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Art. 226: o campo minado da interpretação constitucionalizada do direito de família

Art. 226: o campo minado da interpretação constitucionalizada do direito de família

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O que propõe o "inovador" direito das famílias em oposição e ao "conservador" direito de família? Dobrar a família a ponto de obter a sua dissolução?

"A amizade é incompatível com a verdade; assim que só é fecundo o diálogo com nossos inimigos"

E. M. CIORAN

QUERO CRER, PACIENTEMENTE, – romântico eterno que sou, (por necessidade metafísica e sem substituí-la pelo mito de Eros), até que a morte me separe da sociedade e da solidão – que um dia eu possa amar de novo. Gosto da idéia, e ela me anima tanto quanto me ilude; temo igualmente (ocorre-me pensar em Guimarães Rosa), "delícias e dores". Apesar de ser Amar (com "A" maiúsculo) uma boa idéia social, há alguma coisa nela que enrosca em vãs esperanças. Ai! Ai! Em Hobbes todo amor é amor de si e nada mais é que egoísmo. E, portanto, na exata observação de Jurandir Freire Costa, o fato é que "somos todos fundamentalmente egoístas e violentos, e só a violência legalizada do Leviatã é capaz de conter a destruição a que conduz o amor de si". Concluindo: "O amor é a faceta domesticada de uma maldade essencial inscrita no desejo"? (COSTA, 1998). E a experiência nos ensina não ser raro sermos atacados por animais domesticados. Ao contrário, é tão comum que nem percebemos e culpamos o outro. O que nos permite afirmar que a verdadeira tentação da vida, a que constitui a essência, o fundamento e a verdade de todo processo civilizatório, é não sucumbir ao egoísmo e a violência (que também é imanente a toda domesticação). E é este o valor que Camus empresta à revolta: "Ela é a nossa realidade histórica" e implica em "um crescimento no homem da noção de homem" (CAMUS, 2003). E não o reduz ao individualismo! Pois que, se na exata dimensão proposta por Freud, "nem todo homem é humano" é na revolta do homem (humano) contra o homem (desumano) que se revela a idéia e o processo de se tornar humano, apesar de todos os desvios e becos sem saída que nos encurrala e embosca com a barbárie. Falta ainda saber o que é o humano? Mesmo porque, afirma Camus: "Na revolta, o homem se transcende no outro, e, desse ponto de vista, a solidariedade humana é metafísica" e convive muito bem com os urros, uivos e gritos de dor que nos vem dos porões da Cultura. E talvez o canto de Djavan esteja certo: "O amor é um grande laço, um passo pr’uma armadilha". Talvez! Sobre isso é o que quero pensar. Preciso pensar. Quando leio o que se tem escrito sobre o casamento, a família, os filhos, a sucessão, a sexualidade etc., principalmente, no chamado Direito das Famílias, quase não reside dúvidas. É uma armadilha! E apenas uma faceta domesticada (a que devemos acrescentar, precariamente domesticada), do desejo animal! Na verdade, quando abro um livro do denominado Direito das Famílias e o leio atentamente, suspeito que o mote que guia o atual "pensamento" jurídico seja o famoso "Famílias! Como as odeio!", de Gide, mesmo quando perece defendê-las. Há algo bárbaro nisso! E inexoravelmente me vem a memória a observação de Lautréamont, no início dos "Cantos de Maldoror", de que o único pacto que aderimos atualmente com entusiasmo é o pacto com a prostituição. Por isto "nossa experiência de valor decaiu", observou Walter Benjamim com muita acuidade. Daí, por exemplo, a notoriedade cultural que se deu a irrelevante atividade sexual (e essa é toda sua história de vida) de Bruna Surfistinha por ser puta e por gostar da putaria deve servir de referência em nossa época de pobreza e de valores decaídos de que a prostituição tem suas recompensas, e ocorre-nos ver as jovens engolfadas em uma síndrome que gera muitas Surfistinhas. E viva a prostituição e o carnaval! Em outras palavras, sob o signo de uma interpretação do caput do Art. 226 da Constituição da República Federativa do Brasil, parece haver nas entrelinhas um intertexto ultraliberal e globalizado não escrito (contribuição brasileira) que, em nome de uma devoção a liberdade e a igualdade, insinuam cínica e melancolicamente nas entrelinhas: "As mulheres foram feitas para os bordéis e os bacanais, não para os afazeres domésticos ou a vida conjugal". Daí o grito de guerra: "Libertemo-las do aguilhão da família patriarcal!", ou, então, "da escravidão da vida doméstica", ou ainda, "viva a liberdade sexual da mulher", "a revolução feminina" etc. É difícil fugir de tal impressão, e não se engajar juridicamente na gritaria em nome de uma hermenêutica civil e constitucional furada e do apelo a uma justiça social igualitária fajuta e brutal. Em outras palavras, são as mulheres objeto da luxúria comunal (que com o "gay", a "bicha", o "viado", o "transexual" alcança o homem e a todos transformam em), verdadeiras iguarias sexuais que valem, quando "modelo" (modelo de que?) seu peso em ouro, e não como objeto de estruturações econômicas (contratuais), morais e estéticas da comunidade. Então, que propõe o "inovador" Direito das Famílias em oposição e em relação ao "conservador" Direito de Família? Prendê-lo as vicissitudes da vida cotidiana ultraliberal que são capazes de anular a atração romântica e dobrar a família a ponto de obter a sua dissolução? Algo mais do que uma orgia uma "orgia jurídica"? – na expressão de Lucas Pimentel Júdice (JÚDICE, 2009). Algo mais do que um "sistema de cotas" para a legalização da inocuidade moral dos julgamentos da família? Algo mais do que varrer toda violência para debaixo do tapete da moral patriarcal? Ora, não é óbvio, como observou Morton Hunt, que a (...) "atração romântica é considerada a mais adequada e, de fato, a única base para a escolha do parceiro para o resto da vida; (...) supõe que os impulsos sexuais de ambos os parceiros devem ser completa e permanentemente satisfeitos no interior do casamento (...) e a ternura, o mistério e a excitação devem coexistir com os cuidados da casa, problemas de educação das crianças e a rotina de quinze mil noites juntos". E a verdade é que em relação ao casamento romântico, continua Hunt: "Os antropólogos consideram-no uma das mais difíceis relações humanas já tentadas, como também uma das mais atrativas" (HUNT, 1959, apud COSTA, 1998). Então, por que essa ação furiosa do Direito das Famílias contra a moral patriarcal? Neste sentido, Jurandir Freire Costa, em "Sem fraude nem favor: estudos sobre o amor romântico" têm toda razão: "não nos perguntamos se o amor com que sonhamos pode sobreviver ao destronamento da moral patriarcal e, sobretudo, à nossa paixão pelo efêmero" (COSTA, 1998) e a toda essa vontade e euforia "de viver e pensar como porcos", como muito bem disse alguém. E mais, não nos perguntamos se o afeto (o propalado e subjetivo afeto que fundaria famílias) pode sobreviver sem a atração romântica que faz do matrimônio, nas palavras de Kierkegaard, "a categoria estética do amor" (KIERKEGAARD, 1994). Então, que objetiva o agora denominado Direito das Famílias? Vejamos!...


1. QUAL O PILAR ÉTICO FUNDAMENTAL de uma família? A mulher! A mulher? Sim, a mulher tinha (ou deveria ter) esse privilégio (privilégio meramente estético, evidentemente, daí sua fugacidade), e esse papel fundamental. Nunca o aceitou e quase sempre o desempenhou de mal a pior (por desencaixe), com raras exceções exemplares e heróicas que, paradoxalmente, servem de paradigma crítico para as preposições cínicas de "uma nova mulher". Então assistimos hoje realizarem-se (principalmente pela mídia cultural e pela TV) três operações de grande intensidade eivadas de angelismo (na onda de The Girls end the City etc.) e simultaneamente psicoplástica e psicogeneticamente perversas e de caráter multidimensional que, subliminarmente, revelam o verdadeiro retrato da "nova mulher", moldam a liquidez das "novas famílias" e ao mesmo tempo "reduzem as cabeças dos indivíduos" adaptando-as as estruturas culturais esquizofrênicas do ultraliberalismo que se alimentam (como células cancerígenas) do grande poder de penetração do baixo nível cultural, logo, da baixa cultura, e, complementarmente dos estatutos jurídicos da liberdade e da igualdade constitucional e os transformam em teratologias jurídicas permissivas e promíscuas. Primeira operação: transformar as prostitutas em atrizes e vice-versa (é preciso atender a indústria pornográfica etc.) ou em "universitárias" e vice-versa -- [é preciso atender os interesses do mercado educacional ("vendendo-se para formar-se") e/ou de oportunidades de emprego futuro etc.("formar-se para vender-se novamente")] -- negando, atenuando ou punindo qualquer estigma, preconceito ou discriminação ultrajante (em nome dos "direitos de personalidade" e dos reclames do plim-plim), – mas não sem ambigüidades, – na mesma onda em que se criou as "top model", principal signo, permanente e pervasivo, da "vida glamorosa" do consumo de luxo e do sexy marketing, sex symbol, do sex apple e da "prostituição de luxo" (eufemismos: "acompanhantes", "dançarinas", "modelos" etc.), atendendo o insidioso mercado da "moda", da "beleza", da sedução, do "prazer", do "comércio", das "oportunidades" etc., [revelador das conseqüências jurídicas de tal metamorfose foi uma "atriz" pornô, uma tal de Pamela Butman ou qualquer coisa assim, ameaçar processar um jornalista, porque indignada de ter sido qualificada de prostituta em uma reportagem exigindo ser tratada como "atriz" o que nos faz lembrar que, para Freud, diz-nos Walnice Nogueira Galvão, em artigo publicado em PIAUÍ: "Todo capricho, ojeriza ou deformação que diga respeito a palavras, sustenta o líder da bancada vienense, tem raiz no inconsciente e seus mecanismos de manipulação de experiência" (GALVÃO, 2010)], e, paralelamente a essa melíflua metamorfoses de prostitutas em atrizes ou universitárias, impõe-se estrategicamente, de um lado, uma nova síndrome de angústia gastronômica (aprisionando-nos numa outra fase oral), logo, um controle gastronômico e dietético de acordo com os interesses de mercado para produtos industriais light, soft, diet etc., (visando atender necessidades do estômago ou da fantasia, criando-as e utilizando-as "como iscas no anzol"), promovendo a gula e pescando incautos gulosos: "peixes morrem pela boca". E agora, agora pós técnica cirúrgica de redução de estômago, "obeses are beautiful", na esteira da onda de as popuzudas, peitudas etc., que sob o gume do olhar libidinal,(não mais apenas masculino) sãomulheres para serem simplesmente "comidas", ou seja, objeto de luxúria identificadas sugestivamente (de acordo com o gosto) como melão, melancia, abacate etc. e a partir das quais nos mais pobres ambientes morais qualquer peito farto balançando e bunda gorda rebolando flácidos como se fossem corcovas de camelos balançando-se sob o escabroso ritmo funk [acompanhando a voz de algum animal que uiva, late, grasna, berra, zurra etc. -- algo que não pode ser identificado nem primitivamente como música ou canto) é olhada com olhos vidrados porque agora o desejo é mais kitsch e parece não haver mais espelhos], e, de outro lado, promovendo o unisex que mercadologicamente anularia os gêneros e moldaria genérica e angelicamente as atitudes preliminares em direção a leviandade, a permissividade, a promiscuidade, a homossexualidade etc., sob o signo da pósmodernidade. Segunda operação: instaurar a mulher superficial, sedutora, vulgar, narcisista e leviana também dentro do lar (forma de garantir a instabilidade emocional nos relacionamentos abrindo lugar para crises inconciliáveis e famílias líquidas), divulgando-lhes as técnicas de strip-tease, pole dance, dança do ventre, "Kama Sutra" etc. (aproximando o quarto do casal do cabaré e do bordel) e, na busca do domínio absoluto da "arte da sedução", a sua inevitável exteriorização para além do marido: a prostituição visualizada como possibilidade, afirmação econômica e consagração de si como objeto do desejo sexual (aumentando o faturamento dos motéis, gerando renda para cafetões(ãs), etc.); a "coelhinha" da capa da revista "Playboy" como realização de sonhos narcisistas afirmativos (aumentando o faturamento dos estúdios fotográficos, dos cirurgiãos plásticos etc.); o homossexualismo como paradigma de "relações afetivas" por excelência (hipérbole ideológica do sexo pelo sexo e da busca alienada de uma diferente identidade do "eu") e, de forma perversa, signo de abertura para as "novas famílias" poderem se compor e se constituir segundo os desejos emocionais do mercado louco das personalidades esquizofrênicas (e suas ofertas exóticas), entre outros engajamentos e atitudes comportamentais diante das quais ser mãe seria apenas mais uma fatalidade e um tremendo estorvo. E finalmente, terceira operação: transformar a esposa numa espécie de "prostituta doméstica" que do espartilho ao silicone se vê tentada pela infidelidade a si e ao marido na busca da "vida feliz" que sempre está do outro lado da cerca (e assim volatizar a vida moral e estética dos laços de família, livres do sagrado, fazendo-a dissolver-se no ar) dando espaço para o divórcio como solução "civilizada", partindo de uma recomposição por cirurgia plástica, e depois para as "baladas" ou para os "amasiamentos" ou os "desregramentos" festivos ou sexuais ofertados pelo mercado da "vida feliz" e das "oportunidades" que é o da normatização da perversa dinâmica social da orgia em nome da afetividade como nova espécie ilusória de divisora das águas de um mundo de valores decaídos. Como evitar que a família (antes, na expressão de Christopher Lasch, "santuário", "refúgio num mundo sem coração", hoje instituição diabolicamente sitiada), assim, toda em frangalhos, e com tal grau de imoralidade e amoralidade social que as paixões em seu meio se movimentam livres (sem valores que as sublime e lhes dê dignidade), não se transforme em lócus de violência pura? Como evitar que o afeto líquido não transforme as crianças e os adolescentes em débeis mentais agressivos em busca de uma impossível autodeterminação e da revolta que daria teor, possibilidade e qualidade humana a sua existência e que, portanto, encontra-se aberto para participar qualquer loucura transgressiva que lhe dê uma identidade, um sentido para viver ou amenize a amargura da existência?


