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A regulamentação dos crimes hediondos como controle social penal

A regulamentação dos crimes hediondos como controle social penal

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RESUMO:

O tema "A regulamentação dos crimes hediondos como controle social penal" traz consigo uma gama de dificuldades na aplicação de uma lei a qual contém tratamentos penais mais severos objetivando solucionar os problemas criminais do país. Várias dificuldades surgiram desde a criação desta lei, desde as inconstitucionalidades parciais deste diploma, ao desrespeito do princípio da dignidade da pessoa humana, ao princípio da proporcionalidade das penas, até o fracasso do objetivo final do Estado que era controlar a criminalidade com o tratamento penal mais severo. Por volta dos anos 90, a nação estava desestruturada com ocorrência de diversos crimes cruéis, sensacionalizados pelos telejornais. Conseqüentemente, nasce um clamor popular, na época ficou conhecido como ‘Movimento Social da Lei e da Ordem’. Foram várias turbulências que exigiam rápidas medidas do governo para o controle da criminalidade, mas infelizmente, o Estado ainda não estava preparado, era imaturo, advindo de uma recente Ditadura Militar e com legisladores afoitos querendo resolver os problemas com criações de leis, a resposta não poderia ser outra, uma legislação severa para uma pseudo-solução a satisfazer a sociedade. No decorrer deste trabalho, poder-se-á concluir, respaldado por julgados, dados estatísticos e pareceres doutrinários, a incapacidade da legislação penal de controlar a criminalidade apenas com severas punições.

Palavras-chave:Crimes Hediondos. Controle Social Penal. Severas Punições.

ABSTRACT:

The theme "The regulation of heinous crimes such as criminal social control" carries with it a range of difficulties in applying a law which contains more stringent penal treatments aiming to solve the crime problems of the country. Several difficulties have arisen since the creation of this law, since the partial unconstitutionality of this law, disregard of the principle of human dignity, the principle of proportionality of punishment by the failure of the state's ultimate goal was to control crime with the criminal treatment more severe. By the year 1990, the nation was dysfunctional with the occurrence of many cruel crimes, sensationalized by the news. Consequently, a popular outcry comes at the time was known as 'Social Movement to Law and Order'. Several turbulence that required quick action from the government to control crime, but unfortunately, the State was not ready, was immature, coming from a recent military dictatorship and daring lawmakers wanting to solve problems with creation of laws, not the answer could be another, a severe law for a pseudo-solution to satisfy society. In this work, it may be concluded, is backed by trial, statistics and doctrinal opinions, the inability of the criminal law to control crime with severe punishment only.

Keywords: Heinous Crimes. Criminal Social Control. Severe Punishments.


1 INTRODUÇÃO

No Brasil pós-guerras, com a adesão internacional às leis dos Direitos Humanos e a atual Constituição de 1988, tende-se a ver o homem como um ser totalmente racional, pacífico e recuperável. Porém, nas últimas décadas, enlaçado por problemas sociais, pelos elevados índices de desempregos, com altas inflações, globalização e pelo abandono social, o país passa por momentos de desamparo e, como conseqüência, elevação nas taxas de criminalidade, as quais tomam conta do cotidiano brasileiro. Ocorreram momentos marcados por crimes cruéis, a população em desespero começa a clamar por justiça e punições mais graves aos criminosos. Existiram movimentos populares pedindo reforma na legislação, apoiados pelos telejornais enfatizantes aos crimes praticados com requintes de crueldade; o Brasil sentia-se desprotegido, a mercê do crime organizado.

Sem demora, o legislador utiliza-se do poder constitucional e elabora uma severa legislação: a dos Crimes Hediondos, a qual tem como finalidade, punir duramente os delitos elencados nesta nova lei. O objetivo era reprimir tais condutas criminosas, com penas severas, as quais deveriam servir de exemplo para os demais e manter os criminosos por mais tempo encarcerados, dificultando o regime progressivo da pena.

