a que impõe o artigo 17, § 6º, da Lei n.º 8.429/92, salientando-se que não pode ser aplicada por analogia.

Rio de Janeiro, 10 de outubro de 2020.


[i] JORDI. Nierva Fennoll. La Valoración de la prueba.Marcial Pons, 2010. P. 244.

[ii] STF, Rel.  Min. Gilmar Mendes, Inq nº 4458, Segunda Turma, julgado em 11/09/2018.

[iii] STF, Rel. Min. Dias Tofolli, Inf. 3994 – Ed segundos, 2ª T., julgado em 7.08.2018.

[iv] STF, rel. Min. Gilmar Mendes, MCRCL 43.479/RJ, despachado em 03/10/2020.

[v] STF, Rel. p/ acórdão Min. Dias Toffoli, Inquérito nº 4.074/DF, 2ª T., julgado em 14.08.2018.

[vi] STF, Rel. Min. Gilmar Mendes, Nona Extensão na Reclamação nº 36.542/PR, despacho de 20.08.2020.

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[vii] STF, Rel. p/ acórdão Min. Dias Toffoli, Inf nº 407/DF, 2ª T., julg. Em 14.08.2018.

[viii] STF, Rel. p/ acórdão Min. Dias Toffoli, Inf. nº 407/DF, 2ª T., julg. Em 14.08.2018.

[ix] STF, Inq. Nº 4.118/DF, voto do Min. Dias Toffoli.

[x] Art. 5º, LIV, CF – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

[xi] CANÁRIO, Pedro. Em Parecer, MPF defende prisões preventivas para forças réus a confessar. In Boletim de Notícias Conjur. Disponível em: <hppt://conjur.com.com.br/2014-nov-27-/parecerpmpf-defende-presoes-preventivas-confissoes>. Acesso em 25/03/2020; SETECK, Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam. “O passarinho para cantar precisa estar preso”. Viva a Inquisição! In Boletim de Notícias Conjur. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2014-nov-29/diario-classe-passarinho-pra-cantar-estar-preso-viva-inquisicao. Acesso em 25/03/2020.

[xii] Provimento do STJ, e Recurso em Habeas Corpus (RHC93800/PR, Rel. Min. Rogério Schietti, 6ª T., In DJ 01.10.2018) trancada a ação  ajuizada com lastro exclusivo em colaboração premiada.

[xiii] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. V.2. 13. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 727-728).

[xiv] STF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Repercussão Geral no RE com Agravo nº 1.175.650/PR, Pleno, DJ de 12.04.2019.

[xv] STF, Rel. Min. Dias Toffoli, HC nº 127.483/PR, Pleno, DJ de 4.02.2016.

[xvi] STJ, Rel. Min, Napoleão Nunes Maia Filho, AgInt no AI em REsp 790.275/RJ, 1ª T., julgado em 06.05.2020

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Sobre os autores
Mauro Roberto Gomes de Mattos

Advogado no Rio de Janeiro. Vice- Presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público – IADP. Membro da Sociedade Latino- Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Membro do IFA – Internacional Fiscal Association. Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Autor dos livros "O contrato administrativo" (2ª ed., Ed. América Jurídica), "O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei nº 8.429/92" (5ª ed., Ed. América Jurídica) e "Tratado de Direito Administrativo Disciplinar" (2ª ed.), dentre outros.

Anelise Rocha Assumpção

Graduanda em Direito na Universidade Candido Mendes - RJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTOS, Mauro Roberto Gomes ; ASSUMPÇÃO, Anelise Rocha. Colaboração premiada sem prova de corroboração não se presta para justificar o recebimento da ação de improbidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6701, 5 nov. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/86860. Acesso em: 22 dez. 2024.

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