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Sucessão do cônjuge ou companheiro(a)

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Estuda-se a sucessão nos diversos regimes de bens adotados no Brasil, com interpretação detalhada das normas ligadas ao tema, o direito real de habitação e outras questões referentes à sucessão do cônjuge e do(a) companheiro(a).

1. Introdução

O presente trabalho desenvolve-se a partir dos desafios, intrinsecamente ligados à questão das dúvidas quanto à sucessão, no direito brasileiro, referentes ao cônjuge e ao companheiro ou companheira. É importante enfatizar que o cônjuge, o companheiro ou companheira, aqui contemplados, são tratados sem distinção de orientação sexual.

De início, convém ressaltar que nos vemos confrontados por um assunto muitíssimo polêmico e discutido por meio de um conjunto de princípios e jurisprudência brasileira, formando uma diversidade ampla de correntes doutrinárias e jurisprudenciais. Tal quadro, nos traz, neste trabalho, a oportunidade de esclarecer as principais dúvidas existentes no que atine ao instituto (sucessão), referente ao cônjuge e companheiro ou companheira, nas suas diversas hipóteses. É de conhecimento geral que a interpretação das novas regras de sucessão, notadamente o art. 1.829, I, do CC/02, tem gerado intensa controvérsia e que, por ser um dos objetos específicos deste trabalho, será, aqui, detalhadamente debatido.

No desenvolvimento deste texto, serão versados os seguinte assuntos (todos relacionados à sucessão do cônjuge/companheiro ou companheira): a sucessão nos diversos regimes de bens existentes no Brasil; a interpretação detalhada das normas inerentes ao tema; o direito real de habitação; a reserva da quarta parte; o(a) companheiro(a) como herdeiro(a) necessário(a); a insujeição à deserdação pelo autor da herança; a exclusão da herança por ato de indignidade; a cota hereditária do cônjuge ou companheiro(a) sobrevivente, em concurso com outros herdeiros; a declaração pelo STF da inconstitucionalidade das normas que tratavam da sucessão do companheiro(a); e a tabela de regimes de bens e sucessão.


2. CONCEITO

A sucessão em sentido amplo é o ato por meio do qual uma pessoa assume o lugar de outra pessoa, substituindo-a na titularidade de determinados bens e encargos. Poderá ocorrer tanto inter vivos (entre pessoas vivas) como causa mortis (em decorrência da morte de alguém). Neste trabalho, cuidaremos somente da sucessão causa mortis, cujo alcance se limita às pessoas naturais, não abrangendo, portanto, as pessoas jurídicas.

No direito das sucessões, a sucessão em seu sentido estrito ocorre sempre em razão da morte de alguém (sucessão causa mortis). Também chamada de sucessão hereditária, consiste na transferência da herança, ocasionada pela morte de alguém, a um ou a diversos herdeiros. O termo sucessão de forma genérica significa o ato jurídico pelo qual uma pessoa substitui outra em seus direitos e obrigações. Não se pode confundir sucessão com herança. A primeira é o ato de alguém substituir outrem nos direitos e obrigações, em função da sua morte, ao passo que herança é o conjunto de direitos e obrigações que se transmitem, também em virtude de morte, a um herdeiro ou a diversos herdeiros, que sobreviveram à pessoa falecida.

De tal sorte, o conceito de sucessão causa mortis é consistente na transmissão do conjunto de direitos e obrigações de alguém que falece para outro alguém que ainda permanece vivo. Nesse sentido, o professor Francisco José Cahali, ao tratar do tema, assevera o seguinte:

Emprega-se o vocábulo sucessão em sentido estrito para identificar a transmissão do patrimônio apenas em razão da morte, como fato natural, de seu titular, tornando-se o sucessor sujeito de todas as relações jurídicas que àquele pertenciam

(CAHALI, Francisco José. Direito das Sucessões. 5. ed. São Paulo; Revista dos Tribunais. 2007).

