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Técnicas de interrogatório e tortura.

Como agentes do Estado nivelam-se ao criminoso, esbofeteiam o Direito e operam em desfavor da humanidade

31/08/2006 às 00:00
Leia nesta página:

            O interrogatório é um dos momentos mais importantes do expediente penal. É quando a autoridade põe-se à frente do suspeito ou formalmente acusado na expectativa de obter, dele, diretamente, as explicações sobre o fato. Com a evolução do Direito, todavia, o interrogatório deixou de ser um instrumento do Estado, para arrancar a confissão, e passou a ser uma oportunidade do indivíduo, de usá-lo como ocasião de defesa, quando, de própria voz, pode enfrentar os argumentos contra si e apresentar as razões que lhe assistem.

            Lamentavelmente, essa evolução não foi de todo compreendida. Mesmo na polícia inglesa, uma mais qualificadas do mundo, comprovou-se que 36% dos interrogatórios eram irregulares porque, sobretudo, os agentes encarregados do ofício não estavam alinhados à nova mentalidade. Partiam do pressuposto que o interrogado era culpado e todo o ato de interrogar era direcionado nessa linha de raciocínio. Essa realidade estende-se hoje nas masmorras mantidas pelas polícias mal preparadas no mundo todo. Pessoas humildes, arrancadas dos seus lares, são tratadas ao extremo da humilhação, submetidas a interrogatórios medievais e forçadas a confessar mesmo o que não fizeram. Ou mesmo criminosos, tratados à margem da ordem legal, acabam processualmente favorecidos pela truculência. Essa pressa de resolver os casos, afinal, é inócua, porque inquéritos policiais assim orientados dão origem a processos capengas, que não resistem à ausência da segurança jurídica. Quando não se prestam à injustiça, servem a impunidade. Em qualquer hipótese, um desserviço à humanidade.

            Interrogatórios mal feitos levam à injustiça ou à impunidade. Em qualquer hipótese, um desserviço às instituições jurídicas.


A compreensão do interrogatório

            No período medieval, o interrogatório era meio de obter a prova conclusiva. Assim, o acusado, se não respondia, era torturado. Por conseguinte, era obrigado a falar. Infelizmente, ainda hoje tem-se ciência da tortura como meio de interrogar. Nos porões de órgãos policiais, autoridades, agindo em nome do Estado, violentam a dignidade humana, afrontam regras civilizadas de Direito e, não raro, cometem erros que jamais serão reparados.

            Nessa linha, nunca é demais sublinhar episódios ocorridos na escuridão da ditadura, quando militares de patente média assumiam posição de deuses. Sacrificavam criaturas com requintes de sadismo, agindo como verdadeiros monstros; travestiam-se em criminosos bárbaros, praticando atos mil vezes mais repulsivos do que os atribuídos aos cidadãos interrogados.

            O coronel do Exército Élber de Mello Henriques, em testemunho histórico prestado à revista Veja, edição de 3 de novembro de 1999, págs. 11 a 15, relata episódios repugnantes. Encarregado de interrogar um preso político, por exemplo, foi até a cela. O que viu foi impressionante:

            "Era um cubículo imundo, com um buraco no chão servindo de privada que exalava um cheiro horroroso. (O preso), de tão machucado pelas torturas, dormia profundamente num colchão de palha sem lençol colocado no chão da cela. Imaginei que aquele homem deveria estar muito debilitado para conseguir dormir naquela situação, com aquele forte cheiro de urina. Determinei, então, que no dia seguinte me levassem o preso limpo e apresentável para o interrogatório e que o colocassem em uma cela limpa, que eu mesmo inspecionei."

            Em outro trecho, o oficial relata:

            "Um dia, pedi para ver um outro preso político que eu teria que interrogar. O oficial do dia me levou até ele. Não esqueço até hoje o que vi. O homem estava pendurado num pau-de-arara, totalmente destruído. Era uma coisa de dar dó. Ele gemia, urinava, defecava. Não pude nem falar com ele porque estava fora de si. Isso foi numa sexta-feira de setembro de 1969. Pedi, então, que o retirassem dali, porque eu iria interrogá-lo na segunda-feira. Quando voltei ao quartel, na manhã de segunda-feira, mandei que trouxessem o preso. A resposta foi que ele havia se suicidado."

            Essa era a prática corrente, que é preciso, em oportunidade como esta, renovar à lembrança, na expectativa de que as novas gerações nunca mais a admitam.

