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Paridade de vencimentos entre procuradores municipais e os procuradores legislativos

28/12/2021 às 17:00
Leia nesta página:

Reflexões sobre a (in)constitucionalidade do tratamento discriminatório entre os vencimentos dos procuradores municipais e dos procuradores do legislativo.

 

A Constituição da República é clara em seu artigo 37, inciso XII, quando estipula que os vencimentos dos cargos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário não poderão ser superiores aos pagos pelo Poder Executivo.

 

Aliás, referida regra jurídica é reproduzida em praticamente todas as Constituições Estaduais do país.

 

Por exemplo, a Constituição do Estado de São Paulo, em seu artigo 115, inciso XIV, com praticamente o mesmo enunciado, prescreve que os vencimentos dos cargos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário não poderão ser superiores aos pagos pelo Poder Executivo.

 

Ora, o que se pretende demonstrar, em breves linhas, é que se trata de umas das regras constitucionais mais desconsideradas no Brasil.

 

Apesar de o texto não deixar margem para dúvidas, diversos tribunais nacionais já decidiram de forma contrária ao que propugna o texto magno.

 

Com efeito, conforme já decidiu o Tribunal de Justiça de Santa Catarina nos autos de apelação cível nº 0300659-95.2014.8.24.0067:

 

Servidor Público Municipal. Procurador Jurídico do Poder Executivo do Município de São Miguel do Oeste. Pretensão de equiparação salarial com cargo de Procurador do Poder Legislativo. Lei Orgânica Municipal prevê a equiparação entre cargos semelhantes. Pretensa equiparação de vencimentos por isonomia. Impossibilidade. Expressa previsão constitucional (art. 37, XIII, CF). Necessidade de lei específica. Súmula vinculante n. 37/STF. Sentença de improcedência mantida. Recurso desprovido. Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos, sob fundamento de isonomia, (Sumula Vinculante n. 37). Data da publicação: 14/08/2018.

 

Em sentido semelhante também decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, verbis:

 

Art. 3º. Da Lei Municipal 1.291, de 30 de outubro de 2014. Município de Maçambará. Servidores Públicos. Poder Executivo e Poder Legislativo. Vencimentos. Independência Administrativa dos poderes. Afronta ao princípio da isonomia. Inocorrência. Não é inconstitucional a norma municipal que, oriunda da iniciativa legítima do Poder Legislativo, altera os padrões, os coeficientes e os vencimentos dos cargos de Procurador Jurídico Legislativo, Técnico em Contabilidade e Auxiliar Administrativo, resultando em aumento de vencimentos dos servidores no âmbito de sua autonomia administrativa. 2. Ausente vício de inconstitucionalidade pela não equiparação dos vencimentos pagos aos servidores destes cargos no Poder Legislativo em relação aos vencimentos pagos aos servidores ocupantes de cargos equivalentes no Poder Executivo Municipal. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE IMPROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 70063834485, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Barcelos de Souza Junior, julgado em 27/07/2015).

 

Nesse diapasão, o julgado proferido pelo Tribunal Catarinense apenas reafirmou a jurisprudência vinculante do Supremo Tribunal Federal no sentido de que, por meio de decisão judicial, não é possível aumentar vencimentos de servidores públicos, já que o Poder Judiciário não exerce função legislativa (pelo menos não como legislador positivo).

 

Destarte, no caso em apreço, não houve a possibilidade de se conseguir a justiça do caso concreto pelo meio eleito pelo autor (ação de conhecimento subjetiva).

 

De seu turno, em relação ao segundo julgado, efetivamente, o sodalício gaúcho adentrou o mérito e afastou a regra constitucional que assegura o princípio da igualdade salarial, o que se nos afigura um desrespeito ao texto supremo.

 

De outro vértice, o Tribunal Paulista, de forma lúcida, possui julgados em sentido diametralmente oposto, a nosso ver respeitando-se a literal disposição constitucional. Vejamos alguns julgados:

 