A classificação principal da sucessão hereditária é a divisão em sucessão legítima e sucessão testamentária. A primeira (sucessão legítima) é proveniente de norma legal cujo dispositivo principal é o art. 1.829 do Código Civil. A testamentária é um tipo de sucessão que se realiza por meio de um testamento (manifestação de última vontade) lavrado pelo testador, dispondo dos seus bens e designando seus herdeiros e/ou legatários. Os efeitos do testamento somente serão produzidos após a morte do testador, e seus favorecidos são chamados de legatários ou herdeiros testamentários, aos quais o testador poderá destinar até metade de seu patrimônio, respeitando a legitima dos herdeiros necessários (se houver).


3. ANÁLISE DO ART. 1.8129 DO CC/2002

A interpretação do art. 1.829, I, do Código Civil brasileiro, comporta vários entendimentos, com julgados diversificados por todo o País, no entanto, o posicionamento consolidado pelo STJ e STF (REsp n. 1617501-RS, REsp n. 1368123-SP e RE n. 878694-MG) esclarece muitas dúvidas que existiam referentes ao tema, entre as quais, referenda que à sucessão do companheiro ou da companheira aplica-se o disposto no referido dispositivo.

De início, a ordem de vocação hereditária é identificada por classes (art. 1.829 do CC/2002), na qual uma classe de herdeiros exclui a outra. As classes são quatro, na forma do art. 1.829 do Código Civil brasileiro, conforme seus incisos, senão vejamos:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.

Conforme as disposições da norma acima indicada (art. 1.829 do Código Civil brasileiro), a sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.

Vale a pena aqui esclarecer que a referência ao art. 1640, parágrafo único constante do inciso I do art. 1.829 está incorreta. A menção correta seria a do art. 1.641, que descreve as hipóteses às quais a lei impõe a adoção do regime da separação de bens. O projeto n. 6.960 tenta corrigir a distorção, motivada pelo açodamento de última hora na aprovação do Código.

Dispõe o inciso I do art. 1.829 do CC/2002 –

A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares.

3.1. Regime da comunhão universal de bens

Conforme a regra acima, no regime de comunhão universal de bens, o cônjuge sobrevivente não participa da sucessão do de cujus, tendo direito somente à sua meação do patrimônio, que é 100% (cem por cento) comum. Isso porque a esposa e marido casados pela comunhão universal de bens são meeiros, ou seja, têm os bens em condomínio, sendo cada um proprietário da fração ideal de 50% (art. 1.667 e 1.668 do CC/2002).

Assim, falecido o cônjuge cujo regime de bens era o da comunhão universal, ao cônjuge sobrevivente tocará a metade dos bens (não por herança, mas por meação), e a outra metade dos bens será dividida por sucessão aos herdeiros, respeitada a ordem de vocação. Ou seja, o patrimônio (que é cem por cento comum) será divido em duas meações, uma meação ficará com o cônjuge sobrevivente, a outra será dividida entre os sucessores do de cujus, a título de herança.

3.2. Regime da separação de bens

O regime da separação de bens, albergado nos art. 1.687 e 1.688 do CC/2002, foi dividido pela doutrina e jurisprudência em duas modalidades: o regime de separação convencional de bens, sendo caracterizado pela simples convenção dos nubentes ao acordarem pelo regime, fazendo-o com a escritura de pacto antenupcial, e o regime de separação legal de bens, imposto pela lei, o qual está disposto no artigo 1.641, I a III do Código Civil de 2002. Alguns autores consideram que as duas hipóteses acima possuem formas de sucessão diversas, no sentido de que o regime da separação legal de bens não aufere herança ao cônjuge sobrevivente, mas sendo adotado o regime da separação convencional, o viúvo ou a viúva sucederá o de cujus em concorrência com os descendentes. Obviamente essa concorrência será sobre os bens particulares da pessoa falecida, pois, nesse tipo de regime, não há bens comuns.

Assim sendo, conforme a corrente que adota a linhagem acima (minoritária), o cônjuge sobrevivente não concorre com os descendentes do sucedido, caso a lei haja imposto o regime da separação legal de bens, entretanto, se tiverem os nubentes escolhido o regime da separação convencional de bens, a viúva (ou o viúvo) sucederá em concorrência com os descendentes do autor da herança. Entre outros, posicionam-se nesse sentido, Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto[1] e Ney de Mello Almada[2].

