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O superendividamento, o consumidor e a análise econômica do Direito

O superendividamento, o consumidor e a análise econômica do Direito

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"“Dinhêro trensforma tudo / dinhêro é quem leva e traz / eu nem quero nem dizê/ tudo o que o dinheiro faz /

apenas aqui eu conto que ele pra tudo tá pronto / ele é cabrero treidô é carras e é vingativo / só presta prá ser cativo

não presta pra ser senhô.

(...) Dinhêro é um fogo ardente que faz munto coração

se derretê como cera na quintura do tição / dinhêro trensforma tudo faz de um alegre um sisudo dá nó e desmancha nó e finarmente o dinheiro é o maior feticêro é o Rei do Catimbó.”"

Patativa do Assaré [01]


RESUMO

O presente trabalho analisa a realidade do consumidor superendividado brasileiro diante do microssistema consumerista instaurado através da Lei n. 8078/90, Código Brasileiro de Proteção e Defesa do Consumidor – CDC e da análise econômica do direito - AED. Para tanto, apresentaram-se as características essenciais do consumidor superendividado e as principais causas que têm contribuído para o aumento do superendividamento no Brasil sob o prisma dos direitos fundamentais e da transdisciplinaridade. Examina-se a existência no ordenamento jurídico brasileiro de norma específica para tratamento da situação do superendividamento, como ocorre em outros países, a exemplo da França. Analisa-se a atuação da Defensoria Pública na proteção do cidadão-consumidor superendividado. Questiona-se sobre a urgência de uma regulamentação específica para esse consumidor que se encontra superendividado, do controle da oferta abusiva de crédito e qual a importância da análise econômica do direito neste processo. Verifica-se que no Estado do Ceará aproximadamente 66% da demanda consumerista defensorial versa sobre superendividamento. Conclui-se pela necessidade de reconhecimento do problema cuja solução interessa não apenas ao consumidor, mas igualmente ao fornecedor de crédito diante da possibilidade de exclusão do cidadão superendividado do mercado de consumo e do aumento da insegurança pública em face do seu afastamento das mínimas condições de vida digna. Sugere-se o reconhecimento do serviço de concessão de crédito como nocivo e perigoso e, por consequência, que se veiculem advertências em sua publicidade, tal qual já ocorre com as de cigarro e bebida alcoólicas, para que se possa ter um desenvolvimento econômico e social justo, equilibrado e sustentável.

Palavras-chave: Consumidor. Superendividamento. Desamparo legal. Defensoria Pública.


RESUMEN

El presente trabajo analiza la realidad del consumidor brasileño sobreendeudado ante el microsistema de las relaciones de consumos instaurado a través de la Ley No. 8078/90 del Código Brasileño de Protección y Defensa del Consumidor – CDC – y del Análisis Económico del Derecho – AED –. Para ello se han presentado las características esenciales del consumidor sobreendeudado y las principales causas que han contribuido al aumento del sobreendeudamiento en Brasil bajo el prisma de los derechos fundamentales y de la transdisciplinariedad. Se examina la existencia, en el ordenamiento jurídico brasileño, de norma específica para tratamiento de la situación del sobreendeudamiento, como ocurre en otros países por ejemplo Francia. Se analiza la actuación de la Defensoría Pública en relación a la protección al ciudadano consumidor sobreendeudado. Se cuestiona la urgencia de una reglamentación específica destinada a ese consumidor que se encuentra sobreendeudado, en lo que se refiere al control de la oferta abusiva de crédito y a la importancia de un análisis económico del derecho en este proceso. Se verifica que en el Estado de Ceará aproximadamente 66% de la demanda de soluciones de conflictos en las relaciones de consumos en las defensorías se refieren al sobreendeudamiento. Se concluye entonces que existe la necesidad de reconocimiento del problema y su solución interesa no solamente al consumidor sino igualmente al proveedor de crédito ante la posible exclusión del ciudadano sobreendeudado del mercado de consumo y del aumento de la inseguridad pública como consecuencia de su alejamiento de las mínimas condiciones de vida digna. Se sugiere el reconocimiento del servicio de concesión de crédito como nocivo y peligroso y consecuentemente la realización de publicidad con advertencia, como ya ocurre con la de los cigarrillos y bebidas alcohólicas, para que se pueda lograr un desarrollo económico y social justo, equilibrado y sostenible.

Palabras-clave: Consumidor. Sobreendeudamiento. Desamparo legal. Defensoría Pública.


SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O consumidor e o superendividamento. 2.1 O superendividamento. 2.2 O consumidor superendividado. 2.3 Características do consumidor superendividado. 2.3.1 Consumidor pessoa física. 2.3.2. A boa-fé do consumidor. 2.3.3 A inadimplência do consumidor. 3. Análise Econômica do Direito e o superendividamento. 3.1 Algumas causas do superendividamento: a mora do fornecedor e a facilidade de concessão do crédito. 3.1.1. Empréstimos consignados. 3.1.2. Prática do anatocismo. 3.1.3. Publicidade enganosa e abusiva. 4. Perspectivas e Soluções para o superendividamento. 4.1 Legislação. 4.1. 2 O Código de Proteção e Defesa do Consumidor. 4.1. 3. O sistema francês de proteção ao superendividado. 4.2 Jurisprudência. 5. Conclusão. 6. Referências Bibliográficas.


1. Introdução.

A cultura do consumo atinge os consumidores de todas as classes sociais e de todas as idades. O fornecimento do crédito para a aquisição dos produtos ou serviços quando realizado em desacordo com o Código Brasileiro de Proteção e Defesa do Consumidor – CDC propicia o endividamento.

Não é por acaso que a crise imobiliária que atingiu os Estados Unidos em 2007 e ameaçou a economia mundial teve por um dos principais pontos o endividamento das famílias americanas e nem é coincidência que nos últimos anos tem se ouvido cada vez mais a expressão "análise econômica do direito" que já passa a ser conhecida por AED.

A questão do superendividamento no Brasil, apesar do notável crescimento entre os consumidores, ainda é – não obstante algumas exceções - tratado como questão de (des)controle financeiro individual (e até mesmo como prodigalidade). Olvida-se que se trata, de fato, de um problema econômico e social, análise que já ocorre em outros países, como a França. Tal omissão afeta diretamente a dignidade do cidadão-consumidor que se vê não raras vezes sem condições de suprir suas necessidades mais básicas, como saúde e alimentação e, pelo sutil nexo de causalidade da responsabilidade pela concessão do crédito, culpa-se e sofre pela situação.

Como para que um fato seja regulado pelo direito é preciso primeiro reconhecê-lo, o superendividado brasileiro ainda não possui amparo jurídico consolidado (a própria expressão "superendividamento" ainda é vista com preconceitos e forma de se eximir do pagamento de dívidas, de "estelionato por via judicial", de "proteção exacerbada"). Todavia, o CDC é uma lei principiológica que pode e deve ser usada para enfrentar tais questões, mormente em face do seu artigo 7o que reconhece o microssistema consumerista como um sistema aberto e estimula o diálogo das fontes.

O trabalho aqui desenvolvido, assim, tem como objetivo geral compreender o superendividamento como consequência de fatores econômico, social e jurídico, advertindo-se que apenas os "superendividados passivos de boa-fé" merecem a proteção do Estado.

Quanto aos aspectos metodológicos, esta pesquisa foi do tipo bibliográfico, procurando explicar e entender o assunto em tratamento através da consulta de obras que abordem direta ou indiretamente o tema a ser exposto; jurisprudencial, através do estudo de decisões de Tribunais brasileiros sobre o tema; bem como documental, através da análise do Código de Defesa do Consumidor e dos relatórios mensais de atividades do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará.

O primeiro tópico trata sobre o consumidor e o superendividamento. Busca-se inicialmente fazer uma abordagem apresentando o tema principal e esclarecendo as características do consumidor superendividado.