            Na verdade, nessa época, estava institucionalizada a tortura. Era normal no ato de interrogatório. E pior: era ensinada pelo sistema norte-americano. O próprio coronel Élber de Mello Henriques conta:

            "(Ao chegar ao quartel, certo dia) vi uns rapazes corpulentos que, pela cor da pele e pelo corte de cabelo, percebi serem estrangeiros. Eles estavam numa sala, cercados de militares brasileiros, mostrando instrumentos de tortura. Perguntei a um oficial o que era aquilo e ele me disse: ‘São os americanos que estão nos ensinando a torturar sem deixar vestígios’. Foram eles que ensinaram as técnicas de choque elétrico nos testículos e na vagina. Era um aparelho que os presos políticos chamavam de Dr. Volts. Esses americanos estavam aqui em missão oficial, não sei se chamados ou por oferecimento próprio. O interesse dos americanos era que nós déssemos informações a eles sobre as ligações dos comunistas brasileiros com os comunistas da União Soviética. Mas, para evitar denúncias de tortura, eles ensinavam técnicas que não deixassem cicatrizes, ossos quebrados, audição destruída."


O manual de tortura

            Essa violência não esteve limitada aos anos 60. No início dos anos 80, a agência de espionagem norte-americana, a CIA, criou um manual, até há pouco guardado em segredo, que ensinava as suas técnicas particulares de interrogatório mediante tortura. Ele foi oferecido a diversos organismos policiais, militares e de inteligência da América Latina.

            Com o pomposo nome de Manual de Treinamento para a Exploração de Recursos Humanos, o expediente ensinava que os locais usados para interrogatório deveriam ser escuros, sem janelas, isolados acusticamente e sem banheiros. Um trecho do livro diz:

            "Desde o primeiro momento, o interrogado deve ser convencido de que o interrogador controla seu destino e que a sua própria sobrevivência depende da absoluta cooperação."

            Adiante, explica:

            "Apesar de não recomendarmos o uso de técnicas coercitivas, queremos que vocês as conheçam e saibam como aplicá-las."

            Nessas técnicas coercitivas estava a chamada cisterna de privação dos sentidos:

            "Os interrogados serão colocados em cisternas cheias de água e usarão máscaras que cubram sua cabeça completamente, permitindo apenas que eles respirem. Escutarão unicamente a própria respiração e alguns sons da água da câmara. O estresse e a ansiedade se tornarão insuportáveis."

            Como se vê, em pleno século da luz, na era da tecnologia e da inteligência, praticavam-se atos medievais, em instalações públicas, tendo por agentes funcionários do Estado, pagos pelos tributos de todos os cidadãos. E, o que mais se lastima, a experiência não foi totalmente varrida.


A tortura na história

            Na Idade Média, utilizava-se borzeguins de madeira, destinados a triturar progressivamente os tornozelos. Vieram, depois, os choques elétricos. Em seguida, ficou famosa a chamada "Virgem de Nuremberg", que consistia em uma estátua de ferro, oca e cheia de punhais, dentro da qual colocava-se o acusado, fechando-o pouco a pouco em seu interior. Eram práticas, enfim, que não ofereciam ao indivíduo nenhuma possibilidade de demonstrar a sua inocência. Serviam exclusivamente para arrancar a confissão, devida ou indevidamente.

            O policial que emprega a tortura como técnica não é apenas um profissional incompetente. É um sádico ou patológico.

            A tortura nos organismos policiais

            É de singular esclarecimento a monografia "Direitos Humanos e Democracia Participativa: a função da Polícia Civil como Polícia Cidadã", de autoria de Maria do Carmo da Silva Oliveira e Rosângela Cavalcante de Melo Almeida Lima, Delegadas de Polícia dos quadros da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Alagoas. Elas escrevem:

            "Infelizmente numa era engendrada na globalidade, onde o Estado Democrático de Direito deve prevalecer, existem ‘autoridades’ que sob a égide de uma corporação ou de um órgão que ironicamente deve propiciar segurança, ao revés barbarizam (...). Vejamos o que diz Nelson Pizzoti Mendes: ‘A tortura foi entre nós institucionalizada, erigida em método regular de confissões, não estando nenhum cidadão livre de, sob mera suspeita, ou acusação, ser agarrado e massacrado nos fundos de uma delegacia de polícia’ (In Justitia, Vol. 71, p/ 47-8)".