2. AS TRÊS OPERAÇÕES ESTÃO em curso e a pleno vapor de forma complementar e interdependente a outros movimentos sociais bárbaros, para a felicidade de todos; pelo menos, com certeza, de todos os proxenetas, criminosos, mal-intencionados e oportunistas de qualquer espécie doentia. Coisa triste! Um verdadeiro terremoto que os americanos, já dizia em 1975 a escritora Rose-Marie Muraro, batizaram de sexplosion a esta explosão sexual virulenta que está cada vez mais invadindo o mundo, erradicando costumes e tradições, e, ao que parece, inaugurando uma economia, uma nova moral ou uma nova ética, completamente diferente de tudo que conhecemos até agora (MURARO,1975) fundamentadas em cinismos e devoções (DELEUZE, 1976), e impregnadas de niilismo (NIETZSCHE, s/d). – E a violência integrando-se inevitavelmente a tais dissoluções dos laços afetivos, entra em estado crescente e incontrolado como fenômeno randômico (paradoxalmente cada vez mais freqüentes) constituindo os mais tristes espetáculos urbanos. E o gozo e o medo governam a cidade... O gozo? Azar nosso! Estamos irremediavelmente perdidos no paraíso das ofertas: que fazer após a orgia? O medo? Sorte nossa! "O medo tem muitos olhos/ E enxerga coisas no subterrâneo", diz-nos Miguel de Cervantes Saavedra, em Dom Quixote (SAAVEDRA, 2006). E é com medo que enxergo o Art. 226, da Constituição Federal de 1988, e nele claramente a desigualdade que dispôs o que (e quais) seriam as entidades familiares para fins de proteção estatal. Então, por que as "melhores doutrinas" insistem em ver a igualdade? E é assim que alcançamos com o Direito das Famílias o apogeu jurídico do simulacro! Haverá algo mais velhaco?... Pouco importa, com o gozo estamos situados na entrada de um paraíso. Sem dúvida! Para o gozo Enrique Lynch está certíssimo quando diz: "Real, efetiva ou imaginariamente temos tudo. A excelência de nosso mundo transbordante de bens, oportunidades, e mercadorias baratas e rutilantes consiste em progressivo acoplamento e adequação da recompensa acessível ao inatingível polimorfismo do Desejo" (LYNCH, 1999). O problema crucial, diante do qual o Direito das Famílias foge, é que não há como atender as formas sociais mais degradadas e degradantes que o desejo pode assumir, quando se fala abstratamente em afeto ou em amor sem colocar em risco um dos fundamentos da República: "a dignidade da pessoa humana". Dizer simplesmente: "Como existem, não há como simplesmente ignorá-las", é retirada ultrajante do direito da esfera axiológica. É dizer, por exemplo: "Quando milhões participam dos mesmos vícios, eles se transforma em virtude...". É criminosamente ignorar: onde iremos parar?

Assim, é preciso muito cuidado com a afirmativa, pacífica nas melhores doutrinas, que a união estável elencada no Art. 226, $3º é uma entidade familiar, dotada de afeto e sociabilidade, com o escopo de formar um grupo familiar, porque não é bem assim, e sobrecarrega o dom afetivo de uma mais-valia que não é capaz de gerar um contra-dom. Em primeiro lugar, diz-nos José Gil: "Contrariamente às trocas sociais, não existem unidades visíveis que permitam a equivalência no domínio dos afetos" e dos amores". E assim conclui Gil: "O paradoxo das trocas afetivas exprime-se assim: quem me retribuirá alguma vez, exatamente, o amor que eu ofereci gratuitamente" (GIL, 2004). Em segundo lugar, a própria sociabilidade está submetida a um processo social de alienação que hipertrofia o desejo e o desestrutura, desagrega e, paradoxalmente, a controla negativamente. Desses dois lugares deriva-se e expande-se a vendetta, "e a busca de mediações simbólicas suscetíveis de avaliar forças de afeto" (GIL, 2004). Uma dessas mediações (ao lado do New Age, grupos e seitas mágico-religiosa, etc., figuras líquidas de Direito Civil como Danos Morais etc. e da própria violência social) toma a forma ordenada de Direito das Famílias. Um problema extremamente grave! Na exata compreensão de Marco Casanova, temos que: "O que caracteriza portanto a contemporaneidade é uma doença do si próprio oriunda da inserção total do homem e do mundo na dinâmica do vir-a-ser" (CASANOVA, 2004). E o problema que se coloca ao Direito de Família é compreender a família como um refúgio no quadro de um poder absolutamente desterritorializante e desterritorializado e sem coração, e não, como se propõe do Direito das Famílias, reduzi-la e adaptá-la a esse quadro e mundo sem amor e dedicação. O objetivo jurídico do Direito de Família é proteger a família da barbárie de nosso tempo; o do Direito das Famílias é adaptá-la a essa mesma barbárie. São duas perspectivas absolutamente diferentes.


3. SEM DÚVIDA O CAPITALISMO, hoje mais do que nunca, ao instituir uma civilização injusta e alienada precisa do gozo lúbrico como marketing, e que para isso precisa bajular o desejo e estimular seu olhar, ou seja, criar e escrever no corpo a necessidade do estômago e da fantasia que realize no objeto mulher ou homem a sua forma-mercadoria. É a economia da produção do desejo e da busca do prazer. Marx analisou isso na esfera da economia política com uma precisão admirável, em seus manuscritos da Paris (1844), disse ele: "(...) no mundo alienado do capitalismo as necessidades não são manifestações de poderes latentes do homem, isto é, não são necessidades humanas; no capitalismo, "cada homem especula sobre como criar uma nova necessidade em outro homem a fim de forçá-lo a um novo sacrifício, colocá-lo em uma nova dependência, e incitá-lo a um novo tipo de prazer e, por conseguinte, a ruína econômica. Todos tentam estabelecer sobre os outros um poder estranho para com isso lograr a satisfação de sua própria necessidade egoísta. Com a massa de objetos, portanto, cresce também o rol das entidades estranhas a que o homem fica sujeito. Todo produto novo é uma nova potencialidade de embuste e roubo mútuos" (MARX,1844, apud FROMM,1983). Com efeito, é fácil compreender que a estratégia é comprometer o apetite de uma pessoa de forma descontrolada, fazendo-a incorrer em algum vício que além de incontrolável, não deve ter conteúdo algum... O que além de destronar a moral ou a ética, permite, sem violência física (o que abre espaço legal para o evangelho dos "direitos humanos", uma nova espécie de devoção do tipo "lavo as mãos" para as vítimas depois do "fim" da Guerra Fria), a transformação cínica da disciplina em controle. Dois coelhos, uma só cacetada. Mas há problemas ai. Tudo passa pela produção e distribuição dos desejos, e ocorre que os desejantes são, justamente, os pobres, os ricos não, são imediatamente os consumidores. Dupla face de um problema de caráter mutável. Mas, hoje, apenas uma das faces de nosso Juno se revela visível nas mídias, a dos desejantes que, geralmente, leva a equívocos graves de análise das lutas sociais. Neste sentido, diz-nos Renato Janine Ribeiro: (...) "Hoje uma parte da criminalidade mais odiosa no meio urbano vem daquilo que chamo a inveja do tênis, que ocorre quando um menino mata outro por causa de um Reebok, um Nike. É um crime por motivo fútil – mas que mostra algo interessante, a enorme importância do desejo numa luta que é social" (RIBEIRO, 2002). A rigor, convém observar, en passant, que, lacto senso, não se trata de uma "luta que é social". É prudente não confundir as esferas. Observem bem, na outra face, menos visível, mas não menos odiosa, jovens consumidores jogam álcool e incendeiam um mendigo na rua enquanto ele dormia, não porque queriam um Reebok, um Nike, mas apenas para quebrar o tédio de suas existência. O que eles desejavam? Teriam inveja do sono? Pura diversão por transgressividade? E agora, o que é "a enorme importância do desejo numa luta que é social"? Seria o desejo anti-social?


4. TRATA-SE DO DESEJO? Então qualquer coisa pode ser entronizada: álcool, maconha, cocaína, crack, sexo, violência etc., e, supletivamente, andar na moda, o mau gosto cultural, a gula, o entretenimento (ideologia pão e circo) e essa coisa irrecusável que é a "mulher gostosa" – Figura imprescindível em toda festa, em toda orgia, baile funk, balada, revista masculina, programa de auditório da TV, filmes pornôs etc. – E sob a hegemonia da TV Globo, da revista Playboy e da indústria pornográfica, o show não pode parar, não pára e dá o espetáculo! E assim, diz Baudrillard: "Percorremos todos os caminhos da produção e da superprodução virtual de objetos, de signos, de mensagens, de ideologias, de prazeres. Hoje o jogo está liberado, o jogo já está feito (tudo é sexual, tudo é político, tudo é estético, tudo é desejo, tudo é espetáculo, tudo é cultura, tudo é arte, tudo é direito. Simultaneamente), e encontramo-nos coletivamente diante da pergunta crucial: QUE FAZER APÓS A ORGIA?" (BAUDRILLARD,1996). Tocar fogo num mendigo? Que fazer? Sim, é verdade, aceleramos para o futuro, mas, "aceleramos no vácuo, porque todas as finalidades da liberação já ficaram para trás", observa Baudrillard. E para desfrutar ao máximo tudo isso só é preciso "saúde", "segurança", "direitos", em uma palavra, dinheiro. Peter Sloterdijk tem razão ao afirmar que: "Existem poucas formulações que estejam à altura da famosa expressão "torna-te quem és" e da fórmula correspondentes "faze o que queres"." (SLOTERDIJK, 2004). Mas também é preciso na contramão indagar, como Primo Levi: "É isto um homem?", e saber por que dele nos veio à pergunta. A questão proposta por Gilles Lipovetsky é extremamente pertinente: Será que a hipermodernidade, caracterizada por um consumo emocional (crescente) e por indivíduos preocupados antes de tudo com a própria, saúde e segurança (direitos) é o sinal da ascendência da barbárie sobre nossas sociedades? (LIPOVETSKY, 2004). É possível! Como também exeqüível e veraz.