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Lei nº 2.913, de 29 de outubro de 2.015, do Município de Ibaté que versa sobre a reorganização administrativa do Poder Legislativo de Ibaté Criação de cargos com salários superiores e jornadas de trabalho inferiores aos fixados para cargos semelhantes do Poder Executivo Municipal Afronta ao disposto no art. 37, XII, da Constituição Federal e art. 115, XIV, da Constituição Estadual Necessidade de equiparação de vencimentos a cargos evidentemente semelhantes. Desatendimento também da exigência do art. 25, caput, da Carta Paulista Não basta aludir genericamente às 'dotações orçamentárias vigentes', como fez o legislador local; necessário que indique o recurso existente no orçamento, suficiente para atender aos novos encargos - Inconstitucionalidade não reconhecida quanto ao cargo de 'Servente', que possui remuneração idêntica ao do Executivo e ao de 'Assistente Legislativo', pois inexiste cargo similar no Poder Executivo, não havendo como se impor a igualdade de vencimentos por ausência de paradigma. Declarada a inconstitucionalidade dos cargos de Procurador Jurídico, Contador, Secretária Administrativa, Programador de Dados, Motorista da Presidência, Protocolo e Arquivo, Recepcionista, Chefe de Gabinete da Presidência e Chefe do Departamento de Administração e Finanças, constantes respectivamente dos incisos I, II, III, IV, V, VI e VII do § 1º e nos incisos I e II do § 2º do art. 6º da Lei Municipal nº 2.913/2015 de Ibaté Ação parcialmente procedente. (ADI nº 2242512-58.2015.8.26.0000)

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Pedido de declaração de inconstitucionalidade dos vencimentos fixados para o emprego público de Procurador Jurídico da Câmara Municipal de Tabatinga, e especialmente das expressões 'Referência Salarial E4' no art. 1º, e 'Ref. E4' e 'Valor em R$ - 2.600,00' no art. 5º, II, da Lei Complementar nº 036/2014, de 30 de Janeiro de 2014, do Município de Tabatinga/SP Alegação de que foram os vencimentos do Procurador Jurídico, da Câmara Municipal, instituídos em patamar superior ao fixado pelo Poder Executivo Municipal para cargo com atribuições assemelhadas, com ofensa aos arts. 115, XIV, e 144 da CE Cargos de Procurador Jurídico da Câmara Municipal e de Procurador Jurídico do Município, ambos cuidando da parte jurídica (assessoramento, consultoria e representação), de cada órgão público, sendo os requisitos e atribuições semelhantes ou assemelhadas, guardadas as devidas peculiaridades. Além disso, os cargos têm a mesma carga horária de 20 horas semanais, mas com remunerações diversas, sendo de R$ 2.600,00 a do Procurador Jurídico da Câmara Municipal fixada em 2014 (LC 36/2014 aqui impugnada), enquanto a do Procurador Jurídico do Município é de R$ 2.015,92, fixado em 2017, ou seja, três anos depois daquela (LC 057/2017) Portanto, tem-se que o valor fixado em 2014 para a Câmara é superior ao do Executivo, fixada em 2017, sem contar as atualizações que ocorreram no período (2014 a 2017) Violação ao art. 115, XIV, da CE. Ressalva da irrepetibilidade dos valores eventualmente recebidos pelo Procurador Jurídico da Câmara Municipal, com fundamento no diploma questionado. Ação julgada procedente, com observação. (ADI nº 2139517-25.2019.8.26.0000)

 

Com efeito, no primeiro julgado elencado, o Tribunal de Justiça Bandeirante, além de assegurar a isonomia dos vencimentos, que é mero corolário do princípio geral da isonomia previsto no artigo 5º, caput, da Constituição Federal, reconheceu também a existência de carga horária de trabalho discriminatória entre as funções, garantindo, por conseguinte, os direitos sociais dos trabalhadores previstos no artigo 7º da Lei Fundamental.

Nada obstante, no mesmo ano, o próprio Tribunal Bandeirante proferiu julgado em direção diametralmente oposta, conforme ementa que segue, verbis:

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Referência remuneratória aplicada ao cargo de Procurador Jurídico, prevista no Anexo I da Resolução n. 190, de 15 de maio de 2018, e no Anexo I da Lei Complementar Lei n. 208, de 7 de junho de 2018, do Município de Olímpia. Comparação entre os simples valores nominais dos vencimentos devidos ao Procurador Jurídico da Câmara de Vereadores (R$ 6.000,00) e ao Procurador Jurídico do Município (R$ 4.237,57) da qual se conclui que, superando os primeiros numericamente os segundos, há ofensa aos artigos 115, inciso XIV, e 124, § 1º, da Constituição Estadual.PECULIARIDADES DO CASO. Referência para comparação quenão se limita aos valores nominais dos vencimentos devidos a cada cargo. Procuradores do Município de Olímpia que acrescem aos seus vencimentos o montante decorrente do rateio dos honorários fixados em favor da Procuradoria, enquanto os Procuradores do Legislativo não se beneficiam desse sistema. Ademais, análise que envolve matéria de fato, que demandariadilação probatória para que se pudesse aferir o valor efetivamentepercebido pelos ocupantes dos cargos públicos em análise, o que é incompatível com o processo objetivo do controle concentrado de constitucionalidade. Precedente.Afastadas as preliminares, ação julgada improcedente. (ADI nº 2217624-83.2019.8.26.0000)

