Artigo Destaque dos editores

Sucessão do cônjuge ou companheiro(a)

Exibindo página 2 de 3
Leia nesta página:

4. DAS VANTAGENS AUFERIDAS AO CONJUGE SOBREVIVENTE

Com a edição do CC/2002, relativo ao direito de sucessão, o cônjuge sobrevivente foi bastante enaltecido, passando a fazer jus ao direito real de habitação (art. 1.831), à reserva da quarta parte da herança (art. 1.832), e assumiu o status de herdeiro necessário (art. 1.845), além de não estar sujeito à deserdação pelo autor da herança (art. 1.961), direitos esses não alcançados pelo cônjuge, nas normas do Código Civil anterior.

Pelas disposições insculpidas nos art. 1.845, 1.961 e 1.964 do CC/2002, pode-se observar que os herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge) poderão ser deserdados, em disposição testamentária, pelo autor da herança. No entanto, as causas que possibilitam a deserdação do cônjuge não foram previstas pelo legislador, tendo este expressado legalmente as hipóteses de deserdação somente dos descendentes e ascendentes (art. 1.962 e 1.963 do CC/2002). Dessa sorte, a exclusão do cônjuge da sucessão (por meio de deserdação) restou inviável por falta de previsão legal das causas. Isso não significa que o cônjuge esteja totalmente livre da exclusão da herança, pois esta poderá ocorrer por meio da declaração de indignidade por sentença (art. 1.814 e 1.815, CC/2002).

No que concerne à porção hereditária do cônjuge supérstite em concorrência com descendentes, caberá àquele quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça[3], não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer (art. 1.832 do Código Civil). A garantia à viúva ou ao viúvo de um quarto da herança é denominada pela doutrina e jurisprudência como “reserva da quarta parte”, que foi instituída por lei com o objetivo de assegurar um patrimônio mínimo ao cônjuge sobrevivente.

No entanto, gerou-se uma celeuma, quanto a essa garantia da quarta parte, eis que para tê-la, a lei impôs uma condição, qual seja: o cônjuge sobrevivente deverá ser ascendente dos herdeiros com quem concorrer. Dessa forma, ficou também claro que se o(a) viúvo(a) concorrer com descendente só do autor da herança, não fará jus a reserva da quarta parte. Todavia, a lei não previu a hipótese de o cônjuge sobrevivo concorrer com descendentes comuns e descendentes só do falecido. Essa hipótese é a chamada sucessão ou concorrência híbrida, a qual, durante muito tempo, foi objeto de acirrada controvérsia.

Formou-se a primeira corrente (majoritária) capitaneada por Flávio Tartuce, segundo a qual, em caso de concorrência híbrida, não fará jus à garantia da quarta parte o cônjuge ou o companheiro, tratando-se todos os descendentes como se fossem exclusivos do de cujus. Acompanham esse posicionamento os autores Caio Mário da Silva Pereira, Gustavo René Nicolau, Inácio de Carvalho Neto, Maria Berenice Dais, Maria Helena Diniz, entre outros. Inclusive esse entendimento é referendado pelo Enunciado n. 527 da V Jornada de Direito Civil, evento promovido pelo Conselho da Justiça Federal no ano de 2011, nos moldes do qual “na concorrência entre o cônjuge e os herdeiros do de cujus, não será reservada a quarta parte da herança para o sobrevivente no caso de filiação híbrida”.

Com base numa interpretação literal do art. 1.832, a segunda corrente doutrinária apregoa que a reserva da quarta parte deve ocorrer também nos casos de concorrência ou sucessão hibrida, tratando-se todos os descendentes como comuns, não tendo o condão de afastar tal consideração a presença também de filhos exclusivos da pessoa falecida. Pensam assim, os doutrinadores José Cahali, José Fernando Simão e Sílvio de Salvo Venosa.

Para solucionar a celeuma, em recente decisão judicial, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio da Terceira Turma, pôs uma pá de cal na controvérsia, ao decidir que

“a interpretação mais razoável do enunciado normativo do art. 1.832 do Código Civil é a de que a reserva de 1/4 da herança restringe-se à hipótese em que o cônjuge ou companheiro concorre com os descendentes comuns. Enunciado 527 da Jornada de Direito Civil. A interpretação restritiva dessa disposição legal assegura a igualdade entre os filhos, que dimana do Código Civil (art. 1.834 do CCB) e da própria Constituição Federal (art. 227, § 6º, da CF), bem como o direito dos descendentes exclusivos não verem seu patrimônio injustificadamente reduzido mediante interpretação extensiva de norma”

(STJ – REsp n. 1.617,501/RS. Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO. Data de julgamento: 11/06/2019. TERCEIRA TURMA).