5. SEM DÚVIDA ISSO DEIXA AS pessoas más "felizes". Pessoas que vêem ou pressentem que a única condição para a sobrevivência e afirmação de seus desejos ou a eliminação de seus tédios existenciais está na transgressão da Norma. E eis o exemplo (além da prostituta, do homossexual, do esquizofrênico etc.) paradigmático desse novo ser sujeito de direitos que é esse tipo libidinal enurésico, essa figura sombria que é, observa Lynch, "o viciado em drogas, um doente voluntário do Desejo (entre muitos outros) que não é vítima da suposta malignidade fundamental de algumas substâncias e nem um simples subproduto da demonização da drogas (ou outro motivo qualquer) [...], mas o emblema social de uma política do prazer (ideologicamente representada na mídia na figura emblemática de escabrosos traficante e proxenetas de um mundo cão) em sociedades que não podem garantir a persistência (ou a realização) do Desejo" (LYNCH, 1999). O ou a psicopata, o rufião ou a rufia, o pedófilo ou a pedófila [que as "Paquitas", por exemplo, encheram o olhar de excitação e a boca d’água e liberaram as possibilidades como entretenimento promocional na canalhice diária de uma "rainha dos baixinhos" etc., reinventando as passarelas e os concursos de beleza que se tornaram atrativos para o lucrativo negócio do sexy, da moda, do belo, do gostoso e da prostituição], podem estar no comando, nos bastidores, nas platéias dos "programas infantis", mas também entre algum de nossos(as) vizinhos(as), "não é uma pessoa, ou seja, é a verdade de uma auto-representação que não podemos conceber para nós mesmos" (LYNCH, 1999), e ao mesmo tempo o anúncio da "vida feliz" por vir, a vida nua, e a sobrevivência dos interesses ou os prazeres dos mais degenerados e capazes de tudo. E como em questão de Direito, como todos julgam tê-lo ou merecê-lo independente de seu mister pessoal, (o que não falta e prevalece são as más intenções dos que, quando maioria ou os mais poderosos economicamente, lucram ou se comprazem com a regressão da vida humana ao nível da existência zoológica), é difícil saber o que fazer. E tudo se torna assim "direito subjetivo", "direitos de personalidade", "direitos individuais"etc., e Nietzsche observou muito bem, para "as pessoas más que são felizes – uma espécie de homens (e mulheres) sobre o qual os moralistas se calam" (NIETZSCHE, 1987). E a questão que mais assedia meu espírito, diante da impotência radical das respostas morais ou éticas no corpo das legislações, é o que dizer em defesa da Família? Da minha, por exemplo, que desmoronou e sobrevive em minha memória e, às vezes, "vingativa" ao orientar meus futuros planos de uma nova estação da vida. E não é outra a razão que me fez voltar-se criticamente contra o Manual de Direito das Famílias.


6. TENHO QUE OPOR-ME, RADICALMENTE infeliz e solidário que sou. Assim, quando a professora Berenice Dias disse que o Estado "não pode deixar de respeitar o direito à liberdade e garantir o direito à vida, não só a vida como substantivo, mas de forma adjetivada: vida digna, vida feliz" (DIAS, 2006), percebi com clareza e um frio na espinha que ela não sabe muito bem o que está dizendo em nome do Direito. "Vida digna, vida feliz"? Imediatamente, que dizer? A questão depende da luta de classes sociais, e mesmo entre segmentações de uma mesma classe. E da Weltanschauung que as guiam. Então, limito-me, aqui, a apresentar algumas referências obliquas que propiciam a orientação própria para a reflexão. Pascal dizia: "Não é vergonha para o homem sucumbir em meio à dor, é vergonha sucumbir em meio ao prazer". Vergonha inevitável depois das orgias que dão o toque de pseudofelicidade em vidas vazias. Ainda inevitável, apesar do Prozac... O que é uma vida digna em um mundo de valores decaídos? Como o Estado pode garanti-la? E o que é uma "vida feliz" em meio a tanta dor? Como o Estado pode garanti-la? Lembro-me de um poema de Bertold Brecht, que diz mais ou menos isso: "Como posso comer e beber?/ Se a comida que como é tirada de quem tem fome/ A água que bebo faz falta aos que tem sede"... E quanto à vida, a vida nua, há uma proposição de Cerroli que diz tudo: "Oh vida, eu te amo, mas não todos os dias". E nos permite colocar a questão: se a amasse todos os dias como poderia morrer pela liberdade etc.? E há uma indagação extremamente problemática devida a Victor Hugo: "Para que serve a felicidade?" Ora, o Estado deve garantir a vida humana e o que Tzevetan Todorov chama de "virtudes cotidianas", ou seja, "virtudes apropriadas para tempo de paz" que devem ser mantidas inclusive em tempos de guerra "se se quer não apenas vencer, mas também manter-se humano", e não tutelar os desejos subjetivos dos indivíduos em relação a ela quando transgride, por exemplo, na perspectiva de Tzvetan Todorov, a dignidade e o cuidado para com o próximo, ou o respeito à vida do espírito. (TODOROV, 1995). E deve garanti-la como realidade ética e moral, que segundo Hegel, é. É seu dever-ser. Mesmo porque, do outro lado, a felicidade é mesquinha e, como dizia Diderot: "As teorias da felicidade nunca contarão senão a história dos que a fazem". É outra história que nos interessa, e que, paradoxalmente (?), não desperta o interesse dos operadores do denominado Direito das Famílias, nas palavras de Pascal Bruckner, "a da vontade de felicidade como paixão própria do Ocidente após as revoluções francesa e americana" (BRUCKNER, 2002). Vontade, digamos de passagem, que nasce, justamente, da visão da infelicidade como destino -- contribuição histórica da Igreja Católica. E é na existência imperativa de uma mesquinha "vontade de felicidade" que a observação de François Mauriac deve ser colocada: "Existem seres que a felicidade persegue como se fosse a infelicidade e na verdade é o que ela é". Então, quando é possível adjetivar a vida na forma "vida digna, vida feliz" senão pelo processo histórico de humanização do homem que se dá pela afirmação e radicalização dos valores? Para finalizar, vale lembrar uma observação sutil, porém forte e profunda, do papa João Paulo II: "Cristo ensinou a fazer o bem pelo sofrimento e a fazer o bem aquele que sofre". Diante de palavras tão sábias, que dizer, mesmo sendo pagão ou agnóstico, senão "Cristo seja louvado!"


7. SE NIETZSCHE TEM RAZÃO, ou seja, "para a descoberta de determinadas partes da verdade, os maus e os infelizes estão mais favorecidos e tem maior possibilidade de êxito" (NIETZSCHE, 1987), há, nos infelizes, ainda esperança. Em relação ao Direito das Famílias os maus (maus teóricos) fizeram a sua parte, e o pior se concretiza. Está na hora dos infelizes, se já não for tarde demais, darem conta de sua parte, com a Crítica ao Direito das Famílias, e talvez o melhor (melhor teoricamente) se realize. Mas apenas se feito e deve ser feito (que movimento paradoxal) de forma implacável e com crueldade. Obviamente não se trata de proposições tipo "quem com ferro fere, com ferro será ferido". Mas sim que, penso em Clément Rosset: "Tudo que visa atenuar a crueldade da verdade, as asperidades do real, tem como conseqüência infalível desacreditar a mais genial das empresas assim como a mais estimável das causas" (ROSSET, 1989). E esta é a razão pela qual, em relação à Família e ao Direito de Família devemos colocar como tarefa as questões que em Kant alcançaram a máxima produtividade, e talvez alcancemos certa fertilidade em nossa reflexão e maior Justiça em nosso julgamento: O que posso conhecer? O que devo fazer? O que posso esperar? É isso! Eu apenas começo a realizá-la, por gostar da idéia de amar de novo tanto quanto por ser intolerante (como todo bom julgamento), logo, não me traio por ser implacável e cruel, e, principalmente, um amante infeliz (como a própria condição humana), logo, tenho grande interesse na realização da tarefa. De qualquer forma o ânimo tanto quanto a ilusão situam-me de forma crítica diante do Direito das Famílias na perspectiva da esperança e do fracasso, que é a de todos nós. Não é fácil "dar a outra face para bater". Entregar-se ao amor, como a semente se confia a terra, como a hélice do moinho se abandona ao vento... E viver amplificado. Jurandir Freire Costa observou com muita propriedade: "nada traz o alento do amor-paixão romântico correspondido. Diante dele tudo empalidece; sem ele, até o que engrandece, perde a razão de ser" (COSTA, 1998). Por isso sempre será dignificante tentar afastar o egoísmo e sofrer por amor! E como Camus sabia, sei (e de tanta saudade nunca vou esquecer) que estreitar o corpo da mulher amada, "é reter contra si esta alegria estranha que desce do céu para o mar". E tenho clara a certeza de que "esta alegria estranha", tão intensa e tão cheia de alento tem seu fundamento no amor (para Espinosa "em razão da fragilidade de nossa natureza"), na necessidade de e nas normas para constituir uma família. É quando verdadeiramente encontramos um lar, sentimo-nos finalmente em casa, e, paradoxalmente, um profundo estranhamento que, como veremos, pode ser fatal. Mulher, casamento, filhos etecetera e tal, na mais sublime das promessas jurídicas: "O casamento estabelece comunhão plena de vida"; e na frágil devoção liberal de ser "com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges", do Art. 1511 do Código Civil, e, porque não dizer, amparadas no forte cinismo do "Art. 1513 – "É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família". E, no entanto!...


