Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/21482
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

O princípio do contraditório no inquérito policial

O princípio do contraditório no inquérito policial

Publicado em . Elaborado em .

As provas periciais têm sido determinantes em julgamentos tanto para a condenação quanto para absolvição dos réus. Merece reflexão a possibilidade de participação da defesa na colheita da prova pericial já no inquérito policial.

RESUMO

A presente monografia se dedica a um estudo aprofundado acerca da aplicabilidade ou não do princípio do contraditório previsto no artigo 5º, LV, da Constituição Federal durante a fase pré-processual do inquérito policial. Aborda o conceito e principais características do inquérito policial observando quais direitos e garantias são estendidas ao investigado, para uma melhor compreensão sobre este procedimento que possui grande importância em nosso ordenamento jurídico.

Palavras-chave: Inquérito policial – princípio do contraditório – aplicação – garantias – investigado.

ABSTRACT

This monograph is devoted to a detailed study about the applicability or otherwise of the adversarial principle laid down in Article 5, LV Federal Constitution during the pre-process the police investigation. Discusses the concept and main features of the police investigation looking at what rights and guarantees are extended to the investigation for a better understanding about this procedure that has great importance in our legal system.

Key-boards: Police investigation - the adversarial principle - application - guarantees - investigated.

SUMÁRIO:INTRODUÇÃO  . CAPÍTULO 1: INQUÉRITO POLICIAL. 1.1 Histórico. 1.2 Conceito. 1.3 Características. 1.4 Natureza Jurídica. 1.5 Finalidade. CAPÍTULO 2: SISTEMAS PROCESSUAIS. 2.1 Sistema inquisitivo. 2.2 Sistema misto. 2.3 Sistema acusatório. CAPÍTULO 3: PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICADOS NO INQUÉRITO POLICIAL. 3.1 O Princípio da Ampla Defesa. 3.2 Aspectos do Princípio do Devido Processo Legal. 3.3 O Princípio do contraditório e sua aplicação no inquérito policial. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


INTRODUÇÃO

No instante em que é praticado um determinado crime nasce para o Estado o direito de punir o autor do fato, o exercício desta pretensão é possível por meio de um processo.

O inquérito policial embora não seja o único, é o meio mais utilizado para a busca de provas sobre a autoria e materialidade do delito, servindo este de base para a propositura da ação penal, objetivando a aplicação da sanção cabível ao agente que infringiu a norma penal.

A atuação da Polícia e o tema da segurança pública no Brasil são alvos de grandes debates devido à impotência das polícias brasileiras no combate ao crime organizado.

O inquérito policial apresentava como características ser um procedimento administrativo discricionário, escrito, sigiloso e inquisitivo, assim não estaria sujeito ao contraditório. Ocorre que, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, essa característica vem sendo questionada por grande parte da doutrina. Uma vez que a carta magna garante aos litigantes em processo administrativo o direito ao contraditório e a ampla defesa, e ainda meios de recursos necessários a exercer estes direitos.

A presente monografia se dispõe a analisar a incidência ou não do princípio constitucional do contraditório, assim como todos os meios de defesa que este princípio confere ao indivíduo durante as investigações realizadas no curso do inquérito policial, visando uma atuação mais eficiente da polícia e contribuindo para a melhoria do sistema do processual penal no Brasil.

O presente trabalho mostrará inicialmente toda a estrutura do inquérito policial apresentando seu conceito, características, natureza jurídica e finalidade. Será abordada toda a estrutura da fase pré-processual que possui grande relevância para o futuro processo judicial.

Num segundo momento serão estudados os sistemas processuais existentes, bem como suas características e origens históricas, destacando o modelo adotado pelo direito brasileiro.

No terceiro capítulo será estudado inicialmente o princípio constitucional do contraditório e seus direitos decorrentes como o direito de ampla defesa e devido processo legal, elementos fundamentais para a concretização dos preceitos do Estado Democrático de Direito que é o modelo adotado em nossa ordem constitucional vigente. Posteriormente será discutida a incidência ou não do direito ao contraditório na fase pré-processual mostrando posições doutrinárias favoráveis e contrárias a incidência de tal princípio, assim como a posição atual da jurisprudência sobre o tema e a atuação do advogado no curso do inquérito policial.

Para a realização deste trabalho utilizar-se-á o método de pesquisa bibliográfica bem como a observação das normas instituídas pela Constituição Federal e pelo Código Processual Penal, alem de doutrinas e textos referentes ao tema. Será utilizada também a legislação que dá suporte ao tema abordado, para que seja possível tecer comentário crítico e comparativo sobre o tema em discussão. Serão ainda utilizadas ferramentas tais como jurisprudência, sites, boletins, manuais etc.


CAPÍTULO 1: INQUÉRITO POLICIAL

O Estado através do Direito Penal tutela certos bens jurídicos, podemos destacar o direito de proteção à vida, ao patrimônio e à saúde pública, etc. Uma vez violados tais bens cabe ao Estado e não ao particular exercer o jus puniendi, pois a infração penal atinge toda a sociedade.

A aplicação da sanção penal correspondente à norma penal infringida somente é possível através de um processo judicial. Para buscar elementos necessários para dar início ao processo e a pretensão punitiva o Estado dispõe de órgãos que são encarregados da persecução penal.

A persecução penal consiste na investigação do fato que burlou a lei, realizando todas as diligências necessárias para a obtenção de provas sobre a materialidade e a autoria do crime, fornecendo os elementos probatórios para que o Ministério Público titular da ação penal possa oferecer a denúncia e o magistrado ao receber a respectiva peça processual de início ao processo penal propriamente dito.

O ciclo da persecução penal se completa com a soma dos trabalhos investigativos realizados pela Polícia Judiciária no curso do inquérito policial junto com a propositura da ação penal por parte do Ministério Público no caso de ação penal pública ou do ofendido no caso de ação penal privada.

Primeiramente, na fase da investigação de forma preliminar e informativa a Polícia Judiciária busca provas a respeito da infração penal para que no segundo momento o órgão do Ministério Público ofereça a ação penal.

O convencimento do encarregado da acusação e o claro esclarecimento do crime são os objetivos das atividades administrativas desenvolvidas pela Polícia Judiciária na fase pré-processual.

Apesar de não ser a única forma de o Ministério Público tomar conhecimento sobre a materialidade e os indícios de autoria da infração penal, o inquérito policial procedimento administrativo realizado pela Polícia Judiciária é o instrumento mais utilizado no processo penal a fim da obtenção elementos para o exercício da ação penal.

Atualmente, mesmo não sendo obrigatório para propositura da ação penal o inquérito policial serve de base para a maioria das denúncias oferecidas pelo Ministério Público. Assim, mesmo sendo dispensável, este procedimento possui grande importância em nosso ordenamento jurídico, pois, através das provas ali colhidas, que se terá um processo penal.

A polícia é o órgão estatal pertencente ao Poder Executivo designado para proteger e zelar pela segurança dos indivíduos. A atividade da polícia no Brasil se divide em duas modalidades: administrativa e judiciária. A primeira objetiva ações preventivas com a finalidade de evitar a prática dos delitos, no ordenamento brasileira esta atividade é desenvolvida pelas Polícias Militares, conforme dispõe o art. 144, § 5º da CF. A segunda objetiva ações de caráter repressivo, uma vez praticado o delito a polícia desenvolve atividades investigativas que objetivam a responsabilização penal do agente autor do crime, no Brasil esta atividade é desenvolvida pela Polícia Federal em alguns casos específicos e pelas Polícias Civis nos demais casos, de acordo com o art. 144, § 1º e 4º da CF.

Neste capítulo faremos uma análise sobre o instrumento utilizado para o exercício da atividade de polícia judiciária que é o inquérito policial, estudando toda a estrutura e características do inquérito policial dentro do processo penal brasileiro.

1.1 Histórico

Anteriormente a independência do Brasil, vigorava no país as Ordenações Filipinas, que eram a principal legislação e processual penal. Este ordenamento não fazia menção à expressão inquérito policial, tão pouco ocorria distinção entre as atividades de polícia administrativa e polícia judiciária.

O processo criminal era composto pelas seguintes fases a devassa, querela e denúncia. A devassa era o conhecimento do juiz sobre a prática de determinado delito; a querela era a acusação feita por um cidadão ao criminoso, tanto no interesse público quanto no privado; a denúncia era a declaração oficial de um crime de natureza pública feita em juízo, provocando a atuação do judiciário frente ao infrator.

Com a criação do Código de Processo Penal do Império em 1832 foi criado o cargo, de inspetor de quarteirão que objetivava a colheita de informações sobre os crimes praticados, porém o legislador ainda não havia realizado a organização da polícia judiciária e a regulamentação do inquérito policial como instrumento destinado à elucidação da infração penal.

Com o advento da Lei nº 261, de 3 de dezembro de 1841, houve reforma do Código de Processo Criminal, em seu artigo 2º a lei estabelecia que os “Chefes de Polícia” deveriam ser nomeados entre desembargadores e juízes de direito e os delegados entre quaisquer juízes e cidadãos, que não podiam ser movidos da função e eram obrigados a aceitar o encargo.

De acordo com o artigo 22 desta lei, aos chefes de polícia em toda província e na Corte e os delegados nos distritos, tinham como atribuições “Remeter, quando julgarem conveniente, todos os dados, provas e esclarecimentos que houverem obtido sobre um delito, com uma exposição do caso e de suas circunstâncias, aos juízes competentes, a fim de formarem a culpa”.

Nesta época os promotores públicos eram escolhidos entre bacharéis formados, podendo ser demitidos pelo Imperador ou pelos Presidentes das Províncias a qualquer momento. Tinham como função de acordo com o art. 37, 1º a 3º do Código de Processo Criminal: “1º Denunciar os crimes públicos e policiais e acusar os delinqüentes perante os jurados , assim como os crimes de escravidão, cárcere privado, homicídio, lesões, roubo, calúnias e injúrias contra o Imperador e membros da Família Real, contra a Regência, membros da Assembléia; 2º Solicitar a prisão e punição dos criminosos e promover a execução das sentenças e mandados judiciais; 3º Dar parte às autoridades competentes das negligências, omissões e prevaricações dos empregados na administração da Justiça.”

