Introdução
O artigo trata, primordialmente, da eventual descaracterização técnica do ilícito. O assédio sexual, por evidente, é uma conduta gravosa, que atenta contra a liberdade individual e afronta valores que devem ser preservados no conjunto das boas condutas. O ambiente de trabalho e a vida em sociedade cobram posturas civilizadas. Entretanto, no campo das probabilidades, não são desprezíveis duas situações: i) a acusação não ser verdadeira; ii) a ação do acusado, ainda que seja impertinente, não caracterizar essa figura jurídica, mesmo que seja suscetível de outro enquadramento.
Em 2019 o Tribunal Superior do Trabalho identificou 4.786 processos nas varas trabalhistas tratando de casos de assédio sexual e, por seguro, não é menor o número de ações na justiça comum, que tem competência originária para julgamento sob o foco penal.
No serviço público, no meio corporativo, no ambiente educacional e no segmento religioso se multiplicam os episódios com repercussão na mídia nacional. Portanto, trata-se de matéria de relevância jurídica que não pode ser banalizada porquanto os números são elevados; o reflexo na vida dos vitimados também se situa na mesma proporção e, em havendo acusações infundadas, o acusado se torna a vítima com o destroço do prestígio e da carreira, tendo de conviver com o aniquilamento social e familiar e com a injustiça insuportável no seu âmago.
1. Conceito penal
Em maio de 2001 entrou em vigor a Lei nº 10.224 que acrescentou ao Código Penal o artigo 216-A, definindo, assim, o crime de assédio sexual: "constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função".
Emergem críticas no meio acadêmico pela imprecisão técnica do conceito. Ademais, há situações criminais subsidiárias que, em tese, são capazes de abrir espaço para outras classificações, dentre as quais o estupro e o constrangimento ilegal. Portanto, de plano, no ambiente da defesa, é relevante examinar as variáveis que podem reverter a classificação e, no resultado, agravar ou abrandar o reflexo jurídico da conduta, a depender da posição pessoal ou profissional dos atores (um em relação ao outro), dos meios empregados e da identificação subjetiva (o animus do acusado), uma vez que, ainda que eticamente condenável, pode-se estar à frente de uma incontinência de conduta ou de um infeliz jogo de sedução.
Como a norma penal tem sempre o sentido de proteção, é fácil perceber que o objeto do tipo penal é resguardar a liberdade sexual no ambiente de trabalho, evitando que pessoas se aproveitem de alguma forma do poder funcional que detêm sobre a vítima para praticarem o abuso. Como a lei não possui palavras inúteis, essa condição foi posta como indispensável na configuração do tipo: a prevalência do agente, pela condição de superior hierárquico ou ascendência.
Ao lado do elemento poder, cabe se verificar a ocorrência do constrangimento, uma vez que o verbo constranger é o que representa a ação do eventual assediador. Em abordagem prática, podem-se utilizar expressões correlatas que ajudam a compreender a conduta, que se manifesta pelo incômodo, pela importunação ou molestamento, por propostas impróprias à vítima, trazendo, de forma expressa ou subliminar, alguma sinalização de ameaça.
A ameaça de que se fala não representa necessariamente uma violência exposta, ou algo que se traduza aos olhos de terceiros como gravidade. No entanto, exatamente pela ascensão que o agente possui sobre a vítima, essa intimidação é de fácil percepção por quem está sendo abordado. A defesa não pode desconsiderar que gestos maliciosos, a verbalização de confidências íntimas e as perguntas constrangedoras, per si, fazem parte desse processo. É possível, para clareza, acrescentar: convites para festas íntimas, insinuações de passeios ou viagens, repetidos elogios, olhares com sensualidade exagerada e exibição de fotografias que sugerem sexo. Essas atitudes são capazes de originarem investigações e denúncias; a comprovação pode levar a magistrados a um convencimento letal.
