É sabido que o atual presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, enfrenta vários processos por conta de condutas a ele imputadas.
Há duas denúncias contra ele ofertadas no Supremo Tribunal Federal.
No primeiro caso, um servidor da Câmara foi flagrado com R$ 106 mil, em dinheiro vivo, quando tentava embarcar no Aeroporto de Congonhas. Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), os valores apreendidos deveriam ser entregues a Lira, em troca de apoio político para manter Francisco Colombo no cargo de presidente da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU).
A segunda denúncia diz respeito às investigações do “quadrilhão do PP”. Lira é acusado de participar de um esquema de “cometimento de uma miríade de delitos” e arrecadação de propina por meio da utilização de diversos órgãos da administração, como a Petrobrás, a Caixa Econômica Federal e o Ministério das Cidades. A organização criminosa teria sido estruturada após a eleição do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2002.
O novo presidente da Câmara foi denunciado pela PGR, em junho de 2020, acusado de receber R$ 1,6 milhão em propina da empreiteira Queiroz Galvão, pelo apoio do PP à manutenção de Paulo Roberto Costa na diretoria da Petrobras. No entanto, três meses depois, em setembro, a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, coordenadora da Lava Jato na PGR, acolheu argumento da defesa de que não havia prova contra Lira e desistiu da denúncia.
"A PGR alterou seu entendimento após perceber que a denúncia estava calcada exclusivamente na palavra de um colaborador premiado: Alberto Youssef. Não havia qualquer outra prova. E, como fiscal da lei, não poderia sustentar algo distinto do arquivamento". Nesse caso, a posição do titular da ação penal, Ministério Público Federal, será determinante para o arquivamento dos autos, com o não recebimento da denúncia formulada em face de sua rejeição.
Lira foi denunciado pelos desvios na Assembleia Legislativa de Alagoas pela Procuradoria-Geral da República (PRG), na gestão de Raquel Dodge. No entanto, depois que o STF decidiu em 2018 restringir o foro privilegiado a crimes relacionados ao atual mandato parlamentar, o caso foi remetido à primeira instância da Justiça Estadual de Alagoas sem ser julgado pelo Supremo.
Lira chegou a se tornar réu nesse caso, mas, no início de dezembro, o juiz Carlos Henrique Pita Duarte, da 3ª Vara Criminal de Maceió, decidiu arquivar o processo por considerar que as provas eram nulas. Na sua avaliação, o caso deveria ter tramitado na Justiça Estadual desde o começo, em vez de na Federal como ocorreu inicialmente. No final de dezembro, o Ministério Público recorreu da decisão.
Pergunta-se: Tais ações penais impediriam que Arthur Lira, por via de substituição, ocupasse o cargo de presidente da República?
A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal foi favorável à proibição de que réus em ações penais ocupem cargos na linha sucessória da Presidência da República, ou seja, os postos de vice-presidente da República, presidente da Câmara, presidente do Senado e presidente do STF.
Com o julgamento, à época, o Plenário derrubou a liminar no ponto em que o relator ordenava o afastamento imediato do senador Renan Calheiros (MDB-AL), da Presidência do Senado Federal.
O STF decidiu, por unanimidade de votos, em referendar, em parte, a liminar concedida, para assentar que os substitutos eventuais do Presidente da República a que se refere o art. 80 da Constituição, caso ostentem a posição de réus criminais perante esta Corte Suprema, ficarão unicamente impossibilitados de exercer o ofício de Presidente da República, e, por maioria de votos, nos termos do voto do Ministro Celso de Mello, em negar referendo à liminar, no ponto em que ela estendia a determinação de afastamento imediato desses mesmos substitutos eventuais do Presidente da República em relação aos cargos de chefia e direção por eles titularizados em suas respectivas Casas, no que foi acompanhado pelos Ministros Teori Zavascki, Dias Toffoli, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia (Presidente), vencidos os Ministros Marco Aurélio (Relator), Edson Fachin e Rosa Weber, que referendavam integralmente a liminar concedida. Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, também por votação majoritária, não referendou a medida liminar na parte em que ordenava o afastamento imediato do Senador Renan Calheiros do cargo de Presidente do Senado Federal, nos termos do voto do Ministro Celso de Mello, vencidos os Ministros MarcoAurélio (Relator), Edson Fachin e Rosa Weber, restando prejudicado o agravo interno.