Com esta lei foi plantada uma semente para a criação do inquérito policial, mas nela ainda havia alguns traços confusos entre as atribuições policiais e judiciais, sendo muitas partes do procedimento um verdadeiro juizado de instrução.

Seguindo uma evolução histórica legislativa foi editada a Lei 2.033 em 20 de setembro de 1871, que previa uma separação no processo penal entre as funções de julgar e as funções policiais, esta lei em seu artigo 10, §1º definia as atribuições das autoridades policiais, vejamos: ”Para a formação da culpa nos crimes comuns as autoridades policiais deverão em seus distritos proceder às diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos e suas circunstâncias, e transmitirão aos Promotores Públicos com os autos do corpo de delito a indicação de testemunhas mais idôneas, todos os esclarecimentos coligidos”. Esse trabalho realizado recebia o nome de diligências.

A expressão inquérito policial passa a ser utilizada pela primeira vez com o Decreto nº4. 824, de 22 de novembro de 1871, em seu artigo 11, §2º, que define as competências do chefe de polícia e dos delegados de polícia, vejamos: “Proceder ao inquérito policial e a todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos e suas circunstâncias, inclusive corpo de delito.”

É o artigo 42 deste decreto que traz a primeira definição jurídica do inquérito policial ao estabelecer o seguinte: “O inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e de seus autores e cúmplices, devendo ser reduzido a instrumento escrito.”

Esta concepção do inquérito policial é semelhante à adotada pelo Código de Processo Penal Brasileiro vigente, que acrescenta a adoção de procedimentos técnicos para a instrumentalização do auto de exame de corpo de delito, diligências no local do fato, apreensão dos instrumentos do crime ali encontrados, com lavratura do auto pela autoridade, perito e testemunhas, interrogatório do infrator, etc.

Atualmente o inquérito policial está regulamentado pelo Código de Processo Penal, sendo que o Título II do art. 4º ao art. 23 se dedica ao estudo de toda a estrutura e características do procedimento. Diz o artigo 4º, § único do CPP com a redação dada pela Lei nº 9.043/95 “A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria”. Assim, este é o embasamento legal na atualidade que regula o inquérito policial.

1.2 Conceito

O art.4° do Código de Processo Penal estabelece que “A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.” Também a Constituição Federal traz em seu art.144,§ 4º que “Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.” A partir destas previsões legais podemos concluir que o instrumento que vai possibilitar a apuração das infrações penais por parte da polícia judiciária é o inquérito policial.

O inquérito policial é o procedimento realizado pela polícia judiciária que busca reunir provas e informações sobre a materialidade e a autoria do delito. Através do inquérito policial serão formalizadas todas as provas reunidas na investigação que terão como destinatário o Ministério Público.

O doutrinador Julio Fabbrini Mirabete conceitua o inquérito policial da seguinte forma: Inquérito policial é todo o procedimento policial destinado a reunir os elementos necessários à apuração da prática de uma infração penal e de sua autoria. Trata-se de uma instrução provisória, preparatória, informativa, em que se colhem elementos por vezes difíceis de obter na instrução judiciária, como auto de prisão em flagrante, exames periciais, etc.[1]

Para Fernando da Costa Tourinho Filho o inquérito policial é um conjunto de diligências realizadas pela Polícia Civil ou Judiciária (como a denomina o CPP), visando a elucidar as infrações penais e sua autoria.[2]

Romeu de Almeida Salles Junior define seu conceito da seguinte maneira:

Inquérito policial é o procedimento destinado à reunião de elementos acerca de uma infração penal. É o conjunto de diligências realizadas pela Polícia Judiciária, para apuração de uma infração penal e sua autoria, para que o titular da ação penal possa ingressar em juízo, pedindo a aplicação da lei ao caso concreto.[3]

Além do inquérito policial há vários outros tipos de inquéritos que se destinam a apurar as responsabilidades administrativas. Mas se a prática de determinada conduta extrapolar a esfera administrativa, este inquérito deverá ser encaminhado ao Ministério Público para ser apurada a responsabilidade criminal.

Após ter ciência da prática da infração penal a autoridade policial adotará todas as medidas cabíveis a fim de elucidar o delito, juntando todos os dados e circunstâncias do crime. Após ter posse de este documento informativo o Ministério Público titular da ação penal através do Promotor de Justiça decidirá pelo oferecimento ou não da ação penal.

O inquérito policial é um procedimento administrativo, preparativo e informativo, com o fito de fornecer os subsídios necessários para a propositura da ação penal e a consequente responsabilização penal dos autores da infração penal. Os destinatários imediatos do inquérito são o Ministério Público nos crimes de ação penal pública e o ofendido nos crimes de ação penal privada.

Fernando Capez, ainda apresenta como destinatário mediato do inquérito policial o Juiz, que, mediante a análise deste, receberá a peça inicial e formará seu convencimento quanto à necessidade de decretação de medidas cautelares. Este entendimento está presente no art. 12 do Código de Processo Penal.[4]

Outros nomes importantes da doutrina brasileira também colaboram com seus conhecimentos conceituando o inquérito policial vejamos:

Para Guilherme de Souza Nucci o inquérito policial:

Trata-se de um procedimento preparatório da ação penal, de caráter administrativo, conduzido pela polícia judiciária e voltado à colheita preliminar de provas para apurar a prática de uma infração penal e da sua autoria. Seu objetivo precípuo é a formação da convicção do representante do Ministério Público, mas também a colheita de provas urgentes, que podem desaparecer, após o cometimento do crime, bem como a composição das indispensáveis provas pré-constituídas que servem de base à vitima, em determinados casos, para a propositura da ação privada.[5]

Vicente Greco Filho, afirma que o inquérito policial é uma peça escrita, preparatória da ação penal, de natureza inquisitiva. Sua finalidade é a investigação a respeito da existência do fato criminoso e da autoria.[6]

Após esta conceituação do inquérito policial, passaremos a analisar mais profundamente a estrutura do procedimento, estudando suas características.

1.3 Características

O inquérito policial apresenta várias características próprias dentre as quais podemos destacar: a discricionariedade, o sigilo, a indisponibilidade, a obrigatoriedade, a forma escrita e a indisponibilidade.

No tocante à discricionariedade podemos dizer que a autoridade policial age de acordo com a conveniência e a oportunidade que a lei lhe confere. Nestes termos o Código de Processo Penal em seu artigo 14 estabelece que as partes, tanto o ofendido quanto o indiciado poderão requisitar a realização de diligências ao delegado de polícia que serão realizadas ou não de acordo com o seu juízo.

Assim, pode a autoridade policial deferir ou não a produção de provas de acordo com o que julgar conveniente, não estando sujeita a oposição de suspeição nos termos do artigo 107 do CPP.

As atribuições concedidas à polícia no inquérito policial são de caráter discricionário, ou seja, têm elas a faculdade de operar ou deixar de operar, dentro, porém, de um campo cujos limites são fixados estritamente pelo direito.[7]

É necessário ressaltar que este grau de discricionariedade conferido à autoridade policial não é sinônimo de arbitrariedade, uma vez que os atos praticados durante o inquérito policial estão sujeitos ao controle jurisdicional, que pode ser exercido por meio de habeas corpus, mandado de segurança ou outro remédio específico.

A característica da indisponibilidade está presente no artigo 17 do CPP, assim, ainda que ao ter conhecimento da prática de determinado delito e proceder as cabíveis investigações, constatar que o fato não é criminoso ou não fixar a autoria, não poderá a autoridade policial mandar arquivar o inquérito policial, sendo está competência da autoridade judiciária, depois de ouvido o Ministério Público.

Quanto à obrigatoriedade da instauração do inquérito policial, o artigo 5º do Código de Processo Penal, estabelece que nos casos de crime de ação penal pública o inquérito policial será iniciado mediante portaria, requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou requerimento do ofendido ou quem tiver qualidade para representá-lo.

Neste viés Julio Fabbrini Mirabete afirma que na hipótese de crime que se apura mediante ação penal pública, a abertura do inquérito policial é obrigatória, pois a autoridade policial deverá instaurá-lo, de ofício, assim que tenha a notícia da prática da infração (art. 5º, I).[8]

Fernando da Costa Tourinho Filho com sua sabedoria característica dispõe que a expressão “será iniciado” disposta no art. 5º do CPP, demonstra imperatividade, a própria lei criou para a autoridade policial o dever jurídico de instaurar o inquérito policial nos crimes de ação pública.[9]

Portanto, o delegado de polícia ao tomar conhecimento da existência de um delito tem o dever e não a faculdade de instaurar o inquérito policial para apurar este crime.

Todas as investigações realizadas no curso da fase investigatória devem ser formalizadas por escrito para posteriormente serem remetidas ao órgão do Ministério Público. O art. 9 do Código de Processo Penal estabelece que “todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade.”

1.4 Natureza Jurídica

Posteriormente à conceituação e a definição de algumas características do inquérito policial, será analisada a natureza jurídica deste procedimento, mostrando várias posições doutrinárias existentes, além do ponto vista dos nossos tribunais.

Há um grande debate na doutrina acerca da natureza jurídica do inquérito policial, uma corrente afirma que é judicial devendo assim ser garantidos ao indiciado todos os direitos e garantias assegurados ao réu no processo penal, conforme estabelece a Constituição Federal de 1988. Outra corrente sustenta que a natureza jurídica é administrativa, a segunda opção parece mais sustentável, assim fica mais fácil entender algumas características próprias do inquérito policial que não se aplicam ao procedimento judicial como o sigilo e a discricionariedade.

Magalhães Noronha sobre o assunto diz que: “Não é ele processo, mas procedimento administrativo, destinado, na linguagem do art. 4º, a apurar a infração penal e a autoria”.[10]

O inquérito policial é elaborado a partir de atividade essencialmente administrativa, constitui uma fase pré-processual anterior ao processo penal. O inquérito policial será, então, de cunho administrativo, pois é levado a cabo pela Polícia Judiciária, um órgão vinculado á administração (Poder Executivo), e que por isso desenvolve tarefas administrativas e não jurisdicionais.