Em seguida, trata-se da Análise Econômica do Direito e do Superendividamento, discorre-se sobre a facilidade da concessão do crédito; a prática dos empréstimos consignados; o anatocismo e a publicidade enganosa e abusiva bem como da ausência de poder de negociação do consumidor.

O terceiro e último item, perspectivas e soluções para o superendividamento, aborda a legislação brasileira e francesa, o pensamento doutrinário e jurisprudencial sobre o assunto bem como analisa a importância da atuação Defensoria Pública nesta questão.


2. O consumidor e o superendividamento.

Para tratar um problema é preciso, antes, diagnosticá-lo. No Brasil o inicio do reconhecimento do superendividamento se deve, entre outros atos e ações, à bem sucedida experiência de pesquisa realizada em parceria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul com o Núcleo Cível da Defensoria gaúcha, sob a coordenação conjunta da Professora Cláudia Lima Marques e da Defensora Pública Adriana Fagundes Burger.

A pesquisa realizada em 2004 e ainda atual revelou, entre outros dados que: a) o número de devedores "passivos" é quatro vezes maior que o de devedores "ativos" (é considerado devedor ativo aquele que "gasta mais do que ganha" e passivo, o que, pela facilidade exacerbada de concessão do crédito e/ou diante de uma situação imprevisível – doença, desemprego, nascimento de filho – vê-se em condições de endividamento), b) que a maioria dos entrevistados deve para mais de dois credores, c) que a grande maioria não recebeu o contrato, nem antes – como determina os arts. 46 e 52 do Código de Defesa do Consumidor – CDC – nem depois da realização do negócio, d) que apenas para 21% dos entrevistados foi exigida alguma garantia. Daí surgiram conclusões, consolidadas na "Carta de Porto Alegre", entre as quais a da necessidade de criação de "concordata para o consumidor", da aplicação do direito de arrependimento nas ofertas de credito (CDC, artigo 49) bem como da provocação à aplicação do artigo 480 [02] do Código Civil às questões de endividamento do consumidor (tendo em vista a porta aberta deixada pelo artigo 7º do CDC).

Não obstante os argumentos da responsabilidade pelo endividamento ainda não tenham sido analisados de maneira explícita pelo Superior Tribunal de Justiça, alguns tribunais estaduais (a exemplo do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul) já atendem à pesquisa nominal de decisões com o verbete superendividamento. Por consequência, em breve, a questão será certamente levada a julgamento no nosso Tribunal responsável pela uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional, o STJ.

A Defensoria Pública do Rio de Janeiro, bem como a do Rio Grande do Sul, há mais de cinco anos tem tratado sistematicamente a questão do superendividamento. A primeira, inclusive, criou o Núcleo do Consumidor Endividado. Desta forma, considerando-se a atuação do sistema de justiça e a consequente interligação de suas funções, certamente tal provocação jurisprudencial institucionalmente qualificada através da atuação institucional da Defensoria tem contribuído para a realização destas novas correntes jurisprudenciais mais hábeis a lidar com a realidade objetiva e subjetiva de um cidadão endividado. [03] Ou seja, não é coincidência o fato de que as decisões especificas sobre superendividamento sejam de Tribunais onde há a atuação especializada da Defensoria Pública.

Observa-se que esse endividamento excessivo é fenômeno mundial e tem preocupado as associações de consumidores na América Latina, como o Chile, a Argentina, o Brasil e o Uruguai, bem como de países europeus e norte-americanos (o tema foi tratado em julho de 2009 no Curso de Verão da Universidade de Quebec em Montreal – UQAM por um professor da Universidade de Cantabria, Santander, Espanha). O que fomenta esse fenômeno nestes países, na grande maioria das vezes, são as mesmas causas, tais como: o crédito fácil, a propaganda enganosa e agressiva, a falta de informação que é dever do fornecedor, e a realização de empréstimos a juros altos para saldar outras dívidas (empréstimos para saldar empréstimos) e, sobretudo, ausência de informações prévias, adequadas e verdadeiras.

É importante repetir que a questão do superendividamento tem uma grande repercussão em variados aspectos da vida em sociedade de modo que o estudo desta situação transcende a proteção do consumidor e se estende à proteção do equilíbrio econômico de um país.

2.1 O superendividamento.

Sobre o tema, é imperioso que se inicie compartilhando os precisos ensinamentos de Cláudia Lima Marques (2004, p. 1053) que adverte que o "direito brasileiro está sendo chamado a dar uma resposta justa e eficaz a esta realidade complexa" e prossegue como se vê adiante:

O tema da cobrança de dívidas e da inexecução está intimamente ligado ao tema do superendividamento. O superendividamento define-se, justamente, pela impossibilidade do devedor - pessoa física, leigo e de boa – fé, pagar suas dívidas de consumo e a necessidade do Direito prever algum tipo de saída, parcelamento ou prazos de graça, fruto do dever de cooperação e lealdade para evitar a "morte civil" deste falido – leigo ou falido – civil.

(...)

o direito brasileiro está sendo chamado a dar uma resposta justa e eficaz a esta realidade complexa, principalmente se devemos distinguir superendividamento de pobreza em nosso País. A massificação do acesso ao crédito, que se observa nos últimos 5 anos – basta citar os novos 50 milhões de clientes bancários! -, a forte privatização dos serviços essenciais e públicos, agora acessíveis a todos, com qualquer orçamento, mas dentro das duras regras do mercado, a nova publicidade agressiva sobre o crédito popular, a nova força dos meios de comunicação de massa e a tendência de abuso impensado do crédito facilitado e ilimitado no tempo e nos valores, inclusive com descontos em folha de aposentados, pode levar o consumidor e sua família a um estado de superendividamento.

Na opinião da doutrinadora, deve ser dada uma oportunidade para aquele que de boa-fé, mesmo tendo contraído muitas dívidas, tenha o direito de renegociá-las com todos os seus credores, sendo elaborado um plano de pagamento como ocorre na lei francesa, para que depois esse consumidor possa voltar ao mercado de consumo consciente e educado financeiramente para gerenciar; agora de forma correta, as suas finanças.

No Brasil, ainda não temos legislação própria para evitar a falência individual, como ocorre com pessoas jurídicas amparadas pela Lei de Falência (Lei n° 11.101/2005), assim, neste caso faz-se urgente e necessária a aplicação concreta do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) para evitar as situações de superendividamento seja no aspecto pré (CDC, arts. 29 a 44) como no pós-contratual (CDC, arts. 81 a 105) além do contratual propriamente dito (CDC, arts. 46 a 54).

Os cidadãos-consumidores tornaram-se "presas fáceis" diante da extrema facilidade do crédito em desrespeito as regras do direito do consumidor calcadas na proteção à informação (premissa para a liberdade de escolha que é premissa da dignidade do consumidor), como lembra a Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha do Supremo Tribunal Federal:

(...) e é nessa perspectiva que a conclusão que se me impõe é a de que não é a mera instituição legal de capitalização mensal, semestral, anual ou qualquer outra que importa juridicamente para o respeito aos direitos constitucionais e legais do consumidor, mas a clareza (diria mesmo a transparência) do contrato firmado, ou seja, o respeito ao direito à informação de que é titular o consumidor que lhe permite saber o que efetivamente pagará de juros e determinará, assim, o respeito a seu direito. [04]

Todavia, a questão não se resume, por nenhuma hipótese, a questão de acontecimentos imprevisíveis e se centra, muito mais no exercício da obrigação de informação prévia e adequada a verdadeira compreensão do consumidor. O artigo 52 do CDC, entre outros (CDC, art. 39, 46), por exemplo, raramente é cumprido pelas instituições financeiras (o valor dos juros anuais é inserido sem destaque, não são demonstradas as consequências do pagamento mínimo, os limites de crédito são aumentados sem pedido do consumidor, são utilizados termos técnicos de economia incompreensíveis aos leigos). Trata-se de uma questão muito maior do que simplesmente um descontrole individual, como bem lembra o Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Distrito Federal em trecho abaixo transcrito:

(...) a problemática ora enfrentada não se resume a um caso isolado ou esporádico, fruto da incúria da parte autora, mas sim a fenômeno mundial que vem despertando a preocupação de legisladores e juristas de diversos países, cujas conseqüências não se adstringem à mera esfera patrimonial, mas atingem à saúde física e emocional dos devedores, violando sua dignidade como pessoa humana e, por vezes, desagregando seu núcleo familiar, com seqüelas, portanto, para toda a sociedade. [05]

Algumas providências – embora ainda tímidas e sem objetivo específico de combate ao superendividamento - têm sido tomadas em caráter legislativo, a exemplo da Lei nº 11.800, de 2008 [06], da Lei nº 12.039, de 2009 [07] e da Lei nº 11.785, de 2008 que alterou a redação do parágrafo terceiro do artigo 54 do CDC que passou a ser "Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor."

No Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Ceará, são muitos os casos que os contratos são redigidos em caracteres incompreensíveis, não são entregues (o consumidor recebe o boleto e não recebe o contrato) e para receber sua cópia, após a realização do negócio e redigida em termos técnicos para eles incompreensíveis, precisam pagar cerca de R$ 40,00 (quarenta reais) ao serviço cartorário.

2.2 O consumidor superendividado.

A preocupação contemporânea com o consumidor superendividado tem origem mais conhecida no direito francês, com a Lei 89-1010, de 31.12.1989, chamada A Lei Neiertz. Em 1997, houve a codificação das leis no Code de La Consommation e a inseriu no Livro III denominado "tratamento das situações de superendividamento" contendo regras especiais para se buscar a recuperação do consumidor inadimplente.

No Brasil, em 2004, a pesquisa supramencionada realizada entre Universidade Federal do Rio Grande do Sul e o Núcleo Cível da Defensoria Pública gaúcha analisou cem casos de pessoas superendividadas. [08] Um dos resultados da pesquisa é a constatação da necessidade de uma legislação específica para tratar o superendividado brasileiro, levando em conta às legislações de outros países, sobretudo a da França, mas sobretudo um tratamento mais adequado à publicidade de concessão do crédito.

Percebe-se que a situação do consumidor devido ao superendividamento é incompatível com o princípio basilar de toda a legislação brasileira, que é o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, CF/ 88 e o artigo 4º do CDC/ 90), que não tem condições de manter o mínimo essencial para a sua sobrevivência, vendo-se totalmente comprometido com as despesas rotineiras (alimentos, luz, água, aluguel, impostos).

É preciso que se observe, entretanto, que "o oferecimento de crédito pelas instituições financeiras deve ser feito de forma responsável, desestimulando o superendividamento dos consumidores" [09]

2.3 Características do consumidor superendividado.

O consumidor brasileiro que esta superendividado fica impossibilitado de, mesmo com boa-fé, quitar as suas dívidas, retirar o seu nome do cadastro de inadimplentes, ficando sem acesso ao crédito e ao consumo. Assim, acaba comprometendo sua relação familiar, de trabalho e, em alguns casos, sua própria saúde (e em uma perspectiva mais alargada contribui para o aumento das possibilidades de exclusão social suscetível de aumentar a criminalidade).

Para ser amparado pela "proteção ao superendividamento", entretanto, é necessário que se trate de consumidor pessoa física de boa fé – o superendividado passivo - com comprovada inadimplência (aqui considerada como assunção de dívidas em prejuízo de necessidades vitais, como saúde, alimentação, moradia e educação). O consumidor de má fé – o superendividado ativo – não terá esta proteção por não preencher as premissas necessárias à tutela.

2.3.1 Consumidor pessoa física.

O consumidor considerado superendividado é somente aquele pessoa física que adquire o produto ou serviço como destinatário final para atender as suas necessidades pessoais. Assim, ficam excluídos os consumidores equiparados, que estão previstos nos artigos 17 e 29 do CDC (Lei nº 8.078/1990), bem como o consumidor pessoa jurídica (contemplada pela existe a Lei de Falência, Lei n° 11.101/05)

2.3.2. A boa-fé do consumidor.

No direito brasileiro, o princípio da boa-fé encontra-se expressamente no Código de Defesa do Consumidor, no seu artigo 4º, inciso III, considerado como um princípio básico e bilateral, devendo ser respeitado tanto pelo consumidor e fornecedor para manter o equilíbrio e transparência nesta relação. Já o seu artigo 51, inciso IV, que trata das cláusulas abusivas, coloca o consumidor em desvantagem exagerada, sendo incompatível com o princípio da boa-fé. É a tese sustentada por Geraldo de Farias Martins da Costa (2002, p. 118):

Considerados de boa-fé os consumidores superendividados que, aprisionados por uma espiral de endividamentos, agravaram sua situação para pagar as dívidas antigas. Todavia, foram declarados de má-fé aqueles que, deliberadamente, tomaram vários empréstimos que representavam uma carga nitidamente superior à totalidade de seus recursos ou aquele que já em estado de insolvência notória, tomaram empréstimos para efetuar novas despesas.

Não é, assim, juridicamente considerado superendividado o consumidor que age de má-fé (o superendividado ativo).

2.3.3 A inadimplência do consumidor.

A inadimplência ocorre quando o consumidor atrasa o pagamento de seus compromissos. O aumento da inadimplência nas contas fixas do consumidor (contas de água, luz, aluguel, condomínio, telefone, supermercado, plano de saúde) é um aviso de que este consumidor esta começando a se endividar ou já é um superendividado.

Por certo, a inadimplência há de ser sempre duramente combatida, mas jamais por meio de ameaças ou constrangendo o consumidor, como determina o artigo 42 do CDC, sinteticamente comentado por Antônio Herman Benjamin (1999, p. 329) no sentido de que: "Por não consagrar o dispositivo à cobrança judicial, isto é, àquela exercida em função de processo judicial, destina-se, portanto, a controlar as cobranças extrajudiciais, em especial aquelas efetuadas por empresas de cobrança". A cobrança vexatória torna-se ainda mais grave e com necessidade de maior tutela quando diz respeito a superendividado passivo.

A responsabilidade criminal é tratada no art. 71 do CDC visando preservar os direitos à privacidade e à imagem do consumidor prevê a pena de detenção e multa para quem cometer a infração penal de utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer.

Os cadastros e dados de consumidor devedor no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e na Centralizadora dos Serviços dos Bancos S. A. (SERASA) "devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos", de acordo com o art. 43, § 1° do CDC, deixando claro que após os cinco anos do registro, o mesmo deve ser cancelado.

Sobre este assunto é importante mencionar, ainda que superficialmente, a questão da mora do fornecedor, já tratada no ordenamento jurídico brasileiro, que se trata justamente daquelas situações em que se começa a reconhecer que a inadimplência do consumidor decorre do comportamento abusivo do fornecedor. Se este fornecedor tivesse obedecido ao Código de Defesa do Consumidor certamente aquela situação não aconteceria. Transcreve-se, abaixo, um exemplo concreto desta perspectiva:

(...) Se a mora for do credor (e será dele quando cobrar mais do que o devido), após o trânsito em julgado, o devedor responde exclusivamente pela comissão de permanência (assim entendidos os juros remuneratórios, à taxa média de mercado, nunca superiores àquela contratada para o empréstimo + juros de mora + multa contratual). Embargos de declaração acolhidos em parte. [10]

É certo que os precedentes jurisprudenciais que já temos em relação à mora do credor /fornecedor ainda não abordam especificamente a responsabilidade deste sobre a informação prévia e adequada e o consequente exercício inadequado da liberdade de escolha bem como pela responsabilidade deste na concessão abusiva do crédito (concessão do crédito em valor maior do que a capacidade de endividamento do consumidor que é, por definição legal, vulnerável), mas já se aponta um caminho positivo de melhoramento.


