Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/21675
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A legalidade da cobrança do imposto sobre serviço de qualquer natureza sobre os emolumentos cartorários e notariais

A legalidade da cobrança do imposto sobre serviço de qualquer natureza sobre os emolumentos cartorários e notariais

Publicado em . Elaborado em .

A decisão do STF na ADI 3.089-2/DF, que declarou a constitucionalidade da cobrança do ISSQN sobre os serviços cartorários, objetivou colocar fim à discussão quanto à aplicação do instituto da imunidade recíproca às atividades prestadas pelos notários e registradores.

RESUMO

O número de serviços tributáveis pelo Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza- sofreu um aumento significativo com o advento da Lei Complementar nº 116 de 31 de julho de 2003, que trouxe em seu bojo, entre outros, o item 21 e 21.01, que corresponde aos serviços de registros públicos, cartorários e notariais. Este item foi objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.089-2/DF-2008, onde a Suprema Corte discutiu a respeito da legalidade da cobrança do ISSQN sobre citadosemolumentos. Contudo, mesmo com o julgamento desta ADIn,ainda em 13 de fevereiro de 2008, os debates doutrinários em torno do tema persistiram. O presente trabalho procurou analisar a incidência do referido tributo sobre os emolumentos cartorários, abordando o posicionamento atual do Supremo Tribunal Federal.

Palavras-chave: Emolumentos. Imposto sobre serviço de qualquer Natureza. Serviço Notarial. Ação Direta de Inconstitucionalidade.


1 INTRODUÇÃO

O presente estudo objetiva efetuar uma acurada análise da decisão proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.089-2/DF, do dia 13 de fevereiro de 2008, pelo Supremo Tribunal Federal.

A ADIn mencionada foi ajuizada pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil – ANOREG/BR, contra o disposto nos itens 21 e 21.1 da Lista Anexa à Lei Complementar nº 116/2003, segundo os quais podem ser tributados os serviços de registros públicos, cartorários e notariais. E foi exatamente contra a previsão de tributação de tais serviços que foi então ajuizada aADIn em comento, pretendendo-se a análise e, ao final, a declaração da inconstitucionalidade dos mencionados dispositivos.

Para tanto, alegara-se que a tributação daqueles itens consistia em ofensa direta e frontal ao exarado no artigo 150, VI, “a” e §§2º e 3º da CF/88, na medida em que, na hipótese, aplicar-se-ia o que a doutrina chama de “imunidade recíproca”, afastando, assim, do campo possível da tributação municipal, a hipótese considerada.

Na conclusão do julgado, verifica-se, entretanto, que o entendimento vencedor não acolheu a tese suscitada pela ANOREG/BR e, por votação majoritária, o STF julgou improcedente o pedido, reconhecendo a legitimidade da cobrança do ISSQN na hipótese,restando, assim, vencido o relator - Ministro Carlos Aires Britto-, que julgava procedente a ação, declarando inconstitucional a cobrança do ISSQN dos cartorários.

Nos fundamentos adotados pela Corte, entendeu-se como válida e regular a tributação das mencionadas atividades, uma vez que, sendo desenvolvidos os serviços notariais e de registro - pelos agentes legitimados – com o fim específico da obtenção de lucro, perfeitamente configurada se verifica, então, a hipótese abarcada pelas disposições do §3º do artigo 150 da CF/88, obstando, assim, a aplicação da imunidade pretendida, e destacando, inclusive, que “os agentes notariais demonstram capacidade contributiva objetiva, por se dedicarem com inequívoco intuito lucrativo à atividade”.[1]

Feitos esses esclarecimentos iniciais, começa-se a abordagem do tema, apontando-ao menos de forma superficial -, diversos meandros das atividades desenvolvidas pelos cartorários, dentre os quais se destacam a sua natureza, a forma de ingresso e a específica regência legal e constitucional.

Seguindo o estudo que se pretende, passa-se à análise da forma de remuneração dos notários e registradores, ponto sobre o qual pretendeu o relator que se debruçasse, de forma mais cuidadosa, os ministros da Excelsa Corte, a fim de se verificar as implicações jurídicas a interferirem no decisum a partir da perfeita noção da natureza jurídica da aludida remuneração dos serviços apontados.

O que se objetivou, neste estudo, é demonstrar que o entendimento, no que pertine à natureza jurídica dos emolumentos, merece uma releitura, concluindo-se, a partir de uma nova análise, tratar-se, na verdade, de verdadeira “tarifa”, e não propriamente de “taxa”, como antes prolatado.

O caminho seguido para a elucidação das dúvidas supracitadas - ao menos no que se refere à legalidade da cobrança do ISSQN -, há de ser apoiado na análise conjunta da Constituição da República de 1988 e da legislação infraconstitucional, destacando-se, dentre outras, as disposições da Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, da Lei nº 10.169, de 29 de dezembro de 2000 e da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003 (itens 21 e 21.1 da Lista Anexa), bem como na robusta doutrina a eles relativa.

A partir dessas abordagens, pretende-se então, ao fim, analisar os fundamentos utilizados pelo Supremo Tribunal Federal na admissão da regularidade da incidência tributária do ISSQN sobre as atividades desenvolvidas pelos agentes cartorários, revisitando, a partir dessas considerações, os fundamentos adotados e identificando a possível mudança conceitual aplicada em relação à natureza jurídica dos referidos emolumentos.


