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Gestão democrática e participativa no governo da Província do Bié (Angola)

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19/05/2022 às 15:00
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Estuda-se a concordância com a gestão da implementação das políticas públicas entre os funcionários do governo e na sociedade civil.

Resumo: A pesquisa Gestão Democrática e Participativa do Governo da província do Bié tem como finalidade conhecer o grau de concordância dos funcionários do governo, assim como da Sociedade Civil com a gestão que desenvolve o Governo na implementação das políticas públicas. O desenho institucional da gestão pública, a partir da Constituição de 2010, considera a importância de desenvolver este processo considerando três dimensões fundamentais: descentralização, participação e transparência. A perspectiva teórica adoptada tomou por referência uma análise do contexto de formulação e implementação das políticas públicas. Os conceitos relacionados com a Gestão Democrática e Participativa serviram como caminho para investigar os elementos que fundamentaram todo o processo. A análise de conteúdo dos documentos que tratam de Gestão Democrática implementada e a análise dos dados derivados do questionário aplicado aos funcionários do governo e aos membros da Sociedade Civil constituíram a base de referência da pesquisa. A análise estatística dos resultados permitiu testar a hipótese em estudo, comprovando-se um alto grau de divergência nas opiniões entre os funcionários do governo e os membros da Sociedade Civil relacionadas com o processo de Gestão Democrática e Participativa que se desenvolve pelo governo na implementação das políticas públicas. Os seus graus de concordância ficam entre as categorias baixo e médio. Também são apresentadas sugestões que ampliam e dão mais consistência aos processos democráticos participativos seja pela implementação dos mecanismos já previstos nos marcos legais, seja pela adopção de práticas alternativas como o estabelecimento do diálogo como práctica da democracia.

Palavras-chave: Gestão. Democracia. Participação. Gestão Democrática e Participativa.

Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 1.1. ENQUADRAMENTO GENÉRICO. 1.1.1. Justificativa. 1.2. PROBLEMA. 1.2.1. Problematização - objecto de estudo. 1.2.2. Pergunta de partida. 1.3. HIPÓTESE. 1.4. OBJECTIVOS. 1.4.1. Objectivo geral. 1.4.2. Objectivos Específicos. 1.5. METODOLOGIA. 1.5.1. Métodos. 1.5.2. Técnicas. 1.5.3. Procedimentos. 1.6. ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO. 2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO. 2.1. ABORDAGEM CONCEPTUAL. 2.1.1. A gestão e os gestores. 2.1.2. Componentes fundamentais do conceito de gestão. 2.1.3. As competências dos gestores. 2.1.4 Abordagens conceituais acerca da democracia 2.1.5. Abordagens conceituais acerca da participação. 2.1.6. A gestão democrática e participativa. 2.2. DOUTRINAS CIENTÍFICAS. 2.2.1. Alguns pensamentos das filosofias democráticas. 2.2.2. A democracia segundo o pensamento de Pavan. 2.2.3. Fundamentos científicos da teoria participativa. 2.3. EXPERIENCIAS INTERNACIONAIS. 2.3.1. Experiencias de democracias participativas no mundo. 3. ENQUADRAMENTO CONTEXTUAL. 3.1. CARACTERIZAÇÃO CONTEXTUAL. 3.1.1. Caracterização da Província do Bié. 3.1.2. Ambiente macroeconómico. 3.1.3. Políticas governamentais. 3.2. ENQUADRAMENTO HISTÓRICO. 3.2.1. Antecedentes das dificuldades de participação da Sociedade Civil angolana. 3.3. BASES LEGAIS. 4. ESTUDO DE CASO 4.1. CARACTERIZAÇÃO DA UNIDADE DE AMOSTRA 4.1.1. População e amostra. 4.1.2. Caracterização sociodemográfica da amostra. 4.2. RESULTADOS DO ESTUDO. 4.2.1. Descrição dos resultados. 4.3. ACÇÕES PARA A MELHORIA DA GESTÃO DEMOCRÁTICA E PARTICIPATIVA. 5. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES. 6. BIBLIOGRAFIA.


1. INTRODUÇÃO

1.1. Enquadramento genérico

Em Angola, está em curso um novo ciclo de desenvolvimento, fruto de um processo de reconstrução institucional iniciado há mais de uma década; sendo hoje uma economia em desenvolvimento, que cresce de maneira sustentável e está comprometida com a inclusão social. Essas características, aliadas à transformação das estruturas sociais e à consolidação do ambiente democrático no país, exigem governos provinciais cada vez mais ágeis na identificação de demandas, eficazes no desenho de soluções e efectivos na implementação das políticas públicas.

Para tanto, a formação dos governos provinciais deve passar pela redefinição do seu papel perante a sociedade. As competências requeridas para alavancar o crescimento sustentado não são as mesmas que foram necessárias para atingir a paz: para além das questões monetárias e fiscais, envolvem, principalmente, aspectos democráticos e participativos, que estariam direccionados para melhorar a gestão pública nas questões estruturais e de governança no marco legal e nos grandes processos de governação, bem como na dimensão da gestão das organizações públicas.

Segundo Corralo (2014), o mundo acadêmico focaliza a governança como um novo fenômeno, com inúmeras elaborações teóricas, compreendendo-o com foco na gestão das relações entre os variados actores da espacialidade estatal, da sociedade civil organizada, da cidadania e do mundo mercadológico para a solução dos problemas comuns e gestão dos recursos existentes.

Significa também desenvolver capacidades e instrumentos para subsidiar as decisões de alocação de recursos, analisar riscos, informar e qualificar o processo deliberativo, trabalhar de forma pró-activa e coordenada e incorporar metodologias, ferramentas e práticas modernas e alinhadas às necessidades e realidades da administração pública.

Nesse sentido, é fundamental fiscalizar as acções governamentais, buscar parcerias com as diversas esferas da siciedade, lutar pela transparência, fortalecer o combate à pobreza e promover a participação social em todas as esferas. São grandes os desafios neste contexto de paz e o governo deve buscar um maior apoio na Sociedade Civil.

Diante disso, o verdadeiro despertar dessa Sociedade Civil organizada que busca ser reconhecida de forma democrática, participativa e respeitadora da diversidade presente no país é fundamental, pois dessa maneira os grandes desafios sociais que ainda persistem em Angola poderão ser enfrentados de forma mais eficiente.

Por outro lado, Angola viveu um longo período de repressão, autoritarismo e violência, cujos efeitos foram sendo magnificados pelo desenvolvimento de formas de governação corruptas e excludentes. Hoje, a sociedade angolana está envolvida em importantes transformações sociopolíticas incorporando uma série de inovações que se manifestam sob a forma de um regime democrático representativo, em que a população, através do sistema eleitoral, realiza a escolha de um representante ao qual delega o poder de decisão política. Comprova-se também que, segundo estes procedimentos, muitas das vezes, a democracia possui capacidade limitada, uma vez que os eleitores apenas escolhem algumas das pessoas envolvidas na tomada de decisões governamentais, mas não têm participação directa, encontrando-se sempre em dependência de alguns candidatos escolhidos por identificação com os partidos que representam; o que os faz decidir por partidos e pessoas, e não por política e decisões.

Por isso, considera-se que o caminho mais adequado para enfrentar os complexos problemas que se apresentam no País seria uma gestão democrática e participativa dos governos dos diferentes territórios, o que contribuiria para a consolidação efetiva do regime democrático, através de uma gestão baseada na institucionalização das relações do governo com a sociedade.

Observa-se ainda que a democracia no contexto actual tem-se mostrado incapaz de atender alguns sectores da população, o que indica que a representação não tem garantido, pelo método da tomada de decisão centralizada, que interesses minoritários tenham expressão na agenda governamental com a mesma facilidade dos sectores majoritários. Dessa forma, a democracia deixa de ser um poder delegado pelo povo, convertendo-se em poder exercido sobre o povo pelos políticos e Funcionários Públicos eleitos periodicamente.

Uma outra questão importante é que o grau de subdesenvolvimento económico, político e cultural que apresenta uma grande parte da população originam a sua exclusão do campo de decisão política, o que culmina na consolidação de uma democracia marcada pela inexistência de mecanismos de garantia desse tipo de igualdade. Ressalta-se que a participação da população na vida política do País necessita aperfeiçoar-se, embora o processo eleitoral seja um componente fundamental da democracia, ele não é suficiente para garantir que os diferentes sectores da população desempenhem realmente um papel decisório neste regime.

1.1.1. Justificativa

Num contexto tradicionalmente marcado pela excessiva centralização administrativa e concentração do poder político, consequentemente acompanhado pela centralização das diversas organizações nas capitais provinciais, o desafio que se apresenta à afirmação e expansão da Sociedade Civil é gigantesco. Não obstante, na actual fase da vida do País, torna-se absolutamente imperativa a análise e a busca de procedimentos para uma Gestão Democracia e Participativa e do desenvolvimento equilibrado e harmonioso.

Da análise das condições estruturais e conjunturais em que se desenvolve a actividade civil, percebe-se que o desafio que agora se coloca só poderá ser encarado e vencido com um forte apoio de todas as pessoas empenhadas no processo, sobretudo aquelas que mais experiência têm, começando por apoiar na implementação e estímulo de uma nova filosofia de actuação governamental. Por outro lado, experiências com novas formas de participação popular, devem ser analisadas do ponto de vista da teoria democrática, sobretudo no que diz respeito à possibilidade de um aprofundamento da democracia, do associativismo local e de suas implicações para o bem-estar social.

Ganha também importância o facto de que na medida em que os próprios governos provinciais assumem um papel propulsor na ampliação da participação pública, a análise teórica da participação enriquece-se com abordagens renovadas capazes de integrar a dimensão governamental que desempenha papel central na configuração das relações sociopolíticas.

Sob esse ponto de vista, esta investigação contribui a avaliar a relevância da Gestão Democrática e Participativa no Governo da Província do Bié, para compreender a dinâmica da participação política no seu funcionamento. Por outro lado, o facto de investigar sobre a Gestão Democrática e Participativa, orienta-se pela lógica governamental; que deve reconhecer a importância de criação de novas estruturas interactivas, não apenas com o intuito de tranquilizar ou reprimir a reclamação social, mas, antes de tudo, com o objectivo de reinventar as formas de gestão no sentido de transformar os actores da sociedade em aliados na busca de melhores resultados, tanto referentes ao desempenho administrativo quanto em relação ao aumento da legitimidade democrática. Busca-se com isso canalizar e direcionar as forças sociais para auxiliar a gestão pública do governo.

Entendendo-se por isso, que este estudo é pertinente pelo facto de trazer elementos de contribuição no debate sobre os principais aspectos dessas transformações, quais sejam a democratização da gestão pública e o controlo social das políticas públicas.

1.2. Problema

1.2.1. Problematização - objecto de estudo

Pode-se dizer que para além de que a Província sofre os impactos dos problemas de que padece o Estado no seu contexto, internamente existem alguns problemas não resolvidos nos planos teórico e prático da Gestão Democrática e Participativa, que apontam para uma certa incompetência ou insuficiência da sua pertinência social, no que diz respeito à sua função operacionalizadas em aspectos tais como a descentralização, participação e transparência, estando estas três dimensões relacionadas com as problemáticas seguintes:

  • Ainda não se proporciona o desenvolvimento de uma cultura do diálogo entre o governo e a população, como pilares importantes nas relações entre pessoas e instituições.
  • Não se fortalecem os papéis que a Sociedade Civil (SC) pode desempenhar enquanto agente transformador do espaço social através de acções fundamentais não empreendidas até então.
  • Os limites impostos à participação de actores não-estatais impedem muitas das vezes a contribuição de mecanismos promotores de coesão social, particularmente de normas sociais complementares à racionalidade na gestão do governo.
  • As alternativas em termos de participação política não são temas de debates, mas sim, um desafio para alguns Funcionários do Governo o que cria uma conjuntura autoritária que dificulta qualquer tentativa de participação por parte da população.
  • Existe pouca comunicação entre o governo e a Sociedade Civil naquilo no que se refere ao planeamento de políticas públicas, existindo pouca transparência no debate de ideias e à incorporação das visões e expectativas de actores não-estatais.
  • A centralização muitas das vezes impede que os Funcionários do Governo provincial actuem em parceria com os agentes representativos da Sociedade Civil, o que aportaria mais autonomia ao governo para decidir acções prioritárias de forma democrática.
  • Não se desenvolvem políticas que respeitem os variados aspectos da cultura da população, o que contribui para se forjar uma Sociedade Civil artificial.
  • A pouca capacidade organizativa de sectores da Sociedade Civil reforça o corporativismo sectorial e o imediatismo nas reivindicações que despolitizam a gestão pública.
  • A fragilidade dos mecanismos de Gestão Democrática e Participativa se explica pela forte dependência dos mesmos em relação ao compromisso e vontade política dos Funcionários do Governo em efectivá-los.

Sabe-se que a participação é um processo político de geração de consciência e cidadania, que vai além dos mecanismos de gestão pública; a mera formalidade dos mecanismos de participação não satisfazem esses objectivos emancipatórios da cidadania política. A característica básica da Gestão Democrática e Participativa do governo deve propiciar a existência de mecanismos que viabilizem a intervenção directa da população em processos de tomada de decisão sobre prioridades na implantação de acções e utilização de recursos.

Como objecto de estudo, busca-se entender em que intensidade os actores da Sociedade Civil se articulam como instrumentos de participação popular efectiva na governação e em que medida isso realmente tem contribuído para o enriquecimento da Gestão Democrática e Participativa. Diante do exposto, o campo de acção do presente trabalho analisa as bases e fundamentos da Gestão Democrática e Participativa no Governo da Província do Bié, considerando o significado da participação popular na gestão administrativa da actualidade, com ênfase na introdução de mecanismos que representem o assentamento de metodologias democrático-participativas.

