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Além do Direito: da necessária formação multidisciplinar do juiz

Além do Direito: da necessária formação multidisciplinar do juiz

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A formação multidisciplinar do juiz nem sempre é vista com bons olhos pelo público, pois ainda persiste a concepção de que o juiz deve ser “puro”, isto é, que traga em mente apenas as ideias do legislador, apreensíveis da lei.

RESUMO

O artigo examina os diferentes papéis, políticos e jurídicos, desempenhados pelo juiz; papéis estes cujo desempenho exige do magistrado uma formação não apenas jurídica, mas multidisciplinar, combinando elementos que vão desde a economia até a filosofia e medicina. Tal formação multidisciplinar do juiz nem sempre é vista com bons olhos pelo público, pois ainda persiste a concepção de que o juiz deve ser “puro”, isto é, que traga em mente apenas as ideias do legislador, apreensíveis da lei.

Palavras-chave: juiz – política – formação – multidisciplinaridade.

ABSTRACT.   

This article examines the different legal and political roles performed by judges. Such performance demands an education not purely legal, but rather multicentered. It must combine elements ranging from economy to philosophy or medicine. This multicentered education of the judge tends to deserve often public criticism. The conception that judges’ must be “purê” at mind, that is, that they must bear in mind only the ideas of the legislator, as conveyd through legislation, is still widespread.

Keywords: judge – politics – education – multicentricity.    


I – Os papéis jus-políticos do juiz.

Entre os vários papéis que a política atribui ao Judiciário como poder estatal, três merecem destaque no presente texto. Em primeiro lugar, cabe ao Judiciário fazer com que o jogo democrático faça sentido. Para tanto, deve zelar para que o que foi decidido pelas forças políticas como sendo lei seja efetivado como tal na prática. Pode o juiz amplificar as virtudes e minimizar os defeitos da legislação, mas não a ponto de descaracterizá-la, pois isso desacredita a democracia perante as forças políticas do país, uma vez que não há sentido em discutir e decidir democraticamente o que é lei se esta não é seguida, ou é distorcida. Em segundo lugar, e muito embora a atuação judicial deva prestigiar aquilo que objetivamente se pode entender da lei, não deve o Judiciário se esquecer de que o contrato social não foi celebrado só pelo Legislativo e pelo Executivo, mas pelo Estado como um todo para com o povo; Estado este que compreende o Judiciário. Dessa forma, a título de exemplo, deve-se atentar que muito embora o Judiciário não possa ditar políticas públicas, tampouco pode se referir aos compromissos assumidos pelo Estado para com o povo como obrigações de outrem. Pela mesma razão, não pode aplicar a lei ao caso concreto sem ponderar os efeitos que tal aplicação terá na sociedade[1], pois lhe cabe zelar do bem-estar da população tanto quanto os demais poderes. Em terceiro lugar, o Judiciário é gestor da ordem jurídica, tanto quanto o juiz é gestor do processo. É um armador que, tendo recebido um barco desmontado do legislador, percebe que lhe faltam peças ou que o projeto não levou em conta todos os mares que o barco deveria singrar. Feita essa constatação, põe-se o armador a montar o melhor barco possível, o que o obrigará a utilizar peças para funções diferentes das que lhes cabiam no projeto original, mas sem nunca poder se desviar do projeto a ponto de desfigurá-lo. É essa nau canhestra, assemelhada à que fora projetada, que transportará a nação por todos os mares, com a particularidade de que o armador compõe a tripulação e, ao longo da viagem, vai reformando, às vezes refazendo a embarcação sem que para tanto possa atracar. Deve fazê-lo em alto mar[2], o que não atribui qualquer superioridade em relação ao legislador - carpinteiro-mor – que fez as peças e o plano original do barco, nem em relação ao capitão que, como o carpinteiro-mor e o armador, também segue viagem. Na verdade, o que aqui se vê é a concretização de um comentário de Edmund Burke: “Em meu caminho, tenho conhecido e, conforme meu desejo, cooperado com grandes homens; e eu ainda não vi qualquer plano que não tenha sido aprimorado pelas observações daqueles muito inferiores em entendimento do que aquele que teve a iniciativa da coisa”.[3]  


II – Da formação que permite o bom desempenho pelo juiz de seus papéis jus-políticos.