Neste sentido Mirabete se pronuncia sobre o tema:

Não é o inquérito processo, mas procedimento administrativo, destinado a fornecer ao órgão da acusação o mínimo de elementos necessários à propositura da ação penal. Constitui-se em um dos poucos poderes de autodefesa que é reservado ao Estado na esfera da repressão ao crime, com caráter nitidamente inquisitivo, em que o réu é simples objeto de um procedimento administrativo, salvo em situações excepcionais em que a lei o ampara (formalidades do auto de prisão em flagrante, nomeação de curador a menor etc.)[11].

O inquérito policial como já foi dito é uma instrução provisória, devendo todas as provas produzidas nesta fase passadas pelo crivo do Poder Judiciário, para serem jurisdicionalizadas.

Em certas ocasiões a autoridade policial deve agir o mais rápido possível para a colheita da prova, uma vez que a demora possa fazer que esta prova não sirva mais, esta atuação caracteriza um poder cautelar da autoridade policial.

O doutrinador Cláudio Tovo em sua obra Estudos de Direito Processual Penal destaca o caráter informativo do inquérito policial, mesmo caracterizado como um procedimento administrativo este não acarretará nenhum tipo sanção ao indiciado, buscando apenas reunir elementos para a propositura da ação penal.

É verdade que o inquérito policial é peça meramente informativa, não tem valor probante incriminatório, mas apenas no tocante às provas renováveis ou repetíveis, sob pena de admitir-se na espécie a existência de duas instruções, uma provisória e outra definitiva, podendo, paradoxalmente, aquela confortar esta, na formação de convencimento do juiz.[12]

Vicente Greco Filho também fala sobre a natureza administrativa do inquérito policial vejamos: “A atividade desenvolvida no inquérito é administrativa, não se aplicando a ela os princípios da atividade jurisdicional, como o contraditório, a publicidade, nulidades etc. Os atos do inquérito podem desenvolver-se em sigilo, quando necessário ao sucesso da investigação”[13].

É necessário ressaltar que apesar de ser um procedimento de cunho administrativo, não significa que os direitos fundamentais do indiciado não devam ser respeitados e guarnecidos durante as investigações do inquérito policial, assim o delegado de polícia, o promotor de justiça e o magistrado devem zelar para que não ocorram arbitrariedades no curso da investigação policial.

Neste sentido já se manifestou o Supremo Tribunal Federal, vejamos:

O inquérito policial, que constitui instrumento de investigação penal, qualifica-se como procedimento administrativo destinado a subsidiar a atuação persecutória do Ministério Público, que é - enquanto dominus litis - o verdadeiro destinatário das diligências executadas pela Polícia Judiciária. A unilateralidade das investigações preparatórias da ação penal não autoriza a Polícia Judiciária a desrespeitar as garantias jurídicas que assistem ao indiciado, que não mais pode ser considerado mero objeto de investigações. O indiciado é sujeito de direitos e dispõe de garantias, legais e constitucionais, cuja inobservância, por parte dos agentes do Estado, além de eventualmente induzir-lhes a responsabilidade penal por abuso de poder, pode gerar a absoluta desvalia das provas ilicitamente obtidas no curso da investigação policial.[14]

1.5 Finalidade

A principal finalidade do inquérito policial é servir de base e sustentação para a ação penal a ser promovida pelo Ministério Público, bem como fornecer elementos probatórios ao juiz.[15] Objetiva de forma preliminar e provisória a obtenção de provas sobre a materialidade e a autoria do delito, desta forma age como uma espécie de filtro no sistema penal, evitando a atuação do magistrado em casos em que não há definição acerca da autoria e materialidade da infração penal.

A apuração da infração penal é realizada através da busca e colheita de todas as informações que mantenham correlação com o fato criminoso, sendo realizadas no curso do inquérito policial oitivas de testemunhas, acareações, perícias, etc. Todo este trabalho objetiva o esclarecimento do delito, podendo assim ser conhecido o agente infrator da lei.

A investigação de um crime não apresenta uma finalidade em si mesma, ela representa o meio que irá buscar provas para que a ação penal seja proposta e que tenha início o processo penal.

A finalidade do inquérito policial é a descoberta e identificação do autor do ato infracional. Somente mediante a identificação do agente poderá o Ministério Público promover a ação penal.[16]

A finalidade investigatória do inquérito cumpre dois objetivos: dar elementos para a formação da opinio delicti do órgão acusador, isto é, a convicção do órgão do Ministério Público ou do querelante de que há prova suficiente do crime e da autoria, e dar o embasamento probatório suficiente para que a ação penal tenha justa causa. A justa causa para a ação penal é o conjunto de elementos probatórios razoáveis sobre a existência do crime e autoria.[17]


CAPÍTULO 2: SISTEMAS PROCESSUAIS

Antes de analisarmos propriamente a incidência ou não do princípio do contraditório no inquérito policial, devemos conhecer os sistemas processuais penais existentes, assim como suas características e qual o modelo é adotado no Brasil.

Este estudo dos modelos acusatório, inquisitivo e misto se mostra de grande valia para podermos entender se no curso da fase pré-processual ocorre a garantia do contraditório ao investigado.

Mais adiante passaremos a estudar cada sistema de maneira separada, mostrando as principais características de cada um deles.

2.1 Sistema inquisitivo

No sistema inquisitivo não é conferida ao acusado a garantia do contraditório, inexistindo no curso da lide processual igualdade entre as partes. O processo começa por iniciativa do juiz que age de ofício, não necessitando de provocação de provocação das partes.

O juiz é o responsável pela acusação, defesa e julgamento. O acusado não é considerado sujeito de direitos, mero objeto da relação processual. O magistrado atua de forma discricionária, sendo um processo escrito e secreto, em que a simples confissão do acusado já serve para a aplicação de uma condenação.

Neste modelo processual contrariamente ao modelo acusatório o juiz não fica inerte às investigações necessárias para a determinação da materialidade e autoria do crime, não atua como um mero espectador participa ativamente da instrução, tomando iniciativa na produção de provas, determinando buscas e apreensões, inquirindo testemunhas, determinando perícias, age com a finalidade de zelar pelo bom andamento das investigações.

Tourinho filho descreve os traços básicos do sistema inquisitivo, vejamos:

O processo de tipo inquisitório é a antítese do acusatório. Não há o contraditório, e por isso mesmo inexistem as regras da igualdade e liberdades processuais. As funções de acusar, defender e julgar encontram-se enfeixadas numa só pessoa: o Juiz. É ele quem inicia, de ofício, o processo, quem recolhe as provas e, a final, profere a decisão, podendo, no curso do processo, submeter o acusado a torturas, a fim de obter a rainha das provas: a confissão. O processo é secreto e escrito. Nenhuma garantia se confere ao acusado. Este aparece em uma situação de tal subordinação que se transfigura e se transmuda em objeto do processo e não em sujeito de direito.[18]

Esta modalidade de processo surgiu em Roma e na Idade Média por influência da Igreja se expandiu por toda a Europa, sendo dominante em quase todos os países. Foi uma criação do Direito Canônico, mas ganhou a confiança dos soberanos que o viram como uma importante para imporem seus poderes.

Sobre a origem deste modelo Mirabete afirma o seguinte:

No sistema inquisitivo encontra-se mais uma forma auto-defensiva de administração da justiça do que um genuíno processo de apuração da verdade. Tem suas raízes no Direito Romano, quando, por influência da organização política do Império se permitiu ao juiz iniciar o processo de ofício. Revigorou-se na Idade continente Média diante da necessidade de afastar a repressão criminal dos acusadores privados e alastrou-se por todo o continente europeu a partir do século XV diante da influência do Direito Penal da Igreja e só entrou em declínio com a Revolução Francesa.[19]

O processo inquisitivo com estas características apresentadas era um grande perigo a segurança dos indivíduos, servindo de instrumento para validar muitas injustiças e arbitrariedades. Assim, o processo inquisitivo, que surgiu para evitar injustiças notadas no processo acusatório, tornou-se um verdadeiro instrumento de tortura e opressão.[20]

É válido observar que neste sistema ocorre uma disputa desigual entre o acusado e o juiz-inquisidor, o magistrado abandona sua função de julgador imparcial e passa a exercer a função de inquisidor, atuando desde o princípio também como acusador. O acusado não é considerado sujeito de uma relação processual, se torna apenas um mero objeto.

O sistema inquisitivo não confere nenhuma garantia individual ao acusado, a confissão é a principal prova e pode ser obtida por todos os meios possíveis, inclusive tortura.

Devemos fazer uma reflexão acerca deste sistema processual, devemos observar suas características com a visão da época onde a tortura era plenamente cabível para descobrir a autoria do delito, pois se analisarmos com a cultura atual, vamos considerá-lo uma verdadeira barbárie.

2.2 Sistema misto

Após o fim da Revolução Francesa o processo penal passou por grandes transformações, é então que surge o sistema misto que apresenta características do sistema inquisitivo e do acusatório.

O processo é dividido em três fases: a investigação preliminar desenvolvida pela Polícia Judiciária e sem a participação da defesa, a instrução realizada por um juiz instrutor e sem a presença da defesa e o julgamento realizado pelo magistrado com ampla participação da defesa que pode contraditar a acusação.

Podemos observar que as características do sistema inquisitivo estão presentes na fase da investigação onde se procura a apuração do fato e sua autoria, este trabalho é elaborado pela polícia judiciária e não sujeito a intervenção da defesa. Também presente na fase instrutória preparatória que é dirigida por magistrado, o processo é escrito, sigiloso e não contraditório.

Já na fase do julgamento são observadas características do processo acusatório como a oralidade, publicidade e a possibilidade da defesa contraditar as provas produzidas pela defesa.