1.2.2. Pergunta de partida

Em Angola, a Gestão Democrática e Participativa não é só um princípio; é também um preceito constitucional. A Lei Constitucional angolana consagra a representatividade e a participação de todos cidadãos na política do país. Para tanto, a Constituição da República de Angola, promulgada em 5 de Fevereiro de 2010, estabelece que:

A República de Angola é um Estado Democrático de Direito que tem como fundamentos a soberania popular, o primado da Constituição e da lei, a separação de poderes e interdependência de funções, a unidade nacional, o pluralismo de expressão e de organização política e a democracia representativa e participativa. (ASSEMBLEIA NACIONAL, 2010, Artigo 2).

Como pode-se observar, a Constituição, consagra a representatividade e a participação de todos cidadãos na política do país.

Tendo em consideração que a prática é o critério da verdade, aflora-se a seguinte Pergunta de partida:

Desenvolve-se no Governo da Província do Bié uma Gestão Democrática e Participativa na implementação das políticas públicas?

Diante desse pressuposto, surgiram algumas outras inquietações que também constituem fio condutor para este estudo:

  • Os Funcionários do Governo e os membros da Sociedade Civil da Província do Bié dominam o conceito de gestão democrática e participativa?
  • Se participam no processo de gestão democrática, qual é a forma e o nível de participação?
  • O Governo da Província do Bié possibilita essa participação?

Estas questões ajudaram a seguir o caminho teórico metodológico, procedendo à análise na busca dos elementos explicativos que estariam actuando no sentido de inibir uma acção mais orgânica e sólida dos mecanismos de Gestão Democrática e Participativa do Governo da Província do Bié.

1.3. Hipótese

A hipótese que procura-se testar na pesquisa é a seguinte:

H1. Existe um ALTO grau de concordância dos Funcionários do Governo e da Sociedade Civil da Província do Bié com o processo de Gestão Democrática e Participativa que se desenvolve pelo governo na implementação das políticas públicas.

1.4. Objectivos

Na expectativa de melhor se compreender as inquietações expressas nas questões de investigação, num contexto de estudo de caso, entendeu-se pertinente definir os seguintes objectivos:

1.4.1. Objectivo geral
  • Conhecer se no Governo da Província do Bié se desenvolve um processo de Gestão Democrática e Participativa na implementação das políticas públicas.
1.4.2. Objectivos Específicos
  • Analisar a evolução dos processos democráticos e participativos que norteiam a gestão do governo.
  • Diagnosticar o nível de concordância dos funcionários da sede do Governo da Província do Bié e de membros da Sociedade Civil sobre o processo de gestão democrática e participativa que se desenvolve por essa instituição.
  • Propor acções de melhoria para a Gestão Democrática e Participativa na implementação da política pública do Governo da Província do Bié.

1.5. Metodologia

Em investigação social são diversas as possibilidades e as opções metodológicas a serem utilizadas. Dado que a escolha da metodologia se deve fazer em função da natureza do problema a estudar considerou-se pertinente seguir uma metodologia de investigação que integrara as seguintes classificações: quanto à forma de abordagem do problema; quanto aos objectivos gerais e quanto aos procedimentos técnicos.

Nesta investigação recorreu-se ao estudo de caso; este tipo de investigação é definido por Yin (2005, p. 13) como uma investigação empírica que estuda um fenómeno contemporâneo dentro do contexto de vida real, especialmente quando as fronteiras entre o fenómeno e o contexto não são absolutamente evidentes, e acrescenta que para tal se podem usar múltiplas fontes para recolher evidências e informações desde que sejam apropriadas e possibilitem compreender o caso no seu todo. O estudo de caso tem como objecto de estudo uma unidade particular que pode ser uma pessoa, um grupo, um acontecimento, uma organização, uma comunidade, etc.

As técnicas, sendo adequadas aos objectivos do estudo e consequentes questões de investigação, tiveram como base a metodologia quantitativa, uma vez que através da mesma torna-se possível, encontrar relações entre variáveis, fazer descrições recorrendo ao tratamento estatístico de dados recolhidos e testar teorias. (CARMO e FERREIRA, 1998, p.178). Os métodos quantitativos foram ainda considerados por possibilitar a classificação e análise de todos os dados, permitindo posteriores generalizações.

Em linha com esta opção, assumiu-se que a recolha dos dados de informação seria efetuada com base num inquérito por questionário. Sendo este um instrumento que segundo Hill e Hill (2009), se pretende passível de representatividade de um determinado universo de indivíduos, uma vez que permite interrogar um elevado número de sujeitos, e dada a importância atribuída às conclusões passiveis de serem retiradas das respostas obtidas, assume-se o seu contributo na análise de fenómenos sociais. Associadas as vantagens acima mencionadas, a escolha pela utilização do inquérito por questionário, prendeu-se ainda com a sua maior simplicidade de análise, maior rapidez na recolha e análise de dados.

1.5.1. Métodos

No critério de selecção dos métodos teve-se em consideração a complexa problemática da realidade da Gestão Democrática e Participativa, e para tal se consideraram os seguintes factores:

  • A contribuição que pode ser dada por cada método ao estudo da essência do problema e sua evolução histórica.
  • A medida em que poderiam complementar as informações que ofereciam uns e outros.
  • A necessidade de economizar recursos materiais e humanos, evitando-se estudos desnecessários.

A seguir se justifica a utilização dos métodos no processo de investigação.

  1. Método dialéctico: Já que é um método de investigação da realidade pelo estudo da sua acção recíproca; admitindo que os factos não pode ser considerados fora de um contexto social, político, económico, etc. Este método constituiu a linha condutora de todo o processo desta investigação.
  2. Método de análise e síntese; com o objectivo de evidenciar as regularidades e ligações na integração dos conhecimentos vinculados com a teoria e a práctica para a caracterização do processo de Gestão Democrática e Participativa no desenvolvimento das políticas públicas.
  3. Método histórico e lógico; para revelar as tendências, evolução e desenvolvimento da gestão, a democracia e a participação e das relações com outras áreas que têm como objecto de estudo estes conceitos. O que se manifestou em níveis de semelhanças e divergências entre a democracia participativa na sociedade angolana de ontem e a sociedade angolana de hoje.
  4. Método de modelação; utilizando uma focagem sistémica na elaboração das sugestões para uma melhoria da Gestão Democrática e Participativa na implementação das políticas públicas pelo governo.
  5. Método hipotético deductivo. Neste método põe-se de manifesto a lógica interna de uma teoria, indo à essência de seu conhecimento mais profundo sobre a base de uma hipótese científica que é inferida a partir do objecto de estudo. Neste sentido propõe-se a relação entre o nível de concordância dos funcionários da sede do Governo da Província do Bié e da Sociedade Civil com o processo de Gestão Democrática e Participativa que se desenvolve pelo governo na implementação das políticas públicas.
  6. Método estatístico: Este método aplica-se sempre que há analogia de dados (processamento e análise do questionário). Neste sentido, a estatística foi fundamental para a análise e interpretação dos resultados e para determinar a significância da informação.
1.5.2. Técnicas

A seguir se explicam as técnicas utilizadas no processo de investigação.

  1. Questionário: O questionário foi aplicado a Funcionários da sede do Governo e membros da Sociedade Civil da Província do Bié, para avaliar seu grau de concordância com os procedimentos utilizado pelo governo provincial para implementar as políticas públicas. Foi estruturado em duas partes, a primeira consistiu na definição de algumas variáveis sociodemográficas na segunda parte, definiram-se as variáveis relacionadas com o grau de concordância através de uma escala que avaliava três dimensões: uma sobre a descentralização das acções do governo, outra sobre o grau de participação e a última sobre a transparência na gestão do aparelho governante.
  2. Análise de documentos: A análise documental foi outra das técnicas de investigação utilizada neste estudo, uma vez que permite aceder a um conhecimento mais profundo e detalhado de determinadas realidades. Entendemos, assim, a análise documental como sendo uma técnica de recolha de informação necessária em qualquer investigação. Por outro lado, a análise de documentos mostrou-se apropriada nesta investigação por se tratar de um estudo em que era preciso conhecer algumas características da Gestão Democrática e Participativa em Angola logo da independência em 1975 e por ser necessário explicar as razões e as bases legais e éticas que têm motivado e delineado as políticas e práticas realizadas neste contexto.
1.5.3. Procedimentos

A natureza desta investigação é fruto da necessidade de se obter conhecimento sobre o nível de participação dos diferentes actores sociais no processo de Gestão Democrática e Participativa do Governo da Província do Bié; deste modo, apresentam-se os procedimentos metodológicos usados nas etapas que seguiu a investigação.

  1. Quanto à forma de abordagem do problema: Quanto à forma de abordagem, optou-se por compreender o problema através de uma linha de pesquisa quantitativa, realizando a aplicação de um questionário estruturado à amostra do universo investigado. O método quantitativo permite fazer o tratamento quantitativo da informação. Com o uso desse método a informação, é organizada, classificada, codificada e descrita estatisticamente, para que possa fazer a sua análise e interpretação de forma a ser possível tirar conclusões lógicas e coerentes da informação recolhida.
  2. Quanto aos objectivos gerais: Optou-se por uma pesquisa descritiva, por ser o método de pesquisa que observa, registra, analisa, descreve e correlaciona fatos e fenómenos sem manipulá-los. Geralmente procura descobrir a frequência com que um fenómeno ocorre e sua relação com outros factores. Também se pode dizer que descreve as características de determinada população ou fenómeno, ou o estabelecimento de relações entre variáveis. Para Gil (2009, p. 28) pesquisa descritiva tem como objectivo a descrição das características de determinada população ou fenómeno, bem como o estabelecimento de relações entre variáveis e factos.
  3. Quanto aos procedimentos técnicos: Recorreu-se ao estudo de caso; este tipo de investigação é definido por Yin (2005, p. 13) como uma investigação empírica que estuda um fenómeno contemporâneo dentro do contexto de vida real, especialmente quando as fronteiras entre o fenómeno e o contexto não são absolutamente evidentes, e acrescenta que para tal se podem usar múltiplas fontes para recolher evidências e informações desde que sejam apropriadas e possibilitem compreender o caso no seu todo. O estudo de caso tem como objecto de estudo uma unidade particular que pode ser uma pessoa, um grupo, um acontecimento, uma organização, uma comunidade, etc.

1.6. Estrutura da dissertação

A presente dissertação está estruturada em introdução e três capítulos, ao longo dos quais se procura apresentar a problemática que fundamenta esta investigação. Na Introdução é focado o objecto de estudo, a justificativa e a sua importância, a problemática, a questão de partida ou problema científico, também apresentam-se os objectivos, a hipótese e os métodos, técnicas e procedimentos de estudo.

No primeiro capítulo é efetuada a fundamentação teórica que com base na revisão da literatura que fundamenta o tema em estudo. A revisão teórica realizada procurou reunir informação sobre investigações realizadas nas áreas próximas ao tema em análise, não excluído o critério autores que em diferentes lugares e momentos referiram-se à temática relacionada com a Gestão Democrática e Participativa.

No segundo, apresenta-se o enquadramento contextual de realização da investigação, carateriza-se o local, que serviu de base ao estudo, descrevem-se os instrumentos legais utilizados e antecedentes para uma democracia em Angola.

No terceiro capítulo procede-se à apresentação e análise estatística dos resultados, que ao ter em consideração os objectivos e as questões de estudo, integra os resultados descritivos. Discutem-se e interpretam-se os resultados tomando por base a revisão teórica apresentada no segundo capítulo, deixando em aberto algumas sugestões para a melhoria da Gestão Democrática e Participativa na implementação das políticas públicas pelo Governo da Província do Bié.

Por último, apresentam-se as conclusões e a bibliografia, sendo referenciados os autores ao longo da dissertação e os anexos.

2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO

Neste capítulo é feita uma abordagem geral a fundamentos teóricos da investigação, resumidos principalmente, com base na literatura da área, os conceitos sobre Gestão, Democrática e Participação, visando analisar como estes sustentos se relacionam com a implementação de políticas públicas pelo Governo da Província do Bié.

2.1. Abordagem conceptual

Vive-se numa sociedade de organizações dos mais diversos tipos, estruturas em que as pessoas trabalham conjuntamente para prossecução de objectivos impossíveis de alcançar se trabalhassem isoladamente. "Uma instituição é um sistema complexo em que o todo tem propriedades e capacidades que as partes isoladamente não têm, o todo é maior do que a soma das partes." (TEIXEIRA, 2005, p. 100).

A gestão das instituições governamentais na implementação das políticas públicas, é o factor principal do seu sucesso ou insucesso; a qualidade da sua gestão é o factor mais significativo do desempenho e do sucesso.

2.1.1. A gestão e os gestores

Robbins e Coulter (2009, p. 22) definem gestão como "a coordenação e supervisão do trabalho de outros para que as suas actividades sejam desempenhadas eficiente e eficazmente". Percebe-se que a definição de gestor, quem gere, está explicita nesta definição e é quem coordena e supervisiona o trabalho de outros para que as suas actividades sejam desempenhadas eficiente e eficazmente. Por outro lado segundo se apresenta nesta definição, os termos eficiência e eficácia referem-se a dois objectivos distintos de desempenho da gestão e de quem gere, do gestor; é dizer que o desempenho dos gestores e da sua gestão é avaliado por padrões relativos à sua eficiência e à sua eficácia.

