INTRODUÇÃO
A sociedade vive em função de novidades, motivações, inovações, dinamicidade nas relações, incertezas, direcionamentos, surpresas, um verdadeiro caminhar para frente, com o surgimento de novas necessidades, novos valores, ficando para a Ciência jurídica a função de disciplinar novos comportamentos, positivando aquilo que as pessoas entendem como ideal para a convivência social, protegendo em última análise os bens jurídicos mais importantes para a comunidade que somente poderão ser tutelados eficazmente por meio do Direito penal.
A nobre função de ajustar esses comportamentos em âmbito nacional é conferida ao Poder Legislativo, portanto, a União, por força do previsto no artigo 22, I, da Constituição Federal de 1988.
Nesse sentido, importa salientar que na esfera do Direito Penal, cabe ao legislador federal tipificar as condutas mais lesivas aos interesses da sociedade, prevendo comportamentos típicos e taxando penas privativas de liberdade ou de multa, artigo 32 do CP c/c artigo 5º, inciso XLVI, da CF/88.
Assim, nesse contexto surge a Lei nº 14.132, de 31 de março de 2021, que criou o novo crime de perseguição, tipificado no art. 147-A do Código Penal, comportamento conhecido por stalking, expressão inglesa traduzindo perseguição incessante, obsessiva.
Desta feita, a nova Lei brasileira do Stalking segue a tendência de inúmeros países que já tipificaram esse tipo de comportamento criminoso, como França, Itália, Alemanha, Holanda, Portugal, Reino Unido e Índia.
1. O NOVO CRIME DE PERSEGUIÇÃO NO DIREITO PENAL BRASILEIRO
Trata-se de proposta de autoria da senadora Leila Barros (PSB-DF) por meio do PL nº 1369/2019, apresentando a seguinte justificativa:
A presente iniciativa corresponde a um apelo da sociedade e a uma necessária evolução no Direito Penal brasileiro frente à alteração das relações sociais promovidas pelo aumento de casos, que antes poderiam ser enquadrados como constrangimento ilegal, mas que ganham contornos mais sérios com o advento das redes sociais e com os desdobramentos das ações de assédio/perseguições. Para tanto, tipificamos referidos crimes e adequamos a dosimetria à presente no Código Penal. Por fim, criamos a obrigatoriedade de a autoridade policial informar, com urgência, ao juiz quando da instauração de inquérito sobre perseguição, para que o magistrado defina a necessidade de determinar medidas cautelares, em caráter protetivo, nos termos do Código de Processo Penal.
O relator da matéria no Senado, Rodrigo Cunha (PSDB-AL), justificou a importância do projeto, afirmando:
"Este projeto é de extrema importância porque define, de fato, o que é o crime de perseguição, que é, justamente, aquela perseguição praticada seja pelo meio físico, seja pelo meio virtual, e que interfere na liberdade ou na privacidade da vítima. Não havia essa previsão, e vamos passar a tê-la".
Vale destacar, ainda, que o projeto é de extrema importância para tutela da integridade feminina e para o combate à perseguição sofrida por mulheres, especialmente no âmbito da violência doméstica e familiar. A repressão ao stalking praticado com violência de gênero é essencial diante da grande probabilidade de as condutas perpetradas pelo agente perseguidor tornarem-se, posteriormente, paulatina ou subitamente mais graves, evoluindo para agressões severas e, até mesmo, para o feminicídio”
Destarte, a Lei nº 14.132, de 31 de março de 2021 criou o crime de perseguição no Direito Penal, plasmado no artigo 147-A, consistente em perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. A pena para esse tipo de delito é reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
O § 1º do artigo 147-A, prevê três modalidades de causas de aumento de pena, na metade, se o crime for cometido contra criança, adolescente ou idoso, se praticado contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 Código Penal, e ainda se o delito é praticado mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.
Salienta-se que as penas para o delito em espécie são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência, e quanto a ação penal, somente se procede mediante representação.
A novíssima lei entrou em vigor em 01 de abril de 2021, na quinta-feira, revogando expressamente a conduta contravencional de perturbação da tranquilidade, artigo 65 do Decreto-Lei nº 3.688, de 1941, consistente em molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável.