Então não se subestime a aparência dos fatos porque, em análise de fundo, eles podem traduzir uma intenção gravosa ou caracterizar de imediato o ilícito penal. Isso é dito porquanto, por desaviso, não é incomum os defensores, no afã de protegem o cliente, minimizarem os episódios. Disso advém o alerta de que defender o acusado com técnica jurídica não significa reduzir a importância do método; o bom resultado depende da análise dos elementos e da apresentação de indicadores críveis, justos e de tal comprovação que levem às hipóteses legais de absolvição contempladas no art. 386. do diploma processual penal:
Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:
I - estar provada a inexistência do fato;
II - não haver prova da existência do fato;
III - não constituir o fato infração penal;
IV estar provado que o réu não concorreu para a infração penal;
V não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;
VI existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência;
VII não existir prova suficiente para a condenação.
2. O impacto do fato sobre a vítima e sobre o injustamente acusado
Está visto que a lei chegou para proteger formalmente a liberdade sexual, que é uma espécie dentre as liberdades que são asseguradas no espectro dos direitos humanos. Para além do livre exercício do querer, há o componente emocional que geralmente abate os vitimados. Em um furto, a vítima lamenta a perda de um bem material; em uma situação de assédio, a pessoa atacada não apenas percebe a desconsideração à sua vontade: ela transporta para os sentimentos o resultado da tentativa ou da consumação.
Nos apontamentos sobre os impactos emocionais do assédio sexual tem-se que o fato é considerado uma violência psicológica. Diferentemente das agressões físicas, a pessoa é atacada com a violência psíquica; ao longo de semanas, meses ou anos de convivência com o agressor, a vítima é subjugada pelo desconforto, agredida silenciosamente com abordagens que se repetem e criam no seu cérebro um labirinto de pensamentos. Como livrar-se dessa situação inconveniente? Quem acreditará na palavra da vítima? A denúncia será uma exposição que jogará a público o seu sofrimento? Como ficarão as relações familiares a partir do conhecimento de fatos ocorridos com conotação sexual? Qual será o julgamento no círculo de amizades? Como será continuar no emprego e eventualmente a conviver com o agressor denunciado? Esse é um sofrimento que a ninguém é lícito desprezar. O assédio sexual é gerador de traumas, de depressão, de isolamento íntimo, de recolhimento afetivo, propulsor de doenças de origens oportunistas que podem conduzir à invalidez, ao óbito e à fuga proposital pelo tétrico caminho do suicídio.
Por outro lado, todo advogado sabe que uma acusação injusta é um abalo àquele que se torna vítima da incorreção. Para ele, desmoronam a carreira, a honra, as relações conjugais e o estado psicológico quando indevidamente é arrastado para uma acusação desse porte. Quem está nas lides forenses conhece, pela literatura especializada, pela jurisprudência ou por experiência profissional que há, em relação a qualquer tipo de crime, investigações imperfeitas, pessoas denunciadas por conta de interesses contrariados, denúncias formais a partir de erro, condenações proferidas injustamente. Quantos indivíduos acusados de integrarem quadrilhas são expostos publicamente, condenados em uma ou duas instâncias e, ao cabo de anos, absolvidos em tribunais superiores? O mesmo acontece com denunciados por roubo, corrupção e assassinato. Da mesma forma, no quadrilátero das possibilidades, é natural que alguém seja impropriamente acusado de assédio sexual. Não são desprezíveis as seguintes hipóteses:
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Denúncia falsa, motivada por vingança;
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Denúncia falsa, com fim de lograr vantagem pecuniária;
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Denúncia falsa, por desvio de personalidade da suposta vítima (examine-se a figura da querelomania);
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Ausência dos elementos do tipo penal;
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Confusão entre assédio sexual e incontinência de conduta;
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Confusão entre assédio sexual e o jogo natural de sedução;
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Elementos probatórios juridicamente inválidos;
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Ausência de certeza jurídica.
Portanto, há considerável espaço técnico para o trabalho da defesa sem desprezar a verdade e sem aumentar o sofrimento de possíveis vítimas pela desvalorização pública dos fatos. O profissional trabalha com componentes da ciência legal para que se faça justiça; e esta, no dizer clássico de Ulpiano, consiste em dar a cada um aquilo que lhe pertence. Por vezes, ao acusado, o que pertence é: i) a absolvição plena por inexistência do fato; ii) absolvição por insuficiência de prova; iii) o que é mais provável, desclassificação jurídica do crime.