Tendo em vista essas funções do Judiciário, não é difícil concluir que aqueles que militam na prática forense, fazendo parte do que denominamos sistema judiciário, isto é, juízes, advogados e membros do Ministério Público, devem estar atentos ao que se passa em campos do conhecimento que não o jurídico, para que possam dar contribuições valiosas à contínua construção e reconstrução do barco, o que não poderiam fazer se só soubessem direito. Contudo, muito embora a noção de que advogados e membros do Ministério Público devem ser profissionais multidisciplinares seja facilmente aceita, a ideia de juízes com visão multidisciplinar nem sempre é bem-vinda. Se, por um lado, exige-se do juiz que profira decisões que levem em conta fatores outros que não o direito em estrito senso[4], como as consequências sociais e econômicas de sua decisão, o que implicitamente lhe exige o conhecimento de assuntos extrajurídicos, persiste a ideia de que o juiz deve ser “puro”, tanto no sentido de intocado por sentimentos negativos, como a maldade[5], quanto no sentido de intocado por ideias outras que não as do legislador[6]. Essa noção de uma necessidade de “pureza” do pensamento do juiz, de que ele conheça somente a lei, parece ter ido e vindo ao longo da história, o que seria ilustrado pelo fato de que a imagem da deusa grega que simboliza a justiça – Têmis – ter sido retratada com (Idade Média e, na maioria dos países, até hoje) e sem venda nos olhos (Antiguidade)[7].

Tal noção, que defende o juiz de mentalidade simplória, ou exclusivamente jurídica, deve ser superada por diversas razões: a) mesmo em casos que não podem ser considerados difíceis, é frequente que o juiz, para solucionar o problema, tenha de se valer de elementos que não se encontram no ordenamento positivo, ou mesmo na ciência jurídica[8]; b) ainda que se admitisse que o juiz só precisaria buscar soluções fora do ordenamento positivo em casos difíceis, fato é que ele não poderia esperar que lhe chegasse às mãos um caso difícil para, só então, tentar obter uma formação multidisciplinar que lhe permitisse melhor compreender e resolver a questão[9], c) as teorias que criticam a formação multidisciplinar do juiz, que por vezes louvam uma mentalidade judicial simplória, ou elogiam o magistrado culto porém pragmático, estão, na verdade, a condenar um aprofundamento em certas áreas do conhecimento extrajurídico, como filosofia mas, implícita ou explicitamente, preconizam uma maior formação do magistrado em outras também extrajurídicas, principalmente economia[10]; d) os defensores destas mesmas teorias, que costumam condenar em seus textos o aprofundamento do juiz nos campos deontologia e da ciência política, não se mantêm em estrito pragmatismo, consequencialismo ou positivismo quando examinam casos práticos complexos[11], e acabam por se enveredar pelos caminhos que tanto condenam, isto é, da deontologia e da ciência política; e) os sistemas jus-filosóficos mais bem construídos, que estabelecem teorias mais “puras” do direito, como as de Kelsen e Hart, não são incompatíveis com a utilização simultânea de outras formas de investigação da verdade[12]; f) as concepções de que o trabalho do juiz deve tender para o tecnicismo partem, direta ou indiretamente, do pressuposto de que só chegarão ao juiz problemas passíveis de serem resolvidos pelo tecnicismo, o que é desmentido pela evidência prática, observável por qualquer operador do direito minimamente experiente[13]; g) os que defendem que o trabalho do juiz deve tender para o tecnicismo, ou para o pragmatismo ou consequencialismo puros, se esquecem do papel estruturante que o trabalho do juiz exerce na ordem jurídica, pressupondo que esse papel estruturante só é exercido pelo legislador, e que o juiz pode optar por uma atuação fragmentária, em que as soluções dadas em diferentes casos não precisam fazer sentido quando vistas em conjunto[14]; h) os que criticam a necessidade de o juiz se aprofundar em campos como o da ciência política e da ética subestimam, claramente, a complexidade de ambas, acreditando que o juiz pode se portar adequadamente em relação a eles valendo-se, tão-somente de seu conhecimento intuitivo, e se esquecem da duplicidade do trabalho do juiz que, com sua atuação profissional, isto é, nos processos, deve resolver os casos concretos de maneira juridicamente correta e justa e, ainda, por meio dessas mesmas decisões, mover-se adequadamente no jogo de xadrez permanente que trava com os demais poderes; i) aqueles que se negam a enxergar qualquer dimensão política na atuação do magistrado perante os demais poderes têm dificuldade em negar que diferentes esferas do Judiciário podem interagir numa dinâmica que não pode ser explicada como simples divergência de entendimento técnico, de que é exemplo, no Brasil, a complexa relação entre os tribunais superiores e as demais cortes e juízes singulares do país, relação esta que não pode ser plenamente entendida sem que se examinem conceitos de ciência política; j) os doutrinadores, de um modo geral, subestimam as possibilidades jus-político-filosóficas dos casos concretos, não percebendo que, menos que limitações ao raciocínio e à criação jurídica, são verdadeiros trampolins para a mente, que podem levá-la aonde jamais chegaria sem eles[15]; l) os legalistas mais renitentes não podem negar que, defrontados com casos concretos difíceis, vêem-se obrigados a, no mínimo, transitar entre a interpretação literal e a interpretação histórica, sendo que o manejo desta exige que lancem mão de recursos de história, sociologia, economia[16]; m) categorias tradicionais do direito, como a analogia, não constituem conceitos fossilizados, sendo permanentemente revistos em sua essência e uso, em discussões que, no mais das vezes, não ocorrem em nível jurídico estrito mas antes em nível filosófico, cabendo ao operador do direito, para se integrar a essas discussões, estar apto a manejar estruturas filosóficas[17]; n) sem um domínio de ciência política, psicologia e estatística, não é possível compreender adequadamente como se deu a união de vontades no parlamento para aprovação da lei; o) sem conhecimentos de psicologia, antropologia, sociologia, política e estatística, os juízes não estarão aptos a compreender os diversos estudos que vem sendo realizados para compreender e prever o comportamento dos juízes[18] e jurados, nem os estudos que tentam definir o perfil dos candidatos à magistratura que são ou deveriam ser selecionados[19]; p) sem conhecimentos adequados de psicologia, sociologia e política, o magistrado não estará apto a entender o comportamento das cortes de seu país, ou de países diferentes[20]; q) desprovido de conhecimentos suficientes de psicologia, não poderá o juiz alcançar um nível ótimo de desempenho na colheita e exame da prova, principalmente depoimentos em audiências; r) sem conhecimentos suficientes de neurologia, psiquiatria e biologia, o magistrado permanecerá ao largo de interessantes e profundos estudos que vêm sendo feitos sobre as qualidades ético-normativas do cérebro humano[21].   


