Dos crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores e uma abordagem sobre a (in) aplicabilidade da teoria da cegueira deliberada

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15/02/2022 às 17:33
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FASES DA LAVAGEM DE DINHEIRO

Conforme já fora exposto, o delito de lavagem de dinheiro passa por algumas etapas para que se alcance o objetivo pretendido pelos criminosos a inserção dos valores na economia formal com a aparência de licitude.

A doutrina esclarece que nem todas as etapas podem existir em todos os crimes de lavagem de dinheiro; ou até mesmo podem trabalhar paralelamente no mesmo ato. Contudo, entendemos de suma importância à definição das etapas para a finalidade didática e melhor compreensão do tema.

Para Bottini e Badaró (2017), o processo de lavagem de dinheiro passa por três etapas: a ocultação, a dissimulação e integração dos bens à economia formal.

3.1 Fase da ocultação

Na primeira fase o agente atua com o objetivo de disfarçar os valores oriundos da prática do crime antecedente, para que a transação de grandes não fique muito aparente (MARTINELLI, 2008, p. 25).

Nesta etapa, os criminosos atuam em atividades comerciais e instituições bancárias e não bancárias e as transações são realizadas através de blocos menores de valores, para que dê maior discrição no ato, para que assim evite chamar a atenção das autoridades (MENDRONI, 2018, p.74).

É a fase que o agente tem maior proximidade com o produto da lavagem e do crime antecedente. (BOTTINI, 2017, p.320).

Para Martinelli (2008), no primeiro momento podem ser considerados alguns destinos favoritos que os lavadores optam para dar vazão aos capitais, das quais se destacam:

Por meio de instituições bancarias, utilizando-se de pequenos depósitos em contas bancárias - que não raramente podem contar com o auxilio de funcionários dessas instituições -, fazendo burlar os sistemas de fiscalização. Esta tática de pequenos depósitos tem nome é denominada smurfing (MARTINELLI, 2008, p.25).

No que dispõe a lei 9.613/98, em seu art. 11, o funcionário de agências financeiras deve realizar comunicação das operações com sérios indícios de lavagem e/ou quando combinado com a circular 3.461/09 do BACEN, de valores acima de R$10.000,00 e não haverá punição para os comunicadores que agirem de boa-fé.

Para Callegari e Weber (2017), a pretensão da norma em deixar ao funcionário o critério de avaliação e comunicação às autoridades em uma possível transação criminosa, ou que se suspeita, gera uma subjetividade por parte do agente, logo, o funcionário da instituição financeira que age de maneira cúmplice, pode simplesmente optar por não denunciar o lavador de capitais, e assim, rompendo a primeira barreira que os agentes enfrentam: a inserção dos valores na economia formal (CALLEGARI; WEBER, 2017, p. 27).

Acrescenta Martinelli outra maneira em que os criminosos buscam burlar o sistema antilavagem: a circulação de títulos de créditos em valores pequenos, diante da fácil transmissão destes títulos no mercado, de modo a gerar essa circulação acima de qualquer suspeita, já que e sabido que muitos destes títulos a transmissão de perfaz apenas com a entrega do título (crédito ao portador) (MARTINELLI, 2008, p. 27).

Não deixando de citar outra espécie utilizada pelos criminosos, se dá na utilização de jogos de azar, concursos, loterias, hipódromos, que são considerados métodos simples e com elevada segurança no sentido da falta de (efetiva) fiscalização, tornando-se assim modalidades muito utilizadas. Os ganhos adquiridos por meio de jogos de azar e afins são grandes e não rastreáveis, criando-se assim, uma possibilidade grandiosa de lucros no negócio, bem como a ocultação dos valores provenientes de atividades ilegais (CALEGARI; WEBER, 2017, p. 29).

Consoante o que foi dito, nos ensinam Marcia Monassi Mougenot Bonfim e Edilson Mougenot Bonfim:

Dessa forma, aquele que constituiu uma empresa através de lavagem de dinheiro, chegará à progressiva apropriação do mercado. O efeito é perverso sobre a ordem econômica, porque possibilita o controle por parte das organizações criminosas de diversos setores da economia, principalmente pelo efeito reflexo e íntima comunicação que os mesmos mantêm entre si (BONFIM, BONFIM, 2008, p.34).