3. Análise Econômica do Direito e o superendividamento

Nos últimos anos tem-se ouvido muito a expressão "análise econômica do Direito - AED" que tem sido considerada uma espécie das mais dinâmicas "vanguardas teóricas da Ciência do Direito" que "directamente espelha aquela convergência de valores e perspectivas entre famílias jurídicas que tem sido ditada pela globalização" cuja fertilidade é "contrabalançada pelas dificuldades e exigências que ela coloca". [11]

Voltaire, lembrado por Arnaldo Vasconcelos, diz que "os raios já delimitavam os círculos antes de serem chamados de raios". De fato, a análise econômica do direito é contemplada pelo Direito do Consumidor brasileiro que determina, como seu princípio específico positivado no artigo 4º, III a "harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores".

Tanto que consumidor "é classicamente um termo econômico, o que se apresenta como um elemento a ser enfrentado pelo operador do Direito" [12], como muito bem observado por Adolfo Mamoru Nishiyam citado por Alan de Matos Jorge:

A maior dificuldade que se verifica é o fato de o termo ‘consumidor’ ser um conceito econômico. Transpondo-se esse conceito para o direito, teremos uma definição de consumidor que poderá ser diversa daquela proposta pela ciência econômica. O conceito econômico toma como base o consumo final e o consumo intermediário. O produtor é considerado consumidor, pois no processo de bens ele também utiliza produtos (insumos) fornecidos por outros. Essa amplitude não é aceita no Direito, que utiliza limites mais restritos. [13]

A questão do superendividamento, por sua vez, reside no centro desta questão, haja vista que, como lembra João Alves Silva:

Los bancos lograron asumir importancia fundamental en la sociedad desde tiempos inmemorables. De una manera u otra, la actividad de intermediación financiera siempre ocupó lugar de relevancia, sea cual sea el sistema económico o político. Hoy por hoy, de hecho ocurre una sinergia entre el sector financiero y gobiernos en el sentido del mantenimiento equilibrado del sistema financiero, como parte fundamental para el funcionamiento de la economía. No es difícil encontrar ejemplos de gobiernos que salieron a defender la actividad bancaria destinando recursos o promoviendo leyes especiales para protegerla.

Ocorre que, se por um lado, a proteção do consumidor não pode inviabilizar o crescimento econômico do país, de outro, revela-se infrutífero o crescimento econômico sem o respeito à dignidade humana. O desafio é o encontro do equilíbrio.

3.1. Algumas causas do superendividamento – a mora do fornecedor e a facilidade de concessão do crédito

O crédito é a troca de bens ou serviços mediante o pagamento futuro ou parcelado em dinheiro, entre o consumidor e o fornecedor, ocorrendo através desta relação de consumo à circulação de riquezas no país. Os bens ou serviços adquiridos pelos consumidores resultam de suas necessidades individuais ou dos impulsos do mercado de consumo. Segundo Geraldo de Farias Martins da Costa (2002, p. 259-260):

Na economia do endividamento, tudo se articula com o crédito. O crescimento econômico é condicionado por ele. O endividamento dos lares, funciona como meio de financiar a atividade econômica. Segundo a cultura do endividamento, viver a crédito é um bom hábito de vida. Maneira de ascensão ao nível de vida e conforto do mundo contemporâneo, o crédito não é um favor, mas um direito fácil. Direito fácil, mas perigoso.

A questão do superendividamento no Brasil se agravou com a explosão da oferta do crédito de maneira fácil e rápida, sem restrições a qualquer classe social, principalmente após a Lei n. 10.820 de 17 de dezembro de 2003 que autorizou o pagamento de empréstimo através de desconto da prestação mensal em salário. O objetivo público de inserção social, em que a população de baixa renda passou a ter acesso a eletrodomésticos, veículos, telefonia e outros bens e serviços que antes eram inacessíveis desconsiderou a análise e prevenção do risco do endividamento pernicioso; vem desacompanhada da preocupação com a educação para o consumo.

O incentivo e a facilidade do consumo do crédito atingem todas as classes sociais, desde as mais ricas até as de baixa renda e, por consequência, a condição de endividamento é "democrática" e atinge a todos, mesmo porque, como lembra Cláudia Lima Marques há uma significativa diferença entre pobreza e endividamento:

"(...) o direito brasileiro está sendo chamado a dar uma resposta justa e eficaz a esta realidade complexa, principalmente se devemos distinguir superendividamento de pobreza em nosso País. A massificação do acesso ao crédito, que se observa nos últimos 5 anos – basta citar os novos 50 milhões de clientes bancários! -, a forte privatização dos serviços essenciais e públicos, agora acessíveis a todos, com qualquer orçamento, mas dentro das duras regras do mercado, a nova publicidade agressiva sobre o crédito popular, a nova força dos meios de comunicação de massa e a tendência de abuso impensado do crédito facilitado e ilimitado no tempo e nos valores, inclusive com descontos em folha de aposentados, pode levar o consumidor e sua família a um estado de superendividamento."

A oferta do crédito fácil desperta o interesse nos consumidores estimulando-os ao consumo, pois a sedução da oferta ignora ser, de fato, o serviço de crédito, um serviço nocivo e perigoso [14] e, por consequência, o cuidado com a informação. Neste sentido, a decisão abaixo oriunda do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro relatada pelo Desembargador Ernani Klausner em 15 de outubro de 2009 ao julgar a apelação cível Nº 2009.001.37552, como se confirma adiante:

Registre-se que, soa pueril a alegação de que o autor anuiu espontaneamente ao que lhe foi proposto. Ora, não é apenas quem requer o financiamento o único responsável pelas conseqüências da inadimplência. À toda evidência, também o é a instituição financeira que contrata e concede o crédito, na medida em que nenhuma das quais o faz sem avaliar os riscos de descumprimento e, se não o faz ou as realiza com deficiência, responde pelos riscos. Riscos estes que podem ser agravados ante a presença de cláusula abusiva.

No mesmo sentido é a reflexão de Heloisa Carpena e Rosangela Lunardelli Cavallazzi ao afirmarem que "É evidente que o fornecedor que concede crédito a quem não tem condições de cumprir o contrato, está praticando abuso de direito" e prosseguem:

Embora aparentemente o contrato se insira na esfera do lícito, na medida em que satisfaça requisitos formais, na verdade o fornecedor pratica o ato abusivo, desviando-se das finalidades sociais que constituem o fundamento de validade da liberdade de contratar, ou mais especificamente, de fornecer o crédito.

O financiamento concedido de forma temerária, tendo sido celebrado o pacto com consentimento irrefletido, sem contemplação por parte do fornecedor das reais condições daquele que pretende receber o crédito, praticamente induzindo a inadimplência, sem dúvida nenhuma viola o princípio da dignidade da pessoa humana. [15]

As linhas de crédito estão disponíveis em todos os lugares, como na entrada das universidades, onde os estudantes universitários são abordados para adquirir o seu cartão de crédito universitário com um limite bastante elevado para uma pessoa que ainda não tem um emprego [16], e acaba sendo mais uma dívida assumida pelos pais, gerando um desequilíbrio nas finanças desta família, ocasionando, primeiro, a inadimplência e em seguida, o endividamento.