5. DO COMPANHEIRO/COMPANHEIRA

A legislação brasileira vem, ao longo do tempo, tentando equiparar os direitos dos conviventes em união estável aos direitos dos cônjuges. A constituição Federal de 1988 (art. 226, § 3º) reconheceu a união estável como entidade familiar. De modo similar, o CC/2002 também referendou a entidade familiar oriunda da união estável (art. 1.723).

Relativamente à sucessão dos companheiros, esta se dará nos moldes do regime da comunhão parcial de bens (já acima analisado), por força do art. 1.725 do Código Civil, segundo o qual “na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.”

O capítulo “Da ordem da vocação hereditária”, encabeçada pelo art. 1.829 do Código Civil de 2002, não trata tão somente da ordem de chamamento dos sucessores, mas também abrange outros institutos. Em relação à sucessão do cônjuge ou companheiro/companheira, objeto focal deste estudo, o referido capítulo alcança o direito real de habitação (art. 1.831); a cota do cônjuge sobrevivente, em concorrência com os descendentes (art. 1.832, primeira figura); a reserva da quarta parte (art. 1.832, segunda figura); e a cota do cônjuge sobrevivente, em concorrência com os ascendentes (art. 1.837).

O art. 1.790 do CC/2002, que tratava da sucessão do companheiro ou companheira, foi considerado inconstitucional pelo STF, no julgamento de dois Recursos Extraordinários (RE n. 646.721-RS e RE n. 878.694-MG). Com a retirada do art. 1.790 do ordenamento jurídico brasileiro, o STF firmou entendimento de que deverá se aplicar à sucessão do companheiro ou companheira o mesmo regime sucessório aplicado aos cônjuges, nos termos do art. 1.829 do CC/2002, conforme transcrição abaixo:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.

É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do Código Civil de 2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do Código Civil de 2002

(STF – RE 878.694-MG. Relator: MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO. Data de julgamento: 10/05/2017, PLENÁRIO).

Ocorre, entretanto, que o art. 1.790 do CC/2002, além de tratar da ordem de vocação hereditária, tratava também das cotas que tocariam ao companheiro ou companheira sobrevivente, em cada classe de concorrentes, conforme reprodução abaixo transcrita:

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

De outra sorte, o art. 1.829 do CC/2002, que deverá ser aplicado à sucessão dos integrantes da união estável, refere-se tão somente à ordem de vocação hereditária, não mencionando nada sobre as cotas hereditárias às quais terá direito o cônjuge sobrevivente. As referidas cotas ficaram a cargo dos art. seguintes ao art. 1.829 do CC/2002 (art. 1.832 e 1.837).

Como a decisão do STF, no RE n. 646.721-RS e no RE n. 878.694-MG, referente à sucessão dos companheiros, restringe a aplicação do art. 1.829 do CC/2002, qual seria a cota hereditária do companheiro (ou da companheira) sobrevivente, aplicando-se a este as normas do art. 1.829 do Código Civil de 2002? Voltar a aplicar as regras do art. 1.790 seria inviável, pois este já foi considerado inconstitucional pelo STF. Aplicar os art. 1.832 e 1.837 (que tratam do quinhão hereditário do cônjuge viúvo), em tese, também não poderia, eis que a decisão do STF menciona a aplicação somente do art. 1.829 do CC/2002.

Além dos dispositivos acima assinalados (art. 1.831, 1.832 e 1.837 do CC/2002), há questionamentos acirrados sobres a aplicação do art. 1.845 do CC/2002 ao direito sucessório do companheiro ou companheira. O aludido dispositivo (art. 1.845) não faz parte do capítulo “Da ordem da vocação hereditária”, mas sim, do capítulo “Dos herdeiros necessários”, segundo o qual “são herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.” Pergunta-se: após o STF haver firmado entendimento de que “no sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros...”, estes passaram a ser herdeiros necessários?