III – Do necessário equilíbrio dos elementos jurídicos e extrajurídicos na formação do juiz.         

Há de prevalecer, portanto, a concepção de que o juiz deve conhecer não somente a lei, mas também outros campos do conhecimento, mormente aqueles que se avizinham do direito, geralmente enquadrados na designação genérica “ciências sociais”. Principalmente, tem-se hoje como consensual que o juiz deve conhecer bem a sociedade da qual emana e à qual se aplica a lei, e conhecer bem a sociedade implica em examiná-la por meio de diversos e complementares instrumentos[22], como a ciência política e a economia, sendo esta comumente considerada tanto uma ciência exata quanto uma ciência social[23]. Por essa razão, há de se ter claro que a formação continuada deve abarcar outros campos do conhecimento que não o estritamente jurídico. Em tal sentido, o Código de Ética da Magistratura nacional preconiza, em seu art. 31, que: “A obrigação de formação contínua dos magistrados estende-se tanto às matérias especificamente jurídicas quanto no que se refere aos conhecimentos e técnicas que possam favorecer o melhor cumprimento das funções judiciais.”

Desse modo, quando alguém se depara, em um tribunal, com uma imagem de Têmis de olhos tapados, deve entender que se trata de um símbolo da neutralidade da justiça, que deve ser aplicada independentemente de a pessoa julgada ser rica ou pobre, poderosa ou comum, mas não como um símbolo de uma instituição ensimesmada, voltada para um conhecimento árido, que ignora as diversas facetas do mundo e que, por isso, é facilmente enganada e conduzida para onde queiram levá-la. Como ilustrou Martin Loughlin (2000, pp 55-63), a justiça tem os olhos tapados, mas não é cega[24].   

