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Benefícios por incapacidade: a evolução do trato judicial na PFE-INSS

Benefícios por incapacidade: a evolução do trato judicial na PFE-INSS

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As perícias conciliatórias, iniciadas no Rio de Janeiro, vêm apresentando resultados fantásticos e ganharam visibilidade nacional, com iniciativas adaptadas às necessidades locais surgindo em várias cidades.

RESUMO:

Trata-se de artigo sobre a forma de atuação da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS, em conjunto com a Autarquia Previdenciária, no que tange às demandas judiciais sobre benefícios por incapacidade.

Palavras-chave: Benefícios por incapacidade. Demanda judicial. Perícia judicial. Conciliação.  


INTRODUÇÃO

A Autarquia Previdenciária é instada a se defender em inúmeras ações judiciais por todo o país semanalmente. Os temas envolvem todos os benefícios previdenciários concedidos e administrados pelo INSS, são pessoas insatisfeitas que buscam no Judiciário a concessão de seu pleito. A maior concentração de demandas, no entanto, é de aposentaria por idade rural e de benefícios por incapacidade, temporária ou definitiva.

A quantidade de pedidos de aposentadoria por idade rural é perfeitamente compreensível se considerada a realidade fundiária do Brasil. Trata-se de país com grande extensão de terras produtivas e, por outro lado, o benefício em questão só tem requisitos fático-probatórios, sem necessidade de contribuições mensais. Essas demandas, dessa forma, atingem enormes proporções nas cidades do interior do país.

Já nas capitais, o público do INSS concentra-se na área urbana e os pedidos judiciais têm outro caráter. Envolvem principalmente reconhecimento de tempo trabalhado em condições especiais para a saúde, com diminuição da sobrevida do trabalhador, e, em maior quantidade, os benefícios por incapacidade.

Este breve estudo pretende versar sobre a forma como são tratadas as demandas previdenciárias sobre benefícios por incapacidade nas Procuradorias Federais Especializadas junto ao INSS, com foco principal nas práticas adotadas pela PFE-INSS do Rio de Janeiro nos últimos cinco anos.


CONTEXTO JUDICIAL

Cerca de 70% das citações recebidas pela PFE-INSS nas capitais do Brasil versam sobre benefícios por incapacidade, conceito em que estão incluídos o auxílio-doença, o auxílio-acidente, a aposentadoria por invalidez e o benefício assistencial por deficiência. Em uma realidade como a do Rio de Janeiro, isso representa algo em torno de 325 novos processos semanais sobre o tema.

Há algumas explicações para essa concentração e volume de ações por incapacidade nas capitais: o ritmo das grandes cidades com consequente desgaste para a saúde dos trabalhadores, o maior nível de informação da população urbana, o subjetivismo das decisões médicas, o histórico protecionista do Judiciário e o desemprego, entre outras. Não é o objetivo deste trabalho desenvolver a questão, talvez em uma próxima oportunidade.

 Os processos são, em regra, ajuizados perante os Juizados Especiais Federais, tendo em vista que indivíduos incapazes não geram renda e têm urgência em receber o provimento jurisdicional para o próprio sustento e da família, o que significa ajuizamento rápido e causas de pequeno valor de atrasados.

O procedimento jurisdicional nos Juizados Especiais Federais é peculiar e único, seja em decorrência do neoliberalismo processual, que exige produção e celeridade a qualquer custo, seja em razão do protagonismo judicial do magistrado, que desvaloriza a discussão endoprocessual e privilegia as alegações do autor.

Tratando de benefício por incapacidade, o procedimento necessariamente gira em torno de uma perícia judicial. A perícia tem algumas finalidades: atestar a existência e o grau da incapacidade e indicar sua data de início e provável duração.

A existência da incapacidade é pressuposto para todos os benefícios baseados na saúde do trabalhador, mas os demais aspectos – grau, duração e data de início – influenciam diretamente na espécie do benefício e nos aspectos formais exigidos pela lei – qualidade de segurado e carência.

A incapacidade pode ser parcial ou total, temporária ou permanente. A incapacidade parcial pode gerar direito a auxílio-doença, quando temporária, ou auxílio-acidente, quando permanente. A incapacidade total, por sua vez, se temporária, pode gerar direito a auxílio-doença e, se permanente, pode ser causa de aposentadoria por invalidez ou benefício assistencial.

Ainda, a data de início da incapacidade é o ponto crucial para, na análise das contribuições previdenciárias vertidas em nome do autor, verificar o cumprimento dos requisitos formais da qualidade de segurado e carência.