Segundo estes autores, a eficiência respeita à relação entre a quantidade de produto produzida por unidade de factor empregue; tem a ver com a capacidade do gestor conseguir retirar o máximo proveito dos factores de produção que utiliza. Sob esse mesmo ponto de vista, a eficácia respeita à relação entre os resultados e os objectivos propostos. Tem a ver com o atingir de objectivos definidos e alcançados e à forma como se conseguem realizar os resultados que se pretendem alcançar, ou seja, tem a ver com a forma como as decisões contribuem para os objectivos. (Idem).

Acrescenta-se que a eficácia é avaliada em termos absolutos pelos resultados das decisões tomadas face às opções disponíveis. A escolha acertada entre eventuais alternativas, o estabelecimento adequado de prioridades entre actividades, a selecção adequada da estratégia de novos produtos da empresa, são alguns exemplos de decisões que serão avaliadas em termos de eficácia, ou seja, em função dos seus resultados efectivos relativamente aos níveis que se procuravam alcançar.

2.1.2. Componentes fundamentais do conceito de gestão

Outra definição de gestão, generalizadamente utilizada, é a que define gestão como o processo de tomada de decisão de como afectar recursos limitados entre usos alternativos de modo a optimizar determinados objectivos. (TEIXEIRA, 2005, p. 103).

Esta definição constitui um ponto de partida para abordar outros aspectos fundamentais do conceito de gestão, começando pelo da perspectiva de decompor as suas componentes-chave, ou fundamentais, que também podem-se designar por determinantes da gestão. Identificam-se nesta definição geral as componentes-chave, sublinhando-as de: recursos, objectivos e decisão.

A. Os Recursos

Segundo Teixeira (2005), os recursos são por definição limitados. Ainda que a exploração do espaço já seja uma realidade, a própria Terra como planeta tem recursos naturais esgotáveis e impõe outras limitações à utilização desses recursos, mesmo para os renováveis, a bem da sua própria sustentabilidade. A sua disponibilidade pode mudar do curto para o médio e longo prazo, mas regra geral tem sempre um limite. O grau de acesso a esses recursos, habitualmente agrupados nas designações agregadas de terra, trabalho, e capital, varia.

Segundo se apresenta na Figura 1, a forma e as proporções quantitativas e qualitativas em que se combinam estes tipos de recursos constituem a tecnologia disponível. É através dessa tecnologia, que se caracteriza o grau de desenvolvimento de uma sociedade e das suas instituições. A combinação quantitativa e qualitativa dos recursos para gerar riqueza, depende de três grandes tipos de factores: Os naturais, os técnicos e institucionais, e os económicos. (TEIXEIRA, 2005).

Figura 1. Os recursos como componentes da definição de gestão

Fonte: Adaptado de Marques (2012, p.5). A gestão e os gestores.

Os factores naturais dizem respeito aos recursos de base. Numa interpretação ampla do termo "terra", um dos tipos agregados de factores já referido, englobam-se nesta designação todos os factores naturais, a terra propriamente dita mas também todos os recursos naturais, incluindo nomeadamente a água, os minerais, a energia, entre outros. Conforme o autor, a localização geográfica determina desde logo os climas, nomeadamente a temperatura e a precipitação que os caracteriza. A relativa disponibilidade de terra, dos tipos de solos, e do seu potencial uso alternativo e à sua influência nas leis biológicas a que em particular a agricultura está naturalmente condicionada, em especial as relacionadas com as condições necessárias ao crescimento das plantas e dos animais (Idem).

Por outro lado os recursos naturais também são determinantes para as actividades do sector terciário como é a importância do clima para o turismo e as actividades de serviços que lhe estão associadas, de restauração, alojamento, entretenimento, etc. Os factores naturais estão relacionados com a eficiência da produção porque constituem recursos potenciais que podem ser utilizados para produzir mais ou menos riqueza, ou seja, mais ou menos eficientemente. Mas também se relacionam com a eficácia, por exemplo consoante a escolha de actividades produtivas e produtos em que são usados são mais ou menos determinantes para a prossecução dos objectivos que se pretendem alcançar. Conforme o autor referido, os factores técnicos e institucionais dizem respeito aos recursos capital e trabalho, podendo este último ter a designação de capital humano. A gestão e a capacidade de organização estão entre este tipo de factores que, frequentemente, se sobrepõem aos naturais ultrapassando as limitações que esse tipo de recursos impõe, transformando e desenvolvendo as sociedades. (Idem).

Acrescenta-se que entre tais recursos encontram-se: a infraestrutura física e institucional do sistema de acesso e de transportes, da saúde, da justiça e da educação, ao sistema de investigação científica, ao desenvolvimento tecnológico e ao seu aproveitamento através da inovação, da adopção de novas ou melhores tecnologias, da organização social e das suas actividades socioeconómicas do trabalho e do lazer, da cultura e da cidadania. (TEIXEIRA, 2005).

Assim, o trabalho e o capital, representam nesta concepção a formação e conhecimento que está incorporado na sua utilização, e outras formas de capital, ou conhecimento incorporado na evolução das tecnologias e dos factores, como bens de capital físico acumulado.

Os factores económicos dizem respeito às políticas gerais macroeconómicas (fiscal, monetária e cambial) e às políticas económicas sectoriais (política de investimentos, mercado de trabalho, política agrícola, industrial, comercial e do turismo) que são seguidas e respectivos efeitos na criação de valor e na retribuição dos recursos utilizados. Estes factores também têm a ver com a eficiência pois destinam-se a promover a produtividade dos recursos utilizados, mas, fundamentalmente, têm a ver com a eficácia pois procuram orientar a afectação dos recursos através de uma estratégia e de alternativas de afectação de recursos através dos quais as políticas públicas procuram atingir os níveis de desenvolvimento e de bem-estar da sociedade desejados. (Idem).

B. Os objectivos

Os objectivos dos indivíduos variam, consoante os recursos disponíveis (ver Figura 2). Segundo Wolynec (2007), eles dependem fundamentalmente do grau de desenvolvimento da sociedade e dos seus agentes económicos. Em sociedades pouco desenvolvidas, obter um nível mínimo de produção alimentar para autoconsumo da própria família, ou seja, para subsistir fisicamente, é o objectivo primordial da família e do seu chefe de família, reduzindo-se a gestão neste caso à escolha das culturas a produzir e constituindo a experiência e o trabalho físico as componentes fundamentais da sua prestação.

O gestor neste caso é produtor e, simultaneamente, consumidor. Só depois de assegurado um nível de autoconsumo a gestão tem em consideração, ou responde, a variáveis económicas, nomeadamente preços. Mas os gestores têm geralmente outros objectivos, tais como a estabilidade económica e financeira, em que o gestor quer assegurar uma retribuição segura controlando o risco nas actividades a que se dedica e trocando algum lucro por uma estabilidade da retribuição. (WOLYNEC, 2007).

O referido autor ressalta que a responsabilidade social, se traduz na conservação do recurso base, no desejo e na contribuição de manter a capacidade produtiva dos factores naturais que utiliza, de conservar o ambiente que os rodeia e de contribuir para a sociedade em termos dos seus objectivos fundamentais através da criação de emprego e de distribuição dos benefícios e riqueza criada pelos colaboradores de acordo com o seu mérito (Idem).

Figura 2. Os objectivos como componentes da definição de gestão

Fonte: Adaptado de Marques (2012, p. 7). A gestão e os gestores.

Finalmente, segundo o autor, o laser que representa a necessidade de dispor de tempo para outras actividades familiares, sociais, recreativas e culturais, de acordo com as suas motivações e preferências, são também objectivos que globalmente se traduzem em bem-estar e a qualidade de vida a que se aspira. (WOLYNEC, 2007).

C. A decisão

A última das componentes chave relacionada com a definição de gestão é a decisão. Para que as actividades sejam desempenhadas de forma eficiente e eficaz, é necessário tomar decisões.

Segundo Teixeira (2005), para a tomada de decisão, o gestor começa por identificar a questão ou o problema que está sujeito a uma decisão. Para equacionar essa questão ou problema que se lhe coloca recolhe e organiza a informação de forma a identificar formas ou respostas alternativas à questão considerada.

Nesse sentido, as várias resoluções ou decisões a tomar têm, naturalmente, diversas implicações. A caracterização das diferentes soluções alternativas exige a definição do critério ou critérios à luz dos quais as mesmas serão avaliadas. Se o gestor tem vários critérios que considera relevantes tem que, de alguma forma, definir a ponderação de cada critério na decisão global. Avaliadas as potenciais decisões em termos das suas consequências face aos critérios estabelecidos, a decisão é tomada recaindo na solução que melhor responde a esses critérios. Tomada a decisão estão estabelecidos os objectivos a alcançar que traduzem a razão, ou seja, fundamentam a escolha, pela opção feita. Em seguida, o gestor prepara e executa a decisão tomada, programando, organizando, dirigindo, executando, liderando e coordenando as acções necessárias. Naturalmente que a complexidade da execução depende do tipo de decisão e das suas várias características. (Idem).

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Finalmente, procede ao controlo avaliando os resultados, das actividades e da exploração, que lhe fornecem, quando comparados com os resultados planeados, desvios cuja análise pode confirmar a decisão ou indicar a necessidade de ajustar ou rever a decisão que tomou. Naturalmente, que este controlo também se vai realizando ao longo do período de realização do projecto, o que possibilita em tempo útil corrigir a sua execução. (Idem).

Neste contexto, Reddin (2008) considera que tal como há diversas áreas de especialização de questões e problemas que se colocam e sobre as quais o gestor toma decisões, também há diferentes níveis de gestão a que respeitam essas questões e problemas principalmente em função do alcance e do âmbito de aplicação dessas decisões, da estrutura ou enquadramento temporal em que são equacionadas e para que são tomadas, e do tipo de objectivos de gestão que visam alcançar. Acrescentando esta ideia considera que as decisões que os gestores precisam de planear, implantar e controlar podem ser de tipo:

  1. Estratégico: decisões, orientações, programas e planos de gestores de topo abrangente e dinamização de toda a instituição para dar resposta a desafios definindo uma estratégia a prosseguir para atingir objectivos estabelecidos de médio e longo prazo.
  2. Táctico: decisões orientações e planos de gestores das áreas funcionais, elaborados e articulados entre eles de acordo com a estratégia, definindo para cada área de gestão programas e planos anuais de actividades e objectivos de curto e médio prazo.
  3. Operacional: decisões orientações e planos de gestores intermédios ou de primeira linha de componente técnica estabelecendo procedimentos e rotinas para divisões e secções e definindo objectivos operacionais ou correntes (Idem, p. 84).

Considera ainda que as decisões também podem ser de nível estratégico, respondendo aos desafios e perspectivando uma orientação da gestão para o longo prazo, envolvendo a instituição no seu todo e dando origem a planos estratégicos. Mas, também podem ser tácticas, por dizerem respeito a decisões alternativas para chegar no curto ou médio prazo a determinados objectivos. Finalmente, podem ter a ver com decisões do dia-a-dia, de rotina, ou seja, da operação de determinadas áreas e não da globalidade da gestão. Neste caso são planos operacionais. Naturalmente, que estes tipos de decisões estão associadas também a questões e problemas em análise para decisão para atingir objectivos estratégicos, tácticos e operacionais, respectivamente. (Idem).

2.1.3. As competências dos gestores

Barbosa (2008) ressalta que, para conseguirem desenvolver as suas actividades de coordenação e supervisão e desempenharem com eficiência e eficácia as suas funções consideradas globalmente, mais dirigidas para o planeamento, a direcção ou o controlo ou mais integradas numa das áreas funcionais, os gestores necessitam de um conjunto de competências essenciais para liderar, motivar e comunicar com outros. Essas competências são:

  1. Conceptuais: capacidade de apreender ideias gerais e abstractas e de as aplicar em situações concretas (capacidade de ver a oeganização como um todo e como se relaciona com o seu ambiente).
  2. Técnicas: capacidade de usar conhecimentos, métodos e técnicas específicas da sua área de trabalho.
  3. Humanas: capacidade de compreender, motivar e obter a adesão das pessoas (envolve características relacionadas com a capacidade de comunicação, de trabalho e de entender atitudes e comportamentos de pessoas e grupos). (BARBOSA, 2008, p. 163).

O autor também considera que as competências conceptuais são fundamentais para um gestor entender o que está em jogo nas questões ou problemas. Estas competências são essenciais para conceber a estratégia, saber configurar, delimitar e formular num quadro de referência o que está em causa, procurar e conceber soluções e decidir avaliando e pesando as vantagens e desvantagens das possíveis soluções, e passar à sua implementação organizando e dirigindo as operações e avaliando e controlando os resultados. Considera-se que, perceber e antecipar quais os passos e as actividades mais críticas, as fases em que é necessário uma estratégia e direcção cuidada, onde podem surgir mais questões, como é preciso actuar nalguns sectores, entre muitos outros aspectos, resultam de competências conceptuais dessas questões e problemas que são fundamentais para os gestores. (Idem).

As competências técnicas são determinantes no processo de tomada das decisões estratégicas de gestão e nas actividades de direcção do gestor, que como referimos envolve necessariamente liderança, motivação e comunicação. Mas para estas últimas, há também outras competências igualmente fundamentais que são:

  • A capacidade de relacionamento humano;
  • De entendimento dos outros;
  • De perceber as suas apreensões e dificuldades e de ajudar para a sua superação;
  • De persuasão e de criação de confiança;
  • De transmissão de dinamismo e de capacidade empreendedora. (Idem, p. 168).

Em suma, competências de relações humanas; obviamente que estas competências são indispensáveis para os gestores em qualquer nível institucional mas serão tanto mais necessárias e relevantes quanto mais abrangentes e polivalentes forem as funções do gestor.