3.2. Empréstimos consignados.

A lei nº 10.820 de 17 de dezembro de 2003 autoriza o desconto de prestações em folha de pagamento de valores referentes ao pagamento dos empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento. E no momento da contratação tem que ser observado o limite de trinta por cento da remuneração disponível, não podendo exceder para não comprometer a sua vida financeira. Conforme relata Bertoncello Lima (2007):

Os atrativos desta modalidade de crédito são tentadores por oferecer menores taxas de juros, serem concedido até mesmo a quem tem restrições creditícias de modo rápido, fácil e sem consulta as entidades de proteção ao crédito.

Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a proceder com os descontos em folha de pagamento, de forma irrevogável e irretratável, os valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil, de acordo com a lei acima citada, no seu artigo sexto.

O problema vem se acentuando de forma mais grave entre os aposentados e pensionistas – consumidores ainda mais vulneráveis, art. 39 do CDC e que exigem proteção mais acurada - que passaram a ter direito a crédito consignado e tomam empréstimos que são descontados diretamente nos benefícios previdenciários, chegando a comprometer a sua renda, que já é baixa, e fica incompatível com o mínimo existencial, tornando-se, deste modo, um superendividado.

Não é incomum um consumidor idoso aposentado que, por sua maior vulnerabilidade devido a sua idade, muitas vezes é vítima de fraude na contratação do empréstimo. Encontrar-se nesta etapa da vida com a condição de superendividamento gera uma grave sensação de fracasso e o direito não pode se calar diante deste abuso.

O banco tem o dever de, antes de conceder o empréstimo, fazer uma avaliação da capacidade econômica do seu cliente e verificar se o mesmo não possui outros empréstimos. Somente pode celebrar o contrato, que autoriza o desconto direto na folha de pagamento, se estiver respeitando o limite no percentual máximo de trinta por cento (30%) sobre os vencimentos brutos do cliente. [17]

Ressalte-se que toda instituição financeira brasileira tem acesso às informações sobre os financiamentos superiores a R$ 5.000,00 contraídos por qualquer consumidor no mercado, por meio do Sistema de Informações de Crédito do Banco Central, regulamentado pela Resolução n.º 2.724 de maio de 2000, mais conhecido como Central de Risco de Crédito. [18] E como a maioria dos empréstimos são realizados com prazo de 48 a 60 meses, a parte mais significativa dos casos contempla o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Os fornecedores de crédito nestas condições têm plena responsabilidade pela consequente condição de endividamento.

Assim, a preservação da natureza alimentar dos vencimentos daquele que procurar novo empréstimo estaria evitando o superendividamento, ou seja, não concederia mais crédito a quem já se encontra endividado, pois estaria pondo em risco a subsistência do cliente e da sua família. Entretanto pelo que se nota na grande maioria dos casos as instituições financeiras querem emprestar cada vez mais dinheiro para os seus clientes sem cumprirem o artigo 52 [19] do CDC de modo que o consumidor não faz uma reflexão do custo total do valor do crédito que adquiriu, apenas pedem um prazo para parcelamento da dívida e este é concedido com juros incluídos no valor da parcela.

Outra questão séria configuradora da mora do fornecedor é o estimulo a empréstimos com mais de 24 parcelas. Os empréstimos consignados podem trazer outros transtornos para o consumidor, o que ocorre quando este quita todas as parcelas do empréstimo antecipadamente, tendo direito a um desconto nas parcelas que ainda iriam se vencer (art. 52, § 2° do CDC), e pensando estar livre do empréstimo, o banco continua a descontar as parcelas mensalmente, sendo configurada uma cobrança indevida pelo banco, devendo este devolver os valores em dobro descontados a mais, com fundamento no art. 42, parágrafo único do Código do Consumidor.

O Estado do Ceará através Decreto nº 29.760 de 21 de maio de 2009 começou a enfrentar o problema. Tal normativo estabelece novas regras para as consignações em folha de pagamento dos servidores públicos estaduais civis e militares, aposentados e pensionistas no âmbito do Poder Executivo Estadual através da implantação do "Cartão Único" em que estará registrada a sua margem consignável. A empresa Administradora Brasileira de Cartões - ABC foi contratada através de licitação pública para controlar a margem de consignação do crédito.

Ocorre que a margem consignável, segundo o Decreto em referência, é de 40% do rendimento líquido do servidor, o que, na prática, não obstante já seja um avanço, continua a comprometer a renda do cidadão-consumidor (principalmente nos casos em que algumas instituições financeiras, "para compensar" a limitação do desconto, passaram a descontar o remanescente, sem autorização do consumidor, diretamente em sua conta-corrente.).

3.3 Prática do anatocismo.

A prática da cobrança de juros sobre juros é denominada usura pecuniária, que atenta contra a economia popular. O superendividamento causado pela cobrança de juros ilegais vem ensejando, por parte dos consumidores, inúmeras ações judiciais com o pedido de revisão dos contratos, para tentar reaver os valores dos juros considerados excessivos.

Entretanto, o dispositivo 192, parágrafo 3º da Constituição Federal que tratava da limitação de juros tinha eficácia limitada e acabou sendo revogado pela Emenda Constitucional n° 40 de 29 de maio de 2003. A lei da Usura (Decreto-lei n° 22.626/1993) estabelece o limite de cobrança de taxa de juro de 12% ao ano e, também, proíbe a aplicação de juros sobre juros (art. 4º), que também é denominado de anatocismo e vem sendo praticado livremente pelas instituições financeiras, mas ainda é alvo de controvérsias sobre a sua aplicabilidade.

Todavia, tal vedação é igualmente prevista na Convenção Americana de Direitos Humanos da qual o Brasil é signatário no seu artigo 21.3. que diz que "Tanto a usura como qualquer outra forma de exploração do homem pelo homem, devem ser proibidas pela lei." [20]

A Lei n° 1.521, de 26 de dezembro de 1.951, dispõe sobre os Crimes Contra a Economia Popular, tipificando o crime de usura, definindo-o como o ato de cobrar juros extorsivos, superiores à taxa permitida em lei. A prática usurária não mais se limita à mera cobrança de juros, passando a assumir caráter de cobrança ilegal do encargo.

Posteriormente, foi criada a Lei n° 4.595, de 31 de dezembro de 1.964, chamada Lei de Reforma Bancária, dispondo que compete privativamente ao Conselho Monetário Nacional a limitação da taxa de juros. Por autorização desta lei, o Banco Central do Brasil editou a Resolução n° 389, de 15 de setembro de 1.976, determinando que os bancos pudessem livremente aplicar as taxas do mercado. Diante de tantos conflitos, o Supremo Tribunal Federal editou a súmula 596/STF, publicado no Diário da Justiça de 03 de janeiro de 1977 no seguinte teor "as disposições do decreto 22626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional."

Ressalte-se que em 13 de dezembro de 1963, o Supremo Tribunal Federal já tinha aprovado a súmula 121 nos seguintes termos: "é vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente pactuada".

Todavia, com a edição da Medida Provisória 1.963-17 de 30/03/2000 (atualmente reeditada sob o nº 2.170/36/2001), passou-se a admitir a capitalização mensal nos contratos firmados posteriormente à sua entrada em vigor, desde que tivesse sido prévio, claro e adequadamente pactuado com o consumidor nas relações de consumo (conforme os artigos 46 a 54 do CDC, ou seja, expressamente pactuado (art. 5º MP nº 2.170/01).

Neste sentido, é importante transcrever outra parte do voto da Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, do Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário n. 582.760-7:

"(...) a inconstitucionalidade eventualmente ocorrerá no contrato a partir da análise dos casos concretos, nos quais se examinará a presença de informações precisas e claras sobre a taxa real de juros que o consumidor pagará ao final do contrato."

Ou seja, o que se quer realmente verificar é se a informação foi prestada de maneira adequada à verdadeira compreensão do consumidor (se lhe foi dito, por exemplo, as reais consequências do pagamento mínimo em cartão de crédito e não simplesmente este seja ofertado e estimulado).

O atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça pode ser consolidado na tabela abaixo:

Tabela 1: Súmulas do STJ e seus respectivos entendimentos.

