LEI 9.307/1996 E APLICAÇÃO DE MULTA POR NÃO COMPARECIMENTO À AUDIÊNCIA DE TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO DE ACORDO COM O CPC 2015

13/08/2022 às 13:07
Leia nesta página:

UNIVERSIDADE TIRADENTES - UNIT

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

DISCIPLINA: ARBITRAGEM, CONCILIAÇÃO E MEDIAÇÃO

Vanusa Viana Góis[1]

LEI 9.307/1996 E APLICAÇÃO DE MULTA POR NÃO COMPARECIMENTO À AUDIÊNCIA DE TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO DE ACORDO COM O CPC 2015

A Lei 9.307/1996, (Lei da Arbitragem), é o meio alternativo de solução de conflitos sobre direitos patrimoniais e disponíveis, com efeito, a arbitragem passa a ser uma alternativa independente da jurisdição estatal, com a finalidade de ser um instrumento mais célere e sigiloso de harmonização de interesses entre as partes, uma vez que o Estado tem se tornado um meio cada vez mais ineficiente e demorado para garantir a resolução de conflitos.

No prisma de Junior Scavone[2], a arbitragem é um meio privado, jurisdicional e alternativo para a solução de conflitos disponíveis. A mesma será decidida através de uma sentença arbitral, que será título executivo judicial, e de uma sentença prolatada pelo árbitro especialista da área. As partes, ao abdicarem da jurisdição estatal, submetem-se à decisão da sentença arbitral por livre iniciativa de vontade.

Vejamos os seguintes conflitos hipotéticos:

01. PAULO LOSS em contrato de promessa de compra e venda com ANA SACHESE estabeleceram cláusula compromissória para submeter à solução de seus litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem. A parte ora demandada, notificada extrajudicialmente para firmar o pertinente COMPROMISSO ARBITRAL, não compareceu. Assim, não houve avanço das partes quanto às demais questões relativas à arbitragem (compromisso arbitral). PAULO LOSS então ajuizou AÇÃO DE INSTITUIÇÃO DE ARBITRAGEM. Nos autos da ação de instituição de compromisso arbitral ajuizada contra ANA SACHESE, teve sua petição inicial indeferida e processo extinto sem julgamento do mérito, pois o Juízo entendeu ser incompetente para dizer sobre o compromisso arbitral, cabendo à questão ser submetida ao conhecimento do competente Tribunal Arbitral, nos termos da Lei 9.307/1996. Dito isso, nas situações hipotéticas subsequentes responda:

a) O Juiz decidiu de forma acertada? Justifique.

Não. De acordo com o art. 7º da Lei 9.307/1996[3], existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da outra parte para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz audiência especial para tal fim. O § 7º do artigo 7º da Lei de Arbitragem, diz que: A sentença que julgar procedente o pedido valerá como compromisso arbitral.

A saber, o art. 6º da Lei 9.307/1996, parágrafo único, explana que não havendo acordo prévio sobre a forma de instituir a arbitragem, a parte interessada manifestará à outra parte sua intenção de dar início à arbitragem, por via postal ou por outro meio qualquer de comunicação, mediante comprovação de recebimento, convocando-a para, em dia, hora e local certos, firmar o compromisso arbitral e o não comparecendo a parte convocada ou, comparecendo, recusar-se a firmar o compromisso arbitral, poderá a outra parte propor a demanda de que trata o art. 7º desta Lei, perante o órgão do Poder Judiciário a que, originariamente, tocaria o julgamento da causa.

b) De acordo com o caso concreto exposto, diferencie cláusula compromissória de compromisso arbitral.

A cláusula compromissória é voltada para a resolução de possíveis litígios que venham a ocorrer em um futuro incerto, e designa uma intenção das partes de resolver tais disputas futuras por meio da arbitragem. Art. 4º da Lei 9.307/1996 - A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.

O compromisso arbitral, por outro lado, se volta para a pacificação de um conflito de interesses atual e específico, um litígio já existente. As partes interessadas estabelecem o objeto do litígio e buscam a arbitragem para resolvê-lo, subtraindo a competência da autoridade judiciária normalmente competente para a solução do conflito, nos termos do art. 9º, § 1º da Lei da Arbitragem. Art. 9º - O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial.

c) A doutrina vem distinguindo a cláusula compromissória cheia (ou completa) da cláusula compromissória vazia (ou incompleta). Na análise do caso concreto apresentado, indique qual se aplica ao caso. Justifique diferenciando uma cláusula da outra.