O procedimento padrão nos Juizados Especiais Federais não inclui prova pericial prévia à citação, isso porque os Tribunais impõem prazo de trinta dias do ajuizamento para a citação do réu, o que inviabiliza a realização do ato pericial e a juntada do respectivo laudo. As contestações da Autarquia Previdenciária, por conseguinte, acabam sendo genéricas, apenas para o fornecimento dos dados constantes nos sistemas do INSS. Não há como analisar os requisitos de concessão do benefício sem a produção da prova pericial, como já mencionado.

Nesse contexto, a discussão, a possibilidade de acordo e a formação da convicção fundamentada do magistrado ocorrem após a juntada do laudo médico pericial do perito do juízo.


PERITOS JUDICIAIS E PERÍCIA PREVIDENCIÁRIA

A escolha dos peritos judiciais pelos magistrados tem realidades diversas entre os grandes centros e o interior do país. Nos grandes centros, os magistrados têm maior gama de possibilidades na nomeação de um especialista, ao revés do que ocorre nas cidades do interior.

Nas grandes cidades o maior obstáculo é a remuneração dos peritos. Os honorários periciais fixados pela Justiça Federal são baixos em relação ao que cobra um médico de renome por uma consulta e demoram muitos meses para serem pagos. Além disso, a perícia judicial implica maior trabalho para o médico, pois a tarefa inclui a elaboração de laudo, resposta aos quesitos e, eventualmente, novas participações no processo. Em função de tudo isso, a escolha dos peritos nas grandes cidades acaba por incidir sobre médicos recém formados ou aleatoriamente escolhidos em guias de planos de saúde.

No interior do país, por sua vez, o maior obstáculo é a falta de opção e de especialistas. O magistrado acaba sendo obrigado a submeter sua pauta de perícias à disponibilidade da agenda do médico e às suas exigências de local e quantidade. Isso quando há a aceitação do médico em participar. No interior é mais complicado tentar qualquer tipo de organização ou projeto que envolva perícias judiciais em razão da relação de dependência que se cria para com os poucos médicos disponíveis na localidade.

Soma-se ao problema da escolha a questão da especialização pericial. A perícia previdenciária tem características muito diferentes das atividades de consultório. O médico que atende um paciente no consultório tem por objetivo o diagnóstico e o tratamento de moléstias. Para isso, sua atividade se baseia no pressuposto de que tudo o que está sendo relatado pela parte é verdadeiro. O perito previdenciário, ao contrário, baseia-se em evidências e no conceito de capacidade laborativa, e não na existência da doença.

Diante do quadro existente para a escolha dos peritos judiciais, é evidente que exigir especialização em perícia previdenciária seria uma verdadeira utopia. No entanto, as realidades práticas precisam ser superadas e a qualidade dos atos periciais precisa evoluir para a melhor defesa do interesse público primário.


ASSISTÊNCIA TÉCNICA

MÉDICOS PERITOS EM ATIVIDADE JUDICIAL

O quadro de servidores atuantes no apoio da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS é formado por servidores da própria Autarquia. A PFE-INSS é órgão do INSS, previsto em seu regimento interno. Embora exista o projeto em prática de unificação da defesa judicial exercida pelas Procuradorias Federais Especializadas em Procuradorias sob a égide da Procuradoria-Geral Federal, com estrutura garantida pela Advocacia-Geral da União, a previsão normativa é para que o quadro de apoio seja cedido à AGU.

O fato é que enquanto a defesa judicial do INSS estiver sob o comando da Procuradoria Federal Especializada seu apoio é formado por servidores da Autarquia, assim como toda a estrutura física e material para funcionamento. O apoio da PFE inclui os médicos peritos em funções judiciais.

O quadro de servidores do INSS está muito defasado em relação à necessidade. A Autarquia está crescendo, abrangendo maior número de cidades, sem que com isso haja o correspondente aumento de servidores, administrativos e médicos.

Além disso, a Autarquia, como todos os demais organismos da Administração Pública, precisa de números, produtividade que justifique o orçamento, os servidores e suas necessidades em geral. O apoio à PFE não gera números produtivos para esse fim, pois não entra nos quesitos estatísticos analisados pela Autarquia.

A falta de visibilidade, a carência de médicos peritos para trabalho direto com a população nas Agências da Previdência Social e a falta de previsão regimental dificultam muito a lotação de médicos nas Procuradorias e consequentemente o desempenho da assistência técnica nos processos judiciais de benefícios por incapacidade.