            Ao tratarem especificamente da tortura, as autoras observam:

            "Abordaremos, agora, a tortura, assunto mais delicado dentro do âmbito policial e motivo de conflito com os movimentos dos Direitos Humanos. Como definição, a tortura é sinônimo de suplício, tormento, sofrimento. É todo o sofrimento a que uma pessoa é submetida por outra, desde que seja executada de propósito pela primeira, contra a vontade da segunda pessoa. O torturador é aquela pessoa que submete alguém ao sofrimento (...), à revelia da lei e risco pessoal. O significado da tortura tem três aspectos, quais sejam:

            - Desumanidade: porque desgraça e despersonaliza a vítima;

            - Injustiça: porque a pena está sendo aplicada antes da sentença;

            - Ineficácia: porque as informações obtidas podem ser falsas e resultarem inúteis."

            As autoras esclarecem, na seqüência, os tipos de tortura, desventuradamente utilizados na seara policial. São eles:

            -FÍSICA: através do sofrimento físico, com a utilização de pau-de-arara, borracha, afogamentos, choques elétricos, bofetadas, etc.

            -PSICOLÓGICA: por meio de ameaças, humilhações, vexames, injúrias, tratamento degradante.

            -QUÍMICA: por mistura de drogas na comida ou na água, cheirada, injetada; e soro da verdade, gases tóxicos, etc.

            -SEXUAL: por castração, estupro, ato libidinoso, etc.

            Os torturadores, por sua vez, são apresentados pelas autoras como:

            -SÁDICOS: são os que fazem porque gostam de fazer.

            -CUMPRIDORES DE ORDEM: fazem como se estivessem cumprindo uma obrigação; atendendo determinação de uma autoridade.

            -PATOLÓGICOS: portadores de anomalias mentais, destacando-se, por exemplo, os paranóicos.

            A bem estruturada monografia, relaciona, também, as alegações que os torturadores costumam oferecer quando são denunciados e processados. Em regra, são as seguintes:

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            -Queriam um interrogatório severo, sob pressão, para obter o esclarecimento da verdade.

            -Estavam agindo em legítima defesa do Estado, frente ao ocultamento de crimes insolúveis.

            -Na ocorrência de morte (acidental), foi por rebeldia da vítima, que não quis cooperar.

            -Os meios empregados foram os necessários para que se chegasse ao esclarecimento. Sem eles, não seria alcançado o resultado de interesse da ordem pública.

            Vale ressaltar a curiosa conclusão de pesquisa realizada em 20 de junho de 1999, junto à população da cidade de Maceió-AL, quando se constatou que 20% dos entrevistados conhecem algum torturador pertencente a uma das três instituições policiais: militar, civil ou federal. A pesquisa, desenvolvida pelo GAPE, relatada na monografia em tela, traz, ainda, os seguintes dados registrados pelas autoras:

            "Entre o universo pesquisado, a Polícia Militar é apontada como a instituição com o maior número de torturadores, 39%, seguida da Polícia Civil com o percentual de 33% e da Polícia Federal com 14%. Para 86% das pessoas entrevistadas, os torturadores não são punidos quando descobertos; 12% disseram que eles são punidos e 2% não opinaram. Na opinião de 29% dos entrevistados, a prisão é a principal punição que deveria ser aplicada a um torturador; 21% acham que a mesma tortura deveria ser aplicada a um torturador; 17% não sabem; 16% optaram pela pena de morte; 4% são a favor da prisão perpétua; 2% optaram pelos rigores da lei e 1% não opinou. A grande maioria (95% dos entrevistados) acha que uma pessoa que praticou tortura não deveria assumir função pública. De acordo com 83%, não há necessidade do uso de tortura para obter-se a confissão."

            As autoras, que, sublinhamos, são Delegadas de Polícia, trazem importantes considerações sobre práticas irregulares no âmbito policial, denunciadas insistentemente mas não erradicadas:

            "No que tange à tarefa de esclarecer os fatos, não raramente inverte-se o que se aprendeu nas escolas ou academias de polícia: ao invés de investigar e provar o fato, para depois prender o seu autor, prende-se o indivíduo para, em seguida, investigar o fato."

            Por derradeiro, a monografia traz a denúncia:

            "Muitos grupos, no seu próprio interesse ou a serviço do poder dominante (e não a serviço da sociedade) utilizaram a Polícia e, de certo modo, a viciaram. Com os erros e acertos dela, esses grupos ganharam socialmente. No final, só a Polícia foi execrada. Por que? Será que o policial está consciente de que tem sido usado de forma irregular? Por que ainda não descobriu que a sociedade não é a sua inimiga, uma vez que ele próprio e toda a sua família são partes dessa sociedade?"

