A Lei 14.112/2020 trouxe profundas e significativas mudanças nos processos de insolvência empresarial. Um deles – e que está gerando muita preocupação, tanto para devedores quanto para credores – está nos poderes conferidos ao Fisco, credor não listado no rol do artigo 41.
De acordo com o artigo 73, incisos V e VI, o Fisco passa a ter maior participação e poder nos processos, na medida em que poderá requerer a falência da Recuperanda que descumprir o parcelamento fiscal ou o acordo celebrado por meio de transação, objetivando evitar a inadimplência tributária, bem como ao ser constatado o esvaziamento patrimonial do devedor.
Neste último aspecto, a Lei não delineou parâmetros e critérios objetivos para se declarar o montante de dívidas frente ao patrimônio e faturamento hábil a ser considerado insolvente.
Ademais, o Código Tributário Nacional possui instrumentos de cobrança eficazes para a cobrança de créditos de natureza fiscal, seja na fase pré-executiva, com a medida cautelar de arrolamento de bens, seja quando o débito está inscrito em dívida ativa - artigo 185-A – através da constrição de bens e da desconsideração da personalidade jurídica da empresa.
Há de se ressaltar, inclusive, que a norma do artigo 187, do Código Tributário Nacional, prevê que a cobrança do crédito tributário não se sujeita ao concurso de credores ou habilitação no processo falimentar ou na recuperação judicial.
Destaca-se, também, que o juízo não impedirá a constrição de bens essenciais para o funcionamento da empresa em recuperação, como vinha sendo feito. Apenas determinará a substituição do bem constrito.
Outra novidade está no aumento do prazo de parcelamento dos débitos com a União, de sete para dez anos. Com essa alteração, as Recuperandas podem escolher entre usar o prejuízo fiscal para cobrir até 30% da dívida, parcelar o restante em 84 meses (5 anos), ou pagar os seus débitos em até 120 vezes (10 anos).
Essas regras não se aplicam aos tributos do art. 14 da Lei 10.522/2002, que podem ser pagos em até 24 vezes.
Importante ressaltar que o prazo do parcelamento ainda é menor do que qualquer REFIS/PERT, que disponibilizam até 15 anos.
A tributação do haircut - isenção do IRPJ e CSLL e de tributos sobre o lucro da venda de bens – resulta em perda para os credores e para a Recuperanda, posto estar-se diante de uma receita que não é riqueza disponível, na medida em que é utilizada na manutenção da atividade empresarial, nos estritos limites fixados pelo Plano de Recuperação Judicial.
Diante desse cenário, vê-se que o Fisco – Federal, Estadual ou Municipal – tem clara vantagem no recebimento do seu crédito em detrimento ao rol de credores estipulado no artigo 41, da Lei de Falências.
Isso porque a falência não é interessante para o Fisco, na medida em que aparece como terceiro colocado na ordem de recebimento prevista no artigo 83: (i) crédito oriundo da legislação trabalhista até o limite de 150 salários-mínimos e os decorrentes de acidentes de trabalho; (ii) créditos gravados com direito real de garantia; (iii) créditos tributários, exceto multas e extraconcursais; (iv) crédito quirografário; (v) multas contratuais, penas pecuniárias e multas tributárias; (vi) crédito subordinados; (vii) juros vencidos após a decretação da falência.
Como se sabe, ao analisar o espelho de uma CDA, o maior volume de crédito não é o valor principal da dívida, mas sim, multa e juros.
Logo, se a fazenda Pública pode receber antes numa Recuperação Judicial, por que aguardará uma Falência para receber parte de seu crédito em terceiro ou quinto lugar?
Essas circunstâncias podem levar os empresários em crise a iniciarem procedimentos de Mediação, um dos meios de solução de conflitos previstos na nova Seção II-A trazida pelo Lei 14.112/2020.
As hipóteses de admissibilidade das sessões de Mediação são variadas e servem muito bem ao propósito de aproximar o devedor e seus credores para negociarem o débito em um ambiente neutro, com a participação de um profissional que irá auxiliá-los na tomada de decisões, sem os custos e desgastes de um processo judicial.
Mas, para isso, é relevante e de suma importância que o devedor demonstre ter condição econômico-financeira viável e que sua atividade esteja regular.
Uma outra rota para os agentes econômicos está na Recuperação Extrajudicial, instrumento legal pouco utilizado desde 2005.
A Recuperação Extrajudicial, prevista no artigo 161, da Lei 11.101/2005, tem como objetivo oportunizar ao devedor em dificuldades financeiras, mas com capacidade de soerguimento, realizar negociações pontuais com determinadas espécies de credores, visando à nova modalidade de pagamento, normalmente via dilação do prazo e condições correlatas, de modo transparente e seguro aos credores escolhidos.
Como boa novidade, os créditos tributários estão excluídos do rol taxativo estabelecido pela Lei.
Dessa forma, o agente econômico poderá negociar seus débitos fiscais, bem como atuar junto aos seus credores de espécie mais relevante, à manutenção do seu negócio via Recuperação Extrajudicial, sem a preocupação iminente de ver sua falência decretada, posto ter condições de soerguimento.
A demora em tomar as providências legais cabíveis desde a constatação do atraso no recolhimento do imposto, da inscrição em dívida ativa e da promoção da execução fiscal, faz com que o Fisco venha voraz para as empresas em recuperação judicial, forçando o recebimento de seu crédito.
Esse apetite voraz nos faz lembrar o clássico de Machado de Assis, O Alienista, onde o médico Simão Bacamarte coloca todos os cidadãos em seu hospital, a Casa Verde, e a cidade fica deserta, vazia.
Todas essas alternativas legais devem ser ponderadas e consideradas por meio de análise técnica profunda de profissionais da reestrutura com a participação de equipe multidisciplinar visando a manutenção no mercado daqueles que tenham efetivas condições de manterem a economia girar com empregos e recolhimento de tributos.