Todavia, o posicionamento majoritário, inclusive referendado pelo STJ, advoga que o regime da separação obrigatória de bens (art. 1.829, I) enlaça as duas hipóteses, tanto o regime da separação convencional de bens (art. 1.687 e 1.688 do CC) quanto o regime da separação legal de bens, de modo que, em ambos os casos, o cônjuge sobrevivente não participa da sucessão do de cujus.

Para a corrente descrita no parágrafo anterior, a separação obrigatória a que se refere o art. 1.829, I, do CC/2002, é gênero do qual a separação convencional e a separação legal são espécies. Assim sendo, depreende-se que, nem na separação legal nem na separação convencional, o cônjuge será herdeiro, conforme entendimento do STJ, no julgamento do REsp n. 992.749/MS (trecho da ementa in verbis):

O regime de separação obrigatória de bens, previsto no art. 1.829, inc. I, do CC/02, é gênero que congrega duas espécies: (i) separação legal; (ii) separação convencional. Uma decorre da lei e a outra da vontade das partes, e ambas obrigam os cônjuges, uma vez estipulado o regime de separação de bens, à sua observância.

Não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens, direito à meação, tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens estipulado, que obriga as partes na vida e na morte. Nos dois casos, portanto, o cônjuge sobrevivente não é herdeiro necessário

(STJ – REsp 992.749/MS. Relatora: MINISTRA NANCY ANDRIGHI. Data de julgamento: 01/12/2009, TERCEIRA TURMA).

A esse entendimento, grande parte da doutrina adere, a exemplo do saudoso professor Miguel Reale que, ao discutir o tema ora em análise, expressou sua dialética, da seguinte forma:

Duas são as hipóteses de separação obrigatória: uma delas é a prevista no parágrafo único do art. 1.641, abrangendo vários casos; a outra resulta da estipulação feita pelos nubentes, antes do casamento, optando pela separação de bens. A obrigatoriedade da separação de bens é uma consequência necessária do pacto concluído pelos nubentes, não sendo a expressão “separação obrigatória” aplicável somente nos casos relacionados no parágrafo único do art. 1.641

(REALE. MIGUEL Estudos Preliminares do Código Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 61-64).

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O posicionamento esposado por este trabalho se coaduna com o entendimento referendado pelo STJ. Isso porque o regime da separação de bens foi desmembrado pela doutrina e jurisprudência em regime convencional de bens e regime legal de bens, no entanto, as duas modalidades obrigam a separação de bens, de modo que ambas as hipóteses são de separação obrigatória de bens.

Não faria sentido algum o casal assinar um contrato de separação de bens e, ao depois, com o falecimento de um dos cônjuges, o contrato se transformasse em comunhão universal. Fosse assim, o pacto antenupcial, assinado por escritura pública pelos nubentes, se desfaria totalmente, após a morte de um dos cônjuges.

Conforme o Código Civil de 2002, no SUBTÍTULO I (Do Regime de Bens entre os Cônjuges), são quatro os regimes de bens no direito brasileiro: Regime de Comunhão Parcial, Regime de Comunhão Universal, Regime de Participação Final nos Aquestos e Regime de Separação de Bens. Entretanto, nas disposições gerais do REGIME DE BENS ENTRE OS CÔNJUGES, o art. 1.641 do Código Civil torna obrigatória a adoção do regime de separação de bens, nos seguintes casos:

I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;

II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;

III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.

Pela própria redação do art. 1641, depreende-se que o dispositivo não instituiu um novo regime de bens, mas tão somente tornou obrigatória a adoção do regime da separação de bens, em algumas hipóteses. Os preceitos do referido artigo, ao dispor que, em algumas situações, o regime da separação de bens é obrigatório, não deseja afirmar que, em caso de regime de separação de bens, instituído por pacto antenupcial, se desfaria no momento do perecimento de um dos cônjuges.

De tal sorte, consolida-se o entendimento de que, na separação de bens, tanto no regime convencional quanto no regime legal, o cônjuge sobrevivente não será participante da sucessão. Isso porque os nubentes quando se casam optando pela separação de bens, devem imaginar exatamente que esta será obrigatória, quer dizer, seus bens estarão separados durante o casamento e por ocasião da partilha, bem assim, no momento do óbito.