2.1.4 Abordagens conceituais acerca da democracia

A palavra democracia tem sua origem na Grécia Antiga (demo = povo e kracia = governo). Num sentido genérico ou global, ela significa governo do povo, pelo povo e para o povo. Para Coutinho (2000, p. 20), democracia é o regime que assegura a igualdade, a participação colectiva de todos na apropriação dos bens colectivamente criados. Na perspectiva deste autor, democracia implica não apenas igualdade política, mas também igualdade de condições de vida para todos. (Idem).

Seguindo essa linha de raciocínio, a democracia é definida por Hauriou (2007, p. 32) como:

O Estado de um povo, no qual o poder soberano reside na universalidade dos indivíduos, iguais entre si perante a lei, recordando-se sempre a afirmativa simples, contudo esclarecedora, de ser um governo do povo, pelo povo e para o povo.

Considera-se, assim, a democracia, como a única forma de governo aceitável e própria do género humano, aplicável a qualquer nação do mundo, tratando-se de um processo em que o povo pode exercer o mando e decidir sobre o seu destino.

Considera-se importante para uma melhor compreensão dos aspectos a seguir estabelecer uma conceituação de Estado, o que segundo Miranda (2004, p. 83) é: "uma comunidade de homens que se fixa em um território próprio e que possui uma organização da qual resulta uma potestade superior de acção, de mando e de coerção".

Observa-se que dentre os elementos essenciais do conceito citado acima, encontra-se o povo, ao lado do governo e território. Nesse sentido o autor adiciona que, o povo só existe através do Estado, dependendo, portanto, de uma organização política, tratando-se sempre como o povo do Estado em concreto, concluindo que o povo: "não subsiste senão em face da organização e do poder do Estado, de tal sorte que a eliminação de um ou de outro acarretaria automaticamente o desaparecimento do povo como tal." (Idem, p. 83).

Sob esse mesmo ponto de vista, Romano (2006, p. 67) conceitua povo como sendo um conjunto de pessoas que constituem o Estado, salientada a relação de dependência entre ambos, tratando-se de cidadãos ou súbditos permanentes, conforme:

Por povo se entende não apenas os indivíduos que existem em um determinado momento, mas a sua colectividade, considerada em seu complexo e na sua unidade, que não se torna menor e nem se modifica com a incessante mutação de seus componentes.

Voltando aos aspectos relacionados com o conceito de democracia, Carvalho (2005) considera que numa perspectiva neoliberal, a democracia vem sendo associada à liberdade de fazer escolhas e à responsabilidade individual por esta escolha. Sob esta óptica, a democracia submete-se à lógica do consumo, ou seja, à liberdade dos sujeitos satisfazerem seus interesses particulares e imediatos, perdendo sua dimensão colectiva.

Alguns outros conceitos de democracia encontram-se em Ferreira (1999, p. 534) onde se afirma que democracia é:

  1. Governo do povo: soberania popular;
  2. Doutrina ou regime político baseado no princípio da soberania popular e da distribuição equitativa do poder, ou seja, regime de governo que se caracteriza, em essência, pela liberdade eleitoral, pela divisão de poderes e pelo controlo da autoridade, isto é, dos poderes de decisão e execução;
  3. País cujo regime é democrático;
  4. As classes populares, povo, proletariado.

Outro aspecto relacionado com o conceito é analisado por Pateman (2007, p. 201) que considera que:

O modo de vida democrático reconhece a igualdade e a dignidade de todas as pessoas, independentemente de sua raça, religião, sexo ou posição social; também sustenta o princípio de que todos são iguais em todas as situações legais; por outro lado, garante a liberdade de opinião, a liberdade de imprensa, liberdade de participação democrática dos cidadãos em instituições públicas e a liberdade de crença.

Outro conceito importante de democracia tem a ver com Barber (2004, p. 72) que a define como um conjunto de regras, de procedimentos para a formação e a tomada de decisões colectivas em que está prevista e facilitada a participação mais ampla possível dos interessados. Segundo o autor, esta não se limita, à escolha de dirigentes, mas supõe que sejam asseguradas condições, para as pessoas participarem das decisões que dizem respeito à vida da instituição.

Nessa linha de pensamento Lucas (2005, p. 72) ressalta que todos os países, de alguma forma, pretendem ser democráticos e, portanto, buscam um regime socioeconómico próprio que, funcionando como um adjectivo, qualifique o substantivo democracia de modo a formar um sistema político que mais se aproxime de uma verdadeira democracia, como, por exemplo:

  • Democracia liberal;
  • Democracia burguesa;
  • Democracia social, etc.

Outra visão da democracia a considera como a mediação entre os interesses, desejos e responsabilidades dos indivíduos enquanto seres sociais-colectivos, no sentido de construir a liberdade e a convivência social, que segundo o autor: inclui todos os meios e esforços que se utilizam para concretizar o entendimento entre grupos e pessoas, a partir de valores construídos historicamente. (Idem, p. 73).

Outro aspecto relacionado com a conceituação de democracia está relacionado com a forma em que os cidadãos participam, o que tem permitido diferentes classificações deste conceito. Em Houaiss (2001, p. 935) completa-se esta afirmação, acrescentando que há dois tipos de democracia:

  1. Democracia directa que é a forma de organização política em que o povo controla directamente a gestão da sociedade, sem delegar poderes significativos ou conceder autonomia de acção a representantes ou mandatários;
  2. Democracia indirecta ou representativa é a organização social em que o povo, através de eleições, outorga mandatos a representantes que passarão a exercer autoridade em seu nome.

Seguindo estas ideias, Reis (2004, p. 92) adiciona mais um tipo de democracia e a classifica como:

  • A democracia directa, onde o poder emana do povo e pelo mesmo, é exercida directamente (ou seja, as decisões fundamentais são tomadas pelos cidadãos em assembleia nos moldes da Grécia Antiga);
  • A democracia indirecta, onde o poder emana do povo e em seu nome, é exercido por representantes eleitos previamente (democracia representativa); e
  • A democracia semidirecta que é a modalidade em que se alteram as formas clássicas de democracia representativa para aproximá-la cada vez mais da democracia directa.

Argumentando sobre os aspectos acima, Bonavides (2003) considera que na democracia semidirecta o povo não é apenas um mero eleitor, mas participa da feitura de leis e actua efectivamente no âmbito político, jurídico, conferindo legalidade e legitimidade ao estado. Por outro lado, Reis (2004) considera que não se poderá alcançar no estado moderno a democracia directa conforme era praticada pelos gregos. Muitas das democracias modernas são representativas. Nas comunidades maiores, como cidades, estados, províncias ou países, é impossível realizar um encontro de todas as pessoas. Em vez disso, elas elegem certo número de cidadãos para representá-las na tomada de decisões sobre leis e outros assuntos que dizem respeito ao povo.

A abrangência do conceito democracia faz com que muitos autores se debrucem com as características das sociedades democráticas, embora essas características variam de um país para outro. Contudo, existem certas características básicas que são mais ou menos as mesmas em todas as nações democráticas, por exemplo, nas democracias as eleições são realizadas periodicamente, de modo a assegurar que os políticos eleitos represente realmente o povo.

Nessa abordagem, Saes (2009) reconhece que as sociedades democráticas acreditam na importância de dividir e desdobrar o poder político, o que levaria ao enfraquecimento do poder central, contribuindo para a descentralização. Segundo o autor, a forma principal de evitar que qualquer pessoa ou parte do governo se torne poderosa é a divisão do poder. A democracia, assim como a participação, é um constante exercício da práxis, que só encontra terreno fértil em ambientes abertos ao diálogo e à convivência das diversidades. (Idem, p. 117).

As constatações acima delineadas mostram que não é tão simples, mesmo para os segmentos mais escolarizados, oferecer de imediato uma definição capaz de sintetizar as diversas significações que o conceito democracia adquiriu ao longo de séculos de desenvolvimento da tradição democrática. Isto fundamenta continuar a presentar algumas outras vertentes deste conceito para sua melhor compreensão.

Nesse sentido, Saes (2009, p. 120) refere que, acompanhando a abordagem minimalista de Schumpeter (1950) e a procedimentalista de Dahl (1971), a democracia pode ser definida em termos de competição, participação e contestação pacífica do poder. Assim, o estabelecimento de um regime democrático implicaria basicamente em condições mínimas como:

  1. Direito dos cidadãos escolherem governos por meio de eleições com a participação de todos os membros adultos da comunidade política;
  2. Eleições regulares, livres, competitivas, abertas e significativas;
  3. Garantia de direitos de expressão, reunião e organização, em especial, de partidos políticos para competir pelo poder; e
  4. Acesso a fontes alternativas de informação sobre a acção de governos e a política em geral.

Infere-se desta definição que qualquer sistema político que não se baseie em processos competitivos de escolha de autoridades públicas, capazes de torná-las dependentes do voto da massa de cidadãos, não pode ser definido como uma democracia.

Dahl (1971, citado por Saes 2009) ampliou e completou a definição da democracia com sua abordagem das poliarquias, mostrando que para que o princípio de contestação do poder esteja assegurado é também indispensável que condições específicas assegurem a participação dos cidadãos na escolha de governos e, inclusive, a possibilidade de eles próprios serem escolhidos para formá-los; outra característica central da democracia, segundo o autor, é a exigência de responsabilização de governos e lideranças políticas diante dos cidadãos. Essas condições implicam em garantias relativas ao direito de organização e representação da Sociedade Civil, em especial, em partidos políticos, por intermédio do que a pluralidade de concepções e interesses que constituem a sociedade pode se expressar e se realizar.

Uma perspectiva concorrente com as anteriores define a democracia em termos da sua qualidade, tornando explícito o foco nos conteúdos do regime democrático. Utilizando-se de uma analogia com o funcionamento do mercado, o conceito refere-se à qualidade do produto ou serviço produzido segundo procedimentos, conteúdos e resultados singulares. (SAES, 2009).

A qualidade envolve processos controlados por métodos capazes de atribuir características específicas ao produto ou serviço, de modo a satisfazer as expectativas de seus consumidores potenciais.

Constata-se segundo o autor, que no caso da democracia, espera-se que esse regime seja capaz de satisfazer as expectativas dos cidadãos quanto:

  • À missão que eles atribuem aos governos (qualidade de resultados);
  • Assegurará aos cidadãos e às suas associações o gozo de amplas liberdades e de igualdade políticas necessárias para que possam alcançar suas aspirações ou interesses (qualidade de conteúdo); e
  • Permitir por meio de eleições e de mecanismos de controlo, que os cidadãos avaliem e julguem o desempenho de governos e de representantes. (Idem, p. 125).

Observa-se mais uma vez que não há uma única definição de democracia dotada de maior legitimidade ou exatidão, posto que todo e qualquer conceito acerca desse regime de governo deve ser compreendido em um determinado período histórico, levando-se em consideração, igualmente, as características políticas, económicas e sociais existentes quando da sua elaboração. Nesse aspecto, Martins (2005) argumenta que a teoria democrática pode ser capaz de estabelecer pontos mínimos aptos a identificar tal sistema político, mas a prática, embora conservando tais características teóricas, variam no tempo e espaço, não havendo, portanto, um modelo de democracia aplicável em qualquer circunstância.

No relacionado com as condições de existência da democracia, estas, segundo Lamounier (2006, p. 94), assentam-se na base de três princípios, cada um dos quais pressupondo um nível razoável de inteligibilidade do eleitor médio acerca dos processos políticos:

  • O primeiro deles é que a representação tenha como objectivo primordial o benefício dos representados, uma vez que o autor pressupõe ser toda a actividade do representante balizada em normas que separam nitidamente as esferas privada e pública, razão pela qual o governo se encontrará condicionado à busca do bem comum, sendo esta a condição de sua legitimidade.
  • O segundo preceito a ser abordado é o da eficácia do voto como controlo inter-temporal do comportamento dos agentes públicos, pois trata-se do voto periódico como instrumento eficaz para modificar a composição dos governos, forçando-os, quando necessário, a ajustar suas decisões à preferência da opinião pública.
  • Como último princípio, aponta-se a busca da racionalidade, a qual se configura em exigência ao adequado esclarecimento dos assuntos, possibilitando mudanças no modo de delinear determinadas decisões, acentuando-se a responsabilidade dos portadores de opiniões.

Para uma melhor clareza do aspecto em discussão, Ferreira Filho (2007), divide-os em pressuposto social, pressuposto económico e condições da democracia. Primeiramente, depreende-se que o pressuposto social, em uma verdadeira democracia, encontra-se relacionado ao grau de maturidade do povo, o qual engloba não somente o nível de alfabetização, mas também um certo nível cultural, que implica que o cidadão:

  1. Saiba mudar seu destino;
  2. Esteja livre de dominações tradicionais;
  3. Tenha um mínimo de instrução que o habilite a compreender e apreender uma informação;
  4. Esteja de acordo sobre qual seja o governo legítimo; e
  5. Tenha responsabilidade, tolerância e respeito pelos opostos (Idem, p. 24).

O pressuposto económico, no relacionado com as condições de existência da democracia, segundo o autor, é intimamente vinculado ao pressuposto social, posto que o amadurecimento da sociedade ocorre em lugares onde a economia se desenvolveu a ponto de permitir ao povo instruir-se, fornecendo o indispensável para a sobrevivência com o máximo de esforço pessoal. Ainda para o autor, a democracia, para sua existência, necessita, que certas outras condições sejam observadas e preenchidas, podendo ser compreendidas em:

  1. Institucionais: as quais são essenciais na disciplina do exercício do poder; e
  2. Instrumentais: uma vez que o regime democrático necessita que estejam estruturados sistemas pelos quais se preparam, tomam e aplicam as decisões concernentes à escolha dos governantes. (FERREIRA FILHO, 2007, p. 29).