Indubitavelmente, há inúmeras outras formas encontradas pelos lavadores de dinheiro, sendo o objetivo da exposição é apenas citar alguns exemplos de práticas encontradas no cotidiano, nas mais diversas áreas econômicas, mas que nem por isso podem ser consideras superiores ou inferiores às outras técnicas aplicadas, que são tão quão sofisticadas e demandam uma estrutura extremamente organizada comandada por técnicos e especialistas com alto conhecimento na atividade desenvolvida.

3.2 Fase da dissimulação

Nesta etapa, os lavadores de dinheiro buscam aparência de licitude, com o escopo de facilitar a circulação de todos os valores no mercado financeiro, fazendo assim, a transformação com a aparência de legalidade do ato, criando-se uma distância relativamente grande do crime que o gerou.

De maneira geral, essas transações são feitas de maneira eletrônica, por meio de depósitos em contas fantasmas que pertencem às organizações criminosas ou contas anônimas em países ditos como paraísos fiscais onde existem leis com amparo de sigilo bancário.

O advento da internet, bem como as demais tecnologias trouxe também um facilitador aos criminosos, que encontram assim demasiada rapidez e sigilo nas suas transações ilegais, gerando dificuldade a rastreabilidade dos valores inseridos eletronicamente.

Outra maneira comumente utilizada pelos lavadores é a utilização de nomes de pessoas falecidas, idosos ou de pessoas que não têm conexão com os fatos, a fim de criar uma transação fictícia para justificar o dinheiro passado de uma mão para outra, e como se pode vislumbrar, essa transação nem chega a acontecer, mas que gera a aparência de veracidade.

Por fim, os criminosos se esforçam para criarem empresas fantasmas em diversos países, para que possam facilitar a circulação de valores nas suas organizações e circulação de valores de outras organizações criminosas, para que possam comprar ações de uma das outras, com o devido a anonimato que essas transações fazem jus. E conforme supramencionado, o dinheiro vai se distanciando da aparência de ilicitude gerando a dificuldade de rastreabilidade em uma investigação.

3.3 Fase da integração

É a última etapa das fases do crime de lavagem de dinheiro, e nesta o agente busca inserir seus valores na economia legítima com investimentos ou compras de ativos de empresas (BOTTINI, 2017, p.33).

Para Mendroni, nesta fase os criminosos buscam justificar os valores aparentemente lícitos, aplicando-os de forma aberta na economia, por meio de transações negociais, permitindo assim a criação de empresas de fachada que prestam serviços entre si (MENDRONI, 2018, p. 78).

Nesta fase, os investigadores encontram maior dificuldade em rastrear os valores oriundos da prática delituosa, haja vista, que eles já estão incorporados à economia, tanto que o agente pode até sacar os valores em um banco e realizar negócios legítimos, estabelecendo assim a complicação: a missão rastrear um valor que já está fusionado com valores lícitos.


ASPECTOS PENAIS DO CRIME DE LAVAGEM

4.1 Autoria e participação

É de suma importância o estudo e a definição acerca dos referidos institutos, tendo em vista que o crime de lavagem de dinheiro geralmente é realizado e encoberto em concursos de pessoas, e muitas vezes os criminosos contam com o exercício de atividades profissionais de vários segmentos econômicos para o alcance de seus objetivos, tais como: advogados, corretores, bancários, dentre outros profissionais. Sendo assim, é necessária a fixação do âmbito da responsabilidade de cada agente com o escopo de não trazer prejuízos às atividades profissionais que podem ser utilizadas pelos criminosos, mas também que não deem margem à impunidade (BOTTINI, 2017, p.167).

4.1.1 Autoria

O Código Penal pátrio não dispôs o conceito de autoria, coautoria e participação, gerando margem para que o entendimento seja realizado de acordo com a situação de fato, dispondo apenas que, em um primeiro instante, todos contribuem para o fato típico e respondem pelo mesmo crime, senão vejamos: Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

Para que possamos definir a conceituação referente à autoria, nos reportamos aos entendimentos doutrinários, sendo importante pontuar que a definição de autoria encontra algumas divergências entre os autores, e compõe três vertentes: a teoria unitária; teoria extensiva e teoria restritiva.

4.1.2 Autoria unitária

Trata-se da teoria em que todos são considerados como autores, bem como causadores do fato típico, tendo por base a teoria da conditio sine qua non não se levando em conta o grau de participação do agente na conduta criminosa. Nesta teoria inexiste a figura do partícipe. A referida teoria já não é adotada no Brasil, contudo já fora adota no Código Penal de 1940 em seu artigo 25. Na Alemanha ela ainda tem sido adotada em crimes culposos (CAPEZ, 2014, p. 355).