No caso concreto apresentado, aplica-se a cláusula compromissória vazia.

Ademais, a cláusula compromissória cheia[4], na forma do art. 5º da Lei da Arbitragem, é aquela em que já estão dispostas as regras sobre a forma de instituir e processar a arbitragem, seja pela inclusão de tais regras na própria cláusula, seja se reportando às regras de uma instituição arbitral. Em havendo cláusula compromissória cheia, o não atendimento por uma das partes da notificação para indicar árbitro ou para comparecer para firmar termo de arbitragem não afetará a instituição da arbitragem, que se processará mesmo sob tal ausência. A recalcitrância da parte na escolha do árbitro é suprida pela previsão, constante na grande maioria dos regulamentos das instituições arbitrais, de que tal escolha passe a ser feita pela direção da instituição arbitral.

Conforme art. art. 6º, caput, da Lei da Arbitragem, a cláusula compromissória vazia é aquela em que não há elementos suficientes prevendo a forma de instituir a arbitragem, seja porque assim não está previsto diretamente na própria cláusula, seja porque ela não se reporta às regras de uma instituição arbitral. Parte da jurisprudência considera a cláusula vazia uma patologia, seja prévia, ou superveniente, decorrente da incompletude de elementos capazes de dar início a uma arbitragem válida. No caso de cláusula compromissória vazia e diante da inércia de uma das partes faz-se necessário o ajuizamento da ação prevista no art. 7º da Lei de Arbitragem.

02. Em ação indenizatória interposta por JOANA que move contra NEXTEL TELECOMUNICAÇÕES LTDA, o juiz homologou o acordo celebrado entre as partes para que produza seus jurídicos e regulares efeitos e condenou JOANA ao pagamento de multa de 1% do valor da causa por não ter comparecido à audiência de conciliação designada. No entanto, no que tange à aplicação de multa por não comparecimento à audiência de tentativa de conciliação, o magistrado teria desconsiderado o fato de as partes terem entabulado acordo antes da ocorrência da audiência, sendo que na própria petição informaram ao Juízo que não compareceriam à audiência. Dito isso responda:

a) A decisão do juízo de primeira instância foi acertada diante ao CPC 2015? Justifique sua resposta.

A decisão do juiz não está acertada, logo, a previsão no art. 334, § 8º do Código de Processo Civil de 2015, dispõe que o valor da multa por não ter comparecido à audiência de conciliação é de 2%: Estabelece o § 8º, que o não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado.

O magistrado não agiu corretamente ao desconsiderar o fato de as partes terem entabulado acordo antes da ocorrência da audiência. Outrossim, a audiência não será realizada, se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual; art. 334, § 4º, I, do Código de Processo Civil, em sequência o parágrafo § 5º do mesmo artigo mostra que o autor deverá indicar, na petição inicial, seu desinteresse na autocomposição, e o réu deverá fazê-lo, por petição, apresentada com 10 (dez) dias de antecedência, contados da data da audiência.

Conseguintemente, a audiência só não será realizada se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual e ausência injustificada de quaisquer das partes à audiência de conciliação designada no juízo a quo, enseja a aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça.

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b) Qual o objetivo na aplicação da multa pelo não comparecimento à audiência de conciliação?

Pois bem, o Código de Processo Civil de 2015, trouxe uma ampla abertura no sistema processual no tocante o acesso à justiça, antes tínhamos somente o acesso à justiça estatal e após o Código de Processo Civil de 2015 tivemos abertura de acesso à justiça por meio adequado de solução de conflitos, que envolve tanto à justiça estatal quanto à justiça da conciliação e mediação, que são os chamados métodos alternativos de solução de conflitos, no qual estimula a solução dos conflitos por meio de resolução consensual, que podem ocorrer dentro do processo ou fora dele.

Porquanto, tendo como objetivo superar a cultura do litígio e também a hiperjudicialização dos conflitos que é um dos problemas da atualidade, objetivando difundir a cultura da pacificação, por meio de um processo cooperativo, participativo e conciliatório.