Dentre as condições institucionais, indispensáveis a um regime democrático, podem ser destacadas:

  1. O Estado de Direito (sujeição do Poder à regras de direito);
  2. A limitação do Poder (limitação externa, através do reconhecimento de direitos naturais do ser humano; e
  3. Limitação interna, pela divisão do exercício do Poder estatal) e a garantia judicial (como forma de evitar ou reprimir abusos). (FERREIRA FILHO, 2007, p. 30).

Em relação às condições instrumentais, acrescenta o autor:

Faz-se necessária a existência de um sistema que redunde na formação de uma opinião pública esclarecida e racional, devendo, para tanto, o povo ter livre acesso a informações em abundância, podendo usufruir de amplas liberdades públicas, como os direitos de reunião e manifestação, como meio de se alcançar um mínimo consenso popular necessário a direcionar os negócios públicos; a qual se encontra vinculada aos sistemas eleitoral, como meio de assegurar a escolha livre e consciente de representantes, e partidário, cuja função é preparar e orientar a decisão popular. (FERREIRA FILHO, 2007, p. 32).

Comprova-se dos aspectos citados acima que na análise do regime democrático torna-se imprescindível o estudo acerca de suas condições. Neste sentido, Lucas (2005) reforça a ideia de que não há como restringir o conceito de democracia apenas ao âmbito político teórico, uma vez que na prática convivem em seu âmbito factores sociais, culturais e económicos, razão pela qual o governo do povo é insuficiente se o desenvolvimento económico de um Estado é incapaz de garantir à totalidade de seus membros um mínimo necessário de cultura, para compreensão de informações relevantes à tomada de decisões que versem sobre o interesse da colectividade.

2.1.5. Abordagens conceituais acerca da participação

Os aspectos tratados no subtema anterior relacionados com a democracia, pressupõem uma participação efectiva da sociedade, seja através do voto consciente, seja através de participação em um partido político ou associação comunitária ou mesmo colaborando, de alguma forma, para o bem daqueles que têm uma vida em comum em uma instituição.

De acordo com as palavras de Bordenave (2003, p. 148): "participação vem da palavra parte, fazer parte de algum grupo ou associação, tomar parte numa determinada actividade ou negócio, ter parte, fazer diferença, contribuir para construção de um futuro melhor".

Constata-se também que Luck (2009) enfoca a participação como uma expressão de responsabilidade social intrínseca à expressão da democracia. Conforme a referida autora, a gestão democrática e participativa é um processo que cria condições e estabelece as orientações indispensáveis a fim de que os membros de uma colectividade assumam os compromissos necessários para a sua efectivação.

Nesse contexto, para Gohn (2001, p. 19), "participar é visto como criar uma cultura de dividir as responsabilidades na construção colectiva de um processo". Ainda em relação a essa temática a autora afirma que:

A participação envolve também lutas pela divisão das responsabilidades dentro do governo. Essas lutas possuem várias frentes, tais como a constituição de uma linguagem democrática não-excludente nos espaços participativos criados ou existentes, o acesso dos cidadãos a todo tipo de informação que lhe diga respeito e o estímulo à criação e desenvolvimento de meios democráticos de comunicação. (Idem, p. 19).

As ideias acima esboçadas mostram que o processo de participação pode ser compreendido enquanto uma forma de conquista política. Esta última concepção percebe o processo de participação como conquista dos grupos dominados sobre o que é seu direito, e que lhes foi negado historicamente. Neste sentido, Lucas (2005, p. 20) afirma que "a frustração da necessidade de participar pode constituir uma mutilação do homem social, já que o homem só desenvolverá seu potencial pleno numa sociedade que permita e facilite a participação de todos".

Infere-se das ideias exprimidas acima que é através da participação que as classes populares constroem sua cidadania e lutam pelos seus direitos de igualdade. Isto fica claro nas ideias de Kummer (2007, p. 27) quando afirma que:

A participação é o instrumento mais adequado de governo para construir um regime democrático, para tal, o Estado tem de criar um conjunto de mecanismos participativos visando à incorporação dos cidadãos aos programas do governo local destinados a incrementar o bem-estar da cidadania.

Constata-se também que nos regimes democráticos o conceito de participação cobre um amplo espectro de actividades, desde os processos institucionais que incluem a acção cidadã até as práticas formais e informais de discussão e deliberação que ocorrem nos espaços públicos. Nesse sentido Gutmann e Thompson (2006, p. 32) definem a participação como o emprego político, por pessoas privadas, de sua liberdade.

Comprova-se então que os conceitos de participação baseiam-se no carácter construtivo da democracia, nas suas funções de definição e implementação dos direitos e de inclusão social das populações; a participação busca assim restituir a importância da democracia cidadã, em contraposição a um conceito de democracia baseado exclusivamente na acção governamental, na garantia de direitos civis e na sanção eleitoral periódica. Acrescenta-se que a participação assegura de maneira inclusiva e democrática um aprofundamento constante das questões políticas.

Reis (2004) considera que a participação é uma habilidade que pode ser adquirida no relacionamento do individuo nas várias esferas da sociedade. Assim, é possível aprende-la, modificá-la e aperfeiçoá-la.

Analisando as diferentes formas de participar, Bordenave (2003, p. 74) propõe a seguinte tipologia:

  • Participação de facto: refere-se às primeiras actividades de participação do homem, realizadas no seio do grupo familiar ou do clã; estão associadas às suas necessidades de subsistência.
  • Participação espontânea: diz respeito às formas de participação em grupos sociais de amigos, de vizinhança; geralmente esses grupos são fluídos, sem organização estável e objectivos claramente definidos. A participação, nesse caso, vincula-se à necessidade de satisfações psicológicas, expressivas.
  • Participação imposta: o indivíduo é obrigado a fazer parte do grupo e a fazer actividades consideradas indispensáveis. Por exemplo, eleição obrigatória.
  • Participação voluntária: o grupo é criado pelos próprios participantes, que definem a organização, os objectivos e as formas de actuação do grupo. Nesta categoria, pode-se incluir uma subcategoria, a participação provocada: situação em que a formação do grupo é induzida por agentes externos, com a finalidade de realizarem objectivos que não aqueles do próprio grupo.
  • Participação concedida: relaciona-se com participação do indivíduo em instâncias que não foram criadas por ele. Mas sua presença, em termos de poder ou de influência, é considerada legítima tanto pelos subordinados como pelos superiores.

Considera-se ainda que estes diferentes tipos de participação implicam, por sua vez, aos diferentes níveis de controlo e de poder; por exemplo, o controlo dos membros de um colectivo sobre as decisões e a importância destas últimas, podem resultar em maior ou menor possibilidade de partilha de poder e de relações igualitárias. (BORDENAVE, 2003).

Gandin (2004, p. 84) chama a atenção para a ascensão do discurso da participação e sua generalização, destacando três aspectos significativos:

  • Primeiro, pode servir de manipulação das pessoas pelas autoridades, através de um simulacro de participação;
  • Segundo, pode haver a utilização de metodologias participativas inadequadas levando a um desgaste das ideias; e
  • Terceiro pode haver desgaste dos próprios processos participativos.

Como base nessa análise, o autor ressalta os diferentes níveis em que a participação pode ser exercida:

  1. Participação como colaboração: é o nível mais frequente. As pessoas são chamadas a contribuir, porém a decisão já foi tomada por uma autoridade. Nesse caso, apela-se ao trabalho, ao apoio, ou mesmo ao silêncio, para que os resultados previstos sejam cumpridos. Nesse nível de participação, não há discussão sobre objectivos e/ou resultados; muitas vezes, solicitam-se sugestões, porém estas são acatadas ou não dependendo do pensamento do chefe.
  2. Participação como decisão: nesse nível, a participação vai além da colaboração, manifestando uma aparência mais democrática. Todavia, em geral são decididos aspectos menores, pouco relacionados com uma proposta mais ampla; as decisões são geralmente entre termos já preestabelecidos, sem influenciar os aspectos mais importantes;
  3. Participação como construção: na prática é pouco frequente e se refere a uma construção conjunta das pessoas. Há partilha de poder, assentando-se na ideia de igualdade entre as pessoas. Cada um, com seu saber próprio, com suas expectativas, suas crenças, seus ideais, converge para a construção de uma proposta comum. (GANDIN, 2004, p. 87).

Assim sendo, Barber (2004, p. 76), no que tange aos níveis de participação, considera que há vários níveis e maneiras de participar, assim como se pode atribuir uma qualidade ao acto de participar que depende das circunstâncias, nesse contexto apresenta alguns pré-requisitos concernentes aos níveis de participação:

  1. A participação é mais intensa quando se vincula ao interesse do individuo e do grupo, desde que seus integrantes se conheçam e haja canais confiáveis de comunicação entre eles;
  2. As diferenças individuais constituem uma intensa força para o dinamismo e funcionamento do grupo, levando a um grau maior de produtividade, de satisfação e de responsabilidade de seus componentes;
  3. A participação torna-se mais efectiva quando o processo de realização permite ao indivíduo e ao grupo sentir os efeitos concretos e imediatos de seu desempenho;
  4. A discussão de ideias, o respeito da opinião alheia, a aceitação de experiências positivas ou negativas, enfim, o saber dialogar pode levar a um acordo satisfatório em relação às apreciações do grupo, proporcionando maior participação de seus integrantes;
  5. Não é suficiente a vontade e a espontaneidade por parte dos que se envolvem com o acto de participar. A participação atinge a eficácia quando é realizada de modo a estabelecer a paridade entre as pessoas, portanto, sem hierarquia;
  6. O grau de participação dos indivíduos e inversamente proporcional ao tamanho do grupo. Isto é, o grande grupo tem maiores recursos, mas o grau de participação em grupos menores é maior.

Neese sentido, para Amman (2004, p. 37), a ocorrência e a intensidade da participação encontram-se intimamente integradas aos condicionantes históricos de determinada sociedade. Por essa razão, considera-se a participação como um processo global, constituído de vários elementos articulados e interdependentes que, se isolados, não podem ser denominados de participação. A participação não é medida pelo desempenho activo ou passivo, mas pela intensidade e qualidade da participação na produção, gestão e usufruto de bens e serviço da sociedade como um todo.

Observa-se então, que para existir a participação social, os três elementos (produção, gestão e fruição) são imprescindíveis, considerando que se uma população apenas produz e não usufrui dessa produção ou se ela produz e usufrui, mas não toma parte da gestão, não pode afirmar que ela participe verdadeiramente.

Nessa linha de raciocínio, Bordenave (2003, p. 33) declara que é fundamental no processo de participação, o grau de controlo dos membros nos níveis de decisões em um grupo ou organização. Esses graus de participação demonstram de que forma a vontade decisória de determinada organização é resolvida. Os níveis que incluem do mais alto ao mais baixo são:

  • Nível 1: Formulação da doutrina e da política da Instituição;
  • Nível 2: Determinação dos objectivos e estabelecimentos de estratégias;
  • Nível 3: Elaboração de plano, programas e projectos;
  • Nível 4: Alocação de recursos e administração de operações;
  • Nível 5: Execuções das acções;
  • Nível 6: Avaliação dos resultados.

Constata-se então que a democracia participativa promove a subida da população a níveis cada vez mais elevados de participação decisória, acabando com a divisão de funções entre os que planeiam e os que executam.

Com o objectivo de reforçar essas ideias, Bordenave (2003, p. 31) ainda estabelece os graus de participação, considerando-os de menor para maior complexidade:

  • Informação: os dirigentes informam os membros da organização sobre decisões já tomadas;
  • Consulta Facultativa: a administração pode, se quiser e quando quiser, consultar os subordinados, solicitando críticas, sugestões ou dados para resolver o problema;
  • Consulta Obrigatória: os subordinados são consultado sem determinadas situações embora a decisão final pertença ao superior;
  • Elaboração/Recomendação: os subordinados elaboram propostas e recomendam medidas que a administração aceita ou rejeita mediante justificativa;
  • Cogestão: a administração da organização é compartilhada por um colegiado;
  • Delegação: os administrados tem autonomia em certos campos ou jurisdição de acordo com regras definidas previamente e em consenso;
  • Autogestão: o grupo define seus objectivos, escolhe os meios e estabelece os controlos necessários e a liderança é compartilhada.

Logo, para que haja um envolvimento maior da população, no que diz respeito a sua participação nas acções sociais, é preciso que tanto a sociedade quanto os dirigentes governamentais, provejam espaços para que as discussões em torno de temas concernentes à melhoria da qualidade de vida da população possa ser discutida de maneira clara e objectiva. O valor da participação não está só pautada às suas dimensões colectivas de busca da igualdade, de relações horizontais e dialógicas. Ela também é fundamental para o prazer e a realização pessoal dos agentes envolvidos no processo.

2.1.6. A gestão democrática e participativa

Segundo Bucci (2001), para que o Governo cumpra seu papel na garantia dos direitos aos cidadãos, (educação, saúde, etc.), é necessário formular e implementar políticas públicas eficazes para que esse propósito possa ser efectivado. As políticas públicas, funcionam como instrumentos de fixação de interesses em torno de objectivos comuns, ou seja, visam o bem da colectividade. Logo, toda política pública é um instrumento de planeamento, racionalização e participação popular.

As políticas públicas representam um ponto fundamental da rede de garantia dos direitos porque integram o conceito e a função social do Estado, e porque constituem a primeira instância de soluções, possibilidades e oportunidades de transformação da realidade (OLIVEIRA, 2005).