8. NÃO PRECISAMOS DE BRUXAS, ogres e monstros para dar trabalho ao amor. "O inferno são os outros", diria Sartre. Talvez! Na verdade, "o dinheiro é o meio adverso em que o amor se move" (KIERKEGAARD, 1994). É o que joga "os outros" contra nós. E nesse meio adverso o jogo é duro e sujo, e se somos amados a inveja nos espreita, arma suas armadilhas e contrata um "Dom Juan". Então, encontramos no "Direito das Famílias", de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, algo que parece querer amenizar o jogo, situando-se fora dele, – o que me parece impossível, – o seguinte parágrafo: "A nova visão de família afirma, pois "um relacionamento baseado na comunicação emocional, em que as recompensas derivadas de tal comunicação são a principal base para a continuação do relacionamento", na fina percepção de Anthony Giddens" (FARIAS & ROSENVALD, 2010). Estanco de perplexidade. É dar uma dimensão axiológica e uma eficácia heurística muito grande a uma boa "cantada" e a bajulagem que a cerca. É considerar que a reificação seja a base para a arte da conquista. Pelo que sei a afirmativa de Giddens está colocada no contexto crítico de um mundo extremamente mediático e em completo descontrole: o processo de globalização e o que ele "está fazendo de nós". Mas, devo frisar, não conheço (não li ou se li não me recordo) o contexto específico da citação de Giddens. Mas, se Giddens por "comunicação emocional" não se refere à fabricação capitalista dos desejos, ou seja, por exemplo, a "comunicação emocional" transmitida (a) pelo cinismo das mídias, (b) pela moda, (c) pelo consumo, (d) pelo espetáculo, (e) pelas religiões e o jogo duro das devoções etc., ou, (f) ao fato de que novamente a crueldade e a alegria com a destruição, (g) com o tormento de outrem e (h) com as aventuras suicidas regrada a sexo, drogas e rock-and-roll, (i) o prazer obtido pelo sexo, drogas e divertimento, (j) o gozo da transgressão e da violência pura e (l) desagregação familiar e suas conseqüências etc., ou então, (m) a "comunicação emocional" forçada pelo fenômeno da banalidade do mal: medo, angústia, desespero, melancolia etc., (n) da ausência de pensamento, logo, vazio, indiferença, incapacidade de amar etc. (o) na forma de violência gratuita e criminosa, (o.1) pra quebrar o tédio, (o.2) seguir a tribo etc. (o.3) afirmar identidade... É difícil saber de que "comunicação emocional" Giddens está, ou melhor, Farias & Rosenvald estão falando sem estar bem situado. E se estão falando de outra coisa, estão atolados em um profundo equívoco, numa inexplicável insensatez. Ora, toda e qualquer "comunicação emocional", hoje, está (1) profundamente imbricada com a busca do prazer ou da felicidade pessoal; (2) com a adrenalina que os esportes radicais e o medo das ruas (dado a violência urbana) liberam em profusão; (3) com o uso das argúcias dos desejos para não dissipar o gosto das aventuras emocionais inconseqüentes e levianas; (4) com o sentir no corpo e no espírito a força incontrolável do vício, do gozo e a volúpia de satisfazê-los etc.; e, finalmente, (5) no experimentar a superfluidade da vida através da vida bandida etc., (6) no medo da morte sempre eminente, (7) nos valores da tribo a que faz parte e segue e (8) na desmobilização política que, como observa Comte-Sponville: "Contra a miséria o quê? Trinta anos atrás, uns teriam respondido; a Revolução; outros o crescimento, o progresso, a participação". Atualmente, respondem: "Contra a miséria o quê? Os restaurantes do Coração" (COMTE-SPONVILLE, 2005). (Informa-nos o tradutor, "Restaurantes do coração: Organização fundada em 1985 pelo humorista Colouche, para dar alimento gratuito aos pobres e excluídos". – E sabemos que algo semelhante no Brasil seria o programa "Fome Zero", copiado pelo "ex-sociólogo" Betinho). Em outras palavras, atualmente algoz e vítima são duas formas determinantes de "comunicação emocionais", estranhamente semelhantes, que o processo de globalização capitalista e ultraliberal oferecem aos espíritos a toque de controle, repressão, alienação e prazer.


9. TUDO ABSOLUTAMENTE DIFERENTE do amor-paixão romântico, da ética ou da estética que inaugura o matrimônio... Para os que dizem: "Cada vez mais a idéia de família se afasta da estrutura do casamento" (DIAS, 2006). Kierkegaard diz: "O casamento longe de tirar a beleza do amor, consagra-o, enobrece-o e, do reflexo efêmero do qual é um momento, leva-o à transparência e a claridade que possui quando se funda na eternidade" (KIERKEGAARD, 1994). E não é por outra razão que o Art. 256 da Constituição Federal reza em seu §3º: "Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento". Ao contrário do que precisa a Desembargadora do Rio Grande do Sul, constitucionalmente, a idéia de Família deve, sempre, aproximar-se, sobrepor-se e coincidir com a "estrutura do casamento", ou melhor, com a estrutura legal que consagra laços por sua analogia com a ordem moral e que o enobrece o casal e os salvam da pura sensualidade. Se a verdade é que a idéia de família se afasta do casamento, podemos concluir que não existe "comunicação emocional" verdadeira na família objeto do Direito das Famílias; falta-lhe o leque abrangente da magia social do amor romântico que é sua verdadeira gênese conceitual essencial, como síntese de um longo processo histórico de desenvolvimento de nossa sensibilidade e consciência. Seu conceito de "Família" está aquém (ou mesmo além) de tal necessidade metafísica, nunca em seu lugar, e a liquidez de sua concepção a faz ocupar qualquer forma, até as mais absurdas (por isso fala tanto em afeto), e, portanto, não tem valor definitivo e determinante, logo, inexistem as bases para o diálogo e a responsabilidade moral ou ética que a eternidade exige. O modo de ser da família do Direito das Famílias é consumista. Vale como admoestação, as seguintes palavras de Zygmunt Baumann, sobre o atual modo de amar (e constituir famílias), que ele qualifica "modo consumista": "O "modo consumista" requer que a satisfação precise ser, deva ser, seja de qualquer forma instantânea, enquanto o valor exclusivo, a única "utilidade", dos objetos é a sua capacidade de proporcionar satisfação. Uma vez interrompida a satisfação (em função do desgaste dos objetos, de sua familiaridade excessiva e cada vez mais monótona ou porque substitutos menos familiares, não testados, e assim mais estimulantes, estejam disponíveis), não há motivo para entulhar a casa com esses objetos inúteis" (BAUMANN, 2005). Evidentemente que, no caso do Direito das Famílias "esses objetos inúteis" são os próprios membros desenraizados da concepção de família patriarcal (por mais absurdo que pareça) e por isso problemático; precisamente aqueles que de alguma forma, por acaso e inexplicavelmente, não atenda (ou atenda insuficientemente) as vicissitudes dos desejos, fantasias ou "sonhos de consumo" dos outros membros e fracasse nos oferecimentos das realizações econômicas, são tratados como entulhos inúteis e devem ser humilhados (por questão de uma afirmação do amor de si) e descartados. Em outras palavras, não se constrói uma Família com o "modo consumista" de amar. Ao contrário, dissolvesse-a no ar. Por isso temo que agora, talvez, para mim seja tarde ou, pior, se torne tarde demais para amar de novo. Não porque o amor, como observava Roland Barthes, seja hoje "um assunto mais obsceno do que o sexo". Para Comte-Sponville: "Mais incômodo. Mais íntimo. Mais difícil de dizer, de mostrar, de pensar" (COMTE-SPONVILLE, 1998). Mas porque, sempre preciso de muito tempo para tudo, inclusive para amar de novo, e por mais tempo que me seja dado, jamais serei capaz de atender os reclames do Plim-Plim. Há muita coisa em jogo, e tenho os meus fantasmas, ainda minhas feridas e minhas esperas intermináveis e angustiantes por alcançar respostas e um livro a escrever urgentemente e, no entanto, todas as páginas ainda em branco... Encontro-me em estado de desesperante suspensão teleológica. Sou dado, portanto, a pedir tempo ao tempo. Sinto-me como um caracol que tem que percorrer mil e um quilômetros em apenas um dia numa estrada perigosa e cheia de obstáculos. Aí! Ufa! Não tenho como escapar da sina de ser julgado um fracassado. Completo sessenta e um anos, e meu coração ainda se constrange e se retrai tímido e inseguro (como um fantasma assustado por um fantasma maior e que não consegue mais assustar por tudo ter ficado assim tão fantasmagórico), ferido por um divórcio ainda não cicatrizado, e que por isso apreende criticamente que a necessidade, para o Direito das Famílias, de "um espectro mais abrangente" para as formações familiares (DIAS, 2006), significa, pura e simplesmente, fantasmas cada vez mais assustadores em todos os lugares da vida privada, e que, por isso, se afasta para a soledade afirmando o direito poético de dizer que doeu com força. Impossível olvidar!


10. É QUE, SEGUNDO UMA OBSERVAÇÃO que encontrei em Roger Garaudy: "Aprender a ser jovem, é um longuíssimo aprendizado". E como o próprio Garaudy: "Eu já ultrapassei o sessenta anos, e não creio ter ainda aí chegado inteiramente" (GARAUDY, 1975). O dia em que chegar, talvez possa esquecer. Mas por enquanto não, e de meu exílio, quero dizer de qualquer lugar, tenho olhado tudo assim, à distância, com uma profunda tristeza na memória e um desânimo terrível para tudo que não seja procrastinar a tarefa que eu mesmo me incumbi e determinei. Amanhã, quem sabe? Tudo é muito desesperador! Que seria de mim se não houver um amanhã? Diria Guimarães Rosa, é que, "a miúde, a gente adverte incertas saudades"... Chego a temer que esse "longuíssimo aprendizado" tenha por conseqüência a diminuição da majestade, da beleza, da solenidade, do reconhecimento e da realidade do desejo de amar e de viver. Mas amanhã, quem sabe? Enquanto isso, agora, muitas coisas me incomodam ou assustam de tão asininas enquanto leio o Manual de Direito das Famílias, desde a primeira linha, e, primeiramente a ignorância que revela possuir a autora da realidade história contemporânea. "O direito estatal é a mais eficaz técnica de organização da sociedade", afirma a professora Maria Berenice Dias... Que agora? Como agora? Por que agora? Impossível escapar a certeza de que os defensores do Direito das Famílias ignoram que, digamos, en passant, citando Gilberto Dupas: "As estratégias autônomas do capital visam minimizar a autonomia dos Estados-nação. Seus objetivos são atingidos por meio de três movimentos de fusão: do capital com o direito; do capital com o Estado; e da racionalidade econômica com a identidade pessoal. As estratégias de auto-suficiência do capital se confundem com a experiência mundial da neoliberalização do direito. Elas são incompatíveis com todo intervencionismo estatal" (DUPAS, 2005). Razão pela qual, digamos simplificando: o Direito das Famílias é patrimonialista, o Estado brasileiro é capitalista e, na esfera das identidades, por exemplo, a prostituta no status de atriz pornô, "modelo" ou "acompanhante" ganha uma identidade pessoal que purga sua consciência-infeliz. Estranho em mim, portanto, a sensação de que alguma inquietação teime em ser escondida na própria afirmativa da desembargadora Maria Berenice Dias; uma inquietação mais profunda e surda que a superfície de suas palavras, e que (por trás dessa proliferação atual dos medos promovida pela mídia) engloba, por assim dizer, todas as demais, e, como assinalou Luc Ferry, (em seu livro de título muito significativo por si só, "Família, amo vocês") com precisão, devo assinalar que tal inquietação em sua crueldade revela a presença "de uma nova forma de impotência pública, agora inerente à natureza da globalização", e que poria os juristas e "cidadãos das sociedades modernas – sem falar das outras, que nem têm voz nesse terreno – em uma situação de falta de controle sobre o andamento do mundo" (FERRY, 2008), cada qual na sua esfera. A verdade, parafraseando Ferry, é que ainda não percebemos, nos processos históricos regidos pelo Capital e pelo Estado e que abalam nossas vidas (e, aqui, devo destacar, principalmente, os que se relacionam com respeito ao Direito de Família), o que é novo e abre o futuro, e o que acaba por obscurecê-lo ou negá-lo. E não me resta coisa a fazer senão pensar isso o tempo todo: por que os prazeres entrevistos – conhecer as alegrias de um amor nascente, estar nos braços de uma bela mulher... – logo se apagam com os desprazeres aferentes às alegrias da conjugalidade e procriação? Tenho uma amarga e humilhante experiência disso! E Kierkegaard uma boa resposta: o amor-paixão romântico suporta facilmente "quatro atos de intrigas e contratempos, com a débil perspectiva de um himeneu no quinto", mas, corrige ele, "o defeito funesto dessas histórias é o terminar onde deveriam começar" (KIERKEGARRD, 1994). É bem depois do matrimônio, e não antes, que o amor apresenta as verdadeiras dificuldades em relação "à posse de seu objeto". Daí que o erro enfatiza Kierkegaard, é que "essa luta, essa dialética (do amor nascente) são puramente exteriores e que o amor, no final, continua tão abstrato como no princípio". A luta pelo amor deveria acontecer no interior do casamento, e não no exterior, para preservá-lo e não destruí-lo. Mas, na visão abstrata do casamento no "Direito das famílias" ocorre apenas no exterior (por isso fala tanto em afeto e não em moral ou ética e responsabilidade), porque seu fundamento é como assinalou Baumann, um "modo consumista" de ser, cuja essência é a "comunicação emocional" ultraliberal e a "arte de viver" religiosamente como ensinam todos os livros de auto-ajuda, as caricaturas da vida humana apresentadas nos púlpitos das igrejas e nas novelas e programas da TV e os blábláblá em torno de uma vida diferente, jamais serão inocentes...