 

Destarte, acreditamos que o último julgado do tribunal não foi feliz, haja vista que os honorários advocatícios percebidos pelos Procuradores do Executivo são variáveis, e em muitos municípios, ínfimos, além de gerar grave insegurança jurídica, em confronto ao artigo 926 do Código de Processo Civil.

De outro vértice, para o Supremo Tribunal Federal, de acordo com o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 603, a isonomia remuneratória para cargos de atribuições iguais ou assemelhadas do mesmo poder ou dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário cria um limite, não uma relação de igualdade.

 

Outrossim, no julgamento da ADI nº 3.369, a Suprema Corte fixou o entendimento de que "em tema de remuneração dos servidores públicos, nada será feito senão mediante lei específica"; e ao julgar a ADI nº 2.075, entendeu que "o tema concernente à disciplina jurídica da remuneração funcional submete-se ao postulado constitucional da reserva absoluta de lei, vedando-se, em consequência, a intervenção de outros atos estatais revestidos de menor positividade jurídica".

 

Portanto, podemos perceber, desde já, maior justiça nas decisões proferidas no Estado de São Paulo em relação ao princípio da igualdade salarial, e a interpretação dada pelo Supremo, de que há apenas um limite, qual seja, o vencimento pago aos servidores do Poder Executivo, não uma relação de paridade, mostra-se consentânea com o texto expresso da Lei Maior.

 

E não poderia ser diferente.

 

Os dispositivos constitucionais que tratam da paridade de vencimentos não deixam dúvidas acerca de seu sentido e alcance.

 

Nesse sentido, sua natureza jurídica é de regra, não de princípio. Dessa forma, trata-se do cânone de aplicação do tudo ou nada.

 

Nessa esteira, conforme leciona o Ministro da Suprema Corte Luís Roberto Barroso sobre a diferença entre regra e princípio (pág. 204/206):

 

"Com relação à estrutura normativa, princípios normalmente apontam para estados ideais a serem buscados, sem que o relato da norma descreva de maneira objetiva a conduta a ser seguida. Há muitas formas de respeitar ou fomentar o respeito à dignidade humana, de exercer com razoabilidade o poder discricionário ou de promover o direito à saúde. Aliás, é nota de singularidade dos princípios a indeterminação de sentido a partir de certo ponto, assim como a existência de diferentes meios para sua realização. Tal abertura faz com que os princípios funcionem como uma instância reflexiva, permitindo que os diferentes argumentos e pontos de vista existentes na sociedade, acerca dos valores básicos subjacentes à Constituição, ingressem na ordem jurídica e sejam processados segundo a lógica do Direito. Já com as regras se passa de modo diferente: são elas normas descritivas de comportamentos, havendo menor grau de ingerência do intérprete na atribuição de sentidos aos seus termos e na identificação de suas hipóteses de aplicação. Em suma: princípios são normas predominantemente finalísticas, e regras são normas predominantemente descritivas. É, todavia, no modo de aplicação que reside a principal distinção entre regra e princípio. A regra se aplica na modalidade tudo-ou-nada: ocorrendo o fato descrito em seu relato ela deverá incidir, produzindo o efeito previsto. Exemplos: implementada a idade de 70 anos (ou 75, nos termos da EC n. 88/2015), o servidor público passa para a inatividade; adquirido o bem imóvel, o imposto de transmissão é devido. Se não for aplicada à sua hipótese de incidência, a norma estará sendo violada. Não há maior margem para elaboração teórica ou valoração por parte do intérprete, ao qual caberá aplicar a regra mediante subsunção: enquadra-se o fato na norma e deduz-se uma conclusão objetiva. Por isso se diz que as regras são mandados ou comandos definitivos: uma regra somente deixará de ser aplicada se outra regra a excepcionar ou se for inválida. Como consequência, os direitos nela fundados também serão definitivos. Já os princípios indicam uma direção, um valor, um fim. Ocorre que, em uma ordem jurídica pluralista, a Constituição abriga princípios que apontam em direções diversas, gerando tensões e eventuais colisões entre eles. Alguns exemplos: a livre iniciativa por vezes se choca com a proteção do consumidor; o desenvolvimento nacional nem sempre se harmoniza com a preservação do meio ambiente; a liberdade de expressão frequentemente interfere com o direito de privacidade. Como todos esses princípios têm o mesmo valor jurídico, o mesmo status hierárquico, a prevalência de um sobre outro não pode ser determinada em abstrato; somente à luz dos elementos do caso concreto será possível atribuir maior importância a um do que a outro. Ao contrário das regras, portanto, princípios não são aplicados na modalidade tudo ou nada, mas de acordo com a dimensão de peso que assumem na situação específica. Caberá ao intérprete proceder à ponderação dos princípios e fatos relevantes, e não a uma subsunção do fato a uma regra determinada. Por isso se diz que princípios são mandados de otimização: devem ser realizados na maior intensidade possível, à vista dos demais elementos jurídicos e fáticos presentes na hipótese. Daí decorre que os direitos neles fundados são direitos prima facie isto é, poderão ser exercidos em princípio e na medida do possível." (g. n.)