            O estudo, feito a partir de elementos recolhidos junto à atividade policial do Estado de Alagoas, é revelador de um quadro nacional. Edmilson Miranda, Secretário de Segurança Pública de Alagoas em 1999, citado na monografia, aponta uma realidade que espelha a situação no país:

            "(...) para limpar a Polícia é preciso muito mais do que demissões e prisões sumárias; é preciso, acima de tudo, dar condições de trabalho às organizações policiais (...); é necessário estabelecer uma série de medidas assistenciais que abrangeriam as áreas jurídica, financeira, estrutural, de saúde física e psicológica, etc."

            Não se pode desconhecer a realidade das polícias atualmente. Baixos salários, falta de infra-estrutura e dependência política reduzem a capacidade de produção dos agentes da segurança pública. Os bons e honestos acabam convivendo, dentro da mesma instituição, com maus policiais, violentos, corruptos, descomprometidos com o objeto da função. A questão, hoje, está posta nos termos da prioridade política. Aos governantes cabe restabelecer a seriedade das organizações policiais, para que elas possam tratar corretamente da segurança dos bens maiores dos indivíduos: da vida, da liberdade, da honra, da propriedade. Enquanto isso não ocorrer, o campo estará aberto à corrupção e à prevaricação, como fontes naturais de renda e de prestígio; e à tortura, como técnica de investigação.

            Essas considerações não só nos permitem recolher notícias sobre a tortura nos organismos policiais – e, assim, entendermos o expediente tortura, em si - como a avaliar esse universo para efeitos de responsabilidades, uma vez que a situação acaba por refletir nos processos disciplinares que correm junto às Corregedorias de Polícias em todos os Estados. A conduta do agente policial, dessa forma, não pode ser vista isoladamente, mas precisa ser avaliada dentro do infeliz conjunto que a realidade nos apresenta, pelo descompromisso político, pelo desgoverno que se assiste, pelo desinteresse com as efetivas prioridades da sociedade brasileira.


A exploração das reações fisiológicas

            Está demonstrado que o homem, ao mentir, experimenta reações em seu organismo que são incontroláveis. O pulso acelera, a boca resseca, o suor aparece em abundância, a pele fica rubra. Por isso, a exploração desse fenômeno tornou-se importante elemento na investigação desde muitos séculos.

            Na antiga China, obrigavam o suspeito a mastigar um punhado de arroz cru. Se conseguisse engolir facilmente, dizia a verdade; se, com a boca ressecada, só o conseguisse às custas de grande esforço, por certo mentiria.

            Os árabes, por sua vez, colocavam uma lâmina em brasa junto à língua do suspeito. O bafo úmido emitido pela garganta do homem inocente serviria para lhe salvar a vida; mas uma queimadura na boca seria sinal de culpa.

            Na África, os feiticeiros farejavam o hálito dos suspeitos, apostando nas reações do organismo diante à mentira.

            Na própria França, durante a Inquisição, costumava-se colocar o interrogado em um pequeno tamborete, em forma de sela. Enquanto ouvia a leitura da acusação, era obrigado a manter entre os dentes um pedaço de pau, que cuspia quando começava a falar. As marcas que os seus dentes deixassem na madeira eram, então, examinadas. Se profundas, a sua culpa era considerada evidente; se ligeiras, dava-se-lhe o direito de defesa. Por isso, até hoje na França utiliza-se a gíria cuspir o pedaço, ou seja, confessar.

            Esses métodos foram substituídos por outros equipamentos de cunho científico, mas baseados nas mesmas reações. Surgiram, assim, os detetores de mentira, os polígrafos.

            O polígrafo apareceu em 1895, como criação de Cèsare Lombroso. Baseia-se nas variações da pressão arterial e da respiração. Em 1927, o aparelho foi aperfeiçoado por Leonard Keeler. Por meio de eletrodos, cintos e braçadeiras, o equipamento mede a atividade cardiovascular do corpo humano; as transformações que se dão à flor da pele (transpiração) e diversos movimentos incontrolados (oscilações de cabeça, etc).