Juarez Cirino dos Santos aponta a desvantagem dessa teoria, no sentido de que:

Mas as desvantagens da teoria unitária de autor parecem mais relevantes: se as contribuições causais para o fato punível são equivalentes, então (a) todos os sujeitos envolvidos no tipo de injusto são nivelados, desaparecendo diferenças objetivas e subjetivas na produção do desvalor de ação e do desvalor de resultado que definem o tipo de injusto, e (b) sujeitos não qualificados podem ser autores de delitos especiais (por exemplo, a qualidade de funcionário público, no peculato) ou de delitos de mão própria (o falso testemunho), o que representa um contrassenso. A natureza grosseira da teoria unitária de autor explica seu abandono progressivo, mesmo naquelas legislações -como abrasileira - que, por inércia ou comodismo, ainda a adotam (SANTOS, 2014, p. 345)

4.1.3 Autoria extensiva

Possui por base assim como a teoria unitária, a teoria a conditio sine qua non, não fazendo distinção entre autor e participe, tornando-se todos os agentes da conduta criminosa como autores do fato. Essa teoria pode ser entendida como mais branda do que a teoria unitária, já que ela possui causas de diminuição de pena e possui diferentes escalas de autoria. Essa teoria sofre críticas tendo uma vez que urge uma figura de autoria mitigada, gerando uma forma de participação disfarçada, como se fosse um participe, mas com a denominação de autor com menor participação (CAPEZ,2010, p. 356).

4.1.4 Autoria restritiva

A autoria restritiva traz consigo a diferenciação entre o autor do fato típico e o cumplice da conduta criminosa. Essa teoria comporta três posições: teoria objetivo-formal; teoria objetivo-material e teoria do domínio do fato (CAPEZ, 2010, p.356)

Juarez Cirino Silva também critica aplicação da seguinte forma:

(...) mas tem o defeito de não explicar as hipóteses de autoria mediata (o herdeiro entrega bombom envenenado à tia rica, através do filho menor, para apressar o recebimento da herança) e de coautoria (B distrai a atenção da tia rica para que A possa colocar veneno no café dela). (SILVA, 2010, p.3460).

4.1.5 Teoria objetivo-formal

Segundo essa teoria o autor é apenas aquele que pratica o verbo do tipo, a conduta principal, isto é, aquele que constrange, mata, subtrai etc. Já o partícipe entende-se por aquele que não pratica a conduta típica, mas concorre para o resultado. Nesta linha de entendimento, o mandante do crime não pode ser considerado o autor do fato típico, pois ele não pratica o verbo do tipo, sendo considerado participe do crime. As críticas desta teoria estão justamente no entendimento que o autor intelectual, aquele que planeja os passos da ação criminosa, mas que não realiza em si o verbo do tipo é considerado apenas como partícipe. No que tange especificamente a lei brasileira de lavagem de dinheiro, a adoção desta teoria pode gerar controvérsias, visto que, deve-se elucidar que em alguns casos haverá autoria e participação (CAPEZ, 2010, p.356).

Ademais, conforme o disposto na Lei 9.613/98, artigo 1º § 2º II:

Art. 1° § 2º II: Incorre na mesma pena quem participa de grupo, associação, ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundaria é dirigida à pratica de crimes previstos nessa Lei. (grifo nosso).

Acrescentam Mirabete e Fabbrini: Esse conceito limitado exclui, porém, aquele que comete o crime valendo-se de quem não age com culpabilidade (menor, insano mental etc.), confundido autor mediato com partícipe (MIRABETE, FABBRINI, 2008, p. 228).

São partidários dessa teoria: Damásio E. de Jesus, Anibal Bruno, Julio Fabbrini Mirabbete e Renato N. Fabbrini.

Em nossa análise, a teoria em tela contradiz o que dispõe expressamente na Lei de lavagem de dinheiro, dado que o dispositivo legal menciona diretamente que aquele que participa do ilícito penal (tendo conhecimento), mesmo que não praticando o verbo do tipo responderá da mesma forma daquele que pratica a ação criminosa principal. Não se pode dizer que aquele que dá as ordens mas não pratica diretamente a conduta será apenas considerado partícipe.

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4.1.6 Teoria objetivo-material

Para essa teoria, o autor não é apenas aquele que prática o verbo do tipo, mas também aquele que concorre com uma causa para o resultado. Logo, não se faz qualquer distinção entre autor e partícipe, tendo em vista que todos os agentes concorreram para o resultado (MIRABETE; FABBRINI, 2008, p.228).

4.1.7 Teoria do domínio do fato

A teoria do domínio do fato foi utilizada pela primeira vez no Direito Penal em 1915, na monografia de Hegler. Contudo, quando foi criada, apresentava um sentido diverso do que possui nos dias atuais, pois para Hegler, a teoria do domínio do fato representava um elemento da personalidade do agente.

Após alguns anos, o próprio Hegler modificou sua teoria para afirmar que o autor livre a capaz de imputação era o senhor sobre o fato de sua condição inerente, e assim, se aproximou um pouco mais da representação da teoria do domínio do fato nos dias atuais, pois se tratava da ideia que temos hoje como autoria mediata (aquele que não age com dolo ou culpa) (ALFLEN, 2014, p.83).

Não obstante, a doutrina entende que a teoria do domínio do fato foi criada por Hans Welzel, em 1939, e sua tese de que nos crimes dolosos é autor quem tem o controle final do fato, foi aprimorada por Claus Roxin, em 1963, por meio de sua obra Täterschaft und Tatherrschaf, e começou a ser difundida com maior intensidade no direito brasileiro a partir da ação penal 470, conhecida como, mensalão (BITTENCOURT, 2012, p. 549).

A teoria do domínio do fato é representada pelo controle do agente sobre sua conduta, sendo capaz de decidir entre interromper ou prosseguir nas suas ações. Pouco importa se o agente pratica o verbo do tipo legal, mas sim, se ele possui o poder decisório de seus atos, desde o início da execução até a consumação do resultado. Nesta teoria o mandante embora não pratique a conduta discriminada no verbo do tipo, deve ser considerado como autor, no que diz respeito ao poder de escolha em relação ao crime desde o início dos atos até a sua consumação.

Na dicção de Wagner Brússolo Pacheco:

A teoria do domínio do fato exercida sobre a ação típica, isto é, será autor aquele que dominar a realização típica, exercendo controle sobre a continuidade ou paralisação da ação; e será partícipe aquele que, embora colaborando dolosamente para a realização da ação, não a domina. (PACHECO apud MIRABETE, FABBRINI, 2008, p. 229).

Isto posto, o autor intelectual do crime, segundo essa teoria, será considerado de fato como autor, assim como todo aquele que tenha domínio da ação, mesmo que não execute materialmente a conduta criminosa.

Inclusive, cabe mencionar o que reza o artigo. 1°, § 2°, I e II da Lei antilavagem (BRASIL, 1998):

Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.

()

§ 2 Incorre, ainda, na mesma pena quem:

I- utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal;

II- participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.

Em nosso entendimento, ao realizar a análise dos supracitados incisos, fica translúcido que o tipo penal da lei de lavagem de dinheiro  adota acertadamente a teoria do domínio do fato, uma vez que utiliza os verbos utiliza e participa para os agentes que não praticaram diretamente a ação descrita no verbo do tipo (ocultar ou dissimular), mas se aproveitam de alguma forma do produto do crime. Bem como aqueles que atuam em escritórios que sabem que a atividade desenvolvida visa a lavagem de dinheiro, uma vez que podem decidir em não compactuar com o delito.

Nesta linha de entendimento mencionam Bottini e Badaró:

Assim, em primeiro lugar, será autor aquele que pratica diretamente e sem coação, qualquer dos comportamentos descritos no art 1º da Lei, com ciência e intenção de realização típica. Aquele que oculta ou dissimula bens ou produtos provenientes de infração penal (art. 1º caput), realiza os atos de mascaramento descritos no §1º. ou utiliza bens na atividade econômica ou financeira (§ 2º, I) será o autor do crime de lavagem, desde que aja como dolo, na forma indicada nos apartados anteriores(...) (BOTTINI; BADARÓ 2017, p. 197).

4.2 Autoria mediata e imediata

Conforme dito anteriormente, não pode ser considerado autor no delito de lavagem de capitais somente aquele que praticou diretamente o verbo do tipo, mas também aqueles que atuaram de forma funcional e essencial com crime, em uma posição chave, e tendo o controle consciente de suas ações e possuindo o poder de interrupção dos seus atos (reportando-se à teoria do domínio do fato), e assim, será autor do crime em tela, aquele que trabalha em um escritório que participa de um esquema de lavagem de capitais que visa controlar processos e/ou movimentações financeiras, pois possui o verdadeiro domínio funcional dos fatos (BOTTINI, BADARÓ 2017, p. 168)

A partir da premissa da aplicação da teoria do domínio do fato no Direito Penal pátrio, é necessária a existência de duas outras concepções, para que se possa trazer à luz uma linha tênue entre aquele que age com o dolo específico e daquele que age sem o dolo ou culpabilidade.

Contudo, o Direito Penal pátrio não se preocupou em tratar desta questão, deixando a tarefa para a jurisprudência e doutrina, que assim definiram esse divisor de águas em autoria imediata e mediata, com o escopo de diferenciar o animus do agente.

4.2.1 Teoria Mediata

O autor mediato é a pessoa que age isento de dolo e culpabilidade, geralmente realizado por meio de coação ou erro. Configura-se quando o agente se utiliza de um terceiro como instrumento para a prática do ato delitivo, dito comumente como homem detrás, que provoca este terceiro a realizar condutas de que ele não tem o real conhecimento das consequências dos seus atos. O homem detrás possui controle absoluto sobre o terceiro executor do fato, e responde como autor do delito e o terceiro executor do fato será impunível, pois realiza o ato em erro de tipo, ato atípico no crime de lavagem de dinheiro.

Em quatro situações não haverá a culpabilidade do agente, configurando o instituto da autoria mediata: inimputabilidade do agente, erro de proibição, inexigibilidade de conduta diversa e coação moral irresistível. A título de exemplo podemos citar o caso da conta bancária de um menor de idade usada para lavar dinheiro ou um corretor de imóveis que sofrendo ameaça realiza operações de compra e venda de imóveis com valores fictícios.

Callegari e Weber acrescentam que, alguns doutrinadores que adotam a teoria da autoria formal-objetivo aceitam a autoria mediata, contudo, enfrentam dificuldades para explicar o referido instituto, tendo em vista que para esse setor autor somente é aquele que realiza o verbo do tipo pessoalmente. Já aqueles que adotam a teoria do domínio do fato podem de mais facilmente explicar a autoria mediata: uma forma de autoria que se caracteriza pelo domínio do fato (CALLEGARI, WEBER, 2017, p.67).

A nota marcante da autoria mediata - segundo René Ariel Dotti - Consiste em que o domínio do fato pertence exclusivamente ao autor e não ao executor (autor imediato), o qual não detém o domínio da ação e, consequentemente, do fato. (apud MIRABETE, FABBRINI, 2008, p. 232).

4.2.2 Teoria Imediata

Não obstante, o autor imediato é aquele que manifesta uma função essencial com o delito, sendo considerado com uma chave, necessário para a consumação do fato típico, sendo dotado de consciência de suas atribuições relacionado com o curso causal e tenha o poder de escolha de permanecer ou parar com o exercício de sua atividade no curso do crime, mesmo que esteja agindo em grupo, conserve sua autonomia naquela atividade desempenhada, isto é, realizando o domínio funcional dos fatos. Ex. escritório de advocacia envolvido em esquema de lavagem de dinheiro, que controla os investimentos, movimentações, negociações com bancos e doleiros, dentre outros (CALLEGARI, WEBER. 2017).

É importante frisar a opinião de Bottini e Badaró, no sentido de que a aplicação da teoria mediata só deve ser aplicada em casos de instituições que exercem apenas atividades criminosas na sua essência, como no caso do narcotráfico, já que fica evidente a existência do homem por trás de tais situações, pois sempre existe um mandante nessas organizações. Nas organizações que operam em sua maioria em atividades licitas, mas que, eventualmente, atuam em atividades ilícitas, como por exemplo, instituições bancárias, a teoria mediata não deve ser aplicada, pois as ordens para realizar a conduta criminosa não podem respaldar um domínio e se são obedecidas não são derivadas de estrutura de poder, mas sim de uma iniciativa particular do próprio agente.

4.3 Coautoria

O instituto da coautoria também tem sua origem na teoria do domínio do fato, pois entende que o mesmo fato típico pode ser exercido por vários agentes simultaneamente que possuem domínio de suas ações, baseando-se na ideia de divisão do trabalho.

Segundo Claus Roxin, a coautoria tem como base o domínio funcional do fato, tratando-se da possibilidade do agente interferir na configuração do injusto, juntamente com os outros agentes, gerando no caso concreto que a desistência desse coautor traria prejuízos à empreitada criminosa, gerando mudanças significativas ou até mesmo seu fracasso. Se a desistência do agente no caso em tela não trouxesse essa mudança substancial ou o insucesso, o agente seria considerado como partícipe.