Essas mesmas indagações foram feitas logo que a decisão do STF foi prolatada, nos autos dos Recursos Extraordinários n. 646.721-RS e 878.694-MG. Observando que as decisões do STF haviam omitido a discussão dos art. 1.831, 1.832, 1.837 e 1.845 do CC/2002, dispositivos que fazem parte acintosamente do direito sucessório do cônjuge, o IBDFAM opôs embargos de declaração, solicitando que ao STF que suprisse a omissão, no sentido de mencionar as regras e dispositivos legais do regime sucessório do cônjuge que deveriam ser aplicados ao companheiro, em especial quanto à aplicabilidade do art. 1.845 do Código Civil, que dispõe sobre a reserva hereditária, conforme trecho abaixo:

Ocorre que dita repercussão geral acima transcrita apresenta relevante omissão. Isso porque, ao concluir pela inconstitucionalidade da distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, determinando que seja aplicado a ambos os casos o regime estabelecido no art. 1.829 do Código Civil, o acórdão ora embargado se omitiu em relação aos demais dispositivos legais que regulam a sucessão hereditária do cônjuge.

De fato, o regime sucessório do cônjuge não se restringe ao art. 1.829 do Código Civil, que prevê a ordem de vocação hereditária. Dito regime perpassa por vários dispositivos, abaixo transcritos apenas para facilitar a análise da questão, como o art. 1.831 que prevê o direito real de habitação para o cônjuge sobrevivente, os artigos 1.832 e 1.837 que tratam da partilha entre o cônjuge e os descendentes e os ascendentes, bem como o artigo 1.845, que prevê quem são os herdeiros necessários, a quem o ordenamento jurídico garante uma reserva hereditária.

Na decisão dos embargos de declaração, o Ministro relator, Luís Roberto Barroso, os rejeitou, sob a alegação de que “a questão constitucional foi decidida nos limites dos termos em que foi proposta...”, in verbis:

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Não há que se falar em omissão do acórdão embargado por ausência de manifestação com relação ao art. 1.845 ou qualquer outro dispositivo do Código Civil, pois o objeto da repercussão geral reconhecida não os abrangeu. Não houve discussão a respeito da integração do companheiro ao rol de herdeiros necessários, de forma que inexiste omissão a ser sanada.

Assim sendo, a dúvida continuou pairando na doutrina e jurisprudência brasileira, principalmente no que diz respeito ao art. 1.845 do CC/2002, que trata da questão dos herdeiros necessários, garantindo a estes uma reserva hereditária.

Entretanto, a esmagadora maioria da jurisprudência e doutrina pátrias entende serem aplicáveis aos integrantes da união estável, além do art. 1.829, os art. 1.831, 1.832 e 1.837, todos do Código Civil de 2002. Já, relativo ao art. 1.845, do mesmo código, é mais tímido o rol dos que admitem a sua aplicação aos companheiros, uma vez que, no próprio julgamento dos embargos, o STF fez questão de se referir à matéria, afirmando que “não houve discussão a respeito da integração do companheiro ao rol de herdeiros necessários, de forma que inexiste omissão a ser sanada.”

Todavia, há alguns autores que entendem que o companheiro (ou companheira) está inserido no rol dos herdeiros necessários, a exemplo de Flavio Tartuce, segundo o qual os participantes da união estável foram alcançados pelo instituto “herdeiros necessários”, conforme transcrição abaixo:

A principal dúvida diz respeito justamente à inclusão ou não do companheiro como herdeiro necessário no art. 1.845 do Código Civil, tormentosa questão relativa ao Direito das Sucessões e que tem numerosas consequências. O julgamento nada expressa a respeito da dúvida. Todavia, lendo os votos prevalecentes, especialmente o do Relator, Ministro Barroso, a conclusão é positiva, sendo essa a minha posição doutrinária, compartilhada com Zeno Veloso, Giselda Hironaka, Francisco Cahali e Euclides de Oliveira, conforme demonstrado por eles em eventos jurídicos dos quais participamos em conjunto no s últimos meses

(TARTUCE, Flávio. O companheiro como herdeiro necessário. Encontrado em: <https://www.passeidireto.com/arquivo/70777667/direito-sucessorio>. Acesso em: 06. Jun. 2020).

O posicionamento no qual esta pesquisa se ampara é o que entende ser inaplicável aos companheiros o direito reservatário, previsto nos art. 1.845 e 1.846 do CC/2002, segundo os quais pertence aos descendentes, ascendentes e cônjuge, a metade dos bens da herança. Isso porque a equiparação feita pelo STF limitou-se às regras relativas à concorrência sucessória e cálculo das cotas hereditárias facultativas.