Matos (2004, p. 3), acrescenta:

As políticas públicas podem ser conceituadas como instrumentos de execução de programas políticos baseados na intervenção estatal na sociedade com a finalidade de assegurar igualdade de oportunidades aos cidadãos, tendo por escopo assegurar as condições materiais de uma existência digna a todos os cidadãos.

Em perspectiva semelhante, Corralo (2012) considera que as políticas públicas visam atender todos os direitos fundamentais, em todas as suas dimensões, caracterizando-se por uma ampla discricionariedade política dos integrantes do governo (Legislativo e Executivo) na sua elaboração. Por isso é mais adequado concebê-las como um conjunto de acções ordenadas em objectivos e metas, elaboradas pelo Governo, que visam a efectivação dos direito fundamentais.

O aparecimento de canais de participação voltados para o debate e a formulação de políticas públicas tem sido objecto de diversas análises, que partem de perspectivas absolutamente, através das quais as instâncias governamentais procuram modificar a forma de gestão pública, estimulando a inserção dos diversos segmentos sociais no processo de tomada de decisão e de implantação de políticas sociais. Dessa forma, identificam no governo o papel de protagonista das mudanças político-institucionais trazidas com um novo modelo de gestão pública.

Transpondo essas ideias para um contexto mais generalizado, ressalta-se que a criação de novas formas e canais de participação cidadã enfrenta uma arraigada cultura política elitista que não se transforma da noite para o dia. Nessa perspectiva Gohn (2001) considera que geralmente nos países em desenvolvimento há uma lógica, historicamente predominante, na relação da população com o governo, impregnada de apatia, clientelismo, submissão, populismo, cooptação e outros tantos efeitos perversos desta herança cultural.

Das palavras acima, infere-se que a abertura de novas formas e canais de participação, como é o caso da Gestão Democrática e Participativa, requer portanto, uma prática capaz de orientar o necessário processo de mudança de atitudes, valores, mentalidades, comportamentos, procedimentos, tanto por parte da população como daqueles que estão no interior do aparelho estatal.

Nesse contexto, a Gestão Democrática e Participativa é considerada segundo Genro (2005, p. 138) como:

Um modelo de gestão que viabiliza a intervenção da sociedade organizada nos processos de tomada de decisão, envolvendo a organização e o manejo de recursos organizativos, financeiros, humanos e técnicos, sendo materializada em um conjunto de processos sociais e de canais institucionalizados de participação e reforçada por instrumentos não-institucionalizados de participação cidadã.

A partir disso, o autor considera que, do ponto de vista institucional, a Gestão Democrática e Participativa é apresentada como uma complementação ou mesmo ampliação da democracia representativa, viabiliza a participação directa da população na disputa de interesses e no exercício de práticas de negociação na gestão de políticas públicas. (Idem).

Nesse sentido são realçadas algumas das virtudes da Gestão Democrática e Participativa:

  1. A proximidade entre a população, que representa melhor seus interesses porque conhece bem seus problemas, e os processos de planeamento e decisão;
  2. O estímulo ao exercício da participação cidadã favorece a ampliação da democracia, com a superação da distância, da apatia e da alienação, com o estreitamento das relações entre poder público e cidadãos;
  3. Os mecanismos de gestão participativa otimizam os recursos públicos, dificultando práticas clientelistas através do controle social. (GENRO, 2005, p. 132).

Num contexto mais específico, a Gestão Democrática e Participativa, segundo Cordioli (2006), é uma forma de gerir uma instituição de maneira que possibilite a participação, transparência e democracia. Também acrescenta que é um sistema único e descentralizado que supõe objectivos e metas claramente estabelecidos entre Sociedade Civil e governo, visando à democratização do acesso e da gestão e à construção de uma nova qualidade de vida da população. (Idem, p. 82).

O referido autor cita que os princípios que norteiam a Gestão Democrática e Participativa são:

  • Descentralização: A administração, as decisões, as acções devem ser elaboradas e executadas de forma não hierarquizada.
  • Participação: Todos os envolvidos no quotidiano da Sociedade Civil devem participar da gestão.
  • Transparência: Qualquer decisão e acção tomada ou implantada tem que ser de conhecimento de todos. (Idem, p. 83).

Para Dagnino (2004), a participação da gestão dos interesses colectivos passa a significar também participar do governo da sociedade, disputar espaços de definição e gestão das políticas públicas, questionar o monopólio do governo como gestor do objecto público, construir espaços públicos, afirmando a importância do controlo social sobre o governo, pela gestão participativa, compartilhada, e interface entre o governo e a sociedade.

Parece pertinente que o envolvimento dos cidadãos na gestão pública incide directamente sobre as possibilidades e os padrões de interacção entre o governo e a sociedade, de forma que a participação social é condição indispensável tanto para a formulação de demandas quanto para a própria interacção política entre a sociedade e as instituições governamentais. Assim, o papel desempenhado pela Sociedade Civil é fundamental para uma melhor gestão; os canais de participação dessa sociedade devem ser ampliados para que ocorram mudanças significativas na gestão territorial, e dessa forma, para que as decisões sobre a organização económico-social do território possam ser democráticas e tentar amenizar os problemas urbanos e rurais de cada lugar.

Para uma boa governança, o que está relacionado com uma boa Gestão Democrática e Participativa, segundo Corralo (2014), necessita quatro dimensões essenciais:

  1. Estado de Direito: consignado por um claro, preciso e seguro regramento jurídico para as mais diversas actividades estatais;
  2. Democracia participativa: requer a utilização dos diversos instrumentos de participação e controlo da Sociedade Civil, dos cidadãos e dos actores económicos nas actividades administrativas, o que não significa, em hipótese alguma, substituir a democracia representativa, mas complementá-la em prol de de legitimidade estatal;
  3. Transparência: é a publicidade máxima daquilo que é feito pelo poder público, seja activamente, com informações permanentemente disponíveis aos cidadãos; e
  4. Responsabilização: é a responsabilização dos agentes públicos, a remontar ao necessário controlo da esfera pública, o que ocorre verticalmente, nos processos eleitorais, ou horizontalmente, com as diversas instâncias de controlo.

No contexto angolano, o esforço de promover uma Gestão Democrática e Participativa, segundo Andrade (2012), se concretizou a partir de 2007 com a criação dos Conselhos Municipais de Auscultação e Concertação Social (CACS). Considera a autora que estes conselhos foram criados no âmbito da estratégia de descentralização na qual o Estado angolano pretendia transferir da administração central para a governação local as actividades e os processos de decisão.

Os CACS eram estruturas nas quais estavam presentes vários sectores da administração pública local e contavam com participação da Sociedade Civil, que tinham por objectivo, apoiar a administração municipal na apreciação e tomada de decisões de natureza política, económica e social no território do respectivo município. (ENSAN, 2009).

Andrade (2012) considera que dessa forma, assegurava-se um espaço de participação e de diálogo entre o Estado e a sociedade que permitia aos Municípios melhorar sua capacidade de planificação e de gestão de recursos e promover uma democracia participativa onde era possível melhor planificar e implementar os seus programas e projectos e definir um desenvolvimento sustentável. A referida pesquisadora considera que a mobilização das diversas forças sociais, económicas e políticas locais em torno de objectivos comuns é uma das principais estratégias do desenvolvimento local. Pressupõe uma acção política de agentes comprometidos com a ética e os interesses da maioria na condução das iniciativas solidárias de desenvolvimento local. A capacidade da gestão participativa deverá ser transferida para os espaços públicos, ampliando a participação cidadã nos destinos da comunidade ou sociedade local, por intermédio dos mecanismos e instrumentos da gestão e controlo social das políticas públicas e do desenvolvimento.

Neste sentido, a democracia participativa, busca de aperfeiçoamento e criação de referências para as práticas e elaborações da democracia que possam pautar as questões centrais da actualidade, como as desigualdades sociais e regionais, os fundamentalismos, a ética, a cultura, a política, as relações internacionais.

2.2. Doutrinas científicas

2.2.1. Alguns pensamentos das filosofias democráticas

A análise dos pensamentos filosóficos influentes neste objecto, proporciona uma melhor compreensão das expressões ora abordadas nos fundamentos da democracia, de modo a elucidar e concretizar os meios de exercício do poder pelo povo. É possível então dizer que um tal objecto de estudo suscita questões epistemológicas relevantes, das quais trata-se a seguir, no limite do necessário como demonstração de alguns problemas apriorísticos fundamentais no âmbito da ciência política, e que se reflectem na construção e tratamento do conceito em estudo.

A. Os pensamentos políticos da civilização helénica

A civilização helênica (grega) conforme Ribeiro (2001), foi a primeira a desenvolver uma forma democrática de vida, ressalvando que nem todas as Pólis (Cidades-Estado) gregas adoptaram esse regime, como é o caso de Esparta, na qual se encontrava uma monarquia composta por dois reis, sendo em Atenas que este modo de pensar o poder ganha especial relevância, refletindo a base do modelo actualmente conhecido como democrático directo. Segundo o autor, o pressuposto desse tipo de democracia era a liberdade. "Os helênicos orgulhavam-se de ser livres uma vez que podiam decidir as questões de sua cidade, factor que os distinguia de seus vizinhos de outras línguas e culturas, como os persas." (Idem, p. 90).

Sob esse mesmo ponto de vista, Chevallier (1999) acrescenta que o próprio pensamento político nasce do racionalismo grego nas polis, onde se discutiam seus problemas, seus fundamentos, sua ética, suas instituições, suas eventuais enfermidades. Para o autor, era evidente que a existência política, tratada pelos filósofos da época como finalidade superior da vida humana, como a vida boa, própria dos homens livres, somente poderia existir em uma cidade justa; também, a filosofia nesse período atinge um patamar elevado de desenvolvimento, uma vez que é no seu âmbito que os gregos passaram a buscar conceitos que verdadeiramente auxiliassem na formulação da melhor política.

Na Política de Aristóteles (2006), é certamente encontrada a melhor divisão das formas supramencionadas, agrupadas de um lado em legítimas, ou correctas, por visarem ao interesse comum, sendo elas a monarquia, aristocracia e a politeia, ou governo constitucional (república), e do outro lado seus respectivos desvios: tirania, oligarquia e democracia; ressaltando que nem sempre foram favoráveis os conceitos formulados pelos pensadores helénicos acerca da democracia ateniense.

Segundo Finley (1998) é inegável a importância no estudo da participação activa, directa e plena dos cidadãos na Hélade, mesmo considerando eventuais críticas a este modelo democrático, como a exclusão dos escravos, estrangeiros e mulheres do conceito de cidadania, a irracionalidade no comportamento da multidão em uma reunião ao ar livre e o risco de manipulação da mesma pela figura do demagogo, certamente não obscurecem seus pontos positivos, dentre eles um período de intensa discussão que precedia a votação na Assembleia e um conhecimento pessoal entre todos os votantes, em uma clara relação de sinergia diferente do individualismo presente nas eleições actuais.

Neste sentido, Bonavides (2003, p. 327) considera a democracia antiga como:

A democracia de uma cidade, de um povo que se devota por inteiro à coisa pública, que deliberava com ardor sobre as questões da polis, e que se orgulhava em manter uma praça pública onde pudessem se juntar para exercer o poder político.

O regime democrático grego, portanto, permitia um sistema de liberdade e igualdade entre os cidadãos, os quais perfaziam uma pequena parcela da população, por causa da exclusão dos escravos, mulheres e estrangeiros desse status; sempre observando o respeito à lei e à justiça, que é o necessário equilíbrio entre os interesses distintos de homens livres. (Idem, 2003).

B. O pensamento político medieval

Numa análise do pensamento político medieval, Chevallier (1998, p. 132) afirma que:

A Idade Média e o Renascimento não são apontadas na ciência política como períodos capazes de descrever com exactidão o que seria um ambiente democrático, em virtude da existência dos grandes Estados monárquicos na época e da linha escolástica no campo da filosofia, a qual buscava a harmonização entre as esferas da fé e da razão.

O autor acrescenta ainda que, a Igreja tinha seu poderio aumentado à medida que se enfraquecia o Império Romano, consequência em parte ocasionada pela expansão do cristianismo, e o poder passa a ter carácter divino, sendo de Deus a escolha dos homens que passariam representá-lo, no caso os reis. O povo, mero espectador, limitava-se à figura de sustentáculo do sistema feudal, em face de sua submissão. (Idem).

Para Saes (2009) nesse período, os únicos casos de democracia na idade medieval eram encontrados nas cidades que conquistavam autonomia jurídico-política do Estado monárquico, entre os séculos XI e XII, passando a ser regidas por uma Carta, ou Constituição própria, organizando-se em diferentes regimes de governo, como em repúblicas ou consulados. O autor acrescenta que tais cidades não podiam ser consideradas como estruturas burguesas, posto a permanência da relação de dependência entre a economia urbana medieval e a economia agrária feudal; nas repúblicas urbanas da Idade Média, nem todos os habitantes eram politicamente cidadãos, uma vez que a participação no Grande Conselho era restrita a algumas classes sociais, como a burguesia mercantil, enquanto a plebe logrou no máximo constituir governos paralelos por meio de insurreições, verificando-se, de forma clara, a coexistência de dois poderes distintos.

C. O pensamento político dos modernos

Nesta concepção, Sabine (2005) considera que a ruptura definitiva em relação ao poder monárquico absolutista e ao sistema de produção feudal ocorre apenas com as revoluções burguesas, as quais surgiram movidas pelo espírito de independência e abolição dos privilégios, uma vez que a ascensão da classe burguesa carecia de um novo modelo de Estado que assegurasse o desenvolvimento da economia mercantilista e as liberdades individuais.