Por outro lado, a constatação da necessidade de o juiz possuir conhecimento multidisciplinar não habilita a exageros, como posicionamentos que desconsideram ou atribuem menor valor ao conhecimento jurídico, ou mesmo que atribuem menor importância à norma jurídica para a solução dos problemas práticos que chegam ao magistrado. Esta advertência já se encontrava em lição antiga de Bobbio, dirigida ao realismo jurídico: “Não precisamos gastar palavras para mostrar a falácia da redução de toda pesquisa científica à ciência natural e da conseqüente aplicação do método das ciências naturais a todos os territórios do saber. Já tivemos a chance de evidenciar a complexidade do problema e a que conseqüências absurdas conduz o ingênuo cientificismo dos neo-realistas.”[25] (op. cit. p. 49)

Outra ressalva que deve ser feita diz com a faculdade do magistrado de optar por não ter contato com informações que possam viciar a elaboração de seu veredicto. A função do juiz, por mais que se assemelhe às dos demais operadores do direito, tem suas peculiaridades. Cabe ao magistrado dar palavra final ao litígio. Assim, conhecendo sua condição de ser humano e a decorrente impossibilidade de, uma vez tendo contato com certo elemento de informação, remover-lhe simples e cirurgicamente do pensamento como se nele jamais tivesse ingressado, pode optar por não conhecer certos dados que, de alguma forma, poderiam inclinar-lhe o juízo na direção de um julgamento incorreto fática ou juridicamente. Trata-se de hipótese excepcional, mas que pode ocorrer na prática. Por exemplo, a Justiça britânica tem sido palco, há décadas, de vivo debate sobre a licitude e adequação da conduta do magistrado que examina a documentação formulada ao longo do processo legislativo de uma lei, como a justificativa do projeto de lei, os pareceres das comissões, etc. Até 1993, ano de julgamento do caso Pepper v. Hart, a jurisprudência do então tribunal máximo da Grã-Bretanha, a Casa dos Lordes, apontava fortemente no sentido de que tal conduta seria ilícita e inadequada, pois acarretaria que os magistrados levassem em conta as opiniões, o subjetivismo daqueles que participaram do trâmite em detrimento do que a lei, objetivamente,diz. Por isso, os magistrados daquele país, por muito tempo, evitaram conhecer da documentação gerada no trâmite legislativo do diploma que regia os casos que lhes competiam julgar, mesmo que tal exame tivesse por finalidade única o que se pode denominar “cognição negativa” da lei, isto é, o conhecimento dos dispositivos que foram vetados pelo Executivo ou que foram excluídos da lei por votação do Parlamento. Essa postura defensiva, em menor grau, permanece ainda hoje naquela jurisdição. Os argumentos que a defendem, além de fortes, parecem ser válidos também para a jurisdição brasileira, onde o juiz, ao se debruçar sobre a documentação do trâmite legislativo, quase que só encontra manifestações de um pequeno número de atores do processo legislativo, geralmente daquele que apresentou o projeto e de uma ou mais comissões. Aqui, diferentemente do que se passa, por exemplo, com resoluções da ONU, em que os considerandos são tidos como parte do projeto, e votados, a justificativa do projeto e os pareceres das comissões não integram a lei e não se submetem à votação. Por isso, ao dar maior atenção a tais manifestações, o juiz, inadvertidamente, está dando prevalência a pontos de vista que podem ter sido simplesmente desconsiderados pelo Parlamento, que pode ter aprovado o texto da lei por outras razões, tendo visto o projeto de outra forma.     

De todo modo, o que se pode ter como defensável é a opção pelo juiz de se privar do conhecimento de certos elementos de informação, por julgá-los fática ou juridicamente impróprios, não podendo ele, jamais, optar por restringir sua formação. Esta, por tudo que foi exposto até aqui, deve visar à compreensão do mundo em toda a sua complexidade.        

Necessário, pois, que os operadores do direito, também e principalmente os juízes, estejam em permanente busca de uma compreensão multifacetada, portanto mais completa, da realidade, sem descurar das especificidades da ciência jurídica.