O pedido foi feito no bojo da ADPF 402/DF.
A linha de raciocínio: a Constituição Federal, em seu artigo 86, parágrafo 1º, prevê que o presidente da República será suspenso de suas funções se o STF receber contra ele denúncia ou queixa-crime pela prática de crime comum. Ou seja, se instaurada a ação penal contra o presidente, ele não poderá exercer suas atribuições, e ficará afastado do cargo. Essa previsão, segundo a Rede, indica que a função de Presidente da República é “incompatível com a condição de réu”.
Se o presidente da República não pode exercer suas funções quando réu em ação penal, a vedação se estende a todos aqueles que ocupem cargos na linha sucessória. No caso, os presidentes da Câmara, do Senado e do STF. Portanto, os ocupantes desses cargos também não podem ter contra si processos criminais em tramitação.
Eis um resumo da decisão referenciada:
Os substitutos eventuais do Presidente da República – o Presidente da Câmara dos Deputados, o Presidente do Senado Federal e o Presidente do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 80) – ficarão unicamente impossibilitados de exercer, em caráter interino, a Chefia do Poder Executivo da União, caso ostentem a posição de réus criminais, condição que assumem somente após o recebimento judicial da denúncia ou da queixa-crime (CF, art. 86, § 1º, I).– Essa interdição, contudo – por unicamente incidir na hipótese estrita de convocação para o exercício, por substituição, da Presidência da República (CF, art. 80) –, não os impede de desempenhar a Chefia que titularizam no órgão de Poder que dirigem, razão pela qual não se legitima qualquer decisão que importe em afastamento imediato de tal posição funcional em seu órgão de origem.
Para Pierpaolo Bottini (réus podem integrar linha sucessória do presidente da República), “as premissas e as conclusões da ADPF seriam corretas, não fosse um detalhe. A Constituição Federal efetivamente prevê que o presidente da República será suspenso de suas atribuições se recebida denúncia pela prática de crime comum. Mas não de qualquer crime comum, mas apenas daqueles relacionados ao exercício de suas funções, ou seja, aqueles praticados durante o mandato, nos quais o agente usa do cargo de Presidente da República para a empreitada criminosa (por exemplo, corrupção passiva, quando o ato prometido está dentre as funções de Chefe do Executivo).”
E se o presidente for acusado por atos anteriores ao exercício do cargo?
Sobre isso se tem da posição do Ministro Celso de Mello(Inq. 927 – 9/SP, Relator Ministro Celso de Mello, DJ 1, de 23 de fevereiro de 1995, pág. 3.507) quando disse:
“Os ilícitos penais cometidos em momento anterior ao da investidura do candidato eleito na Presidência da República – exatamente porque não configuram delicta in officio – também são alcançados pela norma tutelar positivada no § 4º do art. 86 da Lei Fundamental, cuja eficácia subordinante e imperativa inibe provisoriamente o exercício pelo Estado, do seu poder de persecução criminal”.
No inquérito 1.418 – 9, DJU de 8 de novembro de 2001, o Ministro Celso de Mello repetiu que:
“A cláusula de imunidade penal temporária, instituída, em caráter extraordinário, pelo art. 86, § 4\”, da Constituição Federal, impede que o Presidente da República, durante a vigência de seu mandato, sofra persecução penal, por atos que se revelarem estranhos ao exercício das funções inerentes ao ofício presidencial. Doutrina. Precedentes”.
Mas é, na argumentação colhida no Inq 672 – 6 – DF, que o Ministro Celso de Mello registra:
“Essa norma constitucional – que ostenta nítido caráter derrogatório do direito comum – reclama e impõe, em função de sua própria excepcionalidade, exegese estrita, do que deriva a sua inaplicabilidade a situações jurídicas de ordem extrapenal.
Sendo assim, torna-se lícito asseverar que o Presidente da República não dispõe de imunidade, quer em face de procedimentos judiciais que vissem a definir-lhe a responsabilidade civil, quer em face de procedimentos instaurados por suposta prática de infrações político-administrativas(ou impropriamente denominados crimes de responsabilidade), quer, ainda, em face de procedimentos destinados a apurar, para efeitos estritamente fiscais, a responsabilidade tributária do Chefe do Poder Executivo da União.”
