5 CONCLUSÃO
O Direito não pode se formar alheio aos fatos sociais, por ser um fenômeno decorrente do próprio convívio do homem em sociedade. Seu papel não é apenas o de se basear nos costumes e nas normas vigentes para regulamentar e organizar a sociedade, mas também é o de interferir na produção de novos comportamentos e costumes. Ou seja, a norma, em seu aspecto propositivo ou prescritivo de condutas, pode transformar a forma rupestre como tratamos os dados pessoais no Brasil, em uma situação de fato respeitosa e segura para o titular de dados, sem obstaculizar o desenvolvimento tecnológico e o crescimento econômico do país.
Em nossa sociedade hiperconectada, as relações interpessoais e as transações comerciais estão cada vez mais pautadas nos meios digitais e dependentes dos avanços tecnológicos. Uma sociedade com essas características faz com que tenhamos uma percepção mais ampla sobre o direito de liberdade de expressão, o direito à privacidade, a proteção de dados pessoais e, consequentemente, a vulnerabilidade dos usuários[20]. A preservação desses direitos é condição da cidadania na era eletrônica. Entretanto, atualmente, a segurança dos dados pessoais é colocada em xeque à medida em que os operadores do Direito ainda não se encontram capacitados para suportar os novos modelos de negócio, as próprias interações e os tratamentos digitais.
Há que se estabelecer um balanceamento entre o direito fundamental autônomo de proteção de dados e o interesse econômico no mesmo objeto, dado que tais temas são de interesse da coletividade[21]. Nossa Constituição (BRASIL, 1988) prevê, como função do Estado, estabelecer diretrizes e bases do planejamento nacional equilibrado (Art. 174, §1º). Assim, atuar para que haja verdadeiramente um papel central do instituto da responsabilidade civil frente à dicotomia entre o direito de proteção aos dados pessoais e os interesses econômicos e financeiros é papel essencial para que esse equilíbrio seja efetivamente aplicado na realidade da população brasileira.
Com a atual legislação constitucional e infraconstitucional, já demos os primeiros passos em busca de estabelecer essa estabilidade entre tais interesses, como, por exemplo, no Art. 2º, V da LGPD, em que é citado, como fundamento dessa lei, “o desenvolvimento econômico e tecnológico e a inovação” (BRASIL, 2018). Sem dúvidas, foi um evento notório no histórico legislativo do Brasil a decisão da Suprema Corte que garantiu mais um direito fundamental básico aos cidadãos usuários da internet: o direito à proteção dos seus dados pessoais, identificado como direito fundamental autônomo. É um feito de grande avanço em direção à criação de direitos que são condizentes com a realidade do homem digitalizado do século XXI. Todavia, ainda há uma insegurança jurídica primando o tema, pois a construção das legislações vigentes que abordam tal conteúdo são preponderantemente normas abertas, ou seja, delimitam uma certa insegurança jurídica sobre como será estabelecido o equilíbrio que nos inquieta.
Tal estabilidade visa a evitar uma indústria do dano moral indiscriminada que, ao nosso ver, já está instaurada no Brasil. A responsabilização em caso de dano é essencial, contudo, há que se desenvolver e ponderar novos conceitos de responsabilidade civil e reflexões sobre tal tema, para que o efetivo balanceamento na dinâmica social e econômica que envolve a matéria da proteção de dados seja percebido na realidade dos cidadãos e das empresas.
Na reflexão sobre o tema do direito à proteção de dados pessoais, deve-se ter em mente que tal direito pretende conferir ao indivíduo a ingerência, o controle, o manejo e a transparência na administração de seus dados pessoais, ou seja, o fundamento da autodeterminação informativa[22] (Art. 2º, II da LGPD) que é garantida pela previsão de vários direitos no Capítulo III, Art. 18, por exemplo, de informação (I), de acesso (II), de correção (III), de portabilidade (V), de eliminação (VI), entre outros. O reconhecimento pela Suprema Corte altera completamente a forma como o Brasil vislumbra e responsabiliza os agentes de tratamento de dados pessoais. É um marco legislativo não apenas formal e material[23], mas há, sem dúvida, uma guinada de forma indireta no aspecto da responsabilidade civil. Iniciamos, assim, um movimento em que os institutos jurídicos carecem de uma impreterível revisão material, para atenderem às necessidades da sociedade que está sendo erigida em meio às tecnologias, uma vez que a responsabilidade civil não é uma exceção a essa imposição de mutação. Isso posto, há que se ter um olhar meticuloso e crítico para a formação da cultura de proteção de dados no Brasil, almejando sempre a harmonia entre os interesses dos titulares e os interesses econômicos, caso contrário de nada nos adiantará a transformação ofertada pelas legislações contemporâneas.
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