Assim, este trabalho advoga que o companheiro ou a companheira não é herdeiro necessário, por não haver sido alcançado pelo art. 1.845, combinado com a decisão do STF, no julgamento dos Recursos Extraordinários n. 646.721-RS e 878.694-MG. No entanto, este trabalho se amolda ao alcance dos integrantes da união estável aos institutos do direito real de habitação (art. 1.831); cota do cônjuge sobrevivente, em concorrência com os descendentes (art. 1.832, primeira figura); reserva da quarta parte (art. 1.832, segunda figura); e cota do cônjuge sobrevivente, em concorrência com os ascendentes (art. 1.837).

Isso porque, muito embora a tese da decisão do STF não expresse literalmente esse entendimento, lendo os votos prevalecentes, especialmente o do Relator, Ministro Roberto Barroso e Edson Fachin, depreende-se que a vontade da decisão é nesse sentido, conforme transcrição da tese e trecho do voto do Ministro Fachin:

Tese dos RE n. 646.721-RS e 878.694-MG:

É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do Código Civil de 2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do Código Civil de 2002.

Voto do Min. Edson Fachin nos RE n. 646.721-RS e 878.694-MG:

Na sucessão, a liberdade patrimonial dos conviventes já é assegurada com o NÃO reconhecimento do companheiro como herdeiro necessário, podendo-se afastar os efeitos sucessórios por testamento. Prestigiar a maior liberdade na conjugalidade informal não é atribuir, a priori, menos direitos ou diretos diferentes do casamento, mas, sim, oferecer a possibilidade de, voluntariamente, excluir os efeitos sucessórios.

Tal qual acutíssimamente posto no voto do Ministro Roberto Barroso, no RE 878.694, a hermenêutica constitucional conduz a uma equiparação, em prestígio ao princípio da isonomia (art. 5º, I, e art. 226, § 3º, da Constituição da República), dos regimes sucessórios dos cônjuges e companheiros, de modo a reconhecer-se, incidentalmente, no presente recurso extraordinário, a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil de 2002.

[...]

Ademais, para que não se estabeleça indesejável lacuna no ordenamento jurídico quanto ao tema, deve-se aplicar para os integrantes de todos os modelos de conjugalidade, inclusive as uniões estáveis homoafetivas, as mesmas regras, quais sejam, aquelas do art. 1.829 e seguintes do Código Civil de 2002.

Ante o exposto, dou provimento ao presente recurso extraordinário para que se aplique ao companheiro do de cujus as regras do art. 1829 e seguintes do Código Civil de 2002.

Vale aqui adiantar que a tendência é que, a qualquer momento, vai haver uma decisão (do STJ e/ou do STF), incluindo os participantes da união estável ao rol dos herdeiros necessários, bem como estabeleça que todos os dispositivos que tratem da sucessão do cônjuge, sejam também aplicados aos companheiros.

E assim são diversos os dispositivos legais esparsos no CC/2002, que são inerentes à sucessão do cônjuge sobrevivente e não foram açambarcados pela decisão do STF, nos Recursos Extraordinários n. 646.721-RS e 878.694-MG, tais como: os art. 1.992 a 1.996 (que se referem à sonegação de bens à colação), os art. 2.002 a 2.012 (que cuidam da colação de bens à herança pelos descendentes ou pelo cônjuge), entre outros.

É importante afirmar que tudo que o CC/2002 tratava sobre sucessão no instituto da união estável foi considerado inconstitucional pelo STF, porém, nem tudo que se aplica ao cônjuge sobrevivente (inerente à sucessão), também se aplica ao companheiro ou companheira.

Com a decisão do STF de decretar a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002, que tratava da sucessão do companheiro, passou a valer para este as disposições exatas do art. 1.829 do CC/2002. Assim, tudo que for direito do cônjuge descrito no referido artigo (1.829 do CC/2002), aplica-se no que couber também ao companheiro, conforme RE n. 878.694 MG, (ementa in verbis):

Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. INCONSTITUCIONALIDADE DA DISTINÇÃO DE REGIME SUCESSÓRIO ENTRE CÔNJUGES E COMPANHEIROS. (...) 2. Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição de 1988. (...) 5. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”

(STF – RE n. 878.694 MG. Relator: MINISTRO ROBERTO BARROSO. Data de julgamento: 10/05/2017, PLENÁRIO).

No entanto, cabe ressalvar que a decisão do STF referiu-se somente ao art. 1.829 do Código Civil, que cuida especificamente da sucessão do cônjuge, matéria já acima analisada.