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Portanto, não se tratando a disposição constitucional em destaque de princípio, mas de regra, não caberia ao interprete fazer o afastamento da norma sob o pretexto interpretativo, como sendo um mero ideal a ser buscado pelo legislador, ou como um mandado de otimização.

 

Vale a pena trazer à baila a observação feita pelo advogado Gabriel Capristo Stecca quanto aos limites da interpretação possível. Vejamos o trecho em realce[1]:

 

"Como representante da raiz romano-germânica, Alexy vislumbrou ser insuficiente a lógica formal para justificação de enunciados jurídicos. Nesse sentido, o jurista tenta minimizar o alto grau de subjetividade na aplicação (função judicial) da norma por meio de um discurso racional, no qual há limitações à argumentação voltada à solução do problema, devendo ser operado conforme o direito vigente. Isso quer dizer, "conforme o direito vigente", por mais que haja admissão de valores na interação entre moral e direito, a decisão judicial não deve ter balizas subjetivas que ostentam vontades e posições pessoais do julgador. O juiz é o intérprete derradeiro que fulcra concretude à norma jurídica, não podendo ser o criador do direito." (g. n.)

 

De seu turno, no caso sub examine, da necessária isonomia entre os vencimentos dos procuradores dos poderes legislativo e executivo, sobreleva destacar também o aspecto prático do nosso entendimento.

 

De modo efetivo, é o Poder Executivo quem arrecada as verbas públicas indispensáveis ao funcionamento da máquina administrativa.

 

Ora, não seria lógico que referido poder procedesse a arrecadação financeira e o Poder Legislativo criasse, sem justificativa razoável, carreiras privilegiadas de agentes públicos em sua estrutura.

 

Examinemos um caso real: o Procurador de Santa Bárbara Doeste-SP, cujo cargo tem como atribuições prestar assistência jurídica à municipalidade, representar judicial e extrajudicialmente o Município[2], é idêntico ao do Procurador da Câmara da mesma unidade federada, cujas atribuições são prestar assessoria jurídica integral, através de representação judicial e extra-judicial e de consultoria[3].

 

Nada obstante, ao examinarmos os vencimentos e a jornada de trabalho dos respectivos empregos públicos, são extremamente díspares.

 

Nesta ocasião, onde ambos os cargos têm como função prestar assessoria jurídica integral, através de representação judicial e extrajudicial e de consultoria jurídica ao respectivo poder, qual seria a justificativa para a existência de estipêndios diferentes? Ou mesmo o estabelecimento de cargas horárias diversas sem um salarial proporcional?

 

Nesse diapasão, convergimos com os professores Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (pág. 329), os quais, de forma lapidar, bem resumem a questão, conforme trecho em destaque:

 

"Convém, inicialmente, pontuar que a EC 19/1998 suprimiu do texto constitucional a regra originariamente contida no § l.° do art. 39, que determinava que a lei assegurasse isonomia de vencimentos aos servidores que exercessem cargos de atribuições iguais ou assemelhadas nos três Poderes. Permaneceu, entretanto, a norma vazada no inciso XII do art. 37, que estabelece o valor dos vencimentos pagos pelo Poder Executivo aos seus servidores como limite ao valor dos vencimentos pagos pelos outros Poderes aos respectivos servidores. É evidente que o comando somente pode se referir a cargos assemelhados nos três Poderes. A regra desse inciso XII tem intuito nitidamente moralizador. Como o Poder Executivo é o principal responsável pela obtenção das receitas que integrarão o orçamento púbico geral do respectivo ente federado, os vencimentos por ele pagos devem servir de limite aos vencimentos pagos pelos demais Poderes, a fim de minimizar os riscos de descontrole das despesas. Infelizmente, a limitação que o inciso XII do art. 37 da Carta de 1988 deveria representar para a determinação dos valores das remunerações dos cargos dos Poderes Legislativo e Judiciário é meramente teórica. Até onde sabemos, o preceito constitucional em apreço é inteiramente menoscabado, em todos os entes da Federação." (g. n.)