Dessa forma, a defesa da Autarquia nos processos de benefício por incapacidade está a exigir cada vez mais dedicação e tempo das chefias das Procuradorias, pois, para tentar superar os obstáculos trazidos pela necessidade de produtividade nas Agências e pela falta generalizada e médicos peritos disponíveis, é necessário demonstrar em números a importância e o resultado trazidos pela presença do corpo técnico no trabalho judicial.


PROJETOS E EXPERIÊNCIAS

Tendo em vista todo esse contexto, em 2008, a PFE-INSS no Rio de Janeiro iniciou, com a participação de dois médicos peritos, o projeto denominado perícia prévia. Adotado por alguns dos Juizados Especiais Federais Previdenciários, consistia em proceder, antes da citação, a uma nova perícia com um médico perito do INSS.

Quando o perito concluía pela incapacidade, ao ser citada, a Procuradoria analisava os aspectos formais da qualidade de segurado e carência e tinha o laudo como base para a propositura de acordo judicial. Por sua vez, quando o perito concluía pela ausência de incapacidade, o processo seguia como se a perícia não houvesse existido, com contestação, perícia judicial e sentença.

O projeto não se mostrou benéfico. Na realidade consistia em proporcionar nova chance para rever um indeferimento administrativo que, na maior parte das vezes, tinha sido baseado em várias perícias administrativas, realizadas por médicos diferentes nas dependências das Agências da Previdência. Verificou-se que, em média, o segurado que ajuíza demanda judicial se submeteu a nove perícias administrativas diferentes antes de provocar o Judiciário.

Além disso, o projeto acabou por demonstrar que, ainda que fossem reduzidas as demandas que chegavam à instrução probatória em razão dos acordos realizados, os médicos peritos poderiam ser mais bem aproveitados.

A assistência técnica é mais que um momento de perícia simultânea, é oportunidade de transmissão e compartilhamento de conhecimentos técnicos para com os peritos judiciais, cuja importância pode ser claramente demonstrada pela exposição já feita.

Em sequência ao projeto das perícias prévias, em 2009, a PFE-INSS no Rio de Janeiro conseguiu iniciar um novo projeto de mais amplo objetivo. Formou-se um Núcleo de Assistência Técnica e Pericial, inicialmente com dois médicos, e os objetivos passaram a abranger a melhoria da qualidade da perícia judicial, e não apenas acelerar e reduzir o número de processos judiciais.

Os médicos, chefiados pela Dra. Adriana Hilu, idealizaram, negociaram e realizaram, em conjunto com a Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS e o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, uma semana de debates e exposições técnicas especialmente voltadas para o treinamento dos peritos judiciais. Esse foi o início do reconhecimento e divulgação da importância dos aspectos técnicos que precisam estar presentes nas perícias previdenciárias.

Convidado pelo TRF-2ª Região, o NATP da PFE-INSS no Rio de Janeiro elaborou, em conjunto com os peritos judiciais, quesitação mínima para várias especialidades de incapacidade. Essa quesitação foi divulgada como orientação aos Juizados Especiais.

A equipe de médicos foi aos poucos ganhando credibilidade e força junto à própria Autarquia e, com um acréscimo no grupo, atualmente com cinco integrantes, passaram a investir nas assistências técnicas e no novo projeto de perícias conciliatórias.


PERÍCIAS CONCILIATÓRIAS

As perícias conciliatórias são perícias realizadas em conjunto entre o perito judicial e o médico perito do INSS, com a confecção de um laudo único, antes da citação do réu, nas dependências neutras da Justiça Federal. A conclusão pela incapacidade gera concessão imediata e administrativa do benefício, com pagamento de atrasados de forma administrativa nos moldes da concessão ocorrida na Agência da Previdência, e extinção do processo sem julgamento do mérito por perda de objeto.

Os argumentos contrários levantados quando da ideia do projeto foram: os honorários do perito judicial e do advogado do autor em razão da extinção do processo, os juros dos atrasados, o atraso na citação do réu, a possível intimidação do perito judicial em decorrência da presença do perito do INSS. Analisemos cada um deles.

A PFE-INSS entendeu que os benefícios trazidos pelo projeto seriam de tal maneira abrangentes que assumiu o ônus de pagar os honorários periciais dos peritos do juízos, também porque a perícia aconteceria no corpo do processo de todo modo.

No que tange aos honorários do advogado, é necessário salientar que não existe condenação do réu a pagar honorários sucumbenciais em primeira instância nos Juizados Especiais Federais, onde o projeto é operado. Além disso, a relação entre advogado e parte é contratual e extrajudicial, cabe aos contratantes definirem o montante e a forma de pagamento dos honorários advocatícios. Afinal, é preciso entender que se o processo fosse extinto ou julgado improcedente, as partes teriam que convergir sobre a questão da mesma forma, portanto, não pode ser pressuposto do contrato que o advogado só receba através do desconto no RPV dos atrasados do autor.