Para maior compreensão, elaborou-se um quadro demonstrativo (tabela) das regras gerais de sucessão legítima, conforme a o art. 1.829 do Código Civil, combinado com o RE n. 878.694 MG, nas hipóteses em que a pessoa falecida tenha deixado descendentes e cônjuge:

TABELA DE REGIMES DE BENS E SUCESSÃO DO CÔNJUGE/COMPANHEIRO, DE ACORDO COM O ART. 1.829 DO CC/02 C/C RE N. 878.694

REGIMES

MEAÇÃO

CÔNJUGE⁄COMPANHEIRO HERDA BENS PARTICULARES?

CÔNJUGE⁄COMPANHEIRO HERDA BENS COMUNS?

COMUNHÃO PARCIAL

SIM

SIM, EM CONCORÊNCIA COM OS DESCENDENTES

NÃO, POIS JÁ POSSUI MEAÇÃO SOBRE ESSES BENS

COMUNHÃO UNIVERSAL

SIM, EXCETO NO CASO DO ART. 1.668, CC/2002

NÃO, POIS JÁ POSSUI MEAÇÃO SOBRE ESSES BENS

NÃO, POIS JÁ POSSUI MEAÇÃO SOBRE ESSES BENS

SEPARAÇÃO DE BENS (CONVENCIONAL OU LEGAL)

NÃO

NÃO

NÃO

PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQUESTOS

SIM, SOBRE OS BENS CMUNS

SIM, EM CONCORÊNCIA COM OS DESCENDENTES

NÃO, POIS JÁ POSSUI MEAÇÃO SOBRE ESSES BENS

Analisado o inciso I do art. 1.829, do Código Civil, passemos a interpretar o inciso II do mesmo código, que dispõe o seguinte: “Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (...) II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge.”

Vale esclarecer que, na ordem de vocação hereditária, prevista no referido artigo, as classes mais próximas excluem as mais remotas. Assim, a classe II, nos termos da qual a sucessão legítima se deferirá “aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge”, ocorrerá somente se não houver nenhum descendente do falecido.

É importante informar que na primeira classe (os descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente) e na segunda classe (os ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente), o grau de sucessão dos descendentes e dos ascendentes é infinito, de modo que os herdeiros poderão ser filhos, netos, bisnetos... pai, avô, bisavô etc.

Outra classificação dos herdeiros é referente ao parentesco com o finado, a qual se ordena em graus. O primeiro grau são os filhos e os pais; o segundo grau são os irmãos; o terceiro grau, os tios e sobrinhos etc. Na primeira classe, que é a dos descendentes (filhos, netos, bisnetos etc.), os graus mais próximos excluem os graus mais remotos, salvo o direito de representação (art. 1.833 do CC/2002).

O direito de representação, acima apontado, consiste na sucessão por estirpe. É que na sucessão da classe dos descendentes em concorrência com o cônjuge (classe I) e na classe dos colaterais (classe IV) há a herança por cabeça e a herança por estirpe. A primeira classe dos herdeiros são os descendentes, e o primeiro grau dos descendentes são os filhos da pessoa que faleceu. Na classe dos descendentes, pode ser exercido o direito de representação, ou seja, se um dos filhos do falecido também já morreu, os seus descendentes (netos, bisnetos... da pessoa falecida) podem receber seu quinhão hereditário, por estirpe.

Um exemplo de herança em que a pessoa falecida deixou cônjuge (casado em comunhão parcial), um filho vivo e um filho pré-morto que deixou três filhos vivos (netos do de cujus). O autor da herança possuía R$ 240.000,00 de bens comuns com o cônjuge sobrevivente e R$ 900.000,00 de bens particulares, formando um total de R$ 1.140.000,00. Dos R$ 240.000,00 (bens comuns), o cônjuge receberá a metade a título de meação (R$ 120.000,00). Como o cônjuge, neste regime de bens, não possui direito a herança sobre os bens comuns, mas somente sobre os bens particulares, a sua porção hereditária será sobre R$ 900.000.00. Assim, tocará R$ 300.000.00 para o cônjuge sobrevivente (a título de herança), R$ 300.000,00 para o filho vivo do de cujus e R$ 300.000,00 serão divididos em partes iguais para os três netos da pessoa falecida. Esses últimos R$ 300.000,00 seriam do segundo filho do autor da herança se vivo estivesse. Resta ainda a divisão da meação do de cujus (R$ 120.000,00), que será dividida só entre os descendentes: a metade para o filho vivo (R$ 60.000,00) e a outra metade dividida em partes iguais (R$ 20.000,00) para os três netos do extinto. Ao final, o cônjuge-viúvo receberia R$ 420.000,00, o filho, R$ 360.000,00 e os netos, R$ 120.000,00 cada um.