Donde, a audiência de conciliação e mediação está no art. 334 do Código de Processo Civil de 2015, esse dispositivo não apenas incentiva a solução consensual dos conflitos, como impõe a obrigatoriedade da audiência de conciliação e essa audiência deve ocorrer mesmo antes da apresentação da contestação, de regra essa audiência deve ser obrigatoriamente realizada, salvo em dois casos, quando o objeto da lide não permitir a autocomposição , ou seja, quando ambas as partes tratarem de direitos indisponíveis, ou quando ambas as partes expressamente se manifestarem contrarias a sua realização, de outro modo à audiência obrigatoriamente deve ocorrer.

Essa audiência, já era prevista no do Código de Processo Civil de 1973 no art. 331[5], todavia, a audiência era facultativa, na prática era mera formalidade inútil, ou seja, era uma pergunta vazia no início da audiência de instrução e julgamento, no Código de Processo Civil de 2015 ela passa a ser obrigatória, só não será realizada quando a matéria em litígio não admitir autocomposição ou quando ambas as partes se manifestarem expressamente desinteressadas na realização da audiência, caso uma das partes se manifeste contrária à audiência, mesmo assim ela deve ocorrer e se uma das partes não comparecer a audiência, que ocorrerá mesmo se uma das partes tenha interesse, haverá a aplicação do § 8º do art. 334, estabelecendo a multa por ato atentatório à dignidade da justiça.

Interessante colacionar o seguinte julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais TJ-MG:

EMENTA: APELAÇÃO PRIINCÍPIO DA DELATICIDADE - REVISÃO DE CONTRATO COMPRA E VENDA DE IMÓVEL CAPITALIZAÇÃO MENSAL VEDAÇÃO MULTA POR AUSÊNCIA DE COMPARECIMENTO À AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO.

Não há inépcia recursal se a parte apresenta recurso próprio para atacar a decisão combinada, com argumentos jurídicos sustentáveis e pertinentes. Por se tratar de contrato de promessa e compra e venda, firmado em construtora que não tenha autorização legal para proceder à cobrança de juros mensais capitalizados, a sua exigência revela-se iníqua, devendo ser afastada.

De conformidade com o art. 334, § 8º, do NCPC, o não comparecimento injustificado do autor à audiência de conciliação constitui ato atentatório à dignidade da justiça, sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado. (TJ-MG Tribunal de Justiça de Minas Gerais Apelação Civil: AC 500XXXX-42.2018.8.13.0027 MG).

A aplicação da multa pelo não comparecimento à audiência de conciliação, portanto, tem como objetivo uma instrumentalização de incentivo a solução consensual dos conflitos, especialmente por meio das modalidades de conciliação e mediação, hipervalorizando os interesses inter partes, bem como desafogando o poder estatal.

REFERÊNCIAS

ARBITRAGEM, Convenção de: distinções entre cláusula compromissória (cheia e vazia), compromisso arbitral e termo de arbitragem. Disponível em:< https://www.arbipedia.com/conteudo-exclusivo/convencoes-de-arbitragem-clausula-compromissoria-cheia-clausula-compromissoria-vazia-compromisso-arbitral-e-termo-de-arbitragem.html#:~:text=A%20cl%C3%A1usula%20compromiss%C3%B3ria%20vazia%20%C3%A9,regras%20de%20uma%20institui%C3%A7%C3%A3o%20arbitral. > Acesso em: 07 jul. 2022.

______.LEI nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 06 jul. 2022.

______.LEI nº. 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9307.htm>. Acesso em: 06 jul. 2022.

LEI nº 5.869, DE 11 DE JANEIRO DE 1973. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm>. Acesso em: 08 jul. 2022.

SCAVONE JUNIOR, Luiz Antônio. Manual de Arbitragem, Mediação e Conciliação. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

TRIBUNAL, de Justiça de Minas Gerais TJ-MG Apelação Civil: AC 500XXXX-42.2018.8.13.0027 MG. Disponível em: < https://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1237575021/apelacao-civel-ac-10000210558565001-mg>. Acesso em: 08 jul. 2022.

Sobre a autora
Vanusa Viana Góis

Advogada. Especialização em Direito Civil e Processual Civil. Mestranda em Estudos Jurídicos com Ênfase em Direito Internacional; Pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil .

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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