Súmula

Teor

Súmula 382

DJE 08/06/09

A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.

Súmula 381

DJE 05/05/09

Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas. [21]

Súmula 380

DJE 05/05/09

A simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor.

Súmula 379

DJE 05/05/09

Nos contratos bancários não regidos por legislação específica, os juros moratórios poderão ser convencionados até o limite de 1% ao mês.

Em suma, só se pode admitir a cobrança de juros sobre juros se o consumidor for prévia e adequadamente avisado. Ou seja, não basta constar no contrato. É preciso que o consumidor entenda o que está no contrato e opte pela realização do negócio.

3.4. Publicidade enganosa e abusiva.

A publicidade em matéria de consumo encontra-se regulada através dos artigos 36 a 38 do direito do consumidor. Estão assim, reguladas, de maneira explicita, a publicidade enganosa, abusiva e omissiva e de maneira implícita, a subliminar (a partir do momento em que o artigo 36 do CDC determina que só pode ser considerada publicidade aquela que o consumidor fácil e imediatamente identifique como tal, por óbvio e lógico, não se pode admitir a publicidade subliminar).

O consumidor é levado a adquirir o produto ou serviço, convencidos pela publicidade maciça, em todos os meios de comunicação, como na televisão, no rádio, na internet que apresentam de maneira tentadora a oferta do bem ou serviço e, juntamente com a facilidade do crédito, que possibilita o consumidor comprar o produto com o parcelamento. Assim, constatado que o consumidor adquiriu o produto veiculado, por considerar como verdadeiras as informações falsas, está caracterizada a publicidade enganosa.

Principalmente após a possibilidade legal do empréstimo consignado a publicidade de oferta de crédito aumentou significativamente, tendo atores e atrizes protagonistas de novelas e com boa aceitação do público como "garoto e garota propaganda" e sem as informações necessárias. Tem-se, inclusive, dentre tantos outros, uma publicidade de grande grupo financeiro, em época de páscoa que dizia assim "promoção empréstimo recheado, faça um empréstimo e leve na hora seu presente de páscoa. Você ganha um ovo de chocolate e, se usar o limite total de crédito, ainda leva um coelho de pelúcia". Em nenhum momento foi dito o valor dos encargos, as consequências do pagamento mínimo ou o limite de renda, por exemplo.

Sobre limites de renda e verificação da capacidade de endividamento, é importante transcrever a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro de que:

"(...) É crescente a preocupação da Doutrina e da Jurisprudência com as causas e os efeitos do "superendividamento", tendo sido reconhecida, como ilícita, a conduta abusiva e irresponsável de algumas instituições financeiras que - se valendo da ingenuidade de gente humilde, especialmente, aposentados - com base em maciça campanha publicitária oferecem crédito fácil a quem não pode pagar, sem grave prejuízo de seu sustento. O ABUSO DO DIREITO DE OFERECER EMPRÉSTIMOS, SEM UMA CUIDADOSA E RESPONSÁVEL ANÁLISE DA CAPACIDADE DE ENDIVIDAMENTO DO TOMADOR, VIOLA O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA E NÃO PODE CONTAR COM O BENEPLÁCITO DO JUDICIÁRIO. (...) (trecho da decisão no agravo de instrumento n. 2005.002.27037 - DES. MARCO ANTONIO IBRAHIM - Julgamento: 17/01/2006 - DECIMA OITAVA CAMARA CIVEL)

Neste sentido, oportuna a transcrição do entendimento de GERALDO FARIAS DA COSTA:

Numa visão individualista, a questão do consumidor superendividado ´é tratada como um problema pessoal (moral, muitas vezes), ou seja por causas pessoais, internas, psicológicas, o consumidor não pagou em tempo hábil a sua dívida. Ele deve ser uma pessoa descontrolada. É um esbanjador, um dissipador, um gastador, um estróina, um perdulário ou um mau caráter. A solução para o problema é simplesmente a execução.

É muito fácil atribuir a inadimplência à causas internas, esquecendo-se das causas externas do problema. É muito fácil esquecer que os produtos e serviços e o próprio crédito, utilizado como `argumento publicitário´, foram ofertados por meio de poderosos aparatos de marketing. Lembremos de recente publicidade do Banco BGN S. A. veiculado nacionalmente pela televisão, pelos jornais e revistas de grande circulação que oferece crédito consignado aos ´aposentados, pensionistas do INSS e servidores públicos", que concorrem a sorteios de carros com ´carro na garagem´. Segundo o anúncio estrelado pelo famoso autor Paulo Goulart, ´basta ligar 0800 de qualquer parte do Brasil, fazer um empréstimo e concorrer´.

(sem destaques no original)

Se o fornecedor cumprisse o Código do Consumidor - principalmente no tocante à oferta e publicidade, demonstrando todos os riscos e consequências do recebimento do crédito bem como avaliando a capacidade de endividamento do consumidor- possivelmente o problema do superendividamento não teria alcançado a gravidade de hoje já que é porque a publicidade sedutora do crédito "convence" e o direito ainda se mantinha inerte é que milhares de famílias vêm sofrendo com as consequências da utilização indevida do crédito.


4. Perspectivas e Soluções para o superendividamento.

O consumidor superendividado brasileiro, ao contrário do francês que desde 1989 tem uma regulamentação específica não é tratado legalmente de forma direta. Todavia, o Código do Consumidor, se bem compreendido e aplicado é hábil a tratar do problema.

4.1 Legislação.

4.1.1 O Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

O Código Brasileiro de Proteção e Defesa do Consumidor – CDC visa o equilíbrio para a relação de consumo e deixa isto muito claro principalmente no seu artigo 1 e artigo 4, caput e III. Entretanto o nosso código do consumidor embora tenha por principio "o estudo constante das modificações do mercado de consumo" e tenha um artigo (o 52) exclusivamente para contratos de crédito bem como garanta a modificação e revisão de cláusulas contratuais, não trata explicitamente do superendividamento. Tem, todavia, como princípio, o equilíbrio e a boa fé das relações de consumo.

Situações de mau uso do instituto têm comprometido a sua credibilidade: é preciso muita responsabilidade no exercício da tese do superendividamento para que não se confunda o resgate do equilíbrio de uma relação com a proteção demasiada do inadimplente, com estímulo ao endividamento.

O inciso II do art. 6º do CDC tem grande importância para a prevenção do superendividamento, pois é a educação e divulgação sobre o consumo adequado, com edição de cartilhas, pesquisas de mercado e debates para alertar os consumidores com relação a produtos mais baratos, que garante a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações, para que o consumidor não assuma o contrato de crédito sem antes, refletir a sua possibilidade financeira e as condições contratuais. A responsabilização (civil, penal e administrativa) do mau fornecedor de crédito é imprescindível.

O tratamento do superendividamento no Brasil é possível e necessário para que o consumidor – devedor volte a ter dignidade e não seja condenado pelo resto da sua vida como um mau pagador, porque se os consumidores agiram de boa-fé e estão com acúmulos de dívidas são merecedores de uma chance para poder se refazer financeiramente.

4.1.2. O sistema francês de proteção ao superendividado.

O Code de la Consommation em seu Título III, intitulado endividamento define a situação de superendividamento como sendo a "caracterizada pela impossibilidade manifesta pelo devedor de boa-fé de fazer face ao conjunto de suas dívidas não profissionais exigíveis e não pagas". Assim, encontra-se regulamentado na própria lei francesa a prevenção e o tratamento do superendividamento para o consumidor – devedor de boa-fé.

A França reconhece a falência civil do consumidor endividado dando um tratamento eficaz com a liquidação dos bens da pessoa - física para o pagamento total das dívidas, quando possível, ou parte dela, tendo a participação judicial durante o processo ou a realização com os credores de acordo, supervisionados pelo juiz para diminuição dos juros, parcelamento da dívida.