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Notas

[1] Há um rico e longevo debate sobre o quanto as possíveis consequências de determinada decisão jurídica influenciam ou devem influenciar a decisão em si. Para esse debate: ATIENZA, 2006, p. 133-135. Sobre tal aspecto, há de se notar que a necessidade de se medir as conseqüências de uma decisão não se confunde, necessariamente, com o que se tem chamado de pragmatismo, corrente esta que, em momentos extremados, chega a recomendar ao juiz que simplesmente decida da forma que melhor convier aos interesses da coletividade, pouco se atendo à lei. Em verdade, não há antagonismo real e apriorístico entre seguir fielmente a lei e priorizar as conseqüências práticas da decisão, sendo incorreto afirmar que tais posturas só incidentalmente coincidem. Aquele que aplica fielmente a lei pode estar agindo dessa forma por concluir que, embora as conseqüências práticas de sua decisão possam ser drásticas, as conseqüências de um distanciamento entre lei e Estado, ou entre lei e sociedade, seriam ainda mais sérias. Tal concepção é vista em Kant (Apud ARENDT. 2006. p. 224), como também em Ronald Dworkin (2006, p. 61.).

[2] Esta segunda ilustração, do Judiciário como um armador que segue reformando o barco durante a viagem, constitui variação de uma imagem proposta por Otto Neurath, e posteriormente por W. V. Quine, a qual não se refere especificamente aos juízes, mas a todos aqueles que se propõem a usar a razão (Apud NOZICK, 2001, p. 2). Há, também, notáveis pontos de semelhança entre a metáfora aqui lançada e a metáfora que Norberto Bobbio (2008. pp. 69-70) faz entre o jurista e o artesão.

[3] Apud POPPER, 2007, p. vi.

[4] Admite-se, inclusive, que o juiz possa optar entre trazer ou não à baila um questionamento jurídico que seria pertinente ao caso concreto. Essa é a concepção externada por Hugo Lafayette Black (1970, p. 36) na seguinte passagem: “[...] Apresentam-se ocasiões em que o bem público reclama, em altos brados, que se ponha fim a dúvidas constitucionais sobre leis que podem afetar, de modo vital, as vidas e os costumes de milhões de pessoas”.

[5] Tal ideia de pureza do juiz remonta a Platão (The Republic, p. 82). 

[6] Também essa noção está presente em Platão (Laws, p. 285). Na mesma linha, vê-se o pensamento de HOBBES, 1985, p. 328.

[7] LOUGHLIN, 2000, pp. 55-63.

[8] Nesse sentido a opinião de Hart (2006, p. 314 – pós-escrito). No que tange a Dworkin, embora seu posicionamento tenha mudado desde O Império da lei, o fato é que permanece distinguindo os casos difíceis dos demais, parecendo indicar que elementos extra-jurídicos, ou ligados ao direito por seu conceito de integralidade, só seriam necessários nos casos difíceis.

[9] Esta visão se encontra em Dworkin, op. cit. pp. 54-55.

[10] É o que se vê, por exemplo, na opinião de Posner (2008, pp. 209, 212), que defende que as faculdades de direito estabeleçam vasta carga horária para matemática, estatística, ciência, tecnologia e, diferentemente do que parece ter sido sua opinião em obras anteriores, ciência política.

[11] Dworkin exemplifica com a maneira pela qual Richard Posner analisou casos julgados pela Suprema Corte americana referentes à eutanásia (op. cit. pp. 86-87).

[12] Operadores do direito, como regra geral, não possuem formação filosófica suficiente para empreender a construção de sistemas filosóficos densos que expliquem, de forma abrangente e satisfatória, o fenômeno jurídico. Esta, segundo Dwokin (op. cit. p. 140) é a visão de Hart. No entanto, tal relato parece excessivo. Hart entendia que o reconhecimento de uma norma como jurídica pelos operadores do direito requer conhecimentos distintos daqueles necessários à estruturação de um sistema filosófico. Além disso, entendia que a atuação fragmentária dos juízes nos casos concretos pouco habilitava-os a traçar, a partir dos casos, vastos sistemas normativos como o fazem os legisladores. Contudo, ele também entendia que o trabalho do juiz assemalhava-se, em certas situações, à de um legislador (op. cit. p. 336). Outro aspecto é que a intenção de Hart, ao menos no posfácio que escreveu ao seu O conceito da lei, era negar a concepção de Dworkin de que o juiz deve haurir, para os casos concretos, respostas a partir de uma suposto sistema normativo, muito fugidio e abstrato, que existiria, segundo Dworkin, em decorrência da ideia que este defendia de integralidade do direito. Hart, portanto, intentava rejeitar a visão do juiz “Hercules”, elaborada por Dworkin, e não tanto considerar o ofício de julgar um trabalho intelectualmente menor. De qualquer forma, o fato é que o sistema filosófico que criou não se incompatibiliza com o uso simultâneo, pelo operador do direito, de outras ferramentas que lhe permitam melhor compreender e resolver a questão que lhe é posta. O mesmo se pode dizer do sistema criado por Kelsen, sendo que, segundo seu pensamento, deveria haver uma preponderância do pensamento normativo sobre o extra-jurídico, não havendo incompatibilidade. Nesse aspecto, de grande pertinência o comentário de Norberto Bobbio: “Acrescentemos que Kelsen dedicou algumas páginas eloqüentes e essenciais para refutar tal acusação, explicando a diferença que vai da determinação dos comportamentos de fato, tarefa própria das ciências naturalistas, e a determinação da validade jurídica propriamente dita, concluindo não existir nenhuma incompatibilidade entre um método e outro, no máximo um primado da jurisprudência normativa sobre a sociológica, devido ao fato de que a ciência sociológica do Direito pressupõe o conceito de Direito dado pela jurisprudência normativa” (op. cit. p. 49).       