            Em que pese o caráter científico do material, não há segurança no seu resultado. Afinal, há forte ingrediente humano na avaliação. A forma de operar o equipamento e a técnica de interpretar os coeficientes que ele aponta podem variar de profissional para profissional, retirando a certeza nas suas indicações. É conhecida, a propósito, o caso de um indivíduo que foi submetido ao polígrafo nos Estados Unidos, cujo resultado provou que ele mentia. Na sua perna esquerda, foram colocadas braçadeiras, que mediam as suas reações. E ele quis saber:

            -Onde é que você está vendo a mentira?

            -Vejo aqui na sua perna – respondeu o técnico.

            O preso, então, levantou a calça e mostrou a perna de madeira que lhe tinham enxertado na Coréia.

            Hoje, modernos programas de computador permitem identificar as variações na voz quando o interlocutor mente ou fala a verdade. Tais equipamentos são admitidos, ainda que com reservas, nas investigações policiais. São, entretanto, incompatíveis com a natureza de um processo disciplinar.

            Nos porões de órgãos policiais, autoridades, agindo em nome do Estado, violentam a dignidade humana, afrontam regras civilizadas de Direito e, não raro, cometem erros que jamais serão reparados.


O soro da verdade

            Em alguns estados americanos, a Polícia conseguiu, em um primeiro momento, legitimar o pentotal, conhecido como soro da verdade. Uma injeção de pentotal modifica prontamente o comportamento do indivíduo; ele se torna eufórico, não vendo nenhuma razão para esconder a verdade. Surgiram, no entanto, discussões científicas e ideológicas sobre o emprego de drogas no procedimento de investigação. Levantou-se inclusive a dúvida: se a droga torna o mentiroso em sincero, não poderá, por outro lado, transformar o sincero em mentiroso?


A provocação do stress

            Utiliza-se, ainda, na investigação policial, a provocação do stress como método de interrogatório. O objetivo é causar no interrogado reações que vão do pavor à histeria, da melancolia à revolta. Assim, por exemplo, há quem coloque diante ao acusado um aparelho qualquer, que lhe é apontado como detetor de mentiras. O interrogador deixa-o, por instantes, a sós na sala e fica a observá-lo por uma porta entreaberta ou por um espelho falso. A intensidade do horror demonstrado pelo indivíduo pode ser um sério indicativo da sua culpabilidade. E, a partir daí, o interrogatório ganha maior firmeza.

            Notícias falsas são, também transmitidas ao interrogado. Ele é informado que, em instantes, chegará ao recinto uma pessoa diante da qual, sabe-se, ficará extremamente constrangido. Ao ser deixado por instantes em isolamento, a refletir, poderá, depois, optar por confessar.

            Os ardis, as ciladas, as mentiras são, também incompatíveis com a técnica do interrogatório. A astúcia não pode ser confundida com a ausência de escrúpulos.


A cilada como método

            Manuais de interrogatório divulgados na década de 70 apontavam as três armas a serem utilizadas:

            - a acareação;

            - o condicionamento por vias psicofisiológicas; e

            - a cilada.

            A cilada é a utilização de artifícios que induzem o interrogado a um comportamento previamente esperado. Por exemplo, o primeiro contato do indivíduo, em uma sala de mínima luminosidade, é com um interrogador corpulento, de aparência hostil. No início, uma conversa ríspida. Ameaças sutis. Logo – já combinado – alguém chama essa pessoa. O acusado fica, por momentos, na solidão e na angústia. Depois, entra na sala um homem bem apessoado, educado, voz calma, que interessa-se pelo destino daquela criatura. Fragilizado emocionalmente e sensibilizado pelo apoio, o suspeito passa a falar.

            Entendemos que os agentes da Administração Pública, por estarem vinculados ao princípio da moralidade, não podem valer-se de expedientes à margem desse preceito. Os ardis, muitas vezes, deixam de ser um exercício de astúcia para serem práticas imorais. A esperteza não pode ser confundida com a falta de escrúpulos.

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Sobre o autor
Léo da Silva Alves

Jurista, autor de 58 livros. Advogado especializado em responsabilidade de agentes públicos e responsabilidades de pessoas físicas e jurídicas. Atuação em Tribunais de Contas, Tribunais Superiores e inquéritos perante a Polícia Federal. Preside grupo internacional de juristas, com trabalhos científicos na América do Sul, Europa e África. É professor convidado junto a Escolas de Governo, Escolas de Magistratura e Academias de Polícia em 21 Estados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Léo Silva. Técnicas de interrogatório e tortura.: Como agentes do Estado nivelam-se ao criminoso, esbofeteiam o Direito e operam em desfavor da humanidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1156, 31 ago. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8797. Acesso em: 28 mar. 2024.

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