Em relação aos juros dos atrasados que, em caso de concessão administrativa, não são pagos pelo INSS, houve uma ponderação de valores e interesses. Ninguém quer litigar, o litígio judicial é desgastante. O benefício de ter seu direito reconhecido administrativamente, podendo marcar novas perícias administrativas, prorrogar seu benefício e continuar a vida de pronto é bastante interessante para o autor. De toda forma, caso persista o interesse da parte pelos juros dos atrasados, basta que seu advogado peticione emendando a inicial e o processo seguirá apenas quanto a esta questão.

A postergação da citação do réu se mostra, diante de todo o contexto benéfico do projeto, mero dado estatístico fruto do neoliberalismo processual em que se encontra o Judiciário brasileiro. A busca pela celeridade processual não pode ser o norte da atuação judicial, nem mesmo nos Juizados Especiais. Dessa forma, ponderando os valores, o benefício trazido pela possibilidade de solução rápida e pacífica dos conflitos é muito maior que o malefício de ter uma estatística de tempo para a citação prejudicada.

Finalmente quanto ao argumento da intimidação do perito judicial pela presença do médico perito do INSS, os fatos trazidos pelo projeto em andamento falam por si.

O laudo único mantém a independência dos médicos, é preenchido pelo perito judicial na hora da perícia e preserva espaço para a manifestação sucinta do assistente técnico, também na mesma ocasião. Com cerca de um ano de funcionamento, as perícias conciliatórias registram uma concordância de cerca de 95% de suas conclusões, seja pela incapacidade ou pela capacidade.

Por sua vez, a qualidade dos laudos periciais realizados isoladamente pelos peritos judiciais aumentou consideravelmente, o que demonstra de forma clara que o trabalho conjunto, seja pela assistência técnica ou pela perícia conciliatória, colabora para o aperfeiçoamento técnico na área de perícia previdenciária.

Não parece pertinente a um perito judicial que atue com certeza e clareza em seu múnus público se intimide pela presença de outro colega de profissão. Além de direito do réu, a presença do assistente técnico zela pela correção e idoneidade do ato pericial.


CONCLUSÃO

As demandas de benefício por incapacidade, em razão da proporção que atingem, vêm recebendo especial atenção da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS. Os projetos foram se sucedendo e, no estágio atual, encontra-se em voga o projeto das perícias conciliatórias.

As perícias conciliatórias, iniciadas no Rio de Janeiro, vêm apresentando resultados fantásticos e ganharam visibilidade nacional, com iniciativas adaptadas às necessidades locais surgindo em várias cidades.

Nas dimensões atuais, não é possível ao quadro do Núcleo de Assistência Técnica Pericial da PFE-INSS no Rio de Janeiro implantar o projeto em todas as especialidades médicas – foram inicialmente abrangidas pelo projeto as especialidades mais comuns nas demandas judiciais: ortopedia e psiquiatria. Além disso, há Juizados que não permitiram o início do projeto em seus processos, locais em que o NATP atua através de assistência técnica simples, mas também não consegue acompanhar todas as perícias por falta de pessoal.

Pode-se concluir, portanto, que, antes de avançar, no atual estágio, o trabalho precisa se concentrar no aumento dos quadros médicos do INSS, seja para melhorar a velocidade do atendimento nas Agências, bastante reduzida nos últimos anos, seja para investir e melhorar sua defesa judicial. As ideias e boa vontade já existem e os projetos em andamento demonstram viabilidade de grande sucesso, falta apenas o instrumento humano.


BIBLIOGRAFIA

KAUSS, L. F. A redução de demandas previdenciárias. Revista IOB Trabalhista e Previdenciária, ano XXI, nº 247. Porto Alegre, 2010.

NUNES, D. J. C. Processo jurisdicional democrático – uma análise crítica das reformas processuais, 1ª edição. Curitiba: Juruá, 2008.


Autor

  • Lais Fraga Kauss

    Procuradora Federal, ocupa da Coordenação de Assuntos Estratégicos da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS. Graduada em Direito pela UFRJ, pós-graduada em Direito Público e Privado e em Direito Constitucional. Pós-graduanda em Direito Previdenciário e em Gestão Pública. Cursa ainda Máster em Dirección y Gestión de los Sistemas de Seguridad Social.

    Textos publicados pela autora


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KAUSS, Lais Fraga. Benefícios por incapacidade: a evolução do trato judicial na PFE-INSS. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3177, 13 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21276. Acesso em: 20 abr. 2024.