Os números brasileiros de homicídios não fazem a devida separação de mortes decorrentes da criminalidade comum e aquelas provocadas pela criminalidade organizada. São criminalidades de origens distintas. Não se pode igualar o homicídio decorrente de briga interpessoal entre conhecidos, com o bandido que mata por um domínio de espaço para a venda de droga. A semelhança entre os dois eventos é o resultado morte.
Embora enfatizemos a criminalidade organizada, dados do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) indicam que a criminalidade comum é responsável por cerca de 80% dos homicídios.
Enquanto a criminalidade organizada trabalha à base da lógica do negócio e do ganho, a criminalidade comum decorre da tendência a práticas cotidianas arriscadas, incluindo o crime. Quanto mais as pessoas se percebem em ambientes de perdas, isto é, onde as suas opções de vida não são soluções para o atendimento das suas necessidades humanas, maior é a possibilidade de assumirem comportamentos de risco.
Ao não se fazer a necessária distinção entre um e outro tipo de criminalidade, torna-se praticamente impossível elaborar políticas sérias de prevenção. A começar pela atuação policial.
Muitos cobram da polícia brasileira a mesma eficiência de polícias estrangeiras na redução da criminalidade, o que é uma ilusão. Não por culpa da polícia – apesar das suas falhas -, mas em razão da elevada desigualdade percebida pelas pessoas, responsável pela criminalidade comum, não cabendo à polícia resolvê-la.
A confusão entre criminalidade organizada e criminalidade comum, ou a falta de um tratamento diferenciado entre uma e outra, também explica o porquê de a polícia brasileira matar e morrer tanto. Basicamente são dois os motivos. O primeiro, porque a polícia quer reduzir a criminalidade comum, mas não cabe a ela fazer isso. O despreparo policial, neste aspecto, fica até em segundo plano.
O segundo motivo de tanta mortalidade policial está no fato de a polícia exercer o seu papel de redutor da criminalidade organizada sem os recursos adequados de inteligência, tendo então de investir no confronto.
Para além do fato de nos preocuparmos mais com os efeitos da criminalidade do que atacarmos as suas causas, uma das explicações para não encararmos a criminalidade comum como resultante da percepção de desigualdade estaria em termos de assumir uma falsa culpa: o criminoso como vítima da sociedade. Ainda que a elevação da criminalidade comum tenha a ver com o aumento da percepção de desigualdade, as nossas atitudes são e sempre serão resultado das nossas escolhas. Tendência à prática de atos arriscados não significa ter necessariamente de praticá-los.
Não se está mais a falar de associação entre o dado socioeconômico e a criminalidade. Estudos sérios já demonstraram que nem sempre há uma relação forte entre uma coisa e outra. O que realmente interessa é a percepção de desigualdade. Já foi provado que entre o real e o percebido há uma longa distância. É por meio da percepção que fazemos nossas escolhas e agimos, tendo a Psicologia aqui o papel inovador.
Nessa perspectiva, talvez um dia trabalhemos mais com a percepção das pessoas evitando que pratiquem crimes, ao invés de contabilizarmos mortes.