3.3. Regime da comunhão parcial de bens

O art. 1.829 do Código Civil de 2002 sempre foi um dispositivo de difícil interpretação, principalmente a parte final do inciso I, que trata da concorrência sucessória do cônjuge sobrevivente, na hipótese de o casal haver adotado como regime de bens o da comunhão parcial. Em razão da difícil interpretação do referido dispositivo, formou-se três correntes doutrinárias com entendimentos diametralmente opostos, conforme se segue.

A primeira corrente doutrinária (que é majoritária), da qual participam os autores Francisco José Cahali, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka e Maria Helena Diniz, sustenta que a sucessão do cônjuge sobrevivente cujo regime de bens é o da comunhão parcial, ocorrerá em concurso com os descendentes do autor da herança somente se este houver deixado bens particulares. Ou seja, o entendimento doutrinário condiciona o concurso sucessório do cônjuge sobrevivente à existência de bens particulares deixados pelo sucedido.

Assim sendo, caso a pessoa falecida não tenha deixado bens individuais, o cônjuge-viúvo não receberá nada, a título de herança, participando apenas da meação sobre os bens comuns do casal. De outra sorte, se o autor da herança deixou bens particulares, o sobrevivente herdará (em concorrência com os descendentes) proporcionalmente, nos moldes dos art. 1.830, 1.832 e 1.837 do CC/2002, não somente os bens individuais, mas também a meação do de cujus.

O segundo posicionamento doutrinário (capitaneado por Maria Berenice Dias), conhecido como interpretação invertida, apregoa que a concorrência sucessória do cônjuge sobrevivente cujo regime de bens seja o da comunhão parcial, só ocorrerá se o finado não houver deixado bens particulares, portanto, literalmente o inverso do entendimento da primeira e da terceira corrente. Na hipótese, por razões óbvias, a concorrência do sobrevivo se dará sobre os bens adquiridos na constância do casamento, eis que, havendo bens individuais, não haverá concurso do cônjuge supérstite.

Colocando em prática, sendo o casamento pela comunhão parcial, e o falecido tenha deixado bens particulares (sempre considerando a existência de descendentes), ao viúvo será deferido o direito à metade dos bens comuns, a título de meação (e não de herança), tocando a meação do morto e seus bens individuais aos descendentes, a título de herança. Nessa mesma hipótese, mas não tendo o defunto deixado bens particulares, além da meação, haverá direito do cônjuge sobrevivente à herança (em concurso com os descendentes) da meação do de cujus.

A terceira interpretação, na qual este trabalho se apoia, defende que o cônjuge supérstite (sempre considerando que o regime de bens é o da comunhão parcial) somente concorrerá com os descendentes do autor da herança se este houver deixado bens particulares. Assim sendo, num caso concreto, o viúvo (ou a viúva) terá direito à meação (e não herança) dos bens adquiridos durante a união, entretanto, quanto à herança, somente terá direito, em concorrência com os descendentes, sobre os bens particulares, caso o de cujus houver deixado.

O entendimento no qual o sobrevivo não goza de direito à sucessão dos bens adquiridos durante o casamento, se ampara na vantagem de o viúvo ou a viúva já haver recebido a meação sobre tais bens, de forma que a herança incidirá apenas sobre os bens particulares do autor da herança (se houver), nos termos do art. 1.829, I, CC/2002 c/c o RE n. 878.694 MG, in verbis.

No casamento, a base de cálculo é toda a herança, independente do tempo em que ocorreu a aquisição – exceto na comunhão parcial de bens, em que, na parte em que houver meação, não haverá sucessão, a qual incide apenas sobre os bens particulares

(STF – RE n. 878.694 MG. Relator: MINISTRO ROBERTO BARROSO. Data de julgamento: 10/05/2017, PLENÁRIO).

De tal modo, já é pacificada a interpretação do art. 1.829, I, do CC/02, referente à parte que trata da comunhão parcial de bens, considerando a hipótese em que o falecido tenha deixado bens particulares, e a hipótese em que ele não tenha deixado bens particulares (sempre considerando a existência de descendentes). Se o cônjuge pré-morto não tiver deixado bens particulares, o sobrevivente não recebe nada, a título de herança. Contudo, se o sucedido tiver deixado bens particulares, o cônjuge herda nas proporções fixadas pela Lei (art. 1.830, 1.832 e 1.837), apenas sobre os bens particulares, eis que dos bens comuns já recebeu a meação.