 

Outrossim, com base nas lições do maior administrativa do país sobre a paridade de vencimentos, o saudoso Hely Lopes Meirelles (pág. 471),

 

No atual sistema os vencimentos pagos pelo Poder Executivo constituem o limite máximo para a remuneração dos servidores que exerçam funções iguais ou assemelhadas no Legislativo e no Judiciário (CF, art. 37, XII). Sendo assim, estes Poderes, tendo em vista suas disponibilidades orçamentárias, podem estabelecer a retribuição a seus servidores em bases idênticas às do Executivo, ou lhes atribuir menor remuneração, mas nunca pagar-lhes mais, de modo a criar uma injusta disparidade, daí resultando um teto para esse (sic) Poderes. A liberdade os Poderes Legislativo e Judiciário reduz-se, quanto a esse aspecto, à possibilidade de criar ou não seus cargos e à de fixar-lhes um estipêndio igual ou inferior ao estabelecido em lei para os mesmos servidores, isto é,os que tenham atribuições iguais ou assemelhadas, no âmbito do Executivo, desde que os cargos e suas funções sejam diferenciados. (g. n.)

 

Por conseguinte, não vemos justificativa fática ou jurídica para o tratamento diverso entre os advogados públicos municipais.

 

De outro vértice, a APROLEGIS defende que "os advogados públicos do Poder Legislativo não percebem honorários sucumbenciais, razão pela qual o vencimento básico do respectivo cargo nunca poderia ser adotado, isoladamente, como referência para eventual comparação com os vencimentos dos advogados públicos quer atuam perante o Poder Executivo." (https://aprolegis.org.br/reuniao-com-o-subprocurador-geral-de-justica/)

 

Nada obstante, olvidam que estão utilizando verbas públicas para compensar os honorários percebidos exclusivamente da iniciativa privada pelos procuradores municipais, em afronta ao princípio da moralidade administrativa.

 

Aliás, os municípios que procedem com o tratamento discriminatório se escoram no princípio da independência entre os poderes, previsto no artigo 2º da Carta Política.

 

Ocorre que, dentro da Constituição, não existem normas que sejam superiores às outras. Não há hierarquia nem preponderância de uma sobre a outra.

 

Além disso, a independência dos poderes se pauta num ambiente de harmonia, e não desarmonia.

 

Acerca do tema, o Supremo Tribunal Federal assim já se manifestou:

 

Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que essas estão sujeitas – e considerando o substrato ético que as informa -, permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros (MS nº 23.452-RJ).

 

Nessa senda, conforme escreve o professor Eduardo dos Santos, o princípio da unidade da Constituição (pág. 358):

 

"implica compreender a Constituição como um sistema normativo uno, no qual suas normas possuem o mesmo fundamento de validade. Assim, pode-se afirmar que não existe hierarquia normativa entre normas constitucionais, isto é, no campo normativo todos os direitos constitucionais possuem a mesma hierarquia não estando um acima do outro. Por exemplo, a hierarquia normativa do direito à vida, do direito à liberdade, do direito à propriedade, do direito à intimidade e do direito ao lazer é a mesma: hierarquia constitucional. Ademais, não se admite a existência de conflitos entre as normas da Constituição em abstrato, isto é, no campo normativo sem levar em consideração o caso concreto, não se admite a ocorrência de conflitos ou entre normas de direito constitucional. Por exemplo, em abstrato, não existe conflito entre o direito à liberdade religiosa e o direito à vida, de modo que a pessoa humana possui os dois direitos nos termos da Constituição. Contudo, no caso concreto esse conflito pode surgir, como no caso da pessoa testemunha de Jeová que se recusa a realizar transfusão sanguínea sabendo que sem esse procedimento virá a óbito." (g. n.)