Adiciona o autor, que o Estado Liberal, organizava-se de modo a atribuir a todos os homens, independentemente da sua posição social, direitos e deveres, uma vez que estes seriam iguais em estado de natureza. Mesmo após firmarem um pacto social, havia regras racionais de convivência que garantiam seus interesses individuais originários, sendo o cidadão a origem e o fim do poder político. (SABINE, 2005).

O direito natural moderno apresenta-se, segundo Mascaro (2002) através de uma racionalidade ao mesmo tempo universalista e subjectiva, como instrumento apto ao resguardo de princípios inerentes a todos os homens, sendo que, na realidade, a igualdade e a liberdade exaltadas nos discursos iluministas são a formal e contratual. Conforme o autor, certamente o indivíduo já teria estes direitos, mas a fruição dos mesmos era incerta, uma vez que todos os homens considerar-se-iam tão reis quantos os outros, não sendo observadas a equidade ou a justiça; apenas com a reunião dos mesmos surge a segurança necessária à conservação recíproca da vida e da propriedade.

Neste contexto, Dallari (2004) argumenta que a realização destes direitos individuais passa a ocorrer no âmbito da Sociedade Civil organizada, separada da vida privada e distante da dimensão pública, sendo que as relações nele estabelecidas não podem sofrer a intervenção estatal, razão pela qual se torna imprescindível a limitação do poder do governante, reaparecendo a democracia como único regime capaz de restringir o absolutismo monárquico, tornando-se inevitável a identificação entre Estado democrático e Estado liberal. Nesta concepção, a democracia como forma do Estado burguês, tem uma dimensão diferente da democracia da antiguidade, passando a ser compreendida através do elemento da representação, que na Idade Média não se coadunava com este regime de governo, pois funcionava nos parlamentos britânicos como mero instrumento de expressão da vontade do representado na pessoa de seu representante.

Conforme Rojas (2001), no pensamento político moderno, as ideias de John Locke com relação à democracia, foram relevantes para a Revolução Inglesa, reconhecendo-se preceitos, como a divisão de poderes, o princípio majoritário e a limitação da soberania em razão da defesa de direitos subjectivos do homem.

Além disso, caracteriza como sendo uma perfeita democracia a forma de governo em que os indivíduos, após se reunirem em sociedades, utilizam-se dos sufrágios para fazer, periodicamente, leis destinadas à comunidade, as quais seriam executadas por funcionários por eles nomeados. Acrescenta também que a administração do poder legislativo, considerado supremo, devia sempre visar ao proveito do bem geral, concluindo-se que a supremacia reside verdadeiramente na comunidade, sendo ela a origem de toda forma de autoridade. (Idem).

Jean-Jacques Rousseau, fez parte de um conjunto de filósofos cujo pensamento influenciou directamente os movimentos que resultaram na Revolução Francesa. Conforme Rousseau (2005), os homens seriam capazes de viver livremente, de forma pacífica, com seus semelhantes, surgindo o contrato social como meio de preservar esta liberdade, respaldado na vontade geral que se destina à igualdade dos membros no seio da sociedade, com a finalidade de realização do interesse comum. Em sua obra, defende que a soberania não poderia ser representada, posto que a vontade geral não se representa, e expõe que os deputados do povo não passariam, quando muito, de comissários e nada poderiam concluir definitivamente.

D. O pensamento político contemporâneo

As concepções de regime democrático estabelecidas pelos modernos sofrem transformações no século XIX com a emergência de revoluções populares e o advento das teorias socialistas. Conforme Sabine (2005), o povo, esquecido após as revoluções liberais, reaparece à medida que se desenvolve o capitalismo industrial como classe social bem definida, os proletários, que pugnam pelo fim das relações de dominação, com a abolição da propriedade privada dos meios de produção, e pela implantação da cooperação.

Convem neste aspecto analisar as ideias de Saes (2009), segundo as quais, na denominada democracia socialista, o vocábulo democracia tomaria seu sentido cheio e tornar-se-ia efectivo para todos, não sendo mais considerado como uma das formas possíveis de governo, mas como a própria essência do Estado socialista, cujo poder político reside no proletariado, observando-se que o seu significado abrange o controlo efectivo da burocracia do Estado pelos trabalhadores manuais e o exercício do poder político por uma via não-estatal, através das organizações de base.

Conforme estas concepções, a democracia social, ou proletária, integra a divisão dos modelos democráticos de origem marxista, encontrando-se como sua oposição a democracia formal burguesa, uma vez que seu objectivo não se limita apenas à criação de mecanismos que garantam a participação igualitária dos indivíduos na formação da vontade colectiva, devendo alcançar, também, a igualdade económica entre os membros da sociedade. (Saes, 2009).

Com relação e este aspecto, Miranda (2004) explica que a dicotomia apresentada na democracia social, sofre inúmeras críticas, sendo que alguns escritores a repelem sob a alegação de que, enquanto a noção de democracia é forma e a noção de igualdade de haveres é fundo. Outros doutrinadores a afastam por ser estranha ao conceito de democracia a igualdade, a não ser acessoriamente, ainda há a afirmação de que a classificação adoptada não tem cunho teórico, mas prático, unicamente para discernir a democracia socialista da burguesa.

Nesta linha de raciocínio, Benavides (2003) considera que a forma democrática defendida por Marx, Lênin e seus discípulos, cujo fundamento era económico, baseia-se, na noção de igualdade, sendo tal acepção estranha à da democracia ocidental, a qual possui essência política, tendo como alicerce o preceito da liberdade. Optando-se pelo modelo liberal, em que a igualdade seria alcançada pela liberdade política, ou pelo modelo social, no qual somente existiria liberdade se antes houvesse igualdade, segundo o autor, tais definições são extremamente restritivas e não são capazes de expor com precisão os inúmeros elementos caracterizadores de uma democracia.

Para Chaui (2005), a compreensão da democracia como mera ideologia marca o início do século XX, principalmente através das teses antiliberalistas presentes nas experiências políticas do nazismo e fascismo. Segundo a autora, tais regimes totalitários consideram a democracia liberal um mal, isto é, como causa de todo o caos socioeconómico em razão da ambição desmedida da burguesia rica, enquanto os estados capitalistas, por sua vez, afirmam ser a democracia um bem ao combaterem a opressão à liberdade imposta pelos países ditatoriais. Se as primeiras discussões do século passado foram acerca do desejo pela democracia, o que resultou na ampla aceitação mundial dessa forma de governo, seriam as condições estruturais mínimas para configurar tal regime, isto é, o conjunto de normas e procedimentos que dariam suporte a uma democracia real.

2.2.2. A democracia segundo o pensamento de Pavan

Segundo Flaviano (2012), no pensamento do Cardeal Pietro Pavan (1903-1994) está a nova significação do conceito de democracia. Conforme o autor, no século passado, não só houve um rápido acentuar da aspiração a regimes democráticos, mas também uma efectiva expansão do conceito de democracia, acrescentando que o termo difundiu-se em quase todas as culturas e em quase todas as Constituições. Mesmo algumas, com formas de governo totalitário, proclamam os princípios da democracia e preveem as instituições que deveriam garanti-la. Esta mudança segundo Pavan (1965, citado em Flaviano, 2012), tornou-se possível, graças a maior consciência da própria dignidade que os seres humanos foram adquirindo na época moderna.

Para Pavan (1965), o conceito de democracia envolve diferentes conteúdos, formulados e articulados no longo processo histórico de sua formação, os quais resultaram na variedade de significações que ele tem hoje, mas, como é evidente, eles não se opõem ou se anulam. Comprova-se também que nas diferentes gerações, o termo democracia nem sempre foi interpretado e usado de forma unívoca, sendo indistintamente usado no sentido universal ou no sentido particular, até assumir significados diversos.

Seguindo as ideias acima, Flaviano (2012) acrescenta que o conceito de democracia que permanece como modelo ideal na descoberta política e social da humanidade remonta a cultura helénica, partindo da exigência da igualdade perante as leis. Outra questão importante alude o facto de a democracia ter diferentes significados que podem ser expressos diferentemente pelos diferentes segmentos da sociedade. Nesse sentido, a democracia evoca a ideia de um povo que detém o poder e governa-se por si, ou seja, evocava a forma de governo em que o poder político é exercício pelo povo.

Nessa linha de ideias, Pavan (1965, citado em Flaviano, 2012, p. 108) considera que:

A democracia da idade contemporânea é uma democracia que não se funda, nem floresce sobre as bases de uma substância ética, cilindra os valores morais sólidos, absolutos e partilhados, cujo único escopo é o bem comum. Ela funda-se pelo contrário, em base de agnosticismo metafísico, de ceticismo e relativismo moral e realiza-se como livre consenso de todos, num conjunto de regras, que definem e forma de governo.

Conforme Flaviano (2012) pode-se dizer que se trata de uma democracia da era da globalização, vulnerável e facilmente sujeita a manipulações ideológicas, bem como ao domínio de potentes oligarquias. Com relação a isto, constata-se que existe uma intrínseca conexão que intercorre entre sociedade, Estado e autoridade; que brotam da essência espiritual do homem e nascem da sua natural sociabilidade com o fim único de favorecer o desenvolvimento integral da pessoa humana, considerada pela sociedade, pelo Estado e pela autoridade, sujeito espiritual e relacional, que vive em reciprocidade com consciência e liberdade.

Pavan (1965) considera que o homem, nas suas constatações de real corporeidade e de essencial espiritualidade e racionalidade, com referência a si mesmo e aos outros, aos seus direitos e deveres, ocupa um espaço particular, na reflexão social e política. Também exprime que a pessoa humana não tem apenas uma relação recíproca com os outros, mas também com a sociedade em que vive, a fim de criar uma condição de vida melhor, que possa garantir aos cidadãos uma efectiva participação no desenvolvimento integral da sociedade.

Por outro lado acrescenta, a título exemplificativo que em um regime democrático, devem coexistir três elementos:

  1. Substancial: que seria o reconhecimento de direitos políticos aos cidadãos, o qual distingue e caracteriza os regimes democráticos, conferindo-lhes fisionomia própria e inconfundível;
  2. Formal: no qual o autor menciona a constitucionalidade, representatividade e divisão de poderes; e
  3. Metodológico: que se exprime pelo governo da maioria e pela crítica ou fiscalização da minoria. (PAVAN,1965, p. 127).

Concluindo este aspecto, Flaviano (2012) reflecte sobre a importância de se adicionar a estes aspectos, uma Constituição, que seria elemento indispensável à ordem e estabilidade política, bem como de reconhecimento de direitos individuais ao povo e que estes elejam seus governantes periodicamente. A relevância, destas considerações doutrinárias, de condições de existência para a democracia decorre da imprescindibilidade de que as decisões do governo emanem da vontade soberana popular e atendam ao interesse público. Desse modo, ao se estabelecer princípios básicos para a caracterização deste regime, visa-se assegurar ao povo a possibilidade de afastar-se de determinadas farsas que se autoproclamam democráticas.

2.2.3. Fundamentos científicos da teoria participativa

A perspectiva da democracia participativa segundo Brandao (2003), surge tendo em vista a recuperação da dimensão normativa da democracia, enfatizando a crítica à redução da política a uma lógica competitiva e individualista, tentando rearticular as ideias de soberania popular e cidadania a partir de uma defesa da ampliação dos espaços disponíveis para a participação do cidadão comum.

A partir disso, o autor considera que os teóricos da democracia participativa, radicalizam a ideia de participação, recuperando-a enquanto conceito central para a teoria democrática. Para esses autores, fortemente influenciados por clássicos como Jean-Jacques Rousseau e Stuart Mill, a democracia não se constitui apenas como um sistema político ancorado em arranjos institucionais legitimados pelo voto. (Idem).

Considerando o potencial transformador da prática participativa Bachrach (2001, p. 70) afirma que "a participação é um meio essencial para o pleno desenvolvimento das capacidades humanas". Em perspectiva semelhante, Pateman (2002), enfatiza a dimensão pedagógica da participação, cuja prática capacita e conscientiza os cidadãos, promovendo o desenvolvimento da cidadania. Por outro lado, uma participação mais consistente dos cidadãos em espaços variados na Sociedade Civil, especialmente, os capacitaria, dado o carácter pedagógico transformador da participação, a uma interferência mais qualificada e significativa na política dos Estados nacionais contemporâneos.

Observa Vitulo (2007), que a participação não teria importância apenas ao actuar no desenvolvimento dos cidadãos, ela seria também uma qualificadora do processo de tomada de decisão, na medida em que possibilitaria que mais interesses em jogo fossem contemplados na discussão a cerca das problemáticas desenvolvidas nas sociedades democráticas. As decisões geradas a partir de grande participação seriam melhores por constituírem-se enquanto resultado de um debate social mais amplo, enriquecido e aprofundado. Por outro lado, para a perspectiva da participação, a democracia não estaria mais restrita ao espaço institucional tradicional circunscrito nos limites do sistema político, acessado por uma minoria composta pelos representantes, mas deveria ser ampliada e levada aos diversos espaços da Sociedade Civil, trazendo á arena do poder político os seus grupos organizados e os cidadãos comuns.

Numa perspectiva participativa, Macpherson (2004) afirma que a democracia configura-se em algo que também implica uma forma de justiça ou equidade na distribuição dos recursos de poder. Nesse sentido, a inclusão da participação directa dos novos e diversos actores sociais no processo de discussão e decisão políticas, tanto no âmbito das instituições representativas quanto em espaços variados da sociedade, cria novos vínculos entre Estado e Sociedade Civil além dos tradicionais partidos políticos e torna-se elemento essencial na busca pela descentralização do poder, bem como na tentativa de rearticulação entre as ideias de cidadania e soberania popular proposta por esse modelo de democracia.