Galdino Siqueira sintetiza este sistema da seguinte maneira:

I- a acusação é confiada a funcionários especiais, que exercem assim um ministério público, e dos quais as partes privadas não devem ser, em princípio, senão auxiliares; II- o processo se desdobra em duas fases: a instrução preparatória, escrita e secreta; a instrução definitiva, oral, pública, contraditória; III- ao julgamento concorrem magistrados permanentes e experimentados e juízes populares; IV- ao sistema da provas legais, substitui-se o do critério moral nos limites das provas obtidas.[21]

As atividades de acusação, defesa e julgamento são distribuídas a pessoas diferentes, ocorre uma combinação entre o sistema acusatório e o inquisitivo para o surgimento do sistema misto.

2.3 Sistema acusatório

No sistema acusatório o processo começava pela acusação, que era feita pelo próprio ofendido ou por algum parente seu nos crimes de ação privada. Com a evolução e o aprimoramento técnico do homem observou-se que o crime ofendia toda a coletividade e não somente à vitima, assim a ação penal poderia ser proposta por qualquer membro do povo.

Uma vez feita a acusação é que ocorria a pesquisa acerca da autoria e da materialidade do delito. Assim, surgiu a figura do inquérito policial que tinha início somente depois de feita a acusação.

O magistrado conferia ao acusador uma espécie de mandado para que o mesmo efetuasse a colheita de todos os elementos que pudessem servir de prova, como a oitiva de testemunhas, exame de documentos, etc.

Hélio Tornagui cita as principais características deste modelo, vejamos:

1. A prova dos fatos competia às partes. O juiz não tomava a iniciativa de apurar coisa alguma, até porque os fatos não controvertidos não precisam ser provados;

2. As partes tinham disponibilidade do conteúdo do processo;

3. Se o réu se confessava culpado, era condenado sem mais indagações;

4. Dominava a publicidade e a oralidade;

5. O réu aguardava a sentença em liberdade.[22]

A principal característica do sistema acusatório é a separação das funções de acusar e julgar, o juiz é inerte preservando sua imparcialidade, assim depende de iniciativa das partes a imputação do fato delituoso. O acusado faz parte da relação processual em situação de igualdade com a acusação.

Nucci descreve as características do sistema acusatório da seguinte forma:

[...] nítida separação entre o órgão acusador e o julgador; há liberdade de acusação, reconhecido o direito ao ofendido e a qualquer cidadão; predomina a liberdade de defesa e a isonomia entre as partes no processo; vigora a publicidade do procedimento; o contraditório está presente; existe a possibilidade de recusa do julgador; há livre sistema de produção de provas; predomina maior participação popular na justiça penal e a liberdade do réu é regra.[23]

No processo acusatório são traços profundamente marcantes: a) o contraditório, como garantia político-jurídica do cidadão; b) as partes acusadora e acusada em decorrência do contraditório, encontram-se no mesmo pé de igualdade; c) o processo é público fiscalizável pelo olho do povo (excepcionalmente se permite um publicidade restrita ou especial); d) as funções de acusar, defender, e julgar são atribuídas a pessoas distintas,e, logicamente, não é dado ao Juiz iniciar o processo sem provocação da parte (ne procedat judex ex officio – o Juiz não pode dar início ao processo por sua própria vontade); e) o processo pode ser oral ou escrito; f) existe, em decorrência do contraditório, igualdade de direitos e obrigações entre as partes, pois “non debet licere actori, quod reo non permittitur” (não deve ser lícito ao autor o que não é permitido ao réu); g) a iniciativa do processo cabe à parte acusadora que poderá ser o ofendido ou seu representante legal, qualquer cidadão do povo ou órgão do Estado.[24]

Neste sistema é assegurada a segurança jurídica da coisa julgada, havendo a possibilidade de impugnar as decisões e duplo grau de jurisdição, possibilitando a utilização de todos os recursos disponibilizados pelo ordenamento jurídico.

Aury Lopes Junior cita as principais características deste sistema na atualidade:

a) clara distinção entre as atividades de acusar e julgar;

b) a iniciativa probatória deve ser das partes;

c) mantém-se o juiz como um terceiro imparcial, alheio a labor de investigação e passivo no que se refere à colheita da prova, tanto de imputação como de descargo;

d) tratamento igualitário das partes (igualdade de oportunidades no processo);

e) procedimento em regra é oral (ou predominantemente);

f) plena publicidade de todo o procedimento (ou de sua maior parte);

g) contraditório e possibilidade de resistência (defesa);

h) ausência de uma tarifa probatória, sustentando-se a sentença pelo livre convencimento motivado do órgão jurisdicional;

i) instituição, atendendo a critérios de segurança jurídica (e social) da coisa julgada;

j) possibilidade de impugnar as decisões e o duplo grau de jurisdição.[25]

O próprio Aury Lopes Junior faz uma crítica a este modelo, considerando que a inércia do juiz (garantia de imparcialidade) gera uma prestação jurisdicional incompleta, tendo o magistrado que decidir muitas vezes com base em material probatório insuficiente produzido pelas partes.

Mas também ressalta em outra obra que este sistema é o que no transcorrer do tempo mais avançou em relação aos direitos e garantias conferidas ao réu. Este sistema é o que mais se enquadra ao modelo de Estado Democrático de Direito, neste sentido Aury Lopes Junior afirma: “o sistema acusatório é um imperativo do moderno processo penal, frente à atual estrutura social e política do Estado”.[26]

O sistema acusatório é o sistema adotado no Brasil, neste sentido alguns autores se manifestam vejamos:

O processo é eminentemente contraditório. Não temos figura de juiz instrutor. A fase processual propriamente dita é precedida de uma fase preparatória, em que a Autoridade Policial procede investigação não contraditória, colhendo, à maneira do Juiz instrutor, as primeiras informações a respeito do fato infringente da norma e da respectiva autoria. Com base nessa investigação preparatória, o acusador, seja órgão do Ministério Público, seja a vítima, instaura o processo por meio de denúncia ou queixa. Já agora, em juízo, nascida a relação processual, o processo torna-se eminentemente contraditório, público e escrito (sendo que alguns atos são praticados oralmente, tais como debates em audiências ou sessão). O ônus da prova incube às partes, mas o Juiz não é um espectador inerte na sua produção, podendo, a qualquer instante, determinar de ofício, quaisquer diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.[27]

Mirabete também compartilha do mesmo entendimento e diz:

No Brasil a Constituição Federal assegura o sistema acusatório no processo penal. Estabelece "o contraditório e a ampla defesa, com meios e recursos a ela inerentes" (art. 5º, LV); a ação penal pública é promovida, privativamente, pelo Ministério Público (art. 129, I), embora assegure ao ofendido o direito a ação privada subsidiária (art. 5º, LIX); a autoridade julgadora é a autoridade competente – juiz constitucional ou juiz natural (arts. 5º, LIII, 92 a 126); há publicidade dos atos processuais, podendo a lei restringi-la apenas quando a defesa da intimidade ou do interesse social o exigirem (arts. 5º, LX, e 93, IX).[28]

Ocorre que, após as recentes alterações ocorridas no Código de Processo Penal, principalmente com o advento da Lei nº 11.690/08 que deu nova redação ao art. 156 do CPP, passou a gerar críticas por parte da doutrina que entendeu haver uma violação do sistema acusatório.

De acordo com a nova lei o referido art. do CPP passou a vigorar da seguinte maneira:Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.”

Assim, esta alteração legislativa conferiu poderes instrutórios ao magistrado, que passa a ser atuante na atividade probatória. Neste contexto há uma violação dos princípios basilares do sistema acusatório vigente em nosso país, que estabelece uma clara divisão das funções de acusação, defesa e julgamento.

Esta parte da doutrina que critica a recente reforma do art. 156 do CPP, entende que esta lei confere um caráter inquisitivo ao processo penal brasileiro, uma vez que autoriza que o juiz a ordenar a produção de provas antecipadas, mesmo sem pretensão do titular da ação penal ou ainda durante a fase pré-processual. Assim, o magistrado deixa de ser imparcial e passa a atuar como parte no processo.

Nereu José Giacomolli entende que esta reforma traz grandes prejuízos à defesa, vejamos:

Enfim, o que já era ruim ficou ainda pior, pois com a recente reforma ocorrida no Código de Processo Penal brasileiro, se perdeu grande oportunidade de afastar a atuação do juiz, sem a provocação das partes, na fase probatória. As diligências ex officio não encontram sustentação num processo penal acusatório, pois na dúvida sobre ponto relevante aplica-se o in dubio pro reo, com solução absolutória. Determinar diligências de ofício, nessas hipóteses, significa produzir prova acusatória em detrimento do acusado.[29]

Assim, ao analisarmos o modelo de sistema processual penal adotado no Brasil devemos observar as recentes alterações do CPP, que geram questionamentos sobre o sistema acusatório brasileiro.


CAPÍTULO 3: PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICADOS NO INQUÉRITO POLICIAL

3.1 O Princípio da Ampla Defesa

O direito à ampla defesa que assim como o direito ao contraditório é decorrência do princípio constitucional do devido processo legal, estão presentes nos sistemas penais que adotam o modelo contraditório. Este princípio significará no âmbito do processo penal a chance do acusado se livrar de acusações infundadas e arbitrárias por parte do Estado, é condição para a estrutura dialética do processo.

O direito de defesa é intrínseco aos preceitos oriundos do Estado Democrático de Direito, este é um direito subjetivo do cidadão que lhe possibilita a utilização de todos os meios possíveis dentro do ordenamento jurídico para a tutela e defesa de seus interesses.

Os direitos de defesa caracterizam-se por impor ao Estado um dever de abstenção, um dever de não interferência, de não intromissão no espaço de autodeterminação do indivíduo. Esses direitos objetivam a limitação da ação do Estado. Destinam-se a evitar a ingerência sobre os bens protegidos (liberdade, propriedade...) e fundamentam pretensão de reparo pelas agressões eventualmente consumadas.[30]

No âmbito do processo penal se apresenta sob dois aspectos: o da autodefesa e o da defesa técnica, sendo que o primeiro se refere ao direito de o acusado poder se defender pessoalmente e ao direito de audiência perante o magistrado e o segundo ao direito de assistência por advogado.

Mirabete discorre sobre o assunto afirmando que:

A defesa técnica a cargo do advogado procurador do réu é complementada pela autodefesa do acusado, que se pode desenvolver ao seu lado no processo, apresentando alegações em seu interrogatório, manifestando o desejo de apelar da sentença condenatória etc.[31]

Apesar de o direito de defesa ser correlato ao direito ao contraditório, estes possuem diferenças: enquanto o direito ao contraditório garante ao acusado a participação e a possibilidade de impugnar qualquer alegação contrária aos seus interesses, o direito à ampla defesa é a faculdade que o acusado possui para utilizar todos os meios e elementos para contrapor a imputação que lhe é feita.

O nosso ordenamento jurídico ao garantir o direito à ampla defesa estabelece que este deve ser exercido de forma plena não devendo sofrer nenhum tipo de limitação, podendo assim o réu alegar fatos e propor todas as provas indispensáveis ao exercício regular de seu direito.

A ampla defesa abrange o direito de informação (nemo inauditus damnari potest), a bilateralidade de audiência (contraditoriedade) e o direito à prova legitimamente obtida ou produzida (comprovação da inculpabilidade)[32]. Tucci entende que o contraditório faz parte da ampla defesa, opinião diferente dos demais doutrinadores.

Na esfera do processo civil a defesa é caracterizada por resistência do réu a uma pretensão do autor. No processo civil o réu irá se defender desta pretensão primeiramente através de sua contestação, já no processo criminal o réu se opõe a pretensão do Ministério Público através de alegações escritas, defesa oral e demais meios.

Para Vicente Greco Filho o direito a ampla defesa será exercido em sua plenitude quando garantidos ao acusado os seguintes meios: a) ter conhecimento claro da imputação; b) poder apresentar alegações contra a acusação; c) poder acompanhar a prova produzida e fazer a contraprova; ter defesa técnica por advogado, cuja função, aliás, agora, é essencial a Administração da Justiça; e) poder recorrer da decisão desfavorável[33].

O autor entende que a defesa é o ponto central do processo o mais importante, todo o processo gira ao seu redor, devendo ser utilizados todos os meios para a máxima efetivação deste direito.

O direito de defesa abrange não somente a possibilidade de o acusado contestar a ação, mas também o direito de influir na instrução do processo criando situações e produzindo provas, criando assim uma perspectiva de uma sentença favorável.

Assim podemos concluir que o princípio constitucional da ampla defesa é a possibilidade que as partes têm de utilizar todos os argumentos e meios de prova ao longo da lide que julgarem necessários para o convencimento do juiz sobre conflito existente.

Na sequencia passaremos a analisar o princípio do devido processo legal que representa uma garantia estabelecida em nossa Carta Magna.

3.2 Aspectos do Princípio do Devido Processo Legal

Na atualidade, em razão das várias mudanças culturais ocorridas ao longo da história o princípio do devido processo legal assume um papel de grande importância no sistema jurídico processual, podendo ser compreendido como a base para os demais princípios processuais, é o gênero dos quais os outros princípios são espécies.

O princípio do devido processo legal enquanto direito fundamental e norma basilar do ordenamento jurídico brasileiro, objetiva balancear de maneira adequada os valores no processo face ao exame concreto.

O instituto do devido processo legal teve sua adoção de forma expressa no Brasil através da Constituição Federal de 1988 que em seu art.5º, LIV diz: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Vale ressaltar que nem o Código de Processo Civil ou o Código de Processo Penal mencionam a expressão “devido processo legal”.

Este princípio no Brasil tem uma ligação originária com o processo penal, neste sentido se pronuncia Roberto Rosas:

A Constituição assegura aos litigantes (em 1969 – acusados) ampla defesa (art. 5º, LV). Dir-se-á que a regra dirige-se para o processo penal, administrativo ou fiscal. Assim pensa Pontes de Miranda. No entanto, essa restrição deve ser ponderada. O fato de alguém ser acusado não leva fatalmente a entender-se incriminação penal. Na tradição constitucional brasileira essa diretriz era para o processo penal, tanto que desde 1824 falava-se em prisão, culpa formada, nota de culpa, expressões não mais usadas no texto atual.[34]

O devido processo legal garantirá aos litigantes um procedimento justo na busca de uma solução adequada ao conflito em discussão. A adoção deste princípio significa uma grande evolução da sociedade nas formas de composição de conflitos.

A Constituição Federal ao adotar o princípio do devido processo legal garante ao cidadão a possibilidade de buscar a prestação jurisdicional relativa a um interesse em conflito, como também composição desse litígio deve obedecer a certas regras previamente estabelecidas em lei. Essa obrigatoriedade de respeito às regras do devido processo legal também cabem ao Estado quando em conflito com particulares, não sendo aplicável somente aos particulares.

O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal).[35]

O conceito de devido processo legal pode ser visto de forma evolutiva tanto em seu aspecto procedimental (instrumento que viabiliza as liberdades civis) quanto no aspecto substantivo (análise de seu conteúdo substantivo da legislação).

Rui Portanova observa o princípio do devido processo legal da seguinte maneira, vejamos:

O devido processo legal é uma garantia do cidadão. Garantia constitucionalmente prevista que assegura tanto o exercício do direito de acesso ao Poder Judiciário como no desenvolvimento processual de acordo com normas previamente estabelecidas.

Assim, pelo princípio do devido processo legal, a Constituição garante a todos os cidadãos que a solução de seus conflitos obedecerá aos mecanismos jurídicos de acesso e desenvolvimento do processo, conforme previamente estabelecido em leis.[36]

O respeito às normas processuais portadoras de garantias de um tratamento isonômico dos sujeitos parciais do processo visam a obtenção de uma decisão justa no caso concreto, assim obedecendo ao devido processo legal essa decisão será justa, uma vez que estará de acordo com os padrões éticos e sociais eleitos pela nação.

A garantia constitucional do devido processo legal exige que se dê às partes a tutela jurisdicional adequada. Além disso, aos sujeitos do processo devem ser conferidas amplas e iguais oportunidades para alegar e provar fatos inerentes à consecução daquela tutela. O princípio-garantia do devido processo legal não pretende apenas a observância do procedimento estatuído na lei, com a realização de todos os atos inerentes a ele: pretende também a efetividade da tutela jurisdicional, concedendo proteção àqueles que merecem e necessitam dela.[37]

Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz e Tucci fazem referência ao princípio do devido processo legal no âmbito do processo penal, dizem os autores:

Especificam-se, outrossim, nas garantias: a) de acesso à Justiça Penal; b) do juiz natural em matéria penal; c) de tratamento paritário dos sujeitos do processo penal; d) da plenitude de defesa do indiciado, acusado ou condenado, com todos os meios e recursos a ela inerentes; e) da publicidade dos atos processuais penais; f) da motivação dos atos decisórios penais; g) da fixação do prazo razoável de duração do processo penal.[38]

O devido processo penal constitucional busca, então, realizar uma Justiça Penal submetida a exigências de igualdade efetiva entre os litigantes. O processo justo deve atentar, sempre, para a desigualdade material que normalmente ocorre no curso de toda persecução penal, em que o Estado ocupa uma posição de proeminência, respondendo pelas funções investigatórias e acusatórias, como regra, e pela atuação jurisdicional, sobre a qual exerce o monopólio.[39]

Nos dias atuais a doutrina tem dedicado a maior parte dos estudos à versão substantiva do devido processo legal que está mais de acordo com a nossa Carta Magna.

Ao devido processo substancial incumbe a perquirição acerca da adequação do direito material, ou conteúdo da norma, a valores contemporâneos. A atuação prepondera no campo material.

A substancialidade do devido processo legal está no dever de a lei obedecer a critérios que atendam ao senso de justiça e aos preceitos constitucionais de aplicação normativa pelo Poder Judiciário.[40] A garantia, vista através desta óptica, remete à necessidade de exercício dos poderes estatais por meio de um processo justo, onde somente incidam as leis de direito material razoáveis, ou seja, em congruência com o sistema de valores sociais. “O processo devido começa por um processo justo logo no momento da criação normativo-legislativa” [41].

Com a inserção do devido processo legal na Constituição Federal se busca o zelo pelas garantias e pelos modelos de defesa e ação do cidadão perante o poder público, compreendido na estrutura e na realidade nacional. Este princípio deve ser fruto de uma construção voltada às carências e anseios tipicamente brasileiros, orientando a realização de um processo justo, ou melhor, em harmonia com suas características próprias.

Após abordar a estrutura do devido processo legal juntamente com os princípios do da ampla defesa e do devido processo legal apontando suas principais características, no próximo capítulo estudaremos o princípio do contraditório e sua aplicabilidade no inquérito policial.

3.3 O Princípio do contraditório e sua aplicação no inquérito policial

O princípio do contraditório está expresso em nossa Constituição Federal em seu art. 5º, inciso LV “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e os acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com meios e recursos a ela inerentes”. Da análise do texto constitucional podemos extrair que os direitos ao contraditório e à ampla defesa é que vão propiciar um devido processo legal com o direito de defesa resguardado assim como as demais garantias constitucionais.

Paulo Rangel ressalta que: “Não só a Constituição da República, mas também a Convenção Americana dos Direitos Humanos, chamada de Pacto de São José da Costa Rica, aprovada pelo Congresso Nacional, através do Decreto Legislativo nº. 27, de 26 de maio de 1992, garante o contraditório” [42]. Estabelece o art. 8º, inciso I do referido Decreto Legislativo o seguinte: “Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.”

A defesa é um instrumento de solicitação e controle do método de prova acusatório, consistente precisamente no contraditório entre hipótese de acusação e hipótese de defesa.[43]

O direito ao contraditório traz a ideia de igualdade entre as partes, assegurando não somente o direito da parte de produzir suas provas e sustentar suas razões, mas também de se manifestar sobre as provas produzidas pela parte contrária. Este princípio como discorre a doutrina se caracteriza pelo binômio ciência e participação.