Este trabalho tem como finalidade concluir quais os resultados da criação de uma lei especial para tratar dos crimes hediondos. Será que é possível solucionar problemas da criminalidade com criação de leis que contenham tratamento penal mais severo?


2 ANTECEDENTES A CRIAÇÃO DA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS

A Constituição Federal de 1.988 é feita para uma construção de uma sociedade livre, justa e solidária; para garantia do desenvolvimento nacional; pela erradicação da pobreza e da marginalização; pela redução das desigualdades sociais e regionais; pela promoção do bem comum; pelo combate ao preconceito de raça, cor, origem, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação; pelo pluralismo político e liberdade de expressão de idéias; pelo resgate da cidadania, pela afirmação do povo como fonte única do poder e pelo respeito inarredável da dignidade humana, um verdadeiro ‘Estado Democrático de Direito’ (CAPEZ, 2003, p. 09).

Porém, muito embora a Constituição Federal de 1988, como carta suprema, traga tão belos tratamentos aos cidadãos, em muitos tópicos, para que se complete e tenha eficácia plena, há necessidade de leis complementares ou mesmo leis ordinárias.

Nada obstante, o Brasil tinha naquele momento histórico, uma crescente onda de violência, altos índices de criminalidade, aproveitados por uma justiça morosa, legislação liberal e certeza de impunidade. Um assustador número de seqüestros, roubos, estupros homicídios, extorsões mediante seqüestro e outros crimes, vinham intranqüilizando a nossa população e criando um clima de pânico geral. A exemplo o caso do empresário Abílio Diniz que, em dezembro de 1989, foi seqüestrado pelo grupo terrorista de esquerda Movimiento de Izquierda Revolucionaria Chilena e passou seis dias em cativeiro em São Paulo, bem próximo às eleições presidenciais de 1989 (http://pt.wikipedia.org/wiki/Abilio_diniz).

O país, descomprometido com a origem do problema, queria respostas à curto prazo, queria vingança, castigo, especialmente o aprisionamento, na ingênua ilusão que, dessa forma, se possa refrear a ascensão da criminalidade. Eram necessárias medidas urgentes a serem tomadas pelo legislativo a fim de trazer segurança à sociedade e controle da criminalidade, e nada obstante, dar também uma resposta aos criminosos. Neste ponto de vista, o Estado deveria trabalhar: [...] tutelando os bens jurídicos mais importantes dos cidadãos, para tanto reforçando o jus puniendi do Estado e munindo a autoridade de instrumentos hábeis à contenção da criminalidade violenta (FRANCO, 2007, p. 92)

Surgira O Movimento da Lei e da Ordem, com o qual seria possível uma atuação estatal mais repressiva. O mecanismo punitivo é acionado seja para promover valores ético-sociais, seja para transmitir aos cidadãos uma ilusória sensação de segurança ou para atender propósitos políticos, para o qual o crime se torna um espetáculo rentável (CAPEZ, 2003, p. 06).

A Constituição Federal de 1988 dispõe no seu artigo 5º, XLIII:

a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem. (CF/88).

Logo, com ‘O movimento da Lei e da ordem’, com clamor social, pelo artigo 5º, inciso XLIII, o projeto de lei foi em menos de um ano, encaminhado para sancionamento do Presidente:

[...] o Ministro da Justiça encaminhava ao Presidente da República projeto de lei, elaborado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, dispondo sobre crimes hediondos. As razões, que acompanhavam o projeto de lei e que tinham sido elaboradas pelo Prof. Damásio Evangelista de Jesus, puseram em destaque, induvidosamente, a preocupação de viabilizar "a guerra contra o crime" (FRANCO, 2007, p. 91).

Desta forma, coube ao legislador ordinário classificar e definir quais os crimes seriam tratados como hediondos. Prevaleceu o sistema legal, o que não poderia ser diferente, ao contrário confrontaria com a Constituição Federal, artigo 5º, inciso XXXIX que estatui: "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal".

Pode-se concluir que não poderia ficar ao entendimento do julgador (sistema judicial) quais crimes seriam tratados como hediondo, também o "sistema misto" não seria adequado, pois este traria um rol exemplificativo na lei, podendo o juiz reconhecer hipóteses não constantes na relação, com certeza isso traria uma insegurança jurídica. (CAPEZ, 2008, p. 172).

Neste sentido, concorda o ilustre Dr. Franco ao entender que a lei deve definir quais crimes são passíveis de serem tratados como hediondos:

[...] não é hediondo o delito que se mostre repugnante, asqueroso, sórdido, depravado, abjeto horroroso, horrível por sua gravidade objetiva, ou por seu modo ou meio de execução, ou pela finalidade que presidiu ou iluminou a ação criminosa, ou pela adoção de qualquer outro critério válido, mas sim, aquele crime que por um verdadeiro processo de colagem foi rotulado como tal pelo legislador (FRANCO, 1994, p. 45.)

O rol taxativo também é considerado elogiável a opção do legislador pelo Min. Assis Toledo: "o conceito de hediondez (fato repugnante, torpe, medonho, horrendo, repulsivo) ofereceria margem para debates intermináveis, sem previsão de uma solução satisfatória, a curto ou médio prazo" (TOLEDO, 1991, p. 205).

Paradoxalmente, o sistema legal, por sua rigidez, não deixou campo para avaliação discricionária da conduta do caso concreto, quase nenhuma margem interpretativa para o julgador.

Pois bem, diante da enumeração taxativa, ficaram excluídos outros delitos que mesmo revestidos de crueldade ou repugnância, não poderiam ser enquadrados ao crime hediondo, ainda que, aos olhos da sociedade ou do julgador; ou seja, nada se poderia fazer ao atual fato, a não ser tratá-lo a outras legislações federais, a exemplo do crime de homicídio qualificado, o qual na época da criação da lei não era considerado hediondo, porém mais tarde foi reparado e incluído no rol.


3.LEI DOS CRIMES HEDIONDOS: Nº 8.072 DE 25 DE JULHO DE 1990 – (com as posteriores alterações).

A lei dos Crimes Hediondos trouxe uma relação dos delitos e o tratamento penal a ser aplicado a tais crimes. Sancionada pelo Presidente Fernando Collor, entrou em vigor no dia de sua publicação: ‘Art. 12. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, Art. 13. Revogam-se as disposições em contrário. Brasília, 25 de julho de 1990; 169º da Independência e 102º da República. Atualmente, nela se encontram os seguintes delitos:

I. Homicídio simples em atividade de grupo de extermínio;

II. Homicídio Qualificado;

III. Latrocínio;

IV. Extorsão qualificada pela morte;

V. Extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada;

VI. Estupro;

VII. Estupro de vulnerável;

VIII. Epidemia com resultado de morte;

IX. Adulteração de produtos terapêuticos e produtos medicinais;

X. Genocídio.

3.1.Crimes Equiparados

Incluso a lei está o artigo 5º, inciso XLIII da CF, a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e também o crime de terrorismo, os quais terão os mesmos tratamentos penais que os crimes considerados hediondos, por serem crimes de grande potencial ofensivo a sociedade.


4 ADULTERAÇÃO DE PRODUTOS TERAPÊUTICOS E PRODUTOS MEDICINAIS

De tantas outras falhas encontradas no decorrer da aplicação da lei, vale ressaltar um grande problema de aplicação ainda corrente, o crime de adulteração de produtos terapêuticos e produtos medicinais.

No ano de 1998, diversos escândalos com adulteração de medicamentos e alimentos serviram para novas alterações na lei dos crimes hediondos.

Justificativa do Projeto de lei da Câmara:

[...] Matérias jornalísticas veiculadas recentemente nos meios de comunicação dão conta de que prática da corrupção, falsificação, adulteração ou alteração de alimentos que os torna nocivos à saúde cresce em nosso País, tendo atingido ultimamente até o leite, que constitui um dos principais alimentos consumidos diariamente por nossas crianças. Trata-se de um crime monstruoso e hediondo que deve merecer um tratamento legal severo a fim de se desestimular a sua prática. Nesse sentido, busca-se, com a modificação ora proposta da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, incluir no rol dos crimes hediondos o delito tentado ou consumado de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substância ou produtos alimentícios destinados a consumo humano (art. 272, caput, § 1o e § 1o-A, do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal com a redação dada pela Lei no 9.677, de 2 de julho de 1998) quando a sua prática os tornar nocivos à saúde (http://www.camara.gov.br/sileg/integras/528634.pdf.) .

Quanto aos medicamentos, o Microvlar de farinha foi um deles. Várias mulheres teriam engravidado pelo uso do medicamento adulterado. A Schering atendeu 189 mulheres que alegam ter engravidado tomando Microvlar.

A empresa, que é alemã, ainda enfrenta problemas com outros de seus medicamentos, o Andracur, usado no tratamento de câncer também estava na lista dos medicamentos investigados. "A polícia do Rio de Janeiro apreendeu 187 frascos do antidepressivo Citalopran saídos de São Paulo num ônibus. O laboratório disse que os remédios seriam incinerados e responsabilizou a transportadora TNK Express pelo frete irregular."

(http://epoca.globo.com/edic/19980713/brasil6.htm).

Com nova alteração advinda desta lei, críticas surgiram por alguns doutrinadores a um determinado ponto dela. Pois incluíra na íntegra o crime de: Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais.

Assim, o artigo 273 do Código Penal estatui:

Art. 273 - Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais.Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa. 1º - Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado.

§ 1º-A - Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico. § 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições: I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente; II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização; IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade; V - de procedência ignorada; VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente [...] (http://www.planalto. gov.br/CCIVIL/ Decreto-Lei/Del2848 compilado.htm).

As críticas de alguns doutrinadores foram quanto à severidade da aplicação de todo o artigo, como explana Celso Delmanto e outros: ‘de forma absurda, este § 1º inclui entre os produtos objeto deste artigo, punidos com severíssimas penas, os cosméticos (destinados ao embelezamento) e os saneantes (destinados à higienização e à desinfecção ambiental), ferindo, assim, o princípio da proporcionalidade (...)’ (CAPEZ, 2008, p. 185).

Nada obstante, a jurisprudência já vinha dando alertas quanto à constitucionalidade de tal dispositivo, a exemplo de uma decisão monocrática no Estado do Paraná, a qual diz que fere o princípio da proporcionalidade das penas, portanto inconstitucional. (Juízo de Direito da Vara Criminal da Comarca de Pato Branco – Paraná - AUTOS Nº 216/2004.).

( http://www.tj.pr.gov.br/download/cedoc/ATT00055.PDF).

Também se manifestou a respeito o Tribunal Federal da 4ª Região, que mesmo não declarando a inconstitucionalidade, substitui a pena do art. 273 pela do crime de tráfico de drogas, por entender também que fere o princípio da proporcionalidade. (Apelação Criminal nº 2001.72.00.003683-2/SC. Relator: Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz. Órgão Julgador. 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Porto Alegre-RS, 09/02/2005).

(www.trf4.jus.br/trf4/institucional/institucional.php?no=192)


5 RESULTADOS ESTATÍSTICOS APÓS A LEI DOS CRIMES HEDIONDOS

Com a globalização, o Estado tem se afastado dos serviços assistenciais e se preocupado mais com a concorrência em atrair as transnacionais, com fim de obter o crescimento econômico; política que vai ao encontro dos interesses dos afortunados.

A falência do Estado assistencial, originada justamente pelo processo de descentralização, a eficácia, tomada como símbolo político, deixa de ser medida pelas construções, pelo saneamento, pela prestação de serviços públicos, dentre os quais o de segurança, e passa a substituir-se por meios próprios desse novo modelo, de um lado pelo crescimento extremamente acentuado e desordenado da legislação, de outro, pela alteração da estrutura de seus enunciados.

Assim, se há enorme e preocupante aumento de criminalidade em tal região, a medida não será o uso de meios materiais para solucionar as causas mais próximas dessa explosão, como seria racional, mas a elaboração de uma lei, propondo o aumento da pena de delitos que ali mais se cometem, ou a incriminação de outras condutas, das quais se imagina que poderiam também ali se originar.

A Lei 8.072/90 concretizou uma tendência, já detectada no decorrer dos anos 80, no sentido da adoção de uma política repressiva do Estado com objetivo de demonstrar sua capacidade de governar, através de seu poder de punir. Por meios de respostas penais cada vez mais severas, de fixação de rígidos regimes prisionais e do alargamento dos poderes de polícia, o Estado procurou demonstrar publicamente que dispunha de um poder idôneo a reafirmar a força da lei. Mas essa exibição de força punitiva não passa, na realidade, de uma confissão de sua incapacidade de controlar o crime em níveis toleráveis e de seu fracasso no sentido de dar segurança a população, dá-se a ilusão de que se está fazendo alguma coisa, aqui e agora, rápida e bem feita.

5.1 Registros de crimes no Município de São Paulo

Para uma melhor análise dos resultados, busca-se amparo em estatísticas. Os dados verificados adiante se baseiam, a princípio, na região do Município de São Paulo:

Quadro 1: Estatísticas Criminais no Município de São Paulo – (crimes hediondos)

Continuação...1994/2002

Fontes dos dados: SEADE e SSP/SP

Ministério da Saúde – DATASUS – ‘Tecnologia da Informação a Serviço do SUS’

São Paulo, Capital, em 1990, população de 9.532.859

 

Ministério da Saúde – DATASUS – ‘Tecnologia da Informação a Serviço do SUS’

São Paulo, Capital, em 2002, população de 10.600.059

 

Quadro 2: População do Município de São Paulo Fonte:

http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?ibge/cnv/popsp.def

Comparando proporcionalmente, o crescimento populacional na cidade de São Paulo foi de 11,11% no período de 1990 a 2002, enquanto neste mesmo espaço temporal os crimes de seqüestro cresceram 26,48%, homicídio 40,41%, tráfico 355% e atentado violento ao pudor 58,34%. A criminalidade aumentou bem mais do que o crescimento populacional.

Numa visão mais detalhada, ao observar as estatísticas criminais no Município de São Paulo, tem-se no ano 1984 até a criação da lei dos crimes hediondos (1990) um crescente número de todos os crimes ali mencionados, alguns com leves alterações.

Em seguida, após a lei 8.072/90, há um breve declínio nos crimes de estupro baixando a partir do ano de 1990 com 1.174 para 968 estupros no ano de 1996, seguido de elevações até 2002, registrando-se 1.219 casos.

Gráfico 1:

Evolução percentual do Município de São Paulo de 1990 à 2002:

- População: 11,11 %

- Sequestro: 26,48 %

- Homicídio: 40,41%

- Atentado Violento ao Pudor: 58,34 %

- Tráfico de Drogas: 355%

Vale ressaltar que a avaliação foi realizada em estatísticas registradas. No caso do estupro, há grande número de crimes não registrados, pois se trata de um crime que traz vergonha ou medo à vítima, a qual muitas vezes prefere ficar no anonimato.

Quanto aos outros crimes, todos tiveram crescimento nos registros, sendo que, somente o latrocínio teve queda passando de 323 em 1990 para 196 em 2002. O tráfico de drogas, atentado violento ao pudor e o roubo cresceram assustadoramente, com índices elevadíssimos. Isso prova que a severidade das penas estatuídas pela lei dos crimes hediondos em nada modificou a atuação dos criminosos.

5.2 Despesas com presos em âmbito nacional

Para maiores informações, registram-se no quadro abaixo as despesas com presos. No período de 1995 a 2007 os gastos aumentaram em 426,98%. Ou seja, mais gastos, contudo ainda com resultados negativos no controle criminal.

Quadro 1:

Fonte: Ministério da Justiça

5.3 Encarcerados no Brasil

Quanto à taxa de encarceramento, houve um aumento e vem crescendo de forma sistemática, sem que os estabelecimentos prisionais tenham condições de absorvê-la. Observa-se nas seguintes análises:

POPULAÇÃO CARCERÁRIA NACIONAL

Em 2000

População Carcerária Total (No Sistema Prisional e na Polícia) Homens Mulheres

232.755

POPULAÇÃO CARCERÁRIA NACIONAL

Em 2007

Total de Presos Sistema Penitenciário Estadual e Polícia

422.373

Penitenciária Federal de Catanduvas -PR

109

Penitenciária Federal de Campo Grande- CG

108

Total de Presos Estadual Federal e Polícia

422.590

Quadro 1:

Fontes: Órgãos estaduais responsáveis pelo sistema prisional nos estados. -

Ministério da Justiça.

Do ano 2000 a 2007, observa-se um aumento de 81,56% na taxa prisional no território nacional. Enquanto o crescimento populacional brasileiro ficou em 8,35%, conforme pesquisa abaixo:

População nacional recenseada em 2000 - 169.799.170 *

População nacional recenseada em 2007 - 183.987.291 **

Quadro 2:

Fontes:*http://www.ibge.gov.br/ibgeteen/pesquisas/demograficas.html **http://oglobo.globo.com/pais/mat/2007/12/21/327716442.asp-

5.4 Reincidências

Conforme notícia veiculada em 02 de fevereiro de 2008 no jornal ‘O Estado’, o último Censo Prisional revela que 58% dos presos do Estado de São Paulo colocados em liberdade voltam a delinqüir, ou seja, dos 6.700 homens e mulheres que mensalmente deixam uma das 144 unidades prisionais do Estado de São Paulo, 3.900 voltam a cometer algum tipo de delito e retornam à cadeia para cumprir mais uma pena aplicada pela Justiça. Quando se trata da média nacional esta percentagem sobe para 70%.

Mesmos os presos que recebem liberdade condicional por bom comportamento voltam a delinqüir. Isso ocorre devido aos preconceitos que a sociedade tem ao recebê-los para o mercado de trabalho, também pela falta de qualificação profissional deles.

Percebe-se que os investimentos na qualificação dos presos ainda é muito pequena. Mesmo que haja vontade por parte dos encarcerados, o governo alega que não tem verbas disponíveis para erguer novas prisões e construir fábricas-escola. Segundo a publicação do jornal ‘A construção de um presídio custa, em média, R$ 25 mil por vaga. E a manutenção de cada preso custa, em média, R$ 1.000,00 por mês aos cofres públicos’.

Gráfico 2:

Crescimento percentual Nacional do ano 2000 à 2007:

- Encarcerados: 81,56 %

- População: 8,35 %

- Criminosos Reincidentes: 70 %

- Despesas com presos: 72,09 %

As superlotações também são outro problema que agrava a recuperação. Afinal, o que se observa em reportagens nos telejornais são um ‘amontoado humano’ nas cadeias públicas, pois não há mais vagas para colocar os novos presos. Revela o jornal "O Estado":

[...] Dispondo de 242 mil vagas, o sistema prisional acolhe mais de 401 mil presos. Para efeitos comparativos, em 1995 havia 148.700 presos para 68.500 vagas - um déficit de 80.200 vagas. Nos últimos 12 anos, o déficit quase dobrou, tendo chegado a quase 160 mil, entre 2006 e 2007.

O preocupante aumento dos índices de reincidência criminal, como se vê, é a conseqüência inevitável de um sistema prisional que entrou em colapso e de uma legislação penal dissociada da realidade socioeconômica. (www.estado.com.br/editoriais.).


6 CONCLUSÃO

O Brasil enfrentava nos meados dos anos 90 um significativo aumento da criminalidade. Consequentemente uma população assustada, insuflada pelo sensacionalismo dos telejornais, o povo vem clamar por justiça. Então, sem demora, com o oportunismo político, surgem os demagogos, ‘grandes homens do governo’ que criam às pressas a lei dos crimes hediondos, queriam mostrar o poder policial/repressivo do Estado por meio de severidades e aumento das penas, uma lei que deveria punir duramente os criminosos e assustar os demais. Infelizmente a única resposta dada ao clamor social fora o fracasso.

A lei dos Crimes Hediondos veio somente satisfazer os interesses dos meios de comunicações que traziam à tona os crimes bárbaros e ficavam por dias falando sobre eles, apenas se preocupando com as audiências em horários nobres, e por traz de tudo isso, a população cega, incapaz de enxergar a verdade, que era uma realidade advinda de uma sociedade desesperançada, falida, fracassada pelo abandono do Estado, formada em sua maioria por pessoas humildes, de baixa escolaridade, desempregados, que só conhecem uma vida de ‘panelas vazias’, vivendo à beira da sociedade.

Os dados estatísticos revelam que tal diploma legal não passou de apenas um conjunto de artigos de valores puramente simbólicos. Há determinados delitos como o homicídio doloso e o tráfico ilícitos de entorpecentes que continuam em ascensão, não produzindo nenhum efeito desestimulador, como também em todo rol dos crimes hediondos, os quais continuam crescendo numa proporção assustadora.

Os jornais televisionados continuam dramatizando a violência e a criminalidade, pouco se importando com os resultados da aplicação da lei Crimes Hediondos, ou melhor, nada sabem sobre controle criminal.

Nada obstante, como um golpe em si mesmo, o que se pode visualizar cotidianamente nos noticiários são as superlotações nos presídios e penitenciárias, com elevadíssimas taxas de encarcerados, sufocados em cubículos o que em nada ajuda para recuperação desses presos. Tais leis, com severas penas, estão servindo apenas para diminuir a rotatividade na ressocialização deles, sem dizer quanto ao desrespeito da dignidade da pessoa humana e elevados gastos aos cofres públicos. As altas taxas de reincidências comprovam que endurecer as penas não está funcionando, acabam enchendo as prisões e mascaram uma falsa sensação de dever cumprido.

Poder-se-ia ainda mencionar a sensação de impunidade em que vive a população brasileira quanto aos crimes do ‘colarinho branco’ e a corrupção, que de pronto pode-se afirmar matam muito mais do que os homicídios isolados, pois tem como vítimas crianças que dependem da merenda escolar, idosos e mulheres, que precisam de atendimento médico, e são esquecidos pelos desvios de verbas públicas.

Na verdade, o que se conclui é que não haverá Lei Penal suficiente para barrar a criminalidade. Faltam investimentos nas polícias, melhoria em seus equipamentos, um policiamento mais ostensivo e preventivo, uma corregedoria forte para acabar com os policiais corruptos, isto num plano de segurança pública. Quanto a nível de políticas públicas sociais, uma melhor distribuição de rendas, educação, emprego, equilíbrio nos impostos para beneficiar as classes mais pobres, combate à fome, orientação ao controle de natalidade e fazer valer todos os direitos elencados constitucionalmente. O ser humano precisa de esperança.


REFERÊNCIAS

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______.______. parte especial, 7ª ed vol, 2, São Paulo: Saraiva, 2007.

______.______. parte especial, 5ª ed rev. e atual, vol 3, São Paulo: Saraiva, 2007.

______.______. legislação penal especial, 3ª ed, vol 4, São Paulo: Saraiva, 2008.

CAMARA disponível em

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, William Carlos de. A regulamentação dos crimes hediondos como controle social penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2965, 14 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19754. Acesso em: 19 abr. 2024.