[13] Em sentido semelhante ao ora defendido, milita a opinião de Dworkin (op. cit. p. 73, 84).

[14] Esta crítica encontra-se relatada em Habermas (1998, p. 201), dirigindo-se ao chamado realismo jurídico.

[15] Nesse equívoco, incorrem muitos autores. Dworkin parece entender que a forma de se raciocinar os casos concretos tende a levar a formulações restritas a categorias normativas e princípio (op. cit. pp. 54-55). No que diz respeito a Hart, sua posição é ambígua. De um lado, parece considerar os casos concretos como elementos essenciais para a densificação do sistema jurídico, sem os quais ele permaneceria incompleto (op. cit. p. 143). Já em outras passagens, parece considerar os casos concretos verdadeiras e sérias limitações ao raciocínio jurídico de maior porte (op. cit. p. 336, pós-escrito).  

[16] Corroborando o que vai aqui defendido, vê-se o comentário de Dworkin às mudanças de perspectiva percebidas em entendimentos de Antonin Scalia, ministro da Suprema Corte americana (op. cit. pp. 124-125).

[17] Para uma análise inovadora da analogia: WEINREB, 2008.

[18] Um panorama detalhado desses estudos é fornecido por Richard Posner (2008, pp. 19-123)

[19] (YALOF, 2010).

[20] Michael Zander, a partir de lição de Patrick Atiyah, traça curioso paralelo entre o comportamento das cortes inglesas e americanas (2004, p. 380).

[21] Entre as obras que se destacam nessa área está a editada por Semir Zeki e Oliver Goodenough (2009).

[22] Entenda-se como consensual a ideia de que o juiz deve conhecer a sociedade. Não há, entretanto, consenso sobre a maneira como deve conhecê-la. Por exemplo, nas jurisdições de common law persiste a noção, bastante difundida, de que a tarefa do juiz é de trazer a lume aquilo que a comunidade já considera como lei, o que só poderia ser obtido através de uma observação e uma vivência mais “simples” e menos científica da comunidade. Esta ideia parece estar presente no pensamento de Edward Levi (2005, p. 1). Para um panorama dessa concepção, temos a lição de Roger Cotterrell (2003, p. 25).  Ademais, tem-se apresentado, com freqüência, o problema de se saber o quanto o juiz deve se aproximar da sociedade sem que isso implique em sua fragilização institucional, pois passaria a ter dificuldade em exercer juízos técnicos ante o clamor social por juízos menos técnicos e mais intuitivos (VERMEULE, 2009, p. 183). Tal questionamento se faz cada vez mais importante conforme avançam e se difundem formas de participação direta da sociedade civil nas tomadas de decisão estatais, como as audiências públicas em processos judiciais de repercussão geral e as enquetes pela internet sobre temas pendentes de julgamento pelos tribunais. Sobre diferentes formas de participação direta e seu embasamento teórico ver SINTOMER, 2010. 

[23] Sobre a necessidade de diálogo entre direito e economia, de grande importância a opinião de Diogo R. Coutinho (2005).

[24] Op. cit. p. 63.

[25] Op. cit. p. 49.                                                       


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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VILELA, Hugo Otávio Tavares. Além do Direito: da necessária formação multidisciplinar do juiz. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3209, 14 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21504. Acesso em: 18 abr. 2024.