11. EXORTA-NOS KIERKEGARRD: "deixemos o tempo cumprir sua obra de destruição: quanto mais consuma a substância de que é feito o amor romântico, mais tremendo será o dia em que esta consumição termine e o sobressalto em que tomaremos consciência da perda sofrida, e então sentiremos nossa desdita na desesperança" (KIERKEGAARD, 1994). E entra em cena os ressentimentos, um afeto que, observa Camus, "deleita-se por antecipação com uma dor que ele gostaria de ver sentir pelo objeto de seu rancor" (CAMUS, 2003). Essa é o afeto desejado pelos mentores do Direito das Famílias? Não? Então por que falar tanto e tão abstratamente em afeto? De onde vem essa sensibilidade abstrata em relação ao afeto? Nietzsche e Scheler, continua Camus, "têm razão quando vêem uma bela ilustração dessa sensibilidade no trecho em que Tertuliano informa a seus leitores que no céu a maior fonte de felicidade, entre os bem aventurados, será o espetáculo dos imperadores romanos consumidos pelo fogo do inferno". É assim que aí as coisas acabam no Tribunal de Justiça onde, alertava-nos já o filósofo grego Antífon que, dizem, morreu em 411 a.C., "os ofendidos que se defendem sofrem a afronta dos ofensores dispostos a tudo, inclusive a mentir, disfarçar a verdade, usar falsos testemunhos, para fazer triunfar seu ponto de vista errado; na barra do tribunal, não se trata de erro, bem e mal, mas de capacidade ou incapacidade de sedução verbal" (ONFRAY, 2008). E o mais calculista, desavergonhado e inescrupuloso, vitimando-se, ganha! Só resta sentir (fraca ou fortemente) o gosto amargo da traição. Quer dizer, segundo Antífon, "o direito raramente serve a vítima, e na quase totalidade das vezes ao algoz". E concluindo denuncia "o funcionamento perverso das leis civis ou morais que não apagam o sofrimento, e às vezes até o ampliam" (ONFRAY, 2008) – Para isso servem as notícias das vicissitudes da vida (namoros, casamentos, separações, escândalos, fofocas, brigas etc.) e das baixarias dos "famosos" ou de seus personagens de novelas da TV nas revistas da TV (como se a arte imitasse a vida ou vive-versa): para nortear o espírito das relações amorosas de nosso tempo. Viva os paparazzi! Viva as telenovelas! E pensar que Antífon dizia isso há quase 2.500 anos é estarrecedor. Que aprendemos em todos esses séculos que totalizam dois milênios e meio? Nada? Que fazer a respeito? Busco respostas. E pra começar releio "Ser e Tempo" de Martin Heidegger, não porque, segundo La Bruyère, a filosofia nos consola "dos insucessos, do declínio de nossas forças ou de nossa beleza". Nem porque tenho lido que com o Direito das Famílias "ruiu o império do ter, sobressaindo à tutela do ser" (FARIAS & ROSENVALD, 2010). – Tal afirmativa, entre outras, ad infinitum, seria cômica se não fosse tragicamente asinina. -- Mas sim porque me dedico a escrever a partir do que sinto, do que vejo, do que leio, do que ouço, do que penso, das respostas que busco e do que colho na velocidade possível do caracol, este "Manual Crítico de Direito das Famílias". Exilo-me não pela mesma razão de Camilo Torres, por exemplo, a fim de demonstrar uma capacidade de sobreviver diante de uma sociedade assassina cuja ilegitimidade estaria assim comprovada? Não! Não tenho tal pretensão, não vejo ninguém assim tão atento em mim, apenas "fujo da praça pública" onde ninguém percebe a minha ausência, e quando percebem, tenho medo, experimento a estranha sensação de que o desejo de bajulação ou linchamento se volta novamente contra mim. Tremo só de imaginar! É que o problema mais dramático que se apresenta é que ser anônimo é correr o risco de não ser amado, portanto, todos querem igualmente aparecer, distinguir-se, ser diferente como todo mundo. Estou fora, prefiro o risco! Gosto das alturas e da soledade das montanhas, do ar puro e da água das fontes solitárias. E agora sei efetivamente que é pelo prazer de ver-me envolvido por "sutis gêneros de fatos", como diria Guimarães Rosa. Coisas que precisava vivenciar com vigor e sensibilidade, "macarrão e metafísica", na ironia de Guimarães Rosa. Por que Heidegger? Resposta difícil! Mas, em sinopse e, em paráfrase, digamos: (1) se"o pensar trabalha na edificação da casa do ser"; (2) se "é como tal casa que a juntura do ser dispõe, sempre de acordo com o destino, a essência do homem para morar na verdade do ser"; e, finalmente, (3) se, "este morar é a essência do Ser-no-mundo", não há como negar, Heidegger é imprescindível para a compreensão do Ser do Ente-jurídico. Por que um "Manual crítico de Direito das Famílias"? Porque no Direito, como acontece, o homem não pode continuar sendo pensado a partir da animalitas, mas, sim, com cuidado, muita atenção em direção a sua humanitas, pois o humanismo é isso, diz Heidegger: "meditar e cuidar para que o homem seja humano e não desumano, inumano, isto é, situado fora de sua essência". E situado em sua essência, ser-no-mundo. Como diz Heidegger, "o que é verdadeiro e autêntico não chega à maturidade senão quando o homem está disponível ao apelo mais alto do céu, mas permanece ao mesmo tempo sob a proteção da terra que dá e produz". Por "apelo mais alto do céu" devemos entender, em Heidegger, que: (1) pensar o ser vivo causa-nos a máxima dificuldade, "por possuir conosco o parentesco mais próximo", e ser, (2) "ao mesmo tempo, separado por um abismo da nossa essência ex-sistente", assim, em comparação, (3) "pode nos parecer que a essência do divino nos é mais próxima", em outras palavras, "mais familiar para a nossa essência ex-sistente que o abissal parentesco corporal com o animal, quase inesgotável para o nosso pensamento" (HEIDEGGER, 2005). Daí as mais absurdas reflexões jurídicas, as sentenças mais insensatas, as mais desvairadas decisões dos Tribunais etc. A metafísica é verdadeiramente um buraco negro que suga o universo do Direito.


12. VIVENDO EM MEU EXÍLIO como se fosse num paraíso perdido e sendo Eva ainda apenas um novo plano divino (apesar de eu pensar muito solitariamente como quem não quer nada na doce Trícia), é sempre assim que trabalho: depois de um dia exaustivo de leitura e anotações, com muitas idéias na cabeça (idéias com o dom tácito do grão maturescente), reflito percorrendo solitariamente a lonjura dos caminhos sempre semelhantes do campo, numa estrada de terra fértil e, lambida pela noite, úmida. Ultrapasso os limites, entro na floresta -- este outro lugar do imaginário Ocidental. "Ela – diz-nos Georges Balandier – é o anterior, o antes, aquilo a que a civilização se opôs a fim de se constituir segundo uma sucessão de progresso ironicamente descrita, no século XVII, por Vico: ‘Primeiro as florestas, depois as cabanas, os vilarejos, as cidade e por fim as academias dos sábios’" (BALANDIER,1999). Entro na floresta porque creio como Camus, que "não há fronteiras entre as disciplinas que o homem se propõe para compreender e amar". E a questão é: o Direito de Família é uma das disciplinas? No fundo, no fundo, espero encontrar alguma coisa que tenha a dignidade (Art. 1º - III, CF) para e de ser norma para o Direito de Família... Este é o sentido que as questões que compõem o título de capa tem como perspectiva: "Quer ser pai? Seja homem! Quer ser mãe? Seja mulher!". A verdadeira aporia, sem dúvida, é que nosso pensar esta preso às âncoras da metafísica (e de seus delírios), da qual, se objetivamos chegar a algum lugar, a caminho do ser, temos que nos libertar e superá-la porque, paradoxalmente, reconhece Heidegger, "a metafísica pensa o homem a partir da animalitas, ela não pensa o homem em direção da sua humanitas". E tentar, alerta-nos Heidegger, "eliminar e compensar esta insuficiente determinação da essência do homem, instrumentando-o com uma alma imortal ou com as faculdades racionais, ou com o caráter de pessoa" (HEIDEGGER, 2005), só levara ao desespero do ambicioso que diz ser Cesar ou nada e a todas as suas tentações. Nada, portanto, mais metafísico do que a proposição de uma "ciência do direito", e, mais particularmente, o que tem sido chamado de "Direito das Famílias", objeto de nossa crítica. Que fique claro, portanto, que criticar é sempre mostrar a distância que separa uma obra do horizonte filosófico ou da filosofia do horizonte mais vasto que ela não conseguiu abarcar ou que não conseguirá abarcar. É o que penso enquanto caminho, ora falando sozinho pelos caminhos de meu refúgio, ora quando recostado numa árvore frondosa à beira do rio percorro numa leitura concentrada e assustada as páginas do "Manual de Direito das Famílias", da professora Maria Berenice Dias e coisas assim. Às vezes até pesco alguma coisa com o anzol sem isca. Alguma coisa que possua um sentido suicida. E na volta para casa, sob as solas do sapato mais do que o barro da estrada que gruda "estende-se a solidão do caminho do campo que se perde no crepúsculo...". E da varanda em que sozinho desfruto toda uma gestalt, lá longe, na obscuridade cinzenta do anoitecer, vejo todos os dias, o caminhar pesado do lavrador que volta para casa e que lentamente se aproxima. E ouço os sapos coaxarem ("que disparate o amor") e rumino a questão: por onde começar? "Boa noite! - saúda o lavrador de passagem. Bom começo! Penso sorridente. "Boa noite!"– respondo com vivacidade. "Filosofar é perguntar pelo começo", observou Vicente Descombes. Estamos de olho, eu, a tristeza (que não é só minha), a solidão (que é de todos nós) e a noite que cai sobre nós. Que seja, portanto, boa. Um bom sono ajuda. A paisagem espaço-temporal é muito grande e, em todas as direções e percursos, quantos males, armadilhas, crimes, fracassos. Mas, também, a brisa fresca, o céu azul, o rio de água limpa, a floresta, o canto dos pássaros... "O mundo é Tipasa", disse Camus. Tenhamos, portanto, bons sonhos! Neste sentido, Albert Béguin adverte o homem moderno que "ele poderia ter, como o mundo em que habita relações mais profundas e mais harmoniosas". É verdade! É possível! E cai a noite! Tudo é vivido agora na forma poética que encontro no Zaratustra de NIETZSCHE (1985): "É noite; agora se elevam mais a voz das fontes. E a minha alma também é uma fonte. É noite; agora despertam todas as canções dos amantes. E a minha alma é também uma canção de amante. Há algo em mim não aplicado nem aplicável, que deseja elevar a voz. Há em mim um desejo sublime de amor que fala a linguagem do amor". Amanhã será um novo dia! E nele, por onde começar? Infinitas são as dúvidas, arbitrárias as certezas, cruéis as verdades... É noite! Que dizer sendo fonte, canções e desejos? Gostaria de falar com Deus... Penso em Sloterdijk: "Quem fala, contraí dívidas; e quem continua falando, fala para pagar" (SLOTERDIJK, 2004). Quando se paga? Prefiro a inadimplência por temer tagarelices. Então, o que dizer para superar a necessidade de continuar falando? Falar algo definitivo? Como, diria Popper: "Nossa ignorância é sóbria e ilimitada". Ser ouvido? Como, diz Sloterdijk: "O ouvido é educado para não dar crédito e para interpretar a sua avareza como consciência crítica"... Sim, idade do cinismo, a nossa. Sem dúvida! E uma estranha devoção a acompanha. É verdade! Cinismo e devoção nos educam. Lamentavelmente! E as faculdades se tornam cada vez mais privadas, verdadeiramente privadas...