Outro exemplo: O falecido teve dois filhos, Y e Z. No momento do falecimento do pai, Y estava vivo, porém Z já havia morrido e deixou dois filhos vivos. A herança, portanto, será dividida em duas partes iguais de 50% para cada filho. Y, filho vivo do autor da herança, herdará por cabeça, por direito próprio, recebendo a sua parte de 50% do patrimônio deixado pelo pai. Os filhos de Z (herdeiro pré-morto), netos do autor da herança, herdarão por estirpe, por direito de representação, recebendo cada um 25% que totalizam os 50% que caberia ao seu pai, caso estivesse vivo.

A classe dos colaterais (classe IV) também comporta a sucessão por direito de representação, limitada aos filhos de irmãos, conforme o art. 1.840 do CC/2002, segundo o qual “na classe dos colaterais, os mais próximos excluem os mais remotos, salvo o direito de representação concedido aos filhos de irmãos.” Nesse caso, diferentemente da sucessão dos descendentes, o direito de representação cessa nos filhos de irmãos, não se estendendo a netos ou outros graus mais distantes.

Não havendo descendentes do de cujus, o cônjuge sobrevivo entrará em concorrência com os ascendentes do falecido, qualquer que seja o regime de bens em que era casado, na medida em que, no concurso do cônjuge com os ascendentes do falecido, não há restrição legal com relação a regimes de bens.

Diversamente do inciso I, o inciso II não exclui da concorrência o cônjuge sobrevivente quando o de cujus não houver deixado bens particulares, dizendo apenas: Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na seguinte ordem: I...II – aos ascendentes, em concorrência com cônjuge. De tal sorte, quando o cônjuge sobrevivente concorre com ascendentes, seja qual for o grau, seu quinhão será calculado sobre o somatório dos bens particulares e da meação do de cujus, nos termos do art. 1.837 do CC/2002, in verbis:

Concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocará um terço da herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau.

Dessa sorte, no caso de concorrência com os ascendentes do finado, o cônjuge supérstite receberá um terço da herança se concorrer com o casal de genitores do de cujus, ou a metade da herança, caso concorra com um só genitor ou outros ascendentes de maior grau, como avô, bisavô etc.

Tendo sido casado ao autor da herança, independentemente do regime de bens adotado, se não houver descendentes nem ascendentes da pessoa falecida, não há que se falar em porção de herança, eis que, nesta hipótese, a sucessão será deferida por inteiro ao cônjuge sobrevivente, preterindo os demais parentes sucessíveis.

O inciso III do artigo ora em análise, dispõe que a sucessão legítima defere-se na seguinte ordem: I...II...III – ao cônjuge sobrevivente. De tal sorte, se inexistirem descendentes ou ascendentes da pessoa falecida, a herança será deferida inteiramente ao cônjuge sobrevivente, através de uma carta de adjudicação (art.1.838, CC/2002). Isso porque o sobrevivo não concorre com os herdeiros colaterais, uma vez que havendo descendente, ascendente ou cônjuge, os colaterais não concorrerão.

O ultimo inciso (IV) do art. 1.829 do CC/2002, que trata da sucessão dos herdeiros colaterais, estabelece que se não houver descendentes, ascendentes ou cônjuge sobrevivente, nas condições estabelecidas no art. 1.830, serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau (1.839 do CC/2002).

Na sucessão do cônjuge ou companheiro(a), podemos afirmar que existem quatro classes de herdeiros, senão vejamos: I - os descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente; II - os ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - o cônjuge sobrevivente; IV - os colaterais até o quarto grau (art. 1.829 do CC/2002). Senão vejamos:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.

Como o próprio dispositivo elenca são classes na vocação hereditária: I - os descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; e IV - aos colaterais. A existência de herdeiro de qualquer das classes deste artigo exclui do direito à herança os sucessores das classes seguintes. Isso significa que qualquer só possui direito à sucessão se não nenhum herdeiro da classe anterior, ou seja, a classe mais próxima exclui a mais remota.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
João Lopes de Assunção Neto

Advogado com especialização em direito do trabalho e direito e processo previdenciário. Atuante também em direito civil, tributário, imobiliário, família e ambiental.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ASSUNÇÃO NETO, João Lopes. Sucessão do cônjuge ou companheiro(a). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6626, 22 ago. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/92450. Acesso em: 2 mai. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos