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Pedido de falência formulado por sócio ou acionista minoritário

04/04/2022 às 18:45

Resumo:


  • A Lei 11.101/05 prevê a possibilidade de "autofalência", onde o devedor em crise pode confessar sua insolvência e pedir sua retirada do mercado.

  • O pedido de autofalência não é uma obrigação, mas uma faculdade do devedor que deve agir de boa-fé e ética ao reconhecer sua situação.

  • A legislação estabelece quem tem legitimidade para solicitar a falência de uma empresa, incluindo acionistas e sócios, e como a decisão majoritária pode determinar a abertura ou não do processo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Examina-se a impossibilidade de sócio ou acionista requerer a falência de pessoa jurídica da qual faz parte.

A Lei 11.101/05 apresenta importante instrumento jurídico ao devedor mergulhado em crise que opta por voluntariamente se retirar do mercado[1], confessando seu estado de insolvência. Trata-se da assim denominada “autofalência” - ou pedido de falência - prevista nos artigos 105 a 107 do texto legal.

 De início, consoante ensinamento de Waldemar Ferreira, o devedor mergulhado em crise não carece aguardar o vencimento de obrigação líquida, podendo se antecipar, preventivamente, visando a abertura judicial da falência[2]; também não se exige que sejam vários credores.

Esclarece  o mesmo autor: insensato seria o juiz que, recebido o pedido em tais termos, o despachasse determinando que o devedor aguardasse o vencimento de suas dívidas, a fim de, não as pagando, reiterá-lo[3]. Com razão o tratadista. A confissão do devedor, lastreada em provas, basta para fins de abertura da falência. Evidentemente, há de cumprir os requisitos legais.

O pedido de autofalência, a bem de ver, se traduz em mera faculdade, não se traduz em obrigação do devedor, muito embora a lei utilize o verbo “deverá”. Inexistem práticas consequências jurídicas caso o devedor se não valha do instituto jurídico em exame. Mas, como dito, deve(ria) se porta de boa-fé e ética, reconhecendo a insolvência e pedindo seja retirado do mercado.

Em tese, apenas em tese, o devedor imbuído de boa-fé se deveria utilizar do mecanismo legal e buscar sua imediata retirada do mercado, muito embora na prática nem sempre haja muitos pedidos de autofalência. Assim agindo, evitaria efeito multiplicador em relação aos seus credores e não permitiria insegurança no mercado, por exemplo.

O art. 105 da referida lei não diz respeito aos componentes da sociedade empresária (sócios ou acionistas) e sim apenas a esta - a pessoa jurídica -, sobre a qual recai exclusiva legitimidade ativa processual. O mesmo se diga em relação à sociedade unipessoal limitada e empresário individual.

Somente eles detém legitimidade ativa processual para formulação de tal pleito em juízo.

 Quanto aos demais legitimados para requerer a falência do devedor, estão previstos no art. 97 da Lei 11.101/05, importando analisar aqui apenas o inciso III, que estabelece: o cotista ou o acionista do devedor na forma da lei ou do ato constitutivo da sociedade.

 Em caso tal, o acionista ou quotista atua[ria] judicialmente em nome próprio, visando a retirada da pessoa jurídica do mercado em que atua. O inciso legal há de ser analisado com cautela.

 O sócio ou acionista deve[ria] ter motivos relevantes para que se abra a falência, porquanto, em caso de insatisfação quanto aos rumos societários, o caminho correto, a bem de ver, seria a dissolução parcial [importa a preservação da empresa e a dissolução total é a última possibilidade] e seu afastamento (CPC, art. 599) e não pedido de falência.

As razões do acionista devem ser sérias e respaldadas em provas contundentes no sentido de que, por exemplo, está havendo desastrosa condução dos negócios empresariais, pondo em riscos os direitos dos acionistas.

Os motivos, insiste-se, pois, hão de ser relevantes e provados, até porque os efeitos da decretação judicial da falência são variados e podem até recair nos sócios ou acionistas.

A Lei 6.404/76 apresenta um dispositivo raramente comentado pela doutrina. Trata-se do art. 122, inc. IX e parágrafo único. Em caso tal, a maioria dos acionistas delibera por autorizar o administrador da pessoa jurídica a confessar a falência[4]. A matéria é de competência privativa da assembleia geral extraordinária (art. 131), cabendo a esta deliberar se autoriza ou não o pedido de falência.

Saliente-se que o intérprete deve[ria] levar a efeito a indispensável interconexão entre a Lei 11.101/05 e a Lei 6.404/76 [o que sói ocorrer em relação aos que de fato compreendem a amplitude dos diplomas legais], ou seja, os enunciados legais hão de ser analisados em conjunto -  textos das Leis 11.101/05 e 6.404/76 -, não bastando apenas observar o dispositivo do art. 97, inc. III daquela. Necessária a confluência dos textos legais; indispensável o cotejo analítico.

Aqui não há espaço para reflexão a respeito do parágrafo único do referido art. 122, sendo que, como dito, raramente é tratado pela doutrina especializada.

Com efeito, se a maioria dos acionistas[5] entende que não é de se autorizar o administrador a requerer a abertura judicial de falência, inexiste legitimidade ao minoritário. Isso porque a maioria assim decidiu, tal como determina a lei e estatuto social.

Caso o acionista ou sócio minoritário esteja descontente com a gestão empresarial, ou mesmo com o resultado da votação que lhe foi desfavorável, se pode valer da dissolução parcial da sociedade, mas não possui legitimidade ativa processual para requerer abertura judicial da falência da pessoa jurídica.

Ora, se a maioria dos acionistas optou por não autorizar tal pleito judicial [requerimento de falência], descaberia ao minoritário ir contra esse entendimento majoritário e tomado conforme regras estabelecidas na Lei 6.404/76.

A via adequada a buscar é a dissolução parcial da sociedade, com sua retirada do quadro societário, nos termos da legislação processual civil.


[1] O mercado, como instituição jurídica e social que é, tem como princípios: estabilidade, calculabilidade, previsibilidade, segurança, regularidade, constância e objetividade em seu funcionamento. Os efeitos da abertura judicial de falência de uma pessoa jurídica certamente são múltiplos no mercado em que atua.

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[2] Instituições de Direito Comercial. Quinto Volume. A falência. São Paulo: Freitas Bastos, 1951, p. 94.

[3] Op. cit., p. 94.

[4] Estabelece o art. 8º, §1º do ab-rogado Decreto-Lei 7.661/45 que os sócios que não assinem o requerimento podem opor-se à declaração da falência e usar dos recursos admitidos nesta Lei. O art. 105 da Lei 11.101/05 nada dispõe a respeito da oposição. Consta do art. 1.071, inc. VIII, do Código Civil, que, para requerer “concordata”, depende da deliberação dos sócios (maioria absoluta, art. 1.010).

[5] Lei 6.404/767, art. 129. Maioria de votos dos presentes, não sendo computados em branco. Dito de outro modo, metade de votos mais um dos presentes.

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Sobre o autor
Carlos Roberto Claro

Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; Parecerista; Pesquisador; Autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CLARO, Carlos Roberto. Pedido de falência formulado por sócio ou acionista minoritário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6851, 4 abr. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96689. Acesso em: 23 dez. 2024.

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