A proteção do consumidor na França, para aqueles que são vítimas de eventos independente da sua vontade, como a doença, o desemprego ou o divórcio, concede um "prazo de graça" a todo consumidor-devedor que ficou incapacitado de cumprir seus pagamentos. Ainda pode o juiz suspender a execução das obrigações, e determinar a não incidência de juros sobre as somas das dívidas durante a vigência do benefício que não poderá exceder a dois anos.

Segundo a jurisprudência francesa, dispõe o art. 1.152 do Code Civil que "o juiz pode, mesmo de ofício, moderar a pena que tiver sido convencionada se ela for manifestamente excessiva". Em razão do consumidor está superendividado, pode o juiz moderar as sanções estipuladas contra o devedor inadimplente.

O Code de la Consommation para proteger o consentimento do consumidor no contrato de crédito, impõe ao credor / fornecedor obrigações com um rigoroso formalismo no momento de prestar as informações sobre o crédito ao consumo na fase pré-contratual, que requer um tempo até concluir o contrato, e assim, o consumidor pode refletir acerca do contrato. O art. L. 311-4 do Code de la Consommation de acordo com Geraldo de Farias da Costa (2006, p. 63):

Obriga o anunciante de todo negócio que envolva uma operação de crédito a inserir na sua publicidade informações sobre a identidade do credor, a natureza, o objeto, a duração da operação proposta, o custo total do crédito, a taxa efetiva global e as percepções financeiras, o montante dos pagamentos por prestações.

Sem dúvida, o consumidor Francês está protegido da publicidade do crédito ao consumo e a jurisprudência francesa se mostra vigilante às ofertas publicitárias agressivas de crédito, tendo em vista que o consumidor do crédito tenha consciência e reflita antes da formação do contrato para que não suporte depois uma situação de superendividamento.

O mesmo doutrinador (2006, p. 89) continua a mencionar que no Direito Francês:

A formação do contrato de crédito se submete a um processo que favorece o equilíbrio entre os direito e obrigações das partes. A técnica dos prazos de reflexão é utilizada. O fiador é protegido por disposições especiais. A força do sentimento de solidariedade social na França é bem exemplificada pelo procedimento humanitário de tratamento das pessoas superendividadas.

Pode-se assim notar que o consumidor francês está bem amparado legalmente para evitar que ocorra o superendividamento e caso essa situação aconteça ele terá um tratamento bem eficaz e digno para poder voltar ao mercado de consumo depois do superendividamento.

4.2 Jurisprudência.

A jurisprudencia, como bem lembra João Alves Silva "siempre fue un camino importante para investigar el estado de situación correspondiente entre los modelos normativo y doctrinario expuestos al cotejo de las decisiones judiciales. Sin intención de establecer ninguna jerarquía entre estas fuentes, importa decir que la jurisprudencia es la expresión viva del derecho, constituyéndose en una parte fundamental de la realidad jurídica de la sociedad."

Alguns Tribunais têm decidido de modo eficiente a questão do superendividamento, como exemplo:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - SUPERENDIVIDAMENTO - PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR- (...) O OFERECIMENTO DE CRÉDITO PELAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS DEVE SER FEITO DE FORMA RESPONSÁVEL, DESESTIMULANDO O SUPERENDIVIDAMENTO DOS CONSUMIDORES. – (....) - Razoável que os descontos sejam fixados no limite de 30% do valor do salário da autora, conforme a jurisprudência deste E. Tribunal. - Apelo da autora - Danos morais corretamente fixados. - Observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como ao postulado da vedação ao enriquecimento sem causa. - Acerto da sentença. - Aplicabilidade do disposto no art. 557, caput do CPC. - NEGADO SEGUIMENTO AOS RECURSOS. (2009.001.51393 – APELACAO, DES. SIDNEY HARTUNG - Julgamento: 01/10/2009 - QUARTA CAMARA CIVEL).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. LIMITAÇÃO. SUPERENDIVIDAMENTO. PRESERVAÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL. Pedido formulado por servidor estadual de cancelamento dos descontos em folha de pagamento das parcelas relativas a empréstimos intermediados por associação de classe. Revisão da posição do relator, diante do novo entendimento jurisprudencial majoritário do 2º Grupo Cível, reconhecendo a validade da cláusula de autorização dos descontos direto em folha de pagamento, mas limitando a sua eficácia ao percentual máximo de 30% sobre os vencimentos brutos do servidor, aplicando analogicamente a legislação estadual acerca do tema. Preservação do mínimo existencial, evitando que o superendividamento coloque em risco a subsistência do servidor e de sua família, ferindo o princípio da dignidade da pessoa humana. Doutrina e jurisprudência. PROVERAM PARCIALMENTE O RECURSO POR MAIORIA. DECISÃO MODIFICADA." (Agravo de Instrumento Nº 70019038611, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, Julgado em 31/05/2007).

Nos julgados em que o superendividamento é apreciado tem prevalecido o exame, no caso concreto da boa-fé do consumidor, e a limitação dos juros cobrados de modo excessivamente oneroso para a parte mais fraca desta relação de consumo.

A jurisprudência brasileira tem construído uma proteção para o consumidor superendividado, através da interpretação do Código de Defesa do Consumidor, se utilizando dos princípios da boa-fé, da dignidade da pessoa humana, da transparência, da informação e do equilíbrio contratual. Os casos que causam maior comoção e que encontraram segurança jurídica nas decisões dos Tribunais são os empréstimos concedidos de forma inadequada com desconto automático mensal do salário, aposentadoria, benefício que extrapolam o limite permitido de 30% do valor que o consumidor tem como sua renda mensal. Mas não é demais lembrar que "O Código de Defesa do Consumidor ampara o hipossuficiente em defesa dos seus direitos, mas não é escudo para inadimplentes". [22]


5. Conclusão.

A questão do superendividamento não é e nem pode ser entendida como proteção da inadimplência. Muito ao contrário, reconhecer e enfrentar esta realidade é providência indispensável a reposicionar o debate e trazer os fornecedores de crédito à sua responsabilidade de fornecer adequada e previamente informação ao consumidor, garantindo-lhe o real direito à liberdade de escolha e preservando a sua dignidade.

Se o fornecedor de crédito cumprisse o CDC - principalmente no tocante à oferta e publicidade, demonstrando todos os riscos e consequências do recebimento do crédito bem como avaliando a capacidade de endividamento do consumidor e a ausência de poder de negociação deste, possivelmente a situação de endividamento não estaria tão séria [23] (ou o contrato objeto não teria sido firmado ou o teria sido em outros termos e condições).

É preciso, pois dar cumprimento a uma das conclusões da "Carta de Porto Alegre" no sentido do fortalecimento do dever de cumprimento voluntário das normas, pois é o primeiro dever (primeira obrigação) imposto pela norma, sendo uma forma de tentar evitar o superendividamento e tentar, também, defender os interesses dos vulneráveis, para quem a tutela jurídica não funciona plenamente, pois suas necessidades são prementes e de que o fornecedor deverá aconselhar o consumidor, observadas as especificidades da contratação, sobre a viabilidade da satisfação do crédito tendo em vista sua renda.

Repita-se, por verdadeiro, que o reconhecimento do fenômeno do superendividamento e a busca de soluções não visa, por nenhuma hipótese, ao "estelionato por via judicial" ou qualquer meio protelatório de pagamento de dívida. Pretende-se, de um lado, encontrar uma solução digna para a situação dos cidadãos e cidadãs que já estão nesta situação e de outro propiciar a mudança de atitude do fornecedor de crédito, adequando-a ao que determina o nosso Código Brasileiro de Proteção e Defesa do Consumidor.