Mas haveria impedimento constitucional de se proceder a qualquer investigação contra o Presidente da República por fatos anteriores ao mandato de forma a ensejar a informatio delicti?
Interessa-nos, principalmente, o trecho, naquele pronunciamento, em que o Ministro Celso de Mello conclui:
“De outro lado, impõe-se advertir que, mesmo na esfera penal, a imunidade constitucional em questão somente incide sobre os atos inerentes à persecutio criminis in judicio. Não impede, portanto, que, por iniciativa do Ministério Público, sejam ordenadas e praticadas, na fase pré-processual do procedimento investigatório, diligências de caráter instrutório destinadas a ensejar a informatio delicti e a viabilizar, no momento constitucionalmente oportuno, o ajuizamento da ação penal.”
Nesse entendimento exposto pelo Ministro Celso de Mello, somente estão abrangidas pelo preceito inscrito no par. 4º do art. 86 da Constituição Federal as infrações penais comuns eventualmente praticadas pelo Presidente da República que não guardem – ainda que praticadas na vigência do mandato – qualquer conexão com o exercício do ofício presidencial.
Ora, os atos que poderiam ser cometidos pelo presidente eleito da Câmara dos Deputados são anteriores ao cargo. Por simetria, ele não poderia ser afastado eventualmente do cargo de presidente da República em substituição, na linha sucessória prevista pela Constituição.
Sendo assim, aqueles que ocupam a linha sucessória do presidente (presidentes da Câmara, Senado e STF), podem assumir o posto, desde que não sejam réus denunciados por delitos relacionados ao exercício daquela função. Em geral, não o são, porque jamais ocuparam o cargo, ou se o fizeram, foi por interinidade.
Mas há ainda outro ponto a discutir.
Segundo o Ministério Público, Lira enriqueceu quando era deputado estadual operando com outros parlamentares um esquema de "rachadinha" em que os salários de funcionários fantasmas na Assembleia Legislativa de Alagoas eram desviados;
Além de rachadinha, Lira e outros antigos deputados estaduais de Alagoas são acusados de ter usado recursos da Assembleia Legislativa do Estado para pagar empréstimos particulares. Com essas duas práticas, afirma o Ministério Público de Alagoas, Arthur Lira teve movimentação bancária de mais de R$ 9,5 milhões entre os anos de 2001 e 2007.
Por essas acusações, Lira e mais oito deputados ou ex-deputados estaduais foram condenados em 2016 na esfera civil por improbidade administrativa no Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ-AL), cabendo ainda recurso aos tribunais superiores. Apesar da condenação em segunda instância, que gera inelegibilidade segundo a Lei da Ficha Limpa, o mais novo presidente da Câmara conseguiu disputar a eleição de 2018 graças a uma liminar do TJ-AL.
Portanto, o atual presidente da Câmara dos Deputados incide na lei da ficha limpa.
Observo o artigo 20 da Lei nº 8.429/92, conhecida como lei de improbidade administrativa.
Ali se tem:
Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.
Na matéria, ensinou Marcelo Figueiredo (Probidade administrativa, 2ª edição, páginas 98 e 99) que o dispositivo garante que as sansões da lei somente sejam aplicadas pelo Poder Judiciário, respeitadas as garantias constitucionais e processuais. As sanções enunciadas no diploma normativo – perda da função pública e suspensão dos direitos políticos – advindas, processadas e julgadas pelo Poder Judiciário, somente se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória. Respeitam-se o devido processo legal e o contraditório em todas as instâncias.
O dispositivo alude à condenação fruto da presente ação de improbidade. Desse modo, somente tornar-se-á eficaz o provimento judicial dispositivo da sentença em relação à perda de função pública ou à supressão dos direitos políticos, apôs o trânsito em julgado da sentença.
Será ainda o caso de discussão daquela condenação em grau de recurso especial, no Superior Tribunal de Justiça e, se for o caso, em recurso extraordinário, no Supremo Tribunal Federal. Sendo assim, a suspensão dos direitos políticos e a perda do cargo público somente se darão com o trânsito em julgado da sentença na linha da garantia constitucional (artigo 5º, XLVI).
Caberá ao Supremo Tribunal Federal, se for o caso, e a seu tempo, dar a palavra final.