O direito ao contraditório é um elemento essencial ao processo estando intimamente ligado à ideia de um processo democrático, uma vez que de maneira indireta traduz a participação do indivíduo no ato.

O princípio do contraditório é típico de um processo de partes, onde o magistrado permanece equidistante delas exercendo sua atividade jurisdicional, representando o Estado na relação processual, funcionando como um órgão mediador que busca uma solução para a lide apresentada.

O clássico autor Joaquim Canuto Mendes de Almeida afirma que constitui o contraditório a expressão da ciência bilateral dos atos e termos do processo, com possibilidade de contrariá-los.[44]

O princípio do contraditório, além de fundamentalmente constituir-se em manifestação do princípio do estado de direito, tem íntima ligação com o da igualdade das partes e o direito da ação, pois o texto constitucional, ao garantir aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, quer significar que tanto o direito de ação quanto o direito de defesa são manifestações do princípio do contraditório.[45]

Jorge de Figueiredo ressalta que:

O princípio do contraditório opõe-se, decerto, a uma estrutura puramente inquisitória do processo penal, em que o juiz pudesse proferir a decisão sem previamente ter confrontado o argüido com as provas que contra ele houvesse recolhido – e não faltaram exemplos históricos de processos penais assim estruturados – ou em lhe ter dado, em geral, qualquer possibilidade de contestação da acusação formulada. Exceção feita, porém a casos de estrutura mais asperamente inquisitória, o princípio encabeçado, sobretudo na pessoa do argüido, mereceu sempre geral aceitação – nos direitos antigos (tanto no grego como no romano) como nos medievais (após a recepção pelo direito romano, logo em seguida obscurecida, como se sabe, como se sabe pelo processo inquisitório) e, de forma inquestionável, nos processos penais “reformados” conseqüentes à Revolução Francesa.[46]

Alexandre de Moraes conceitua

[...] o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido pela acusação caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor.[47]

As partes no curso do processo devem ser tratadas de maneira igual, sendo assim respeitadas as garantias constitucionais de igualdade e acesso à justiça. O direito ao contraditório decorrente deste princípio maior que é a igualdade possibilita ao réu produzir todas as provas que julgar convenientes e contraditar as provas produzidas pela acusação.

No âmbito do processo penal o juiz deve ouvir ambas as partes para declinar o seu convencimento, assim mesmo o Ministério Público sendo o órgão encarregado pelo poder público para o exercício da ação penal, não deve ser favorecido em prejuízo do réu e o princípio do contraditório aparece como um meio de se chegar a um processo justo.

Voltado mais para o processo penal este princípio parte da parêmia audiatur et altera pars (a parte contraria deve ser ouvida), assim à parte é dada a possibilidade de se manifestar sobre aquilo produzido em juízo pela parte contrária.

Aliás, em todo o processo de tipo acusatório, como o nosso, vigora esse princípio, segundo o qual o acusado, isto é, a pessoa em relação à qual se propõe a ação penal, goza do direito “primário e absoluto” da defesa. O réu deve conhecer a acusação que se lhe imputa para poder contrariá-la, evitando, assim, possa ser condenado sem ser ouvido.[48]

Aury Lopes Junior entende o contraditório como um mecanismo que irá confrontar a prova e verificar se a mesma é verdadeira. De acordo com o autor:

O ato de “contradizer” a suposta verdade afirmada na acusação (enquanto declaração petitória) é ato imprescindível para um mínimo de configuração acusatória do processo. O contraditório conduz ao direito de audiência e às alegações mutuas das partes na forma dialética.[49]

O princípio do contraditório será respeitado quando o juiz confronta todas as alegações feitas pelas partes, verificando o grau de verdade de cada uma delas, buscando assim a verdade real.

Há autores que observam o princípio do contraditório e do direito de defesa de forma diferente no plano teórico. Neste sentido Ada Pellegrini Grinover explica: “defesa e contraditório estão indissoluvelmente ligados, porquanto é do contraditório (visto em seu primeiro momento, da informação) que brota o exercício da defesa; mas é esta – como poder correlato ao de ação – que garante o contraditório. A defesa, assim, garante o contraditório, mas também por este se manifesta e é garantida. Eis a íntima relação e interação da defesa e do contraditório.[50]

A respeito da diferença entre o direito ao contraditório aplicado no processo penal e no processo civil Antonio Scarance Fernandes afirma que:

Enquanto no processo penal, em virtude da necessidade de ser pleno e efetivo, o contraditório deve ser atendido durante todo o desenvolvimento da causa, mesmo quando haja revelia, em relação ao processo civil não sucede o mesmo. Admiti-se, em caso de revelia, o seguimento da causa sem ciência ao réu dos atos e termos realizados no processo após a declaração de contumácia. Por isso, a doutrina em geral afirma que, no processo civil, deve ser também observado o princípio do contraditório, mas para isso basta a oportunidade de reação proporcionada pela citação, garantindo-se ao réu o direito de, se quiser, comparecer ao processo, respondendo aos atos da parte contrária e se defendendo.[51]

Aury Lopes Junior finaliza seu entendimento sobre o contraditório afirmando o seguinte:

Assim, o contraditório é, essencialmente, o direito de ser informado e de participar do processo. É o conhecimento completo da acusação, é o direito de saber o que está ocorrendo no processo, de ser comunicado de todos os atos processuais. Como regra não pode haver segredo (antítese) para a defesa, sob pena de violação do contraditório.[52]

Não podemos afastar o preceito constitucional de que todas as provas produzidas devem passar pelo crivo judicial do contraditório, neste sentido o art. 155, caput do CPP dispõe: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.”

Como se verá, sobretudo na abordagem relativa ás provas, o contraditório é um dos princípios mais raros ao processo penal, constituindo verdadeiro requisito de validade do processo, na medida em que a sua não observância é passível até de nulidade absoluta, quando em prejuízo do acusado.[53]

Neste sentido o STF editou a Súmula 707 que dispõe: “Constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contra-razões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação de defensor dativo”.

Vale lembrar que esta cláusula constitucional que garante proteção do cidadão ao aparato persecutório penal do Estado é um dogma constitucional elevado a categoria de direito fundamental inserido no art. 5º da CF, não podendo ser objeto de emenda constitucional.

Após a conceituação do princípio do contraditório será analisada a incidência ou não desta garantia constitucional durante a fase investigativa, mostrando posições doutrinárias e jurisprudenciais favoráveis e contrárias.

A primeira corrente doutrinária a ser estudada entende que há a possibilidade de afastar a incidência do contraditório ao inquérito policial, constitui um erro grave, que causa inúmeros prejuízos ao acusado.

Aury Lopes Junior rebate os argumentos da outra corrente doutrinária que afirma não haver contraditório no inquérito policial por se tratar de procedimento administrativo e não processo administrativo propriamente dito. Vejamos:

A postura do legislador constitucional no art. 5º, LV, foi claramente garantidora, e a confusão termino lógica (falar em processo administrativo quando deveria ser procedimento) não pode servir de obstáculo para sua aplicação no inquérito policial.

Tampouco pode ser alegado que o fato de a Constituição mencionar acusados e não indiciados é um impedimento para sua aplicação na investigação preliminar. Sucede que a expressão utilizada não foi só acusados, e sim acusados em geral, devendo nela ser compreendida também o indiciamento, pois não deixa de ser um imputação em sentido amplo. Em outras palavras, é inegável que o indiciamento representa uma acusação em sentido amplo, pois decorre de uma imputação determinada. Por isso o legislador empregou acusados em geral,para abranger um leque de situações, com um sentido muito mais amplo que a mera acusação formal (vinculada ao exercício da ação penal) e com um claro intuito de proteger também ao indiciado.[54]

Também Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz e Tucci defendem a aplicação do contraditório na fase investigativa:

[...] de modo também induvidoso, reafirmou os regramentos do contraditório e da ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes, estendendo sua incidência, expressamente, aos procedimentos administrativos... ora, assim sendo, se p próprio legislador nacional entende ser possível a utilização do vocábulo processo para designar procedimento, nele se encarta, à evidência a noção de qualquer procedimento administrativo e, conseqüentemente, a de procedimento administrativo-persecutório de instrução provisória, destinado a preparar a ação penal, que é o inquérito policial.[55]

Os autores que defendem a presença do contraditório na fase pré-processual referem-se ao direito de informação do indiciado acerca dos atos praticados, uma vez que ainda não há uma relação jurídico-processual.

Esta corrente doutrinária defende que a incidência do principio do contraditório no inquérito policial facilitaria a prestação jurisdicional e a tornaria mais célere, uma vez que evitaria que as provas produzidas no curso da investigação tivessem que mais tarde passar pelo crivo do contraditório durante o processo penal.

Este argumento apresenta fundamentação uma vez que o artigo 155,caput do Código de Processo Penal diz que: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elemento informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares,não repetíveis e antecipadas”.

Também o STJ apresenta entendimento nesse sentido:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. TENTATIVA DE FURTO. PROVAS EXTRAJUDICIAIS CORROBORADAS PELA CONFISSÃO EM JUIZO.POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO.

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que não é possível a condenação do acusado com base em provas produzidas exclusivamente no inquérito policial.

2.Tendo sido as provas extrajudiciais confirmadas em juízo pela confissão do acusado, não há falar em insuficiência do conjunto probatório para a condenação.

3. Recurso especial provido para restabelecer a sentença condenatória.[56]

Esta parte da doutrina entende que o contraditório é uma garantia intrínseca ao modelo de Estado Democrático de Direito, sema presença deste direito a previsão constitucional não passa de simples formalismo.

As provas produzidas durante o inquérito policial podem servir de base para a propositura de uma futura ação penal, onde o indiciado passará a ser réu de um processo penal. Assim, mesmo que ele seja absolvido posteriormente, sofrera todas as consequências e encargos de um processo penal, baseado em provas que o réu não pode contraditar durante a fase investigativa.