13. "ROUBEI A BÍBLIA PARA ir à igreja", confessou-me um jovem universitário sorrindo irônica e candidamente para mim, lá na minha querida cidade de Cachoeiro de Itapemirim, confessando ter feito isso "porque precisava de uma Bíblia, para fazer bonito" porque objetivava "conquistar uma gatinha que era muito carola", talvez porque consciente de que no começo é sempre um pecado e depois, uma impunidade ou um perdão. Talvez até intuitivamente. Jung diria "inconsciente coletivo". E é sempre a história um eterno retorno. Mas eu apenas o olhei interrogativamente: "Grande plasticidade acumulou a fé", pensei perplexo. "Não roubarás", é o que ele encontrará na Bíblia roubada, está escrito. E na igreja, o quê? Que comunhão? Estranha apreensão essa, de que as coisas que importam estão cada vez mais ficando inomináveis e paradoxais e nos escapando. Que adianta a escrita? "Onde, agora? Quando, agora? Que, agora?"- podemos indagar como Samuel Beckett diante de mais uma fatalidade, e depois outra, e outra ad nauseam! (BECKETT, 2000). Diz o primeiro dos axiomas da "Ética" de Spinoza: "Tudo que é, ou é em si, ou é em outro". Não parece ocorrer agora simultaneidade, ao mesmo tempo em si e em outro no padrão ultraliberal da dialética do senhor e do escravo? Que agora? Tudo se despersonaliza. Estranha realidade. Plasticidade líquida. Prostituição. Permissividade. Promiscuidade. Perversidade... Diria Walter Benjamim: "Nossa experiência decaiu de valor". Diria Fernando Pessoa algo assim: "Sou o que fracassei ser, e minha realidade é justamente aquilo que não alcanço nunca". E agora, o começo, qual é o seu lugar? Trata-se, aqui, do Direito de Família, difícil saber! Pensar as mutações da "família patriarcal" (para a infelicidade de quem?) no sistema capitalista e no cristianismo pode ser o começo, e, neste sentido, a família do Código Civil brasileiro... E ir além. E ir além. Com efeito, Deleuze e Guattari, no "Anti-Édipo", nos mostra "a íntima relação que se estabeleceu entre o cristianismo (católico ou protestante) e o capitalismo" (DELEUZE-GUATARI, 1976); aquilo que poderíamos chamar, segundo Lapoujade, "nossa piedade" ou "nosso humanismo", algo mediante o qual ainda somos piedosos (LAPOUJADE, 2004). Equacionando de forma simplificada teríamos: "Nossa piedade" = "Cristianismo"; nosso "Humanismo" = "Capitalismo". É o "Cristianismo" também nosso "Humanismo"? A laicização do Estado nunca se completa. Um problemão! Só a multidão pode resolvê-lo; ou a massa dissolvê-lo; ou o povo negá-lo. "Modernidade líquida", diria Zygmunt Bauman. De onde vem a grande onda? Que outra alegria desceu do céu para o mar? Nestes termos, a infra-estrutura e a superestrutura (ideologia) social funcionam em conjunto, são "agenciamentos" distintos de forças de uma única máquina, uma "megamáquina" distribuidora dos desejos e necessidades e capaz de um agenciamento coletivo no que Sodré define como "o povo" (SODRÉ, 1982), no que Negri e Hardt conceituam de "multidão" (NEGRI-HARDT, 2005) ou mesmo no que Baudrillard caracteriza como "massa" (BAUDRILLARD, 1982). Uma "megamáquina" de duas dimensões: o cinismo e a devoção, isto é, "a interiorização das relações econômicas" (produtoras de desejos e necessidades), por um lado, "a espiritualização déspota" (produtoras de políticas e ocasos salvadores), do outro. Por isso uma megamáquina consistente e voraz em seu curso histórico. Uma observação de Jacques Lacan, do início dos anos 70, explica melhor o fenômeno político-jurídico e social que rege as mutações da Família, ou melhor, do Direito de Família, que o transforma em Direito das Famílias, fundamentado na deformação genética do conceito, da história e do sentido social da Família e nos interesses perversos do capitalismo monopolista, ultraliberal, hegemônico, globalizado e esquizofrênico. Diz Lacan: "O discurso capitalista é algo loucamente astucioso [...] anda às mil maravilhas, não pode andar melhor. Mas, justamente, anda rápido demais, se consome. Consome-se de modo que se consuma" (LACAN, 1972, apud DUFOUR, 2005). E aí está o problema, segundo Dany-Robert Dufour: "ele não se consumará antes de ter consumido tudo: os recursos, a natureza, tudo, - inclusive os indivíduos que a ele servem" (DUFOUR, 2005). Consumará e consumirá também, portanto, a Família, e depois ou simultaneamente, os indivíduos e a coletividade que o ajudaram a consumá-la e a consumi-la. Como conseqüência, Deleuze e Guattari estão certos: "Não é mais a idade da crueldade nem do terror, mas a idade do cinismo, que é acompanhado de uma estranha devoção". (ANTI-ÉDIPO, 1976) De fato! Os dois, cinismo e devoção, constituem a essência do humanismo judaico-cristão agora capitalista pós-moderno que embasa a atual cruzada internacional Pró-Direitos Humanos: o cinismo é a imanência física do campo social, [no qual o Estado pode se propagar "visto que tem uma missão e um evangelho democrático" (LAPOUJADE, 2004)], e a devoção, a manutenção de um Urstaat espiritualizado (Catolicismo, e Protestantismo); o cinismo é o capital como meio de extorquir sobretrabalho, mas a devoção é esse mesmo capital como capital-Deus de onde parecem emanar todas as forças de trabalho (ANTI-ÉDIPO, 1987), que Max Weber foi o primeiro a apreender no fenômeno religioso como espírito do capitalismo.


14. CONSIDERANDO QUE O COMEÇO é o ponto de referência através do qual podemos olhar um sentido para as coisas que, a partir dele, tornam-se compreensíveis, de forma suficiente e necessária, portanto universal, desejo começar o presente "trabalho teórico" (ALTHUSSER, 1978) com a seguinte tese: no necessário combate "a imanência física do campo social" (no lugar diáfano em que atuam psiquiatras, assistentes sociais, sociólogos, juristas etc.) e do seu "Urstaat espiritualizado", tem o Direito de Família: (1) tanto o direito do dever à verdade dos problemas para que os fatos não sejam adjetivados em nome de um "Direito das famílias" sob o signo da promiscuidade, permissividade, perversidade e prostituição em nome do evangelho dos Direitos Humanos (mesmo porque "o mercado é, para o cinismo, uma missão e um evangelho", e, além disso, a devoção como falsa ou má-consciência "não é contrária do cinismo", ela é, nas pessoas privadas, o correlato do cinismo das pessoas sociais), (2) quanto o direito do dever decidir sobre os problemas que não se reduz a estabelecerem direitos para os que conseguem inscrever cínica e ironicamente seus problemas na pauta de seleção das devoções (mesmo porque "a potência do despotismo das almas é proporcional à imanência social do desenvolvimento das relações capitalistas", logo, o cinismo é inseparável de uma monstruosa piedade, e de uma estranha devoção que, no caso, acompanha e promove, em particular, os devires da Família e seus espectros). Assim, no "Manual de Direito das Famílias" da professora Maria Berenice Dias, data vênia, há apenas engajamento político-jurídico contemporâneo, conseqüentemente, imersão cínica e devota no ser-aí, logo, jurisprudências de lacunas, má-consciência e consciência-infeliz a título de direito positivo. Em outras palavras, objetivo ser cruel e implacável para não recair na mesma atração, atração fatal para o direito, que tem como correlato necessário à negligência da professora Maria Berenice em relação às reivindicações "feministas" em sentido largo e aos exóticos espectros dos devires da família. É tempo de perguntar o que temos no "Manual de Direito das Famílias" de tão interessante além de certa "tranqüilidade de espírito" e um "rápido esquecimento"? Sem dúvida temos nele "o olho da consciência" e as "tábuas da justiça". Mas não só, temos isso, tudo isso, é verdade, mas também, "eterno retorno", "angústia" e "remorso", como relaciona Georges Bataille no seu "W.-C. Prefácio à História do Olho": "O "olho da consciência" as "tábuas da justiça" encarnando o eterno retorno, existe imagem mais angustiada do remorso?" (BATAILLE, 2003), e assim os personagens de história do olho se movimentam em seu mundo lascivo e sem limites exigindo direitos. Com efeito, não é outra a razão pela quais muitos defendem a tese de que "uma adequada compreensão" do conceito de "família" na Constituição de 1988, seja o "dado essencial para a sistematização do Direito de Família", mas, na realidade, lendo com mais detalhe a interpretação que oferecem do Art. 226, percebe-se não se tratar de uma "compreensão adequada", mas, sim, de uma "adequada compreensão", ou seja, aemulatio e conveniêntia são figuras fundamentais centrais da representação líquida constitucional de uma trama em voga, que os designers de uma nova Hermenêutica constitucional na linguagem de seus profetas mais delirantes lançam nas passarelas ideológicas do high society do mundo jurídico cada vez mais down dos Tribunais de Justiça, os modelitos Sodoma e Gomorra da griffe "entidades familiares", pois, também a Família dobra-se na tendência dominante do eterno retorno: a barbárie. O bárbaro, que fique claro isso aqui, "não é apenas o cruel ou o violento, é aquele que não reconhece nenhum valor superior, que só crê no mais baixo, que chafurda na baixeza e gostaria de nela submergir todos os outros"(COMTE-SPONVILLE, 2005). Com efeito, parafraseando Peter Sloterdijk, convém perguntar: "até que ponto é necessário retroceder, a fim de encontrar juristas capazes de filosofar sem a tesoura?."(SLOTERDIJK, 2004). Difícil saber! Como dizer, então, a verdade com palavras sinceras? A condenação tem sido forte: "o isolamento" e "a solidão", aponta direto para o cerne da sentença Hanna Arendt, sempre, mas também, freqüentemente, segundo Max Horkheimer, "a ameaça da ruína econômica, a depreciação social", e ocasionalmente, "o cárcere e a morte, impedem que o entendimento atente ainda hoje contra os supremos instrumentos conceituais de domínio". Vivemos anos de chumbo, de escuridão, de covardias, é verdade, mas hoje, o que há que nos impede de dizê-la no Brasil senão a estupidez geral e sistematicamente explorada? Estupidez promovida por uma mídia venal e estúpida que, diz Humberto Eco, "apresenta como ideal o homem absolutamente médio", gerado a partir da substituição de realidades por fantasias sexuais ou culturais de suas publicidades etc., através de uma verdadeira lavagem cerebral. E com crueldade observa: "Um homem que possua "todas" as virtudes morais e intelectuais em "grau médio", acha-se imediatamente a um nível mínimo de evolução" (ECO, 1994), e, portanto, só pode realizar-se bem como predador, como consumista, como telespectador do BBB etc. Tudo então se torna possível Viva a política! Assim, conclui implacável: "alimentar um grau médio de paixões e ter uma prudência média significa ser um pobre exemplar de humanidade" (ECO, 1994). É verdade! Vivemos "A era da manipulação", diz Wilson Bryan Key, e "a mídia da publicidade demonstra o pior da venalidade e credulidade humana e revela como as linguagens, imagens e culturas servem mais para escravizar do que para esclarecer..." (KEY, 1996).