Revela-se igualmente urgente e necessário o reconhecimento do serviço de concessão de crédito como nocivo e perigoso e a consequente adequação da publicidade e oferta de tais serviços às como já acontece com as de cigarro e bebida alcoólica.

Imprescindível, ainda, o cumprimento do artigo 5o do CDC no sentido de se instituírem Defensoria, Promotoria e Magistratura especializadas em direito do consumidor e o estimulo a soluções extrajudiciais, como o que está sendo protagonizado pelo Fórum de Defensores Públicos do Consumidor. Lembre-se que, como demonstrado, as decisões judiciais especificas sobre superendividamento são oriundas de Estados onde há Defensoria Pública especializada.

É de se ressaltar ainda que a ausência de proteção específica ao cidadão superendividado pode excluí-lo do mercado de consumo e, por consequência, contribuir para o aumento da insegurança pública em face do seu afastamento das mínimas condições de vida digna, caso o Estado exista continue se omitindo de enfrentar sistemática e institucionalmente o problema. É preciso que se priorize a articulação de forças para que se tenha um desenvolvimento econômico e social justo, equilibrado e sustentável


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Notas

  1. Extraído do livro "Patativa do Assaré. Digo e não peço segredo". Escrituras2002.
  2. Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.
  3. Tanto isto é verdade que Boaventura de Sousa Santos, em entrevista a Associação Paulista de Defensores Públicos, ao tratar da atuação Defensoria, disse: "Tendo em conta a evolução dos mecanismos e concepções relativas ao acesso à Justiça, a construção de uma Defensoria Pública, nos moldes como está prevista sua actuação no Brasil, acumula difereuniversalização do acesso através da assistência por profissionais formados e recrutados especialmente para este fim, assistência jurídica especializada para a defesa de interesses colectivos e difusos, diversificação do atendimento e da consulta jurídica para além da resolução judicial dos litígios, promovendo a conciliação e a resolução extrajudicial dos conflitos e ainda actuando na educação para os direitosntes vantagens potenciais:. a concepção de justiça democrática que tenho defendido tem em especial consideração o papel da defensoria pública na construção de uma nova cultura jurídica de consulta, assistência e patrocínio judiciário.
  4. (...)

    Estas particularidades distinguem a Defensoria, de entre as outras instituições do sistema de justiça, como aquela que melhores condições tem de contribuir para desvelar a procura judicial suprimida"

  5. Trecho do voto da ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, do Supremo Tribunal Federal, nos autos do recurso extraordinário 582.760 / RS em 05 de novembro de 2008.
  6. Trecho da petição inicial questionando o endividamento de famílias pela concessão abusiva de empréstimos consignados elaborada pelos Defensores Públicos ALEXANDRE GIANNI DUTRA RIBEIRO e ANTONIO CARLOS FONTES CINTRA.
  7. Que alterou o artigo 33 do CDC incluindo o seguinte Parágrafo único. É proibida a publicidade de bens e serviços por telefone, quando a chamada for onerosa ao consumidor que a origina.
  8. Que incluiu o artigo Art. 42-A. Em todos os documentos de cobrança de débitos apresentados ao consumidor, deverão constar o nome, o endereço e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ do fornecedor do produto ou serviço correspondente.
  9. A pesquisa foi apresentada durante o I SEMINÁRIO INTERNACIONAL DEFENSORIA PÚBLICA E PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR realizado em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, em outubro de 2004. O tema foi igualmente tratado no II e no III SEMINÁRIO INTERNACIONAL DEFENSORIA PÚBLICA E PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR realizados, respectivamente, no Rio de Janeiro (2005) e no Ceará (2007) e será tratado no IV Seminário programado para julho, na Bahia.
  10. Trecho da decisão extraída do 2009.001.51393 – APELACAO, DES. SIDNEY HARTUNG - Julgamento: 01/10/2009 - QUARTA CAMARA CIVEL. Transcrição incompleta, ementa integral disponível em www.tj.rj.jus.br.
  11. EDcl no AgRg no REsp 844.579/RS, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/08/2008, DJe 26/11/2008
  12. Araújo, Fernando. Análise Economica do Direito – Programa e Guia de Estudo, Almedina, 2008, São Paulo, 170 páginas.
  13. JORGE, Alan de Matos. A contribuição da economia na formulação e compreensão da conceituação dos sujeitos da relação de consumo. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 57, 30/09/2008 [Internet].
  14. NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. A proteção constitucional do consumidor, Forense, São Paulo, 2002, p. 29.
  15. Tanto que um das conclusões do I Seminário Internacional Defensoria Pública e Proteção do Consumidor, realizado na cidade de Porto Alegre em outubro de 2004 foi no sentido da "Possibilidade de proposta de disciplina do acesso ao crédito, controlando-se sua publicidade, e, assegurando o amplo acesso com amplo respeito aos direitos do consumidor (v.g., vedando a oferta abusiva e enganosa, da mesma forma que se limita a publicidade de cigarros, bebidas alcoólicas, etc.)
  16. Superendividamento: proposta para um estudo empírico e perspectiva de regulação in Direito do Consumidor Endividado, São Paulo: RT, 2006, p. 335.
  17. Há um caso, no Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Ceará que a uma jovem universitária sem renda foi concedido um limite em cartão de crédito de R$ 9.000,00.
  18. Há caso no Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Ceará de consumidor com 97% de sua renda comprometida com empréstimos.
  19. Neste sentido é a lição de Leonardo Roscoe Bessa, citada pelo Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Distrito Federal, in verbis: "Central de Risco de Crédito existe desde junho de 1997. Foi inicialmente regulamentada pela Res. 2.390, de maio de 1997. Atualmente, está em vigor a Res. 2.724, de maio de 2000. Cuida-se, em outros termos, de banco de dados de proteção ao crédito cujas fontes são as mais diversas espécies de instituições financeiras e que realiza o tratamento de informações positivas. O próprio Banco Central do Brasil esclarece que se trata "do maior cadastro brasileiro baseado em informações positivas" o qual "contém dados sobre o comportamento dos clientes no que se refere às suas obrigações contraídas no sistema financeiro" e, ainda, que "atualmente, são armazenadas no banco de dados do SCR as operações dos clientes com respto onsabilidade total igual ou superior a R$ 5 mil, a vencer e vencidas" Registre-se, também, que as consultas ao sistema dependem de "autorização específica do cliente" (art. 3º, da Res. 2.724)".
  20. Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre: I - preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional; II - montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros; III - acréscimos legalmente previstos; IV - número e periodicidade das prestações; V - soma total a pagar, com e sem financiamento.
  21. Sobre a questão Fábio Konder Comparato comenta que "Da maior importância também, no art. 21, é a disposição do § 3º, determinando a punição da usura e de todas as formas de exploração do homem pelo homem. Os Harpagões do mundo contemporâneo já não são os agiotas isolados e encobertos, mas sim os controladores e dirigentes de bancos e outras instituições financeiras, que exploram organizadamente os consumidores necessitados, os agricultores e os pequenos empresários urbanos, não raro com apoio e o incentivo das autoridades governamentais, em nome do liberalismo econômico"
  22. Insurge-se contra esta sumula haja vista ser a lei do consumidor de ordem pública justamente porque a vulnerabilidade do consumidor muitas vezes não lhe permite perceber a abusividade e cabe ao julgador contribuir de maneira ativa para que o equilíbrio seja respeitado.
  23. REsp 697.379-RS, Rel Min. Carlos Alberto Menezes Direito, julgado em 1º/3/2007.
  24. Analisando os últimos seis relatórios do Núcleo de Defesa do Consumidor do Ceará verifica-se que aproximadamente 75% d a demanda versa sobre endividamento.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Amélia Soares da; FREITAS, Fernanda Paula Costa de. O superendividamento, o consumidor e a análise econômica do Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2564, 9 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/16949. Acesso em: 19 abr. 2024.