3.4. Regime da participação final nos aquestos

É oportuno observar que o dispositivo ora em análise (art. 1.829, I, do CC/2002) menciona três dos quatro regimes de bens existentes no Brasil, deixando de se referir ao regime de participação final nos aquestos. Refere-se aos regimes de comunhão universal, separação de bens e comunhão parcial como exceções ao direito de sucessão do cônjuge sobrevivente. Grosso modo, seria o mesmo que dizer: O cônjuge sobrevivente terá direito a herança em concorrência com os descendentes, exceto se o regime de bens do casal for o da comunhão universal, o da separação de bens ou o da comunhão parcial.

Numa interpretação literal do art. em discussão (1.829, I), que não possui redação muito inteligível, somente o regime de participação final nos aquestos daria ao cônjuge sobrevivente direito à sucessão, uma vez que não citou esse regime em suas disposições. Como a lei se refere aos regimes de comunhão universal, separação de bens e comunhão parcial como exceções ao direito de sucessão do cônjuge sobrevivente, logo, o regime de participação final nos aquestos é a regra, de modo que o casal que optar por este regime, em um eventual falecimento de um dos conviventes, o outro sucederá em concorrência com os descendentes. Vale esclarecer que, adotado esse regime de bens pelo casal, a sucessão do cônjuge sobrevivente se dará apenas sobre os bens particulares do de cujus, se este houver deixado, conforme análise mais adiante.

A participação final nos aquestos é o regime de bens em que cada cônjuge possui um patrimônio próprio, cuja administração é exclusiva de seu proprietário. Os bens são de propriedade do cônjuge em nome do qual estão registrados. Os bens em nome dos dois pertencem a cada um proporcionalmente à sua contribuição para a compra. É de natureza mista esse regime, eis que, na vigência do casamento, identifica-se com o da separação de bens, e na dissolução da sociedade conjugal, com o da comunhão parcial.

Desfeita a sociedade conjugal, os ex-cônjuges têm direito à metade dos bens adquiridos com a renda do trabalho do casal, excluídos os patrimônios particulares e os comprados com recursos da sua venda, assim como os bens recebidos por doação ou herança.

Nesse regime, a venda de bens particulares móveis por um dos cônjuges, não necessitará da assinatura do outro, entretanto, se o bem for imóvel, a outorga uxória (em regra) será obrigatória. Diz-se em regra porque, caso os nubentes optem por retirar essa obrigação, poderão fazê-lo no pacto antenupcial (art. 1.656, CC/2002). Observe-se que esta exceção somente poderá ocorrer quando se tratar de bens particulares. Havendo cláusula expressa no pacto antenupcial que bens comuns poderão ser onerados sem outorga, essa cláusula será considerada nula, nos termos do art. 1.655 do Código Civil.

Conforme a doutrina majoritária e jurisprudência pátria, inclusive já referendado em Enunciado (270 do CJF), no regime da participação nos aquestos, o cônjuge viúvo somente concorrerá com os descendentes do de cujus, sobre os bens particulares deste, uma vez que, sobre os bens comuns, aquele já foi beneficiado com a meação, conforme REsp n. 1.368.123 – SP e Enunciado 270 do CJF, aprovado na III Jornada de Direito Civil, in verbis:

O art. 1.829, inc. I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação convencional de bens ou, se casados nos regimes da comunhão parcial ou participação final nos aquestos, o falecido possuísse bens particulares, hipóteses em que a concorrência se restringe a tais bens, devendo os bens comuns (meação) ser partilhados exclusivamente entre os descendentes.

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Sobre o autor
João Lopes de Assunção Neto

Advogado com especialização em direito do trabalho e direito e processo previdenciário. Atuante também em direito civil, tributário, imobiliário, família e ambiental.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ASSUNÇÃO NETO, João Lopes. Sucessão do cônjuge ou companheiro(a). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6626, 22 ago. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/92450. Acesso em: 19 abr. 2024.

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