O instituto da coautoria, ao contrário de outros países, não é disciplinado no Código Penal brasileiro, sendo mediado por conceitos doutrinários.

No tocante à Lei de Lavagem de Dinheiro, a doutrina majoritária adota a posição que aqueles que dentro do plano criminoso pactuam realizar as condutas descritas na Lei 9.613/90 (Lavagem de Dinheiro) com o auxílio de demais agentes, cada coautor será responsabilizado como autor pela totalidade da conduta criminosa.

Para Rodrigo Leite Prado (2017), a configuração da autoria dá-se mediante dois requisitos: a resolução comum para o fato e a concretização comum dessa resolução.

A resolução comum para o fato compreende na decisão do bando criminoso de coadjuvar na pratica do crime. Depende de um acordo de vontades. Não há necessidade que seja acordado antes da execução, apenas necessário o comprometimento do coautor aconteça em quaisquer etapas do caminho do crime.

Já a concretização comum do plano coletivo é diversa de execução simultânea da conduta ilícita. As colaborações podem ser anteriores ou posteriores a preparação da empreitada, o que é relevante para a sua configuração é se o agente coautor compartilhava com seus comparsas o domínio das tomadas de decisões do bando.

Destarte, há autoria em todos os episódios de lavagem de dinheiro terceirizada, uma vez que, as contribuições do autor do crime oculto quanto ao lavador profissional são indispensáveis para a estrutura do delito.

Algumas categorias profissionais estão mais inclinadas a exercerem a lavagem terceirizada. São elas: os gestores de loterias/bingos, os agentes de artistas/atletas, os donos de cartórios, os advogados, os doleiros, os auditores e contadores, os corretores de imóveis, os negociantes de metais precisos, os gestores de fundos e trusts, e todas as pessoas físicas ou jurídicas que se envolvam com comércio de bens de luxo ou que utilizem grandes somas de dinheiro em espécie.

4.4 Participação

O Instituto da participação respalda-se na livre, dolosa e significativa contribuição para um crime cometido por um terceiro, contudo, desempenhada por quem não tem o domino do fato, o que se difere de coautoria. Seguindo o princípio da acessoriedade limitada, a configuração da participação pressupõe um fato típico e antijurídico ao menos na sua forma tentada.

Conforme dispõe o artigo 31 do Código Penal (BRASIL, 1940), in verbis: Art. 31 o ajuste, a determinação, ou a instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado.

O Código penal prevê, especificamente, no tocante à participação no artigo 29, §§1º e 2º, prevendo que, em casos menos gravosos, há possibilidade de atenuação da pena, senão vejamos:

§ 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço.

§ 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.

4.4.1 Formas de participação

A legislação pátria não faz menção no que diz respeito às formas de participação. A doutrina brasileira traz como suporte as formas dispostas no art. 31 do Código Penal (instigação e o auxílio).

4.4.2 A instigação

Também denominada como colaboração moral, a instigação decorre quando o agente faz criar a intenção no outro para a prática do crime ou até mesmo faz reforçar a intenção na prática da conduta típica. Na doutrina estrangeira é denominada como indução, que diz respeito ao incentivo do agente de modo a impulsionar a outrem para que realize a conduta descrita no tipo. Para Mirabete e Fabbrini, a ação pode ser exercida por meio de um conselho, comando, persuasão () (MIRABETE, FABBRINI, 2008, p. 231).

Cumpre salientar que, quando o agente possui o domínio do fato na conduta do outro, não há o que se falar em instigação. O que caracteriza a ideia de instigação está na prática do incentivo do ato, contudo, o agente não tenha o domínio do fato, ou seja, o poder decisório nas condutas do agente instigado. Se assim não fosse, o legislador não se preocuparia em possibilitar a atenuação das penas na verificação de participação de menor potencial ofensivo.

Ademais, para a caracterização da instigação no delito previsto na Lei n° 9.613/98 se faz necessário que o agente instigado tenha conhecimento de que age com o dolo de lavar dinheiro.

4.4.3 Auxílio

Para Mirabete e Fabbrini, o auxílio se confunde com a cumplicidade, no sentido que o agente age na intenção de prestar ajuda ao autor ou partícipe, agindo de modo ativo. Os autores citam o exemplo de um empréstimo de uma arma e a revelação de um segredo de um cofre

4.5 Consumação e tentativa

4.5.1 Consumação

Consoante com o que já fora mencionado, a consumação no delito de lavagem de dinheiro se dá já na fase inicial, a denominada colocação, bastando apenas que o agente pratique a conduta de ocultar ou dissimular os valores oriundos da pratica criminosa. Não há necessidade que o agente pratique todas as etapas da lavagem de capitais, não sendo, portanto, obrigatória a demonstração do caminho do dinheiro, apenas a comprovação da primeira transação financeira.