 

Finalmente, pedimos vênia para, uma vez mais, citar trecho da obra do Ministro Barroso (pág. 301), o qual resume bem o assunto de no que consiste o princípio da efetividade das normas constitucionais, conforme o destaque a seguir:

 

"Consoante doutrina clássica, os atos jurídicos em geral, inclusive as normas jurídicas, comportam análise em três planos distintos: os da sua existência, validade e eficácia. No período imediatamente anterior e ao longo da vigência da Constituição de 1988, consolidou-se um quarto plano fundamental de apreciação das normas constitucionais: o da sua efetividade. Efetividade significa a realização do Direito, a atuação prática da norma, fazendo prevalecer no mundo dos fatos os valores e interesses por ela tutelados. Simboliza, portanto, a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social. O intérprete constitucional deve ter compromisso com a efetividade da Constituição: entre interpretações alternativas e plausíveis, deverá prestigiar aquela que permita a atuação da vontade constitucional, evitando, no limite do possível, soluções que se refugiem no argumento da não autoaplicabilidade da norma ou na ocorrência de omissão do legislador." (g. n.)

 

Concluindo, é dever do legislador assegurar a máxima efetividade das normas constitucionais, sob pena de torná-la letra morta, e, posteriormente, cair em descrédito perante a sociedade, haja vista que, no caso em apreço, não há margem para interpretações possíveis ou alternativas, sendo a isonomia salarial a única interpretação possível.

 

Mesmo que consideremos o atual texto do artigo 39, § 1º, da Lei Suprema constitucional, no fundo, é possível visualizar o princípio da isonomia, haja vista que os padrões de vencimentos dos cargos e empregos públicos devem observar a natureza, o grau de responsabilidade, a complexidade dos cargos componentes de cada carreira, os requisitos para a investidura e as peculiaridades dos cargos, que entre os Procuradores Municipais e os Procuradores Legislativos, são praticamente idênticos.

 

Ademais, ousaríamos dizer que, sendo direito social do trabalhador público, a igualdade remuneratória configura autêntica cláusula pétrea (art. 60, § 4º, inc. IV, da CF), sendo insuscetível de supressão ou redução, nada obstante tenha o poder reformador (constituinte derivado) alterado a redação do § 1º, do artigo 39, da Lex Legum pela EC nº 19/1998.[4][5]

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 29. ed. Rio de Janeiro: Editora Método. 2021.

 

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 9. ed. São Paulo: Editora Saraiva. 2020.

 

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 44ª Ed. - São Paulo: Malheiros, 2020.

 

SANTOS, Eduardo dos. Direito Constitucional Sistematizado. Indaiatuba/SP: Editora Foco. 2021.

 

STECCA, Gabriel Capristo. Argumentação jurídica, regras e princípios - a teoria de Robert Alexy. Revista âmbito jurídico. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-constitucional/argumentacao-juridica-regras-e-principios-a-teoria-de-robert-alexy/ Acesso em: 25/12/2021.

 

  1. Argumentação jurídica, regras e princípios a teoria de Robert Alexy. Revista âmbito jurídico.
  2. Lei Complementar nº 66/2009. Anexo II. Disponível em: http://crv.santabarbara.sp.gov.br/scripts/pmint.exe/PMint/JDNLD700 Acesso em: 25/12/2021.
  3. Lei Complementar nº 59/2009. Anexo II. Disponível em: https://consulta.siscam.com.br/camarasantabarbara/index/75 Acesso em: 25/12/2021.
  4. O texto original previa o seguinte: A lei assegurará, aos servidores da administração direta, isonomia de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhados do mesmo Poder ou entre servidores dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, ressalvadas as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou ao local de trabalho.
  5. O Supremo Tribunal Federal já reconheceu que outros direitos e garantias individuais situados em dispositivos distintos do artigo 5º também estão albergados pela proteção material conferida pelo artigo 60, § 4º, da CF. Já está assentado que o princípio da anterioridade tributária, por exemplo, integra o rol dos direitos individuais e, dessa forma, não pode deixar de ser observado pelo constituinte reformador: A anterioridade da norma tributária, quando essa é gravosa, representa uma das garantias fundamentais do contribuinte, traduzindo uma limitação ao poder impositivo do Estado (RE nº 587.008 e ADI nº 939).
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Sobre o autor
Celso Bruno Abdalla Tormena

Criminólogo e Mestrando em Direito. Procurador Municipal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TORMENA, Celso Bruno Abdalla. Paridade de vencimentos entre procuradores municipais e os procuradores legislativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6754, 28 dez. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/95620. Acesso em: 3 dez. 2024.

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