Ocorrendo a possibilidade do indiciado contraditar as provas do inquérito policial e produzir suas próprias provas muitos processos desnecessários deixaram de existir, uma vez que o indiciado já na fase pré-processual poderá demonstrar sua inocência.

O clássico autor Joaquim Canuto Mendes de Almeida critica a não observância do direito ao contraditório já na fase pré-processual:

Feitas essas distinções, evidente se patenteias o absurdo que seria advogados de defesa colados a detetives particulares ou a investigadores, [...], a espiarem as pesquisas sobre infrações seus autores e os elementos de convicção, anteriores, contemporâneos ou posteriores ao inquérito policial,ao sumario de culpa ou à instrução definitiva. Errado, entretanto, igualmente se evidencia afirmar-se que a exteriorização do resultado das pesquisas, assestada como carga contra o indiciado, no inquérito policial, para estruturação dos alicerces objetivos da denúncia ou queixa, não reclame, ou ao menos, não autorize o admitir-se a participação do paciente nas operações informativas que pessoalmente hão de atingi-lo, para mal, ou para bem, pouco importa, mas diretamente na sua liberdade individual, arriscada a sofrer todos os constrangimentos materiais e morais de um processo criminal.[57]

A partir desses ensinamentos extraímos que há uma necessidade de igualdade entre os interesses do Estado e os direitos do indiciado, devendo o inquérito policial ser objeto um objeto neutro, utilizado na colheita de elementos informativos.

Os direitos fundamentais devem ser interpretados de maneira extensiva para que haja uma maior efetividade em sua aplicação.

Um importante apontamento faz o autor Eugênio Pacelli de Oliveira sobre a necessidade de contraditório às provas periciais produzidas no curso do inquérito policial. Apesar de entender que a garantia do contraditório não se estende à fase investigativa, o autor faz uma importante ressalva, vejamos:

Deve se ver que o contraditório na fase da investigação pode até se revelar muito útil, na medida que muitas ações penais poderiam ser evitadas pela intervenção da defesa, com a apresentação e/ou indicação de material probatório suficiente a infirmar o juízo de valor emanado da autoridade policial ou pelo Ministério Público por ocasião da instauração da investigação. Em relação às provas periciais, então reiteramos que o contraditório já deveria ser realizado, e o quanto antes, particularmente para aquelas hipóteses em que o objeto da perícia (corpo de delito) corra o risco de perecimento no tempo ou de alteração substancial de suas características mais relevantes. Por que não a participação da defesa, desde logo, na elaboração do laudo técnico?[58]

As provas periciais produzidas no curso do inquérito policial merecem grande atenção, uma vez que elas não estarão no mesmo estado durante a tramitação do processo judicial.

Antonio Magalhães Gomes Filho afirma que nem sempre o contraditório diferido, nos casos de realização de perícia, assegura uma defesa suficiente, fazendo-se necessária, por isso, a participação do advogado, quando cabível, já na etapa preliminar.[59]

Mesmo a lei 11.690/08 que alterou o Código de Processo Penal no tocante as provas técnicas possibilitou a participação de defesa já no inquérito policial. Eugênio Pacelli de Oliveira diz que:

Nesse sentido, sequer as alterações trazidas com a Lei 11.690/08, instituindo a possibilidade de o acusado indicar assistente técnico para a apreciação da perícia oficial, permitindo-lhe inclusive a apresentação de pareceres (art. 159, §5º, CPP) e esclarecimentos orais, implica o estabelecimento do contraditório na fase de investigação. E isso porque é a própria Lei (art. 157, §4º, CPP) que esclarece primeiro, que o assistente somente ingressa a partir de sua admissão pelo juiz e após a elaboração do laudo oficial, e, depois que a sua participação se dará no curso do processo judicial (§ 5º, CPP). Não há previsão, portanto, de acompanhamento da perícia oficial, o que, com efeito, implicaria a produção da respectiva prova em contraditório.[60]

Atualmente temos o caso do assassinato da menina Isabela Nardoni que teve grande repercussão na mídia e foi julgado no início do ano de 2010, onde a sentença condenatória pela prática do crime de homicídio se baseou em provas técnicas produzidas durante a fase investigativa, uma vez que não havia provas tradicionais como testemunhas.

O caso Isabela Nardoni nos faz refletir acerca da necessidade de oportunizar a possibilidade de contraditar as provas técnicas no momento em que são colhidas na fase pré-processual.

Já o lado da doutrina predominante entende que não existe o direito ao contraditório no inquérito policial, sendo um procedimento administrativo que visa apenas à obtenção de provas sobre a infração penal não trazendo nenhuma sanção ao indiciado.

Alexandre de Moraes diz que:

O contraditório nos procedimentos penais não se assemelha aos inquéritos policiais, pois a fase investigatória é preparatória da acusação, inexistindo, ainda, acusado, constituindo, pois, mero procedimento administrativo, de caráter investigatório, destinado subsidiar a atuação do titular da ação penal, o Ministério Público.[61]

Mirabete também se posiciona neste sentido:

Indispensável em qualquer instrução criminal, o princípio do contraditório não se aplica ao inquérito policial que não é, em sentido estrito, “instrução”, mas colheita de elementos que possibilitem a instauração do processo. A Constituição Federal apenas assegura o contraditório na “instrução criminal” e o vigente Código de Processo Penal distingue perfeitamente esta (arts. 394 a 405) do inquérito policial (arts. 4º a 23), como, aliás, ocorre na maioria das legislações modernas.[62]

Não obstante a Carta Magna disponha no art. 5.º, LV, que “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”, o certo é que a expressão “processo administrativo” não se refere à fase do inquérito policial, e sim ao processo instaurado pela Administração Pública para a apuração de ilícitos administrativos ou quando se tratar de procedimentos administrativos fiscais, mesmo porque, nesses casos, haverá a possibilidade da aplicação de uma sanção: punição administrativa, decretação de perdimento de bens, multas por infração de trânsito, p.ex. Em face da possibilidade da inflição de uma “pena”, é natural deva haver o contraditório e a ampla defesa, porquanto não seria justo a punição de alguém sem o direito de defesa. Já em se tratando de inquérito policial, não nos parece que a constituição se tenha referido a ele, até porque, de acordo com o nosso ordenamento, nenhuma pena pode ser imposta ao indiciado.[63]

Esta corrente doutrinária faz uma interpretação restrita do art.5º, IV da Constituição Federal entendendo ser aplicável esta garantia somente a processos judiciais ou administrativos que acarretem alguma sanção ao acusado, assim não presente no inquérito policial.

O contraditório na fase investigativa é visto de maneira prejudicial, uma vez que traria mais encargos e prejuízos à atuação da policia. Vale ressaltar as condições precárias de trabalho da policia brasileira que apesar das dificuldades cumpre com brilhantismo sua missão constitucional.

Devemos ter em mente não só dar garantias ao indiciado na fase investigativa, mas também oferecer melhores condições como: material humano, equipamentos e melhor remuneração aos integrantes da Polícia Judiciária. Assim, poderão ser sanados muitos erros ocorridos durante o inquérito policial.

Marques diz que:

Nem há que invocar o princípio da “instrução contraditória”, preceito só aplicável à instrução judiciária. Um procedimento policial de investigação, com o contraditório, seria verdadeira aberração, pois inutilizaria todo o esforço investigatório que a polícia deve realizar para a preparação da ação penal. Infelizmente a demagogia forense tem procurado adulterar, a todo custo o caráter inquisitivo da investigação.[64]

Este entendimento esta de acordo com a legislação brasileira em vigor uma vez que todas as provas produzidas no inquérito policial necessariamente deverão passar pelo crivo do contraditório durante o processo judicial.

A jurisprudência se posiciona de forma predominante no sentido da não ocorrência do contraditório no inquérito policial, vejamos:

A jurisprudência desse Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento no sentido de que "o inquérito policial é peça meramente informativa, não suscetível de contraditório, e sua eventual irregularidade não é motivo para decretação da nulidade da ação penal" (HC 83.233/RJ, rel. Min. Nelson Jobim, 2ª Turma, DJ 19.03.2004).[65]

É pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o inquérito policial é procedimento inquisitivo e não sujeito ao contraditório, razão pela qual a realização de interrogatório sem a presença de advogado não é causa de nulidade.[66]

A falta do contraditório no inquérito policial não autoriza o delegado de policia a desenvolver seu trabalho de maneira arbitrária. A atuação deve estar pautada dentro dos limites legais.

Também é assegurado ao indiciado em inquérito policial o exercício do direito de defesa, podendo solicitar a presença de um advogado, para prestar a defesa técnica. Este profissional tem o direito de acesso às peças do inquérito policial e de verificar seu andamento, este direito está garantido no artigo 7º, XIV da Lei 8.906/94.

O referido artigo diz que: “São direitos do advogado: XIV- examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos”.

Este entendimento merece uma reflexão apenas no tocante às provas periciais que são produzidas durante a investigação, que via de regra são definitivas, não apresentando seu estado inicial na fase judicial quando podem ser contraditadas pela defesa.


CONCLUSÃO

Após uma análise do inquérito policial, onde foi observada sua evolução histórica, conceito e características, podemos observar que apesar de o procedimento receber inúmeras críticas por parte da doutrina e da jurisprudência, desenvolve um papel importante no ordenamento jurídico brasileiro.

O inquérito policial é o instrumento disponibilizado ao Estado para o exercício do direito de punir. Este procedimento administrativo, inquisitivo, escrito e sigiloso objetiva a colheita de provas acerca da materialidade e autoria da infração penal.

Uma vez colhidos todos os elementos informativos referente ao crime, estes são encaminhados ao Ministério Público para servirem de base para a denúncia, que ao ser recebida pelo juiz dá início à relação processual.

Esta característica inquisitorial do inquérito policial é muito debatida em face dos preceitos do Estado Democrático de Direito e do direito ao contraditório garantido na carta magna vigente.

A corrente doutrinária minoritária que defende a máxima efetivação dos direitos constitucionais entende que o caráter inquisitivo do inquérito policial é incompatível com o modelo de Estado Democrático de Direito adotado no Brasil.

