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O spray de Israel e a comitiva

21/03/2021 às 11:00
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Com o orçamento apertado, Itamaraty envia comitiva para Israel para a avaliação da eficácia de um spray anti-covid, composto por equipe de questionável capacidade científica.

Disse Lauro Jardim, em sua coluna, no site do O Globo, em 12 de março do corrente ano:

“O Itamaraty está com o orçamento mais do que apertado — neste mês atrasou o pagamento do auxílio-moradia dos diplomatas de diversos consulados e embaixadas. Beleza. Mas para assuntos realmente relevantes não pode mesmo faltar verba.

Por exemplo, para custear a ida da 'comitiva do spray' a Israel. 

Era uma comitiva de dez pessoas que viajou para se informar sobre o spray anti-Covid que pesquisadores israelenses desenvolvem. Dela faziam parte luminares da ciência, como os deputados Eduardo Bolsonaro e Helio Lopes, o segurança Max Moura e o publicitário, Fábio Wajngarten.

Todos se hospedaram no histórico hotel King David, em Jerusalém, e tiveram à disposição carros alugados, salas de reuniões etc.”

A visita da comitiva tabajara à Israel para ir em busca de um spray milagroso foi uma vergonha. Algo que coloca o país como um pária na comunidade internacional. Será o caso dos membros do Ministério Público Federal no DF, que atuam na tutela de patrimônio público, requisitarem os gastos para essa inútil viagem e apurarem o fato à luz dos artigos 10 e 11 da Lei de Improbidade Administrativa.

Será caso, ainda, do Tribunal de Contas da União, ouvida a procuradoria daquele órgão de controle, se pronunciar.

Trata-se de uma afronta a princípios constitucionais que regem a administração pública, a começar da moralidade, da razoabilidade, da eficiência.

Repito, na íntegra, a lição de Miguel Seabra Fagundes (O controle dos atos administrativos, 2ª edição, pág. 89 e 90), assim disposta; “A atividade administrativa, sendo condicionada pela lei à obtenção de determinados resultados, não pode a Administração Pública dele se desviar, demandando resultados diversos dos visados pelo legislador. Os atos administrativos devem procurar as consequências que a lei teve em vista quando autorizou a sua prática, sob pena de nulidade.”

Prossegue o eminente administrativista, que tantas lições deixou entre nós, alertando que se a lei previu que o ato fosse praticado visando a certa finalidade, mas a autoridade o praticou de forma diversa, há um desvio de finalidade.

Repito o que disse o ministro Celso de Mello:

“O princípio da moralidade administrativa – enquanto valor constitucional revestido de caráter ético-jurídico – condiciona a legitimidade e a validade dos atos estatais. A atividade estatal, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência, está necessariamente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos que se refletem na consagração constitucional do princípio da moralidade administrativa. Esse postulado fundamental, que rege a atuação do poder público, confere substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos sobre os quais se funda a ordem positiva do Estado.”

Ali, o ministro Celso de Mello deixou consignado que “a atividade estatal, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência, está necessariamente subordinada à observância de preceitos ético-jurídicos que se refletem na consagração constitucional do princípio da moralidade administrativa.

Como ensinado por Maria Sylvia Zanella di Pietro:

“Não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade. Isto ocorre quando o conteúdo de determinado ato contrariar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa-fé, ao trabalho, à ética das instituições. Amoralidade exige proporcionalidade entre os meios e os fins a atingir (...) ; (se) o ato em si, o seu objeto, o seu conteúdo, contraria a ética da instituição, afronta a norma de conduta aceita como legítima pela coletividade administrada. Na aferição da imoralidade administrativa, é essencial o princípio da razoabilidade” (Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1991. p. 111).

O princípio da eficiência implementou o modelo de administração pública gerencial voltada para um controle de resultados na atuação estatal. Nesse sentido, economicidade, redução de desperdícios, qualidade, rapidez, produtividade e rendimento funcional são valores encarecidos por referido princípio.

Para Maria Sylvia Zanella di Pietro (Direito Administrativo, 2002) “o princípio apresenta-se sob dois aspectos, podendo tanto ser considerado em relação à forma de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atuações e atribuições, para lograr os melhores resultados, como também em relação ao modo racional de se organizar , estruturar, disciplinar a administração pública, e também com o intuito de alcance de resultados na prestação do serviço público”.

Completando este entendimento, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2002, p. 83) afirma que uma administração eficiente pressupõe qualidade, presteza e resultados positivos, constituindo, em termos de administração pública, um dever de mostrar rendimento funcional, perfeição e rapidez dos interesses coletivos.

E ainda, disse Maria Sylvia Zanella Di Pietro que o princípio da eficiência “apresenta dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação de agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público.”

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A eficiência é um direito do cidadão, da sociedade, e um dever da administração, por ser agente público, uma vez que terá de visar a um serviço de qualidade e que satisfaz as necessidades coletivas.

Juarez Freitas (Princípio Jurídico da Moralidade e a Lei de Improbidade Administrativa), na mesma linha do ministro Gilmar Ferreira Mendes e Arnoldo Wald (Mandado de segurança e ações constitucionais), entende que a improbidade pode ser punida a título de dolo ou de culpa grave, restando impossível apenas a configuração dessa infração ético-funcional nas condutas pautadas por culpa leve e levíssima.

Direi que essa viagem afrontou a lógica da razoabilidade.

Segundo publicado pela Folha, o professor Ronni Gamzu, CEO do Centro Médico Sourasky (conhecido como Hospital Ichilov, em Tel Aviv) disse:

“Temos algumas drogas antivirais e estamos desenvolvendo outras. Mas é um processo longo, uma jornada. Temos alguns candidatos. Esta molécula inteligente é um deles, mas não é um milagre. Sugiro não pegar um remédio, agora, e fazer dele a verdadeira solução, porque a verdadeira solução é a prevenção. Temos que continuar nossa luta científica para encontrar curas, mas não esqueça: prevenção, prevenção, prevenção. Vacinação, vacinação, vacinação.”, disse ele.

É mais um triste episódio da política externa no Brasil, onde princípios constitucionais que dão o norte à Administração Pública foram contrariados.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. O spray de Israel e a comitiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6472, 21 mar. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/89101. Acesso em: 18 abr. 2024.

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