15. COM EFEITO, NÃO PRETENDO justificar, de modo algum, a escolha desse texto da professora Maria Berenice Silva que, não é absolutamente exemplar. Mas nem por isso, na inutilmente vasta bibliografia jurídica, ele é o pior. Pior é o "Direito das Famílias" de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, que também, en passant, consideramos aqui. E aqui vale o aforismo de Kierkegaard: "Quanto pior, melhor...". São duas obras jurídicas que nos revelam claramente que o Mundo do Direito, numa expressão devida a Guimarães Rosa, "é o mundo intato das ideiazinhas ainda", com todos os danos que trazem contigo e consigo. No mais, é bem provável que se diga que meu pensamento seja conservador; posiciono-me contra convicções jurídicas extemporâneas e casuísticas apesar da pretensão de serem modernas e contemporâneas acompanhando a moda ou a "tendência da época". Mas, como não dizer, a propósito do Art. 4º do LICC ("Quando a lei for omissa, o juiz decidirá de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito"), ou do Art. 126, do CPC ("O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacunas ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito") que, aqueles que dizem "nosso tempo", pensando então "nosso presente" à luz de uma presença futura anterior, não sabem muito bem, por definição, o que dizem. "E justamente nesse não saber que consiste a eventualidade do evento, aquilo que se chama ingenuamente de sua presença" (DERRIDA, 2007). Há problemas em tudo isso! Talvez me julguem um conservador porque vejo com suspeita isso, do juiz colmatar as lacunas das Leis quando se trata de Direito da Família face a presença insípida, estéril, inócua, sem qualidade, de um "Direito das Famílias"? E de forma geral do "juiz legislador"? Tudo bem! O que vejo no "Direito das Famílias" transforma o Direito Civil num verdadeiro samba do jurista aloprado, paráfrase jurídica do "samba do crioulo doido" de Stanislaw Ponte Preta. E um verdadeiro festival de besteira assola o mundo jurídico. Vejamos bem! Muitos destacam que o caput do Art. 226/ CF determinou a proteção estatal da Família sem qualquer restrição. Tudo bem! "Sem qualquer restrição" a quê? A discriminação de outras "espécies de família". Certo! Que "outras espécies"? A "matrimonial" (§§ 1º, 2º, 5º, e 6º), a "união estável entre o homem e a mulher" (§ 3º) e "a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes" (§ 4º). E por fim, enfatizam terem sido designadas como entidades familiares a união estável e a família monoparental (CARVALHO ROCHA, 2009). É o que diz, respectivamente, os §§ 3º e 4º do Art. 226. Daí, indagam: a) se a expressão entidade familiar, utilizada para designar os agrupamentos que descrevem os §§ 3º e 4º deve ser compreendida ou não como sinônima de família?; b) se a proteção estatal determinada no caput abrange ou não outras formações sociais além das três expressamente mencionadas? (CARVALHO ROCHA, 2009). Há problemas ai! Em primeiro lugar, no §3º do Art. 226 há restrições e há discriminações. Neste sentido, orienta-nos Lucas Pimenta Judice:"O próprio artigo 226, §3º, CF, ao elevar a união estável ao patamar de entidade familiar, prescreve, em seu trecho final, que o Estado facilitará a sua conversão em casamento" (JUDICE, 2009). E realmente, no Direito das Famílias, observa Lucas Júdice, "os preceitos constitucionais que circundam os cônjuges e os companheiros podem ser encontrados em dois pilares: a) Art. 226, CF; b) princípio constitucional da igualdade" (JUDICE, 2009). Mas, em segundo lugar, diferentemente do que entendem os patrocinadores do Direito das Famílias, entidade familiar não é expressão sinônima de família, assim como ente não é sinônimo de ser. E só os trogloditas da igualdade, por não possuírem a sensibilidade necessária para sentir as sutilezas e a extensão das diferenças, as vêem como sinônimas. Ademais, a despeito da professora Berenice Dias, afirma Lucas Júdice: "buscar a igualdade jurídica positivada entre os institutos, desequipara no fato e nos deveres das entidades familiares, já que prescreve, à exemplo, que não subsistem exigências sociais ou até mesmo legais para a mútua fidelidade, mas tão somente lealdade (DIAS, 2006, p.154) no tocantes à união estável, mesmo assim devendo proteção do Estado, pois foi escolha do casal" (JÚDICE, 2009). E assim, com ironia, conclui Lucas Júdice: "orgia jurídica! Pais convivendo amorosamente com os filhos, com uma pitada de infidelidade (para não deixar a relação insossa), tudo sob a proteção social, neoliberal e ultra-pós-moderna" (JÚDICE, 2009). Não há como negar as diferenças. Mas, confirmam os interpretes o uso de expressões distintas – família e entidade familiar – não caracteriza um "objetivo constitucional de negar às uniões estáveis e às famílias monoparentais, a condição de Família (pelo menos no sentido jurídico) por que: 1) os §§ 1º e 2º do Art. 226/CF, não atribui ao casamento, expressamente, a designação de Família (CARVALHO ROCHA, 2009). (O que, devo observar en passant, seria extrema estupidez, a família é constituída pelo casamento, quer dizer, o casamento é ato meramente cerimonial, e apenas formalmente constituinte das bases jurídicas de uma família legal desejada pelo Estado, não a Família. A Família se funda em ações e sentimentos a posteriori e cada vez mais complexos e mutáveis nas vicissitudes da e nos sentimentos desenvolvidos na vida cotidiana e conjugal face "a eternidade dos laços"); 2) Os §§ 3º e 4º do Art. 226/CF "não expressa uma exclusão", ou seja, não diz não ser a entidade familiar, Família, (CARVALHO ROCHA, 2009), (é verdade, mas também, sem excluí-las, não dizem ser e nem poderiam dizer: são entes do ser-família e não o ser-família. Mesmo porque não poderia expressar tal conclusão de ser sem negar o conceito necessário e suficiente, logo universal de Família que identifica e reconhece seus membros, mesmo quando cindida, fragmentada, atomizada ou corrompida); 3) nunca se logrou atribuir a expressão entidade familiar um sentido qualquer capaz de negar a condição jurídica de "Família" as uniões estáveis e as famílias monoparentais (CARVALHO ROCHA, 2009), (e como poderia sem negar as relações entre particulares na vida comum, de cunho personalíssimo, pessoal, obrigacional, contratual, real e sucessório?). Não importa os que dizem os interpretes do Direito das Famílias, o fato é que não há como igualar ou comparar a família conjugal com as entidades familiares. Se o Estado não pode ignorar as união estável, nega-lhe patrimônio, obrigação alimentar, direito sucessório etc., e aconselha sua conversão em casamento, justamente, devido a sua informalidade, infidelidade garantida pela lei, falta de regras para construção patrimonial, omissões sucessórias, etc. Não há, portanto, como igualar ou compará-las. A família conjugal obriga a uma moral e responsabilidade, que a união estável desobriga, prova disso oferece-nos uma delirante Maria Berenice Dias, com a idéia de que o Estado não deve ignorar as uniões estáveis proibidas (Art. 1521, CC), dizendo: "(...) em que pese à proibição legal, se ainda assim a relação se constitui, não é possível dizer que ela não existe. O Estado não tem meios de, por exemplo, impedir o estabelecimento de uniões incestuosas entre pai e filha (...) entre sogro e sogra; entre adotante e o cônjuge do adotado (...). Como existem, não há como simplesmente ignorá-los". (DIAS, 2006, Apude JÚDICE, 2009). Perplexo indaga Lucas Júdice: "Conceber proteção estatal a incesto?" etc. Na verdade o fato é que a professora Maria Berenice Dias não sabe realmente o que professa, e o seu mundo jurídico revela-se em seu cinismo e em sua devoção, incestuoso, pedófilo, homossexual, perverso, desregrado, promíscuo, permissivo, prostituído, criminoso... Estranha interpretação do Preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil, publicada no Diário Oficial da União nº 191-A, de 5 de outubro de 1988! Não é isso que se espera como construção de um Estado Democrático de Direito.