3. Desclassificação jurídica do fato
O tipo penal traz exigências, sem os quais se diz que o fato é atípico. Para se ter o formato legal do crime,os elementos a seguir devem estar presentes nos relatos e nas provas. São eles:
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Constrangimento;
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Alguém;
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Vantagem ou favorecimento sexual;
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Agente em condição de superior hierárquico ou ascendência;
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Poder inerente ao exercício de emprego, cargo ou função.
O constrangimento se dá por várias formas, algumas já apontadas neste texto. Cabe à defesa verificar os apontamentos nos quais a ocorrência é descrita na origem das apurações, porque nesse momento já se podem identificar situações que desclassificam o crime. O fato tem uma narrativa linear que, quando inverídica, tende-se a acrescentar elementos hipotéticos para dar robustez àquilo que no nascedouro era frágil. As descrições iniciais, portanto, são importantes. Não é incomum que no andar de um inquérito ou no curso de uma ação penal a linha do horizonte se torne sinuosa.
Mantendo a compostura em relação à vítima em potencial e às autoridades que tratam do caso, a defesa, na consulta ao seu próximo sentimento, na sua avaliação íntima e no exame dos indicadores até então disponíveis, considere a eventual a falsidade da queixa, seja porque há uma mentira plantada, seja pela incorreta interpretação de um comentário infeliz.
O alguém de que trata o artigo 216-A do Código Penal dá amplitude para que o polo passivo seja tanto mulher quanto homem. Naturalmente se sabe que pela proporção maior de mulheres e pelo caldo machista que resiste na sociedade, o sexo feminino é mais propenso a ser atacado nessa modalidade de assédio. Que a defesa não ouse associar o assédio a contribuição da mulher para o desfecho em razão do seu modo de vestir, do seu andar, da sua vaidade. É um raciocínio grosseiro até para os leigos e absolutamente reprovável para o profissional da advocacia.
Outro pilar a ser examinado é o animus do agente; o propósito é elemento essencial a ser verificado: há ou não o componente volitivo de busca de vantagem ou de favorecimento sexual? O tipo penal não admite modalidade culposa; a vontade consciente deve estar comprovada. A vantagem se traduz pelo proveito, por alguma forma de ganho, não sendo desprezível a hipótese de aposta por diversão com terceiro; já o favorecimento está na satisfação da libido.
Adiante nessa avaliação deve-se observar que a lei preceitua como condições a superioridade hierárquica nas organizações públicas civis e militares ou a ascendência nas relações trabalhistas. Então, não se pode falar em assédio fora desses recintos ou à margem dessas relações. O cliente não cometerá assédio contra a empregada do estabelecimento comercial que frequenta; poderá incorrer em outras figuras penalmente descritas e de igual potencial ofensivo, mas a configuração técnica não será a do crime descrito no artigo 216-A.
Em relação à hierarquia, a doutrina se alinha no sentido de que não há crime se o episódio ocorrer entre pessoas do mesmo nível funcional, o que se pode deduzir que também não estaria configurado se o agente for hierarquicamente inferior à vítima. Assim, também não estará tipificado o crime entre empregados do mesmo escalão, nem se o autor assediar uma pessoa que, na empresa, tem maior poder de mando. Esse é o entendimento habitual, contra o qual se opõe ressalva neste estudo.