2. ANÁLISE DO TIPO OBJETIVO DO CRIME DE PERSEGUIÇÃO
O novíssimo delito de perseguição ou stalking é crime comum, aquele que não demanda qualidade ou condições especiais em relação ao sujeito ativo, podendo ser praticado por qualquer pessoa. A conduta típica traduz pelo verbo uninuclear de perseguir, que pode significar importunar, incomodar, acossar, seguir, procurar, atormentar, afadigar, além de outros comportamentos análogos.
O sujeito passivo pode ser qualquer pessoa, e em se tratando de vítima, criança, adolescente, pessoa idosa, ou praticado contra mulher por razões da condição de sexo feminino, tem-se uma causa de aumento de pena, uma majorante, incidente na terceira etapa do sistema trifásico adotado na aplicação da pena, art. 59 usque 68 do CP.
A perseguição única não configura o delito em apreço, porque para o comportamento típico a lei exige conduta reiterada, ou seja, insistente, obsessiva. Desta feita, se houver apenas uma perseguição, a conduta pode configurar outro comportamento criminoso, como ameaça ou constrangimento ilegal, a depender das circunstâncias do fato concreto.
Trata-se de crime instantâneo, que se configura com a perseguição reiterada por qualquer meio, ameaçando a integridade física ou psicológica da vítima, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.
Portanto, trata-se o novo delito de uma espécie de ameaça especial, presente a reiteração do comportamento do agressor. O delito é de forma livre, podendo ser praticado por perseguição física do autor em relação à vítima, por meio de remessa de correspondências, telefonemas insistentes e incessantes, a todo momento, toda hora, perturbando a vítima em casa, no trabalho, no clube, em festas, boates, e noutros locais. Se praticado por meio de redes sociais, configura aquilo que se convencionou a chamar-se de cyberstalking.
Trata-se de crime de menor potencial ofensivo, aquele delito cuja pena máxima em abstrato não seja superior a 02 anos, disciplinado pelo artigo 61 da Lei nº 9.099, de 1995, considerando assim, todas as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.
A consumação do novo delito se traduz no comportamento do autor que persegue a vítima de forma reiterada, ameaçando a sua integridade física ou psicológica, restringindo, destarte, o seu direito fundamental de livre locomoção.
No tocante a objetividade jurídica, trata-se de crime pluriofensivo, considerando o autor que passar a ofender a tranquilidade, a paz de espírito, o livre direito de locomoção da pessoa ofendida.
Trata-se de crime unissubjetivo, aquele que pode ser praticado por única pessoa, e plurissubsistente, aquele delito que pode ser perpetrado por diversos atos, sejam físicos ou virtuais.
Analisando o elemento subjetivo do tipo, percebe-se tratar-se de crime doloso, não havendo previsão para a forma culposa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando se cria um novo tipo penal, a partir de então entram em cena os analistas e doutrinadores, com a missão de interpretar a norma penal. Certamente, não será diferente com o novíssimo crime de perseguição. Na corrida pelo ineditismo, surgirão diversos posicionamentos acerca do novel modelo de conduta criminosa.
A diferença reside no fato de quem comentou primeiro o novo texto legal, que seguramente corre sério risco de errar primeiro e receber as primeiras críticas. Concretamente, a primeira indagação que se fará é no sentido de que se o novo crime é necessário ou não para preencher vazios normativos ou se é comportamento cabotino da autora da proposta.
Assim, indaga-se. A tipificação do novo crime foi necessária, útil, ou será mais uma norma esquizofrênica ou meramente simbólica?
E sem embargos de tempo, já disparo logo que antes desse novo modelo de comportamento criminoso, a perseguição obsessiva era tratada no âmbito do artigo 146 do Código penal, que define o crime de constrangimento legal, exatamente no capítulo VI, dos crimes contra a liberdade individual, na seção dos crimes contra a liberdade pessoal, do CP, que previu a conduta e constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda.
É certo que o novo modelo de delito não prevê a grave ameaça para a sua configuração, mas o autor que persegue de forma obsessiva e insistente ele acaba provocando na vítima um sentimento de pessoa ameaça por grave violência em razão das promessas de mal injusto levadas a efeito pelo inconsequente criminoso.