A razão pela qual a consumação do crime de lavagem de dinheiro se dá já na primeira fase, a denominada colocação, e se justifica pela ideia da dificuldade e complexidade em apurar as engrenagens do crime em tela, tendo em vista que, em cada etapa alcançada o dinheiro fica mais envolvido com outros bens de práticas teoricamente lícitas e ainda, as investigações demandariam mais tempo para a solução completa do caso, algo que contraria o objetivo da lei.

Outro critério a ser observado na configuração do delito de lavagem de capitais é o elemento subjetivo do tipo, o dolo direto. Deve estar demonstrada a real intenção do agente em ocultar ou dissimular a vantagem do crime.

Para Marcelo Mendroni (2018), não basta que o agente guarde o dinheiro advindo do crime. O autor menciona que não pode ser considerado lavador de dinheiro aquele que gasta em proveito próprio os valores advindos da prática delituosa, como por exemplo, utilizam para pagamento de restaurantes, roupas, ou deposita em sua conta bancária, justificando pela falta do dolo direto de lavar dinheiro. Contudo, entende que se o agente transfere os valores para contas bancárias de terceiros (amigos, parentes, laranjas), para após isso repassar à sua conta, pode ser considerado lavagem de dinheiro, justificando para presunção do dolo direto de dissimular a origem do dinheiro, mas sempre observando o caso concreto, buscando a avaliação do contexto da conduta.

4.5.2 Tentativa

A tentativa está conceituada no Código Penal, artigo 14, II, no qual dispõe: Art. 14 () tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

Neste caso, a tentativa se dá quando o agente inicia os atos executórios, e é de alguma forma impedido, ou seja, há alguma circunstância alheia à sua vontade que faz com que o agente não consiga prosseguir com o delito.

Cumpre ressaltar que, quando se fala de tentativa, o agente não prosseguiu com os atos executórios porque não pôde de alguma forma, mas sua intenção (animus) era de consumar o delito.

A questão da admissibilidade da tentativa no tocante ao crime de lavagem de dinheiro encontra respaldo no artigo 1º, §3º, da Lei nº 9.613/98 (BRASIL, 1998), in verbis: Art. 1° A tentativa é punida nos termos do parágrafo único do art. 14 do Código Penal.

Para tanto, Mendroni (2017, p. 109) cita o exemplo do agente deposita R$ 2 milhões em uma conta de um laranja, e este não emite ordem de transferência do valor a outra conta no exterior. O bancário analisando o perfil do correntista desconfia e comunica às autoridades, e bloqueiam o valor. De maneira que o crime não se consumou por condições alheias a vontade do agente- configurando assim- a tentativa no delito de lavagem de capitais.

4.5.3 Sujeito ativo e passivo
4.5.3.1 Sujeito ativo

Conforme dispõe o art. 1º, caput, da lei antilavagem, a conduta típica pode ser praticada por qualquer pessoa, tratando-se de crime comum. Quer dizer, não há necessidade que o agente tenha algum tipo de qualificação especial para ser sujeito ativo do delito.

A questão controvertida na doutrina paira na questão da autolavagem, isto é, se o sujeito ativo do crime antecedente pode ser também autor do crime de lavagem de dinheiro.

Para Bottini, é possível a dupla punição, tendo em vista a omissão da lei quanto a autolavagem. Diferentemente o que ocorre na Alemanha e Itália, que em seus respectivos Códigos Penais preveem expressamente a impossibilidade do autor do crime antecedente ser agente do crime de lavagem. Não obstante, os Códigos Penais espanhol e português dispõem pela possibilidade da dupla punição.

Cumpre observar que a doutrina dominante no direito pátrio acompanha a posição de Bottini.

O supracitado autor acrescenta que, se no Brasil não fosse admitida a possibilidade da dupla punição, o crime tipificado na Lei nº 9.613/98 não poderia ser caracterizado como comum, mas sim, próprio, tendo em vista que para a prática da conduta o agente não poderia ser autor do crime antecedente.