Dessa forma, e em uma perspectiva semelhante, Luchmann (2002) considera que o modelo da democracia participativa exige a possibilidade da participação dos cidadãos nas decisões a serem tomadas nos diversos âmbitos da vida social, inclusive e fundamentalmente no interior do sistema político. Por outro lado para a autora, o conceito de participação existente na democracia participativa preocupa-se com a generalização e aprofundamento da cidadania enquanto autodeterminação da população na definição e construção da vida e do interesse comum.

2.3. Experiencias internacionais

2.3.1. Experiencias de democracias participativas no mundo

Nas últimas décadas o mundo tem assistido mudanças significativas nos modelos de democracia. A democracia representativa, através da qual os cidadãos escolhem os seus representantes para conduzir os seus destinos vem sendo, de forma acelerada, substituída pela democracia participativa.

A partir dos anos 90 do século passado, a democracia representativa entrou em crise, no entendimento de Santos e Avritzer (2002, p. 42) como "resultado da patologia da participação, sobretudo em vista do aumento dramático do absentismo; e a patologia da representação, o facto dos cidadãos se considerarem cada vez menos representados por aqueles que elegeram".

Jossias (2009) afirma que as primeiras manifestações de estabelecimento da democracia participativa directa ocorrem nas cidades brasileiras, particularmente nos finais da década oitenta. A partir de 1989 estabeleceram-se no Brasil as primeiras práticas do Orçamento Participativo (OP). Com o Orçamento Participativo a gestão das cidades passou a ser partilhada entre a comunidade (eleitores) e os gestores públicos (eleitos). A planificação do desenvolvimento das cidades, a definição das linhas de acção e as actividades dos governos passam a ser definidas em processo participativo. Correspondentemente, as comunidades locais discutem o financiamento, acompanham e fiscalizam a execução das actividades dos seus governos.

A experiência brasileira do Orçamento Participativo rapidamente percorreu o mundo. No início de 2000 parte significativa dos governos locais do resto do mundo ensaiam formas diversificadas deste modelo. Organizações de cooperação internacional constituem o principal veículo de difusão das práticas do Orçamento Participativo para fora do Brasil e sobretudo para os países africanos e asiáticos, embora alguns países europeus adoptem hoje também o modelo.

Cabannes (2008, p. 39) considera que pela história das experiências de Orçamento Participativo podem-se diferenciar quatro grandes fases:

  • Fase I: que corresponde a um período de experimentações, entre 1989 e 1997, em que se destacam as iniciativas levadas a cabo em Porto Alegre, no Brasil, e em Montevideu, no Uruguai. Esta fase corresponde grosso modo a dois mandatos eleitorais para a administração local no Brasil (1989/1992 e 1993/1996), onde um número superior a 30 municípios avançou com a experiência de Orçamento Participativo;
  • Fase II: período da chamada massificação brasileira das experiências de Orçamento Participativo, que decorreu no mandato seguinte, ou seja, entre 1997 e 2000, durante o qual mais de 140 municípios brasileiros adoptaram o Orçamento Participativo, com variações significativas;
  • Fase III: que vai do ano 2000 até à actualidade, em que se tem vindo a verificar a expansão destas experiências fora do Brasil, num quadro de ampla diversificação. É nesta fase que emergem inúmeras iniciativas de Orçamento Participativo em cidades latino-americanas e europeias, recorrendo a modelos existentes, onde se destaca Porto Alegre, mas com adaptações a cada local, o que implicou nalguns casos alterações substanciais ao desenho original;
  • Fase IV: que reflecte a situação actual de construção de redes de cooperação nacionais e internacionais de Orçamento Participativo.

Segundo estimativas mais recentes, existem actualmente no mundo mais de 2000 experiências de Orçamento Participativo, (no Quadro 1 apresentam-se exemplos de experiências de Orçamento Participativo no Mundo), a maioria das quais na América Latina. A Europa tem evidenciado também um grande dinamismo na adopção deste tipo de dispositivo de participação, podendo ainda destacar-se, embora em menor número, a emergência destas experiências em África, na América do Norte e também na Ásia. (CABANNES, 2008).

Quadro 1: Exemplos de experiências de Orçamento Participativo no Mundo

CONTINENTE

PAÍS

EXPERIÊNCIAS

América do Sul e Central

Brasil

Porto Alegre, Recife, Belo Horizonte, Guarulhos, Diadema, Santo André, Fortaleza, Mundo Novo, Suzano, João Pessoa, São Carlos, Varginha, São Leopoldo, Gravataí, Campina Grande, São Mateus, Osasco, Vitória, Várzea Paulista, Concórdia, Goianésia, Londrina, Natal, Olinda, Pará de Minas, Rio das Ostras, Santa Maria, Estado do Rio Grande do Sul

El Salvador

San Salvador, Micro-região de Juayúa, Nejapa, Alegria

Colômbia

Samaniego, Manizales, Marsella, Medellín, Envigado, Arauca, Pereira, Valle del Cauca, Ibague

Equador

Cuenca, Cotacachi, Ibarra, Montufar, Chimborazo, Cayambe, Orellana

Argentina

Buenos Aires, Rosário, Córdoba, La Plata, Moron, Bella Vista Corrientes

Peru

O OP está previsto na Constituição da República, sendo assim considerada uma política de Estado de carácter obrigatório

Bolívia

Uncía, Ciudad de El Alto (La Paz), Pintada

Chile

Buin, Cerro Navia, La Pintana, Molina, San Antonio, Rancaqua, Illapel, Talca, Lautaro, Freirina, S.Salud Tacahuano, San Joaquín, Municipalidad de Frutillar, Municipalidad de Puerto Montt

Costa Rica

Escazu

Venezuela

Caracas, Guacara, Libertador, Mérida, Baruta

Guatemala

Quetzaltenango, San Juan Comalapa...

República Dominicana

O OP tornou-se lei nacional em 2007.

Uruguai

Montevideo, Paysandu, Maldonado, Florida

Paraguai

Asunción

América do Norte

Canadá

Guelph, Toronto Community Corporation, Montreal

EUA

Chicago

México

San Pedro, Gomez Palácio

Europa

Inglaterra7

Bradford, Salford, Harrow, Sunderland

Bélgica

Mons

França

Saint-Denis, Bobigny, Arcueil, Limeil- Brevannes, Morsang-sur-Orge, Paris XX, Poitiers, Região Poitou Charentes (OP dos Liceus)

Itália

Comune de Grottammare, Roma XI, Napoles, Modena, Arezzo, Colorno, Reggio Emilia, Trento, Paderno Dugnano, San Canzian dIsonzo, Anzola dellEmilia, Novellara, Provincia de Cagliari, Provincia de Reggio Calabria, Senago, Senigallia, Vimodrone, Bergamo, Veneza, Região de Lázio

Alemanha

Rheinstetten, Lichtenberg (Berlin)...

Portugal

Alcochete, Alvito, Aljustrel, Avis, Batalha, Braga, Carnide (Lisboa), Castelo de Vide, Castro Verde, Lisboa, Marvão, Palmela, Santiago do Cacém, São Brás de Alportel, São Sebastião (Setúbal), Serpa, Sesimbra, Vila Real de Santo António8

Espanha

Sevilha, Córdoba, Getaf, Albacete, Campillos, Novelda, Xirivella, Santa Cristina dAro, Figaró-Montmany, Logroño, Tudela, Donostia-San Sebastián, Zaragoza, Sant Joan DAlacant, Jerez, Castellón, Petrer

África

Cabo Verde

Sta Cruz (Ilha de S.Vicente), São Miguel (Ilha de S.Vicente), Paul (Ilha de Sto.Antão), Mosteiros (Ilha do Fogo)

África do Sul

Bufalo

Moçambique

Maputo

Fonte: Projecto Orçamento Participativo Portugal (http://www.op-portugal.org)

O Orçamento Participativo adquiriu nos últimos anos relevâncias profundas em três tipos de debates no contexto da teoria democrática:

  1. No debate sobre a relação entre Sociedade Civil e democracia local;
  2. No debate sobre desenho institucional; e
  3. Nos debates sobre o aprofundamento da democracia.

Em um primeiro campo de discussão, o da relação entre Sociedade Civil e Estado, os trabalhos sobre Orçamento Participativo têm feito uma serie de constatações analíticas relevantes. Bairle (2000), foi o primeiro em apontar a influência dos movimentos sociais comunitários para a explicação do Orçamento Participativo. Segundo o autor, com a criação da União das Associações de Moradores de Porto Alegre (UAMPA) em 1983 ocorreu um primeiro esforço de romper com uma relação tradicional entre as associações de bairro e o Estado. Uma nova concepção de cidadania levou a uma serie de novos temas, tais como, a construção de propostas alternativas de políticas públicas.

A literatura sobre Sociedade Civil buscou mostrar que as práticas pré-existentes criaram condições para o surgimento do Orçamento Participativo. Segundo Avritzer (2002), há duas condições importantes para o surgimento do Orçamento Participativo: a existência de práticas associativas anteriores e a incorporação de práticas pré-existentes, tais como as assembleias no desenho institucional participativo.

Em perspectiva semelhante, Silva (2004) afirma que, a dinâmica de participação no Orçamento Participativo repousa principalmente na acção mobilizadora de um conjunto de lideranças que possuem como principal campo de identificação e actuação uma rede associativa de base comunitária.

Nylen (2002), utiliza a literatura sobre Sociedade Civil para avaliar os resultados do Orçamento Participativo e mostrar determinados limites associativos à extensão da proposta. O autor reconhece que o Orçamento Participativo desenvolve o activismo democrático entre os membros das não elites e entre aqueles que já foram activos no passado.

Percebe-se que uma parte importante do debate actual sobre o Orçamento Participativo leva em conta as características da Sociedade Civil discutindo os seguintes elementos:

  1. O papel das pré-estruturas organizativas da Sociedade Civil no êxito das políticas participativas;
  2. A capacidade do estado de induzir formas de associativismo e práticas deliberativas semelhantes aquelas existentes no campo da Sociedade Civil;
  3. A capacidade das formas participativas de distribuírem recursos de modo generalista evitando, assim, a transformação das associações existentes em canais corporativos de acesso a recursos e o debate acerca do papel da tradição associativa na variação do êxito das experiencias do Orçamento Participativo.

Todas essas questões permanecem polêmicas no interior da literatura sobre Sociedade Civil e Orçamento Participativo.

A segunda linha de discussão sobre o Orçamento Participativo é a que trata do problema do desenho institucional. Segundo Hall e Taylor (1996), a teoria do desenho institucional possui diversas variações mas todas as suas vertentes reivindicam a influência do desenho das instituições na sua capacidade de pré-determinar atitudes dos actores sociais.

Seguindo essa linha de raciocínio, Fung e Wright (2002) comparam o Orçamento Participativo com outras formas de participação na India e nos Estados Unidos e dessa comparação destacam as seguintes características comuns de desenho institucional por eles denominado de governança participativa com transferência de poder para a base. Segundo estes autores:

Eles são participativos na forma como incorporam o compromisso e a capacidade das pessoas comuns; deliberativos porque instituem um processo racional de tomada de decisão e são uma forma de aumento do poder das bases na forma como eles ligam acção e discussão (Idem, p. 5).

Silva (2004) aponta a importância de duas variáveis no desenho do Orçamento Participativo, a variável dos pesos e hierarquização e a forma de desenho das regiões do Orçamento Participativo. Avritzer (2002) apontou a importância do Orçamento Participativo ser capaz de conciliar no momento da sua implantação propostas de desenho institucional feitas por diversos autores. Luchmann (2002) mostra que elementos institucionais como regras, critérios de participação, espaços, normas e leis, impactam positivamente o Orçamento Participativo e contribuem para a sua sustentabilidade.

Assim, temos um segundo conjunto de questões ligadas a capacidade do Orçamento Participativo de constituir instâncias de deliberação e troca de argumentos, instâncias essas materializadas em um conjunto de regras, normas e leis capazes de dar sustentabilidade às práticas participativas.

Finalmente, as diversas discussões sobre este aspecto geram um debate sobre o Orçamento Participativo e os novos modelos de democracia. Diversas concepções analíticas sobre a democracia, assim como, diversos modelos para o entendimento do OP surgiram ao longo desses debates. Santos (1998) denominou o Orçamento Participativo de uma concepção distributiva da democracia e caracterizou-o a partir de três elementos:

  1. Todos os cidadãos têm direito a participar, sendo que as organizações comunitárias não detêm status ou prerrogativas especiais;
  2. A participação é dirigida por uma combinação de regras de democracia directa e democracia representativa;
  3. Os recursos de investimento são distribuídos de acordo com um método objectivo baseado na combinação de critérios gerais e técnicos.

Navarro (1998) denominou o Orçamento Participativo de uma concepção afirmativa de democracia e caracterizou-o como uma prática que permite aos grupos sociais adquirirem as mesmas capacidades e direitos que aqueles localizados no topo da estrutura social.

Pela sua vez, Abers (2000) denominou o orçamento participativo de uma forma de reinvenção da democracia local, sendo o elemento central da forma de reinvenção da democracia local criada pelo OP a criação de uma sinergia entre estado e Sociedade Civil.

Percebe-se assim, que uma parte significativa do debate acadêmico actual sobre o aprofundamento da democracia leva em conta a experiencia do OP. Em todos os casos, os autores conectam os seguintes elementos: um aumento da participação na decisão sobre a distribuição de recursos orçamentários; um aumento da capacidade de decidir; e uma certa capacidade de determinar a regra do processo deliberativo.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAME, José Augusto Chissonde. Gestão democrática e participativa no governo da Província do Bié (Angola). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6896, 19 mai. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/97871. Acesso em: 27 dez. 2024.

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