Analisando a nova Lei, o professor Rogério Greco chama a atenção para a tomada de cuidados para a aplicação da norma:
Embora a criminalização da perseguição seja necessária, temos que tomar o máximo cuidado para que não sejam confundidos comportamentos perfeitamente lícitos e aceitos em nossa sociedade. Uma insistência amorosa, por exemplo, mesmo que indesejada, não pode se configurar, automaticamente, em crime. Por isso, somente a hipótese concreta nos trará elementos para que possamos fazer essa distinção, tênue por sinal, entre um comportamento natural do ser humano, em não aceitar, imediatamente, uma negativa ao seu pedido, de uma conduta considerada perseguidora, criminosa, que pode causar na vítima danos à sua integridade física ou psicológica.[1]
O mesmo autor ainda prossegue:
Exige a lei, para efeitos de configuração dessa perseguição, que ela ocorra de forma reiterada, ou seja, constante, habitual. Isso quer dizer que uma única abordagem, mesmo que inconveniente, não se configurará no delito em estudo. Assim, imagine-se a hipótese daquele que, durante uma festa, tenta, a todo custo, ficar amorosamente com uma mulher que ali se encontrava junto com outros amigos. Ela repele a abordagem, pois não se sentiu atraída pelo sujeito. Contudo, o agente volta a insistir várias vezes durante a mesma noite, sendo rejeitado em todas elas. Essa situação é extremamente desconfortável para aquela mulher. No entanto, não poderíamos falar, aqui, em crime de perseguição.[2]
Na prática, o que se percebe nos dias hodiernos com grande frequência na sociedade, são as nefastas consequências do final de relacionamentos amorosos, onde um dos envolvidos na relação, inconformado com o amor que se foi, esvaiu nas tempestades emotivas, às vezes porque não soube valorizar e cultivar quando o tinha, passa a perseguir a vítima com intensa obsessão, incomodando, perturbando, ligando a todo o instante, procurando a vítima em seu lugar de trabalho, fazendo plantão na porta da casa da pessoa ofendida, enchendo a memória do celular da vítima de mensagens inoportunas, ameaçando divulgar fotos e imagens íntimas, propagando falsas notícias na Internet, enchendo a paciência da pessoa ofendida, sendo mais comum e tradicionalmente, infelizmente, a ocorrência com a mulher vítima, podendo desencadear agressões mais graves e desastrosas o que reforça a ideia de mais uma legislação relevante para a efetivação da proteção dos direitos das mulheres.
Esse tipo de conduta criminosa passou a ser estudada com maior relevo a partir da década de 80, na Califórnia, nos Estados Unidos, quando atores e atrizes de hollywood eram perseguidos por fãs obcecados, tresloucados, ocasionando consequências deletérias para ídolos e estrelas de cinemas. No Brasil, existem inúmeros registros dessa odiosa modalidade criminosa, tendo ficado mais conhecido em razão da repercussão o caso concreto e lamentável envolvendo a atriz Ana Lúcia Hickmann que foi “stalkeada” por um autor nas redes sociais o que culminou com o registro de um evento gravíssimo em Belo Horizonte/MG em 2016.
Portanto o novo crime de perseguição previsto no artigo 147-A do Código Penal, redação determinada pela Lei nº 14.132, de 31 de março de 2021 é chamado de STALKING, uma forma de perseguição insistente e obsessiva, ato definido agora por lei consistente em perseguir alguém reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando a integridade física ou psicológica da vítima ou invadindo sua liberdade ou privacidade, podendo ser considerada conduta antecedente de outras ações e ataques graves.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Lei nº 14.132, de 31 de março de 2021. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14132.htm. Acesso em 01 de abril de 2021.
GRECO, Rogério. Novo Crime de perseguição. Artigo 147-A do Código Penal. Disponível em https://www.rogeriogreco.com.br/post/nova-lei-de-persegui%C3%A7%C3%A3o. Acesso em 01 de abril de 2021, às 23h26min.
[1] GRECO, Rogério. Novo Crime de perseguição. Artigo 147-A do Código Penal. Disponível em https://www.rogeriogreco.com.br/post/nova-lei-de-persegui%C3%A7%C3%A3o. Acesso em 01 de abril de 2021, às 23h26min.
[2] GRECO( 2021)