Diferentemente do que ocorre no crime de receptação, em que também tem como requisito a existência de um delito prévio, o autor do crime antecedente não pode ser agente ativo da receptação. Essa questão tem justificativa na ideia do bem jurídico ofendido, que tanto no crime antecedente e quanto no crime de receptação a lesão se dá ao patrimônio. O que não ocorre no delito de lavagem de capitais.

Mendroni aborda a questão processual para corroborar o entendimento de que é possível o enquadramento do agente nos dois crimes. O autor argumenta pela independência dos dois tipos penais, que de acordo o artigo. 2º II e III, b,§ 1º da Lei Antilavagem:

Art. 2º II: independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta Lei a decisão sobre a unidade de processo e julgamento.

Art. 2º III; b, §1º: A denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente.

Destarte, o autor entende pela autonomia dos crimes, que de acordo com a norma processual antilavagem não há necessidade que haja um processo ou julgamento do crime antecedente, para que se prossiga com as investigações e punições do crime de lavagem de dinheiro.

Todavia, há aqueles que não concordam que o autor do crime antecedente pode ser agente do crime posterior, como por exemplo, Santiago Mir Puig. O autor argumenta no sentido de que o crime de lavagem de dinheiro fica consumido pelo crime anterior, diante da necessidade do agente assegurar ou utilizar o benefício adquirido pela conduta criminosa originaria.

Blanco Cordero entende que a autolavagem não deve ser aplicada, diante da inexigibilidade de conduta diversa, pois não há como se exigir outra atuação do agente, senão a de ocultar ou dissimular os valores oriundos do crime antecedente.

Destarte, os autores que se posicionam contra a aplicação da dupla punição do agente do crime antecedente, possuem como base, a ideia do princípio da consunção.

4.5.3.2 Sujeito Passivo

Para Mendroni (2017), há dois sujeitos passivos do crime de lavagem de dinheiro: a sociedade local, diante do abalo econômico e social que esta conduta acarreta, e o Estado que tem sua soberania e segurança ameaçadas.

Também partidário desta linha de entendimento, Cesar Antonio da Silva (2001), acrescenta que o delito de lavagem de capitais afeta diretamente a ordem econômica, lesa tanto o Estado, quanto o indivíduo em um menor grau.

4.6 Exclusão do rol de crimes antecedentes e crime anterior prescrito

4.6.1 A exclusão do rol dos crimes antecedentes

Com o advento da Lei 12.683 de 9.07.2017, os incisos I a VIII da Lei nº 9.613/98 foram revogados, extinguindo assim, o rol dos crimes antecedentes, denominando a legislação pátria como de terceira geração, bem como a França e Suíça.

Nesta esteira, a lei supracitada alterou o artigo 1º da lei antilavagem, passando a tipificar o delito de lavagem de dinheiro da seguinte forma: Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade dos bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.

Com o acréscimo da expressão infração penal o legislador abrangeu as condutas-previstas no Decreto Lei n. 3.688/1941 (Lei das contravenções penais) como passíveis de crimes de lavagem de capitais, tendo em vista que o Brasil adota o modo bipartido, em que infração penal é gênero, e tem como espécies o crime e a contravenção. Logo, a prática de lavagem de dinheiro advinda dos jogos de azar é possível.

Diante disso, a Lei n° 12683/12 atualizou no aspecto de permitir que qualquer infração penal seja passível a configurar como antecedente da lavagem de capitais.

4.6.2 Crime anterior prescrito

O crime de lavagem de dinheiro também é denominado pela doutrina como crimes parasitários, pressupondo a existência de um delito prévio para a caracterização deste. Não há o que se falar em lavagem de dinheiro de valores advindos de práticas lícitas.

Conforme dispõe o art. 2°, § 1° da Lei 9613/1998:

A denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido, isento de pena o autor ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente (grifo nosso).

Ao realizar a análise do referido artigo, verifica-se que mesmo com a extinção da punibilidade do autor do crime antecedente, não obstará o prosseguimento da ação criminal em relação ao crime de lavagem de capitais, pois, o instituto da prescrição previsto no art. 107, IV, do Código Penal (BRASIL, 1940), tem como objetivo a isenção do réu, in verbis:

Art. 107 Extingue-se a punibilidade:

I pela morte do agente;

II pela anistia, graça ou indulto;

III pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;

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Sobre a autora
Brígida Riccetto

Advogada OAB/SP 448.499 Pós-Graduanda em Direito Empresarial FGV/SP Membro da Associação Nacional dos Profissionais de Privacidade de Dados -ANPPD® Atuante em direito contratual, compliance e empresarial.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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