Este lado da doutrina afirma que o investigado não pode ser tratado como mero objeto de investigação, devendo ser garantidos ao mesmo todos os direitos estabelecidos constitucionalmente para a defesa das acusações imputadas.

Os autores mencionam que o fato de a Constituição Federal no art. 5º, LV mencionar “processo administrativo” e não “procedimento administrativo” não deve ser um obstáculo para extensão do direito ao contraditório no inquérito policial. A presença do contraditório já no inquérito policial tornaria mais rápida a prestação jurisdicional, uma vez que as provas produzidas já estariam aptas para uma absolvição ou condenação do acusado.

O entendimento majoritário da doutrina e pacífico da jurisprudência entende que não há a possibilidade da presença do contraditório na fase investigativa, já que o inquérito não possui um fim em si mesmo, servindo, apenas de base para o início da ação penal e também não acarreta nenhum tipo de sanção ao investigado no fim.

Este entendimento parece o mais adequado com a realidade atual e ao modelo processo penal acusatório vigente, uma vez que o direito ao contraditório é obrigatório somente durante o processo judicial, onde ocorre uma acusação formal. Também o Código de Processo Penal em seu art. 155 estabelece que todas as provas produzidas no curso da investigação devem necessariamente passar pelo crivo do contraditório na fase judicial.

Esta corrente doutrinária da qual fazem parte grandes processualistas brasileiros como Fernando da Costa Tourinho Filho, Eugênio Pacelli de Oliveira entende que a extensão do contraditório já na fase pré-processual dificultaria ainda mais o trabalho realizado pela Polícia Judiciária, facilitando que muitos infratores não sejam responsabilizados por seus atos.

A única ressalva aos preceitos desta corrente é atinente às provas técnicas produzidas durante o inquérito policial, que possuem uma grande importância e são geralmente definitivas.

Deveria ser antecipado o direito da defesa de contraditar a prova pericial já no inquérito policial, de modo que o direito da defesa não atrapalhe os trabalhos realizados.

Essa antecipação do direito a defesa ao contrapor a prova pericial no momento em que a mesma é colhida se mostra de grande relevância, pois na fase judicial a prova não mais se encontra no seu estado inicial.

Atualmente as provas periciais têm sido determinantes em julgamentos tanto para a condenação quanto para absolvição dos réus. Merece reflexão a possibilidade de participação da defesa na colheita da prova pericial já no inquérito policial.

Para ocorrer uma melhora nos resultados obtidos nas investigações policiais, o Poder Público deve tratar a questão da segurança pública com a importância que o tema merece. Os políticos quando candidatos prometem resolver o problema com soluções mágicas, mas quando assumem o poder não fazem nada de concreto.

Devem ser combatidos os fatores que diretamente interferem e dificultam o trabalho como: falta de equipamentos adequados, número de funcionários reduzido, baixa remuneração, péssimas condições de trabalho, etc. À Polícia Judiciária devem ser disponibilizadas condições adequadas para o desenvolvimento de um trabalho técnico e profissional, ocorrendo assim uma maximização dos resultados.

A solução para os problemas referentes ao inquérito policial não passa somente pela extensão de direitos ao investigado, e sim por um investimento pesado do Estado na área policial.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. A contrariedade na instrução criminal. São Paulo: Saraiva, 1937.

ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Princípios fundamentais do processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973.

AQUINO. José Carlos G. Xavier de; NALINI, José Renato. Manual de processo penal. São Paulo: Saraiva, 1997.

BRASIL. Código de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2010.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 2000.

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1997.

CRETELLA NETO, José. Fundamentos principiológicos do processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito processual penal. Coimbra: Coimbra, 1974.

FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

GIACOMOLLI, Nereu José. Reformas (?) do processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 1997.

GRECO FILHO, Vicente. Tutela constitucional das liberdades. São Paulo: Saraiva, 1989.

GRINOVER, Ada Pellegrini et al. As nulidades no processo penal. São Paulo: Malheiros, 1992.

LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 3.ed. v. 1. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

LOPES JUNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade constitucional. 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Garantias constitucionais do processo civil: homenagem aos 10 anos da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas: Bookseller, 1997.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gunet. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado. São Paulo: Atlas, 2000.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 13.ed. São Paulo: Atlas, 2002.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 13.ed. São Paulo: Atlas, 2003.

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

NORONHA, E. Magalhães. Curso de direito processual penal. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 1990.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 10.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 4.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 14.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

ROSAS, Roberto. Direito processual constitucional: princípios constitucionais do processo civil. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

SALLES JÚNIOR, Romeu de Almeida. Inquérito policial e ação penal. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária: doutrina, legislação e prática. 2.ed. São Paulo: Direito, 1996.

SIQUEIRA, Galdino. Curso de processo criminal. 2.ed. Rio de Janeiro: Magalhães, 1937.

TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal. 5.ed. v.1. São Paulo: Saraiva, 1988.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

TOVO, Paulo Cláudio. O inquérito policial em sua verdadeira dimensão. In: Estudos de direito processual penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995.

TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do direito processual penal: jurisdição, ação e processo penal (estudo sistemático). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

TUCCI, Rogério Lauria; CRUZ E TUCCI, José Rogério. Devido processo legal e tutela jurisdicional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.


Notas

[1] MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 13.ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 78.

[2] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.64.

[3] SALLES JÚNIOR, Romeu de Almeida. Inquérito policial e ação penal. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p.3.

[4] CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p.61.

[5] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p.59.

[6] GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p.91.

[7] MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas: Bookseller, 1997. p.149.

[8] MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal, p.78.

[9] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal, p.73.

[10] NORONHA, E. Magalhães. Curso de direito processual penal. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 1990. p.18.

[11] MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal, p.77.

[12] TOVO, Paulo Cláudio. O inquérito policial em sua verdadeira dimensão. In: Estudos de direito processual penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. p.148.

[13] GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal, p.91.

[14] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC73271/SP. Relator: Celso de Melo. Órgão julgador: 1ª Turma. Data do julgamento: 19/03/1996. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 20 mar. 2010.

[15] SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária: doutrina, legislação e prática. 2.ed. São Paulo: Direito, 1996. p.56.

[16] AQUINO. José Carlos G. Xavier de; NALINI, José Renato. Manual de processo penal. São Paulo: Saraiva, 1997. p.86.

[17] GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal, p.92.

[18] TOURINHO FILHO. Fernando da Costa. Manual de processo penal. p.34.

[19] MIRABETE, Julio Fabrini. Processo penal. p.40.

[20] SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária: doutrina, legislação e prática. p.56.

[21] SIQUEIRA, Galdino. Curso de processo criminal. 2.ed. Rio de Janeiro: Magalhães, 1937. p.9.

[22] TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal. 5.ed. v.1. São Paulo: Saraiva, 1988. p.11.

[23] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.116.

[24] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal, p.33.

[25] LOPES JUNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal. p.164.

[26] LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 3.ed. v. 1. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p.59.

[27] TOURINHO FILHO. Fernando da Costa. Manual de processo penal. p.35.

[28] MIRABETE, Julio Fabrini. Processo penal. p.41.

[29] GIACOMOLLI, Nereu José. Reformas (?) do processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p.36.

[30] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gunet. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000. p.140.

[31] MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado. São Paulo: Atlas, 2000. p.325.

[32] TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do direito processual penal: jurisdição, ação e processo penal (estudo sistemático). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. pp. 212-213.

[33] GRECO FILHO, Vicente. Tutela constitucional das liberdades. São Paulo: Saraiva, 1989. p.110.

[34] ROSAS, Roberto. Direito processual constitucional: princípios constitucionais do processo civil. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.45.

[35] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p.123.

[36] PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 4.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p.145.

[37] LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Garantias constitucionais do processo civil: homenagem aos 10 anos da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.98.

[38] TUCCI, Rogério Lauria; CRUZ E TUCCI, José Rogério. Devido processo legal e tutela jurisdicional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p.19.

[39] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. pp.7-8.

[40] CRETELLA NETO, José. Fundamentos principiológicos do processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.42.

[41] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 2000. p.482.

[42] RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 14.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p.16.

[43] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.490.

[44] ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. A contrariedade na instrução criminal. São Paulo: Saraiva, 1937. p.109.

[45] NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p.170.

[46] DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito processual penal. Coimbra: Coimbra, 1974. p.113.

[47] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 13.ed. São Paulo: Atlas, 2003. p.124.

[48] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal, p.21.

[49] LOPES JUNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade constitucional. 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. pp.229-230.

[50] GRINOVER, Ada Pellegrini et al. As nulidades no processo penal. São Paulo: Malheiros, 1992. p.63.

[51] FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. pp.61-62.

[52] LOPES JUNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal, p.233.

[53] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 10.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p.31.

[54] LOPES JUNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal, p.251.

[55] TUCCI, Rogério Lauria; CRUZ E TUCCI, José Rogério. Devido processo legal e tutela jurisdicional, pp.25-28.

[56] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp1112658/MS. Relator: Arnaldo Esteves Lima. Órgão julgador: 5ª Turma. Data do julgamento: 14/12/2009. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 25 abril 2010.

[57] ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Princípios fundamentais do processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973. p.110.

[58] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. p.42.

[59] GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p.145

[60] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal, p.42.

[61] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p.124.

[62] MIRABETE, Julio Fabrini. Processo penal. p.43.

[63] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal, p.23.

[64] MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal, p.152.

[65] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC83233/RJ. Relator: Nelson Jobim. Órgão julgador: 2ª Turma. Data do julgamento: 04/11/2003. Disponível em: HTTP:<//www.stf.jus.br>. Acesso em: 29 de abril de 2010.

[66] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC139412/SC. Relator: Maria Thereza de Assis Moura. Órgão julgador: 6ª Turma. Data do julgamento: 09/02/2010. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 29 de abril 2010.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Rodolfo Silveira. O princípio do contraditório no inquérito policial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3205, 10 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21482. Acesso em: 24 abr. 2024.