Diante da proximidade de se concretizarem as expectativas de vacinação no país contra a Covid-19, surge um dilema na seara trabalhista acerca da possibilidade de o empregador exigir de seus funcionários a comprovação de vacinação contra a covid-19.
Possibilidade da exigência de vacinação
Por um lado, há aqueles que afirmam ser plenamente possível ao empregador exigir a comprovação de vacinação de seus funcionários. Afinal, é responsabilidade jurídica do empregador cuidar e zelar pelo meio ambiente do trabalho (art. 225 c.c art. 200, VIII, CR) e, também, garantia fundamental de todo trabalhador a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º, XXII, CR).
É sempre oportuno recordar que nossa Constituição da República nos assegurou que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado (art. 196, CR).
Todavia, dispôs a Lei Federal n. 8.080/90, em seu art. 2º, §2º que esse dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade.
Portanto, diante de todo este cenário normativo, inafastável crer que a recusa imotivada do funcionário em se vacinar colocaria em risco a saúde de todos os demais trabalhadores, já que o obreiro se tornaria um vetor de transmissão e de proliferação da doença.
Assim, com base nas prerrogativas inseridas dentro do Poder Diretivo do empregador (art.2º, CLT), seria não apenas um direito, mas sim um dever do patrão afastar o indivíduo recalcitrante para preservar o meio ambiente laboral.
Impossibilidade da exigência de vacinação
Por outro lado, há quem defenda a impossibilidade de o empregador exigir a vacinação de seus funcionários, já que isto representaria uma violação à sua liberdade individual de se autodeterminar, isto é, decidir, por si próprio, o que é bom e o que é ruim para a sua saúde.
Decisão do Supremo Tribunal Federal
Em 17 de dezembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal proferiu julgamento nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade n.º s 6.586 e 6.587 e do ARE 1.267.897, em que foram fixadas as seguintes teses:
"É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no programa nacional de imunizações; (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei; (iii) seja objeto de determinação da união, estados e municípios, com base em consenso médico científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar.
(I) A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, porquanto facultada sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e
i) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes,
(ii) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes,
(iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas,
(iv) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade e
(v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente;
(II) tais medidas, com as limitações acima expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência".
Conclusão
Não é tarefa nada fácil estabelecer uma harmonia entre os valores constitucionais em jogo, dentre os quais estão a liberdade individual das pessoas, o direito à vida e à saúde de toda a sociedade, bem como o direito ao trabalho e à iniciativa privada dos empregadores.
Com efeito, lastreado num juízo de ponderação e proporcionalidade, considero razoável a possibilidade de os empregadores exigirem de seus funcionários a vacinação contra a Covid-19.
Isso não significa, entretanto, que os patrões possam exigir a vacinação forçada de seus funcionários, até mesmo porque deve subsistir sempre a faculdade de recusa do indivíduo.
Todavia, nesse caso, o empregador poderia adotar medidas indiretas quanto à restrição de certas atividades de seu funcionário. Frise-se, não uma restrição (total) de acesso ao trabalho, pois isso feriria o seu direito social previsto no art. 6º da Constituição da República.
Em suma, a situação trazida à baila revela “dois lados da mesma moeda”: a saúde é um direito de todos e dever do Estado, mas o dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade.
Portanto, todos devem assumir sua parcela de responsabilidade na luta contra a Covid-19.