3.1. Relatividade da hierarquia ou da ascendência
Não está afastado o exame sob a ótica do poder, que nem sempre está na hierarquia ou na ascendência. Visto acima, não é esta a posição tradicional, mas o direito abre espaços para adequações diante do leque de possibilidades que se configuram nas relações humanas. Ademais, é corrente se afirmar que os fatos são mais ricos do que a ficção. Assim, é factível admitir que um subordinado cometa assédio sexual contra superior hierárquico a partir, por exemplo, do poder da informação. Detendo informes privilegiados que possam comprometer a vítima, o assediador se vale desse instrumento. Em desfavor da tese, poder-sei alegar que, neste caso, haveria chantagem, que, no direito penal brasileiro, é a típica extorsão; todavia, esse tipo penal declara na sua estrutura o interesse em vantagem econômica e não outra; e põe no núcleo, ainda, a violência ou a grave ameaça:
Art. 158 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa.
Obviamente no assédio sexual não há esses elementos. A diferença é solar. Então, os advogados não devem desprezar a hipótese de o constituinte estar em posição hierárquica inferior, mas se valendo de algo que o coloque em tal posição de força que possa submeter ao constrangimento alguém que na estrutura organizacional tenha posição de superioridade. Advogar é surpreender-se com o impossível.
3.2. Confusão entre assédio e jogo de sedução
A se verificar a realidade em instituições como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, assim como em empresas públicas de diversos naipes, será fácil constatar que muitos casais formaram os seus relacionamentos afetivos exatamente no ambiente de trabalho, inclusive com casamentos de pessoas hierarquicamente vinculadas.
Professores apaixonam-se por alunos; médicos por enfermeiras; dentistas, por assistentes. Mulheres executivas podem ser arrebatadas pelos encantos do jovem assistente ou pela história de vida do experiente colaborador; magistrados estão sujeitos a contraírem núpcias com a moça que trabalha no cartório judicial e há delegados de polícia bem casados com escrivãs. Homens e mulheres com casamentos e lares formados podem se tornar embevecidos por novos desejos ou cativados pela graciosidade de alguém. No dizer de Blaise Pascal, filósofo, teólogo, matemático e inventor francês nascido em 1623, o coração tem razões que até a razão desconhece.
Nada há de irregular, sequer no plano da ética, se essas relações ocorrem dentro do jogo natural da sedução. O amor é da vida. É lícito que uma pessoa se encante por outra que está em nível hierárquico inferior; o ilícito está no meio que utilizar para alcançar o seu intento. Há casos em que o apaixonado utiliza recursos impróprios para a aproximação, torna-se insistente; é o chato, na linguagem vulgar. No ambiente trabalhista, poderia incorrer na figura do mau procedimento ou da incontinência de conduta; quem sabe, em sendo servidor público, fosse alvo de responsabilidade por conduta indecorosa na repartição. Entretanto, se o indivíduo não se valer da sua condição hierárquica ou de ascendência (e se é lícito considerar lato senso o poder), não há que se falar em crime de assédio sexual.
3.3. Querolomania ou distúrbio de personalidade paranoide
No complexo universo da mente, tem-se ações e reações que, ao calouro, parecem incompreensíveis ou injustificáveis. Há vítimas que silenciam por diversas razões, inclusive em relação aos crimes ditos convencionais, como roubos, extorsões, ameaças e agressões físicas; há pessoas que potencializam os episódios e os esticam ao extremo, de forma a transformar um olhar em um ato de invasão de privacidade; uma observação do chefe em relação ao trabalho em assédio moral; um sorriso aberto em abordagem agressiva com acepção sexual. Assim é o querelômano, que tem a inusitada mania de queixar-se de tudo.
Os especialistas atestam que esse distúrbio se manifesta na adolescência e evolui para a hipersensibilidade com forte componente de ânsia social. O diagnóstico é complexo. Contribui para isso o fato de geralmente o indivíduo ter boa escolaridade, ser pessoa de posição profissional bem posta, ter posição social expressiva e, aparentemente, ser vista por terceiros como normal. No entanto, no íntimo, trata-se de alguém que convive com enorme sofrimento por conta de inimigos imaginários; possui desconfiança de tudo e de todos; está sempre vigilante, na certeza de que, a qualquer descuido, será enganado. Se em relação conjugal, atropela o cônjuge com suspeitas ilusórias; se em grupo de trabalho, acredita quem alguém quer trapacear. E, aqui, não se pode afastar uma situação na qual a pessoa com essa característica como adiantado acima interpreta como assédio qualquer gesto que, na sensibilidade da sua mente, pareça fora do convencional.