16. HÁ PROBLEMAS, EM SEGUNDO lugar, onde a jurisprudência tem consagrado um "rol aberto" (numerus apertus) de "entidades familiares" tendo como paradigma, por exemplo, a Lei n º. 8.009/ 1990, que dispõe sobre a impenhorabilidade do "bem de família". A coisa aqui é bem interessante! "Bem de Família", na clara explicação da professora Maria Berenice Dias: "Trata-se de qualidade que se agrega a um bem imóvel e seus móveis, imunizando-os em relação a credores, como forma de proteger a família que nele reside" (DIAS, 2006). Diz o grande civilista e professor Luis Edson Fachim: "a proteção de um patrimônio mínimo vai ao encontro dessas tendências (de despatrimonialização das relações civis), posto que põe em primeiro plano a pessoa e suas necessidades fundamentais" (FACHIM, 1999). Para Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald: "É o chamado direito ao mínimo existencial, revelando um dos aspectos concretos, práticos, da afirmação da dignidade da pessoa humana" (FARIAS, ROSENVALD, 2010). Evidentemente, não se trata de "qualidade que se agrega a um bem imóvel e seus móveis", "despatrimonialização das relações civis", "direito ao mínimo existencial" etc., ou todas as bobagens do tipo, mas, sim, de patrimonializar as uniões estáveis mirando especularmente a nova figura denominada "família homoafetiva" etc. O que os ilustres defensores do Direito das Famílias jamais resgatarão em suas reflexões é conhecido como o paradoxo de Condocert, "que tem mais de dois séculos: a soma das vontades individuais não produz necessariamente a melhor e mais racional solução para o grupo" (DUPAS, 2005), o que nos obriga ao desespero de imaginar qual o limite da fragmentação e da dissolução da Família na forma dos delírios jurídico que a corrompem e se encontra ao largo de todo livro de "Direito das Famílias". Onde iremos parar? Aonde chegaremos? Et coetera. Impossível imaginar, tudo é possível! Segundo a jurisprudência, têm sido consideradas "entidades familiares" um grande número de arranjos de membros de uma Família segundo o conteúdo imposto por sua dissolução e o número de membros, a feitura dos laços, o grau de consangüinidade etc., remanescentes com direitos legais de usufruto e/ou herança vindos a lume a critério do interprete, no bestiário da imaginação jurídica, numa estranha e crescente taxionomia. A saber: a) solteira com seus pais; b) viúva com filhos; c) devedor, mãe e avó; d) irmãos solteiros; e) devedor, seus filhos e suas irmãs; f) ex-mulher e filhos do devedor; g) devedor que vive só; h) o solitário (solteiro, viúvo, separado judicialmente ou divorciado que viva só). E podemos imaginar também um item "g"e outro "h", ou seja, g) etc. e tal, e h) conforme os animais se dividam ou não de acordo com certa enciclopédia chinesa citada por Borges e lembrado por Foucault ao produzir seu famoso texto "As palavras e as Coisas" (FOUCAULT, 1981), já que o mundo jurídico caminha a deriva. Portanto, esclarece-nos Lucas Júdice: "Se olharmos as entidades familiares sob o prisma da forma, de fato poderemos concluir que a constituição pretendeu tratar cônjuges, companheiros e famílias monoparentais como se uma só fossem, o que pode gerar uma série de estranhezas" (JUDICE, 2009). O que por si só revelaria seus equívocos. Em nota de pé de página (70), obriga-nos a imaginar tal série de estranhezas numa situação específica de pai e filho como família monoparental: "Supondo igualdade das entidades familiares, como argumenta a doutrina majoritária, há de se concluir que o tratamento dispensado a eles deve ser o mesmo dado aos casamentos e às uniões estáveis, eis que o art. 226 $3º, CF assim determina. Desse modo, caso o filho venha a se mudar para outra cidade, ou por briga ou por outro qualquer motivo, está desfeita a família monoparental, devendo incidir, por certo, efeitos patrimoniais de partilha. Veja-se o absurdo! Pela lógica da doutrina majoritária, porém tais anomalias ocorreriam, afinal, entidade familiar é entidade familiar (Art. 226, CF)". Quais, portanto, os limites jurídicos da fúria divisória e insensata? Não seria o controle, a posse, o usufruto dos "bens de família"? Indiscutivelmente! Ora o valor do patrimônio e sua partilha é o grande filão de enriquecimento para advogados na Vara de Família... E é pelo que se digladiam os litigantes. É que o Art. 1.790 prescreve que "apenas os bens adquiridos onerosamente na constância da relação é que são passíveis de partilha entre companheiro supérstite e os outros herdeiros" (JÚDICE, 2009). Portanto, se o CC/2002 considera que os companheiros não são herdeiros necessários, que fazer? Estrategicamente, argumentando em nome da aplicação do princípio constitucional da igualdade, o que se visa é a declaração de inconstitucionalidade do Código Civil de 2002 no que tange aos direitos sucessórios, e, taticamente a instituição do Bem de Família abre a porta para essa argumentação, visto que, observa Lucas Júdice, "não houve uma equiparação no tratamento entre cônjuges e companheiros, entendendo que, se a Constituição igualou os institutos como entidade familiar, não poderia o CC/02 diferenciá-los" (JÚDICE, 2009). E realmente a lei infraconstitucional tratou de forma diferenciada o casamento da união estável, tanto que, continua Lucas Júdice: "Na esfera sucessória, o novel Código Civil dispensou aos companheiros apenas o artigo 1.790, dispondo ambígua e escassamente sobre todo o direito hereditário; por outro lado, a mesma compilação normativa estabeleceu regras mais precisas para o cônjuge, como se vê nos artigos 1.829, 1.830, 1.831, 1.832, 1.837, 1.838, 1.839, 1.844, 1.845 e 1.846" (JÚDICE, 2009). Considera-se erro legislativo (p. ex., ZENO VELOSO, 2003, p. 285) ter sido colocado o Art. 1.790 nas Disposições Gerais do Livro V (Do Direito das Sucessões), bobagem, como diz-nos ironicamente Lucas Júdice: "caso todas as disposições almejadas pelos doutrinadores estivessem nas "Disposições Gerais", não haveria discussões sobre esse ponto específico". E conclui com segurança: "O que se depreende dessa escolha legislativa é que os companheiros não são considerados como herdeiros necessários, e nem deveriam sê-lo, pois essa é uma das maiores distinções entre os dois institutos, tendo em vista que os cônjuges possuem tal prerrogativa" (JÚDICE, 2009). E finalizando: "Essa regra específica está diretamente relacionada a outro ponto que difere o companheiro do cônjuge: o artigo 1.829 aduz que aos cônjuges compete a totalidade da herança quando não concorrem com descendentes ou ascendentes, ao passo que, para os companheiros, a totalidade da herança só será possível caso não existam outros parentes sucessíveis até o parentesco de 4º. Grau (inc. IV do art. 1.790)" (JÚDICE, 2009).


17. A INSTITUIÇÃO DO "BEM DE FAMÍLIA" expressa na Lei 8009/90 encontra-se respaldada no Art. 5º e 6º da CF, nos Arts. 1711 a 1722 do CC, e, também, no Art. 548 CC e o Art. 649 CPC e na EC nº 26/2000, e na Súmula nº 364 do STJ que diz: "O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas". Como conseqüência muita bobagem tem sido dita e feita sem parar. Em conseqüência, mais uma, diz a professora Berenice Dias, "mais do que uma definição, acaba sendo feita a enumeração dos vários institutos que regulam não só as relações entre pais e filhos, mas também entre cônjuges e conviventes, ou seja, a relação das pessoas ligadas por um vínculo de consangüinidade, afinidade ou afetividade". Sim, "mais do que uma definição", quer dizer, uma reificação do sentido e uma alienação da existência da coisa que se define. Mais, então, para dizer menos. Que dizer?... Então, no decorrer de sua obra, "Manual de Direito das Famílias", a professora Maria Berenice Dias, a quem nutro profundo respeito, mas com quem não posso absolutamente concordar, tece um verdadeiro rosário de lamentações sobre a situação fática da mulher (aparentemente epistemológico), sem conseguir entender que, como observar Giddens: "Se as mulheres sempre mantêm relações privilegiadas com a ordem doméstica, sentimental ou estética, não é por simples inércia social, mas sim porque essas relações se ordenam de tal maneira que não mais entravam o princípio de autonomia e funcionam como vetores de identidade, de sentido e de poder privados; é do próprio interior da cultura individualístico-democrática que se reconstituem as trajetórias diferenciais dos homens e das mulheres" (GIDDENS,1991, Apud LIPOVETSKY, 2004). Não adianta, porque historicamente inútil, tratar a família patriarcal como bode expiatório! Esse negócio de "A dominação masculina" é a grande bobagem escrita por Pierre Bourdieu (BORDIEU, 2005). Com efeito, o problema é saber que é a "tal maneira" que as "relações privilegiadas" se ordenam na ordem doméstica. Creio que para isso sirva uma leitura submissa as idéias do proclamado Direito das Famílias. Mas, sem dúvida, com a lei 8009/1990, transparece efetivamente que, o conceito de entidade familiar abriga estruturas de convívio das mais diversas. Levado ao limite, o conceito de entidade familiar leva a pulverização e a perda de sentido do conceito de Família, alcançando a questão: "Uma formação social caracterizada pela coabitação de duas pessoas amigas que não sejam parentes, nem mantenham entre si relações sexuais, pode ser reconhecida família?" (CARVALHO ROCHA, 2009). Há problemas ai. E o principal acusa a mutação do Direito de Família em direito dos indivíduos, ou, então, em um direito dos amigos íntimos, porque na verdade com o termo Famílias não se trata mais de Família, mas de sua dissolução nos indivíduos que a compõem com a proteção jurídica a que fazem jus como causa ou efeito de conflitos subjetivos ou ambição ou egoísmo (conflitos objetivos). Neste sentido, alerta-nos Lipovetsky para o poder de um mundo globalizado pelo consumo: "É forçoso constatar que seu império não pára de avançar: o princípio do self-service, a busca de emoções e prazeres, o cálculo utilitarista, a superficialidade dos vínculos parecem ter contaminado o conjunto do corpo social, sem que nem mesmo a espiritualidade escape a isso. A religião atualizou-se com o consumo, abandonando o ascetismo em favor do hedonismo e do espírito festivo, enaltecendo os valores da solidariedade e do amor mais do que os da contrição e do recolhimento. E isso vale igualmente para a dimensão familial e para a relação com a ética, com a política, com o sindicalismo, ou ainda, com a natureza. A hipermodernidade funciona mesmo segundo a lógica da reciclagem permanente do passado, e nada parece escapar a seu domínio" (LIPOVETSKY, 2004). Mas isso não é todo problema. Há muitos mais. Neste sentido, afirma a professora Berenice Dias: "Dispondo a família de várias formações, também o direito de família precisa ter espectro cada vez mais abrangente" (DIAS 2006). Que entender por "espectro cada vez mais abrangente"? Não é difícil imaginar onde vamos parar! Todo indivíduo isolado é o espectro de uma família, logo, é uma entidade familiar. Qual a pretensão epistemológica ai envolvida? Diante não da Família, mas de seu "espectro cada vez mais abrangente", que é o Direito de Família? Difícil imaginar! Ou vice-versa: diante não do Direito de Família, mas de "seu espectro cada vez mais abrangente", o que é a Família? Difícil imaginar! As dificuldades de imaginar e propor respostas para as duas questões não residem simplesmente na inversão que as distingui, mas na radical diferença e no complexo inter-relacionamento dialético que estabelecem entre si. Ora, todas as entidades familiares reconhecidas pela lei e pela jurisprudência, na verdade, são apenas molecularmente família, e apenas famílias de direito e não família de fato; muitos laços foram desfeitos, relações foram interrompidas, o sentido liquefeito, os sentimentos diluídos, o amor corrompido etc., o que a descaracteriza originalmente e negativamente e a transforma qualitativa e quantitativamente. E muitas vezes, a maioria das vezes, o que a mantém juridicamente como entidade familiar são apenas interesses patrimoniais ou financeiros, e, além disso, nada mais que afetos neuróticos ou esquizofrênicos, relações sádicas e/ou masoquistas... O que vale é sentir-se viva, gozar, bater, assoprar, gritar, sussurrar, vitimar-se, lucrar... Concluindo, parece existir no coração do Manual de Direito de Famílias uma paradoxal controvérsia consigo mesmo que reflete a coexistência, nem sempre pacífica ou pacificada, de diferentes visões das mudanças sociais que dão a letra e o ritmo no samba do jurista aloprado. Por um lado, há a tese de que profundas mudanças econômicas, culturais e tecno-científicas etc. remodelam as estruturas sociais, inclusive a família, logo, o regramento jurídico da família não pode insistir, em perniciosa teimosia, no obsessivo ignorar das mudanças sociais. Afinal, ensina a professora Berenice Dias: "o influxo da chamada globalização impõe constante alteração das regras do direito de famílias". Por outro lado, há a tese de que as estruturas sociais são muito resilientes e que profundas mudanças sociais da família devem ser explicadas pela "adequação entre as estruturas sociais preexistentes e o capitalismo", logo, observa a professora Berenice Dias: "É preciso demarcar o limite de intervenção do direito na organização familiar para que normas estabelecidas não interfiram em prejuízos da liberdade do "ser" do sujeito". Uau! Dane-se, portanto, quem pensa que a preocupação do Direito das Famílias seja o "ser" da Família! Para vir a lume, portanto, um Manual Crítico de Direito das Famílias devemos atravessar um campo minado e traiçoeiro em busca da realização das tarefas exigidas. E aqui vamos nós, cautelosamente, devagarinho, recolhendo as minas, inutilizando-as! Por isso, quando eu morrer, a epígrafe que deve assinalar meu túmulo seja a mesma de que gostaria Frédéric Schiffter: "Ele chegou muito atrasado para tudo, mas sem se apressar". E a aporia que nos une aqui, é que não concordo com nenhuma das duas teses acima, vejo a consistência maior e mais complexa das coisas. "No mundo, todas as coisas são como são e se produzem como se produzem", escreve Wittgenstein no "Tractatus lógico-philosophicus". E se existe alguma esperança, nós é que devemos inventá-la, mas, do nada, nada vem e a armadilha está montada.


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Autor

  • Walter Aguiar Valadão

    Professor universitário. Bacharel em História (UFES). Pós-Graduado "lato sensu" em Direito Público (UFES). Mestre em Direito Internacional pela UDE (Montevidéu, Uruguai). Editor dos Cadernos de Direito Processual do PPGD/UFES.

    Textos publicados pela autora


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VALADÃO, Walter Aguiar. Art. 226: o campo minado da interpretação constitucionalizada do direito de família. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2837, 8 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18857. Acesso em: 18 abr. 2024.