Órgãos policiais, do Ministério Público e corregedorias na administração pública não raramente são abarrotados de queixas enviadas pelo mesmo autor. É possível que se o advogado examinar o histórico daquele que fez a denúncia de assédio sexual será surpreendido com incontáveis representações por assédio moral, por difamação, por injúria, por calúnia, por ameaça. Entra aqui a historinha do vovô italiano que, em soneca no início da tarde, teve o bigode enxovalhado com titica de galinha pelo neto peralta. Ao acordar, sentiu o cheiro e pensou que seria nos sapatos; ou seria nas cortinas? Ou seria no tapete? Ou seria no sofá? Cheirava a tudo e o fedor só aumentava. Tonto com a fetidez, ele correu à janela para buscar ar puro. Aspirou com ansiedade e sentiu a podridão extrema. Declarou, desolado: O mundo está podre. E era apenas o bigode dele. Assim, grosseiramente, é a análise que se pode pontuar em relação a essas personalidades distorcidas. Sentem a catinga lá fora, enquanto ela está no próprio sentimento; é a chamada dopaminérgica, que segundo a ciência age em áreas escolhidas do cérebro com excesso da atividade desse neurotransmissor.
3.4. Diferença entre assédio sexual e abuso sexual
O noticiário costuma misturar as figuras: assédio e abuso. Embora ambas possam ser avaliadas sob a ótica criminal, o assédio tem os componentes específicos do tipo penal que foram apontados neste texto. Como abuso, tem-se algo de maior amplitude, que sai do ambiente de trabalho, no serviço público e nas empresas, e vai para os mais diversos recintos, do doméstico ao religioso. Ele corresponde a atos de violação sexual em que não há consentimento da outra parte e incluem no espectro dessa violência a tentativa de estupro, carícias indesejadas e sexo oral forçado.
Pais, padrastos, fotógrafos que simulam ensaios para modelos mirins ou adolescentes, religiosos, gurus, profissionais de saúde e treinadores desportivos entram nesse quadrado. Nesses casos, diferentemente do que ocorre na regra do assédio sexual, geralmente há agentes com perfil que se aproxima ou se confunde com o do psicopata. Ingressam nesse ensaio a manipulação, a repetição dos atos como um ritual, o desprezo pelo outro e a ausência de remorso. Claro que essas características também podem se vistas esporadicamente nos autores de assédios sexuais, mas são situações que se percebe com maior volume nos abusos perpetrados dentro dos lares, nas igrejas, nos vestiários e até em hospitais e clínicas de renome. Tanto o abuso quanto o assédio são socialmente reprováveis e humanamente danosos, mas são figuras com contornos jurídicos diferentes, cujas peculiaridades a defesa deve identificar.
4. Conclusão
Sem menosprezar o sofrimento das vítimas em potencial, não se podem descartar denúncias infundadas e erros judiciais. Para isso existe defesa, sem a qual nenhum julgamento é justo e civilizado. Nesse raciocínio, o texto pretende contribuir com o profissional do direito para que o patrocínio da causa se dê nos espaços da ética e da qualidade profissional, sem arroubos de estupidez, imprecisão técnica ou exposição das partes (inclusive do cliente) ao ridículo.
Corriqueiramente dizem que o papel dos advogados é encontrar brechas na lei. Na verdade, o exercício ético e profissional impõe estudar todas as possibilidades que possam, cientificamente, afastar o acusado da cena do crime, desqualificar o enquadramento, identificar hipóteses de inexistência de imputabilidade do agente, da extinção da punibilidade e de fatores passíveis de abrandar a pena ou o cumprimento da sentença. Aqui não se faz um préstimo à impunidade, mas uma evocação à lei e a todas as vertentes do saber que possam agregar elementos para a compreensão do fato e o julgamento do mérito. O advogado é patrono daquilo que é justo. Pelo menos esse é o ideário da profissão.