2 ATIVIDADE NOTARIAL:

2.1 Escorço Histórico:

No estudo a respeito da história da atividade notarial e dos registros públicos, relevante se apresenta o estudo de Leonardo Brandelli, queaponta, como cerne fundamental, que “a história do notariado confunde-se com a história do direito e da própria sociedade, residindo aí sua beleza e importância” [2]. Ao fundar-se nessas bases, conclui o autor que:

A atividade notarial é atividade pré-jurídica, egressa das necessidades sociais. No mundo prisco massivamente iletrado, sentiu-se primeiramente necessidade de que houvesse algum ente, confiável, que pudesse redigir, tomar a termo, os negócios entabulados pelas partes. Surge assim o protótipo do notário, como mero redator dos negócios entabulados pelas partes, com o intuito de perpetuá-los no tempo facilitando sua prova. [3]

A afirmativa se confirma com a busca, da sociedade, pela segurança jurídica inexistente à época, e, para ela, a necessidade de certeza dos atos que precisavam ser praticados. Para tanto, era necessário que aquele que transcrevia os fatos correspondentes pudesse fazê-lo com fé-pública e transmitisse, assim, a segurança almejada as partes.

A partir do apontamento dessa exigência, verifica-se que, mesmo com a necessidade de terem seus atos provados, o que havia, até então, eram pessoas que apenas transcreviam os atos. Os ancestrais dos tabeliães eram, na essência, meros redatores, “faltando-lhes, porém, a fé pública, o poder de autenticar o que redigiam”.[4]

Logo, o que se pode concluir dessa análise inicial é que, por mais próxima que possa parecer com as atividades atualmente desenvolvidas pelos agentes delegados, o que se verifica, a partir dessas considerações, é que a atuação dos indicados “agentes registradores”, efetivavam, na verdade,tão somente, o testemunho da realização do negócio jurídico formulado entre os particulares.

Com a evolução da atuação jurídica no convívio social, valorizou-se, então (ao extremo), a “formalização dos atos jurídicos”, como meio de garantir a eficácia necessária, o que, então, passou a exigir a presença do agente que - dotado de “fé pública” -, passava a ser então legitimado para o cumprimento das formalidades necessárias, dando origem, dessa forma, às funções dos conhecidos “tabeliães de notas”, e, em seguida, aos respectivos “registradores”.

2.2 O Regime Jurídico do Notário e do Registrador:

A base constitucional da função desenvolvida pelos “cartorários”, nos moldes atuais, é relativamente nova,constando, atualmente, nos termos do artigo 236 da Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Antes, contudo, não existiam exigências garantidoras de que a função de notário e registrador seria desempenhada por profissionais do Direito,remanescendo, assim, sem dúvida alguma, os resquícios da oligarquia monárquica portuguesa.

A regulamentação mais remota a respeito do assunto data do Período Imperial, sendo considerada como uma tentativa de regulamentar a função que era desenvolvida por esses profissionais. A lei em comento não recebeu número, tendo sido então publicada em 11 de outubro de 1827[5] e, conforme ensinamentos de Luís Paulo Aliende Ribeiro:

Regulou o provimento dos cargos da Justiça e da Fazenda, proibiu a transferência dos ofícios a título de propriedade e determinou que fossem conferidos a título de serventia vitalícia a pessoas dotadas de idoneidade e que servissem pessoalmente aos ofícios, o que não impediu que até a data recente persistisse, de forma dissimulada, a venalidade e o regime de sucessão, com transmissão de pai para filho de tais ofícios.[6]

Todavia, mesmo com o advento da lei supracitada, não se definiu, satisfatoriamente, os requisitos necessáriose essenciais para a nomeação do titular, mantendo, assim, a situação de ausência de regulamentação da atividade notarial e de registro. Mais uma vez, Leonardo Brandelli, reconhecendo a carência de regulamentação anterior da atividade, traz a lume os comentários de A. B. Cotrim Neto, afirmando que:

[...] simples mudança da natureza jurídica do cargo atribuído (a passagem do regime de propriedade para o de serventia vitalícia) muito pouca influência teria no tratamento jurídico do Notariado: até os anos muito recentes a venalidade (dissimulada, embora) dos ofícios da Justiça, do Notariado, sobretudo, continuou; persistiu, embora do mesmo modo dissimulado, o regime de sucessão a transmissão do cargo de pai para filho. E ainda permanece, nos dias fluentes a outorga do status de titular nas serventias notariais [...] a cidadão totalmente jejunos em matéria jurídica.[7]

Os titulares das serventias possuíam direito vitalício e hereditário, o que permitia que o provimento dos cargos de tabelião e oficial, em caso de falecimento do titular, ocorresse por doação, venda da serventia ou mesmo por sucessão.

A par dessas considerações, a base constitucional da atividade desenvolvida por esses agentes no Brasil é, então, tratada - pela primeira vez -, na Carta Magnade 1967 (com as alterações outorgadas pela EC nº 01/69),mas somente após a Emenda Constitucional nº 7 de 13 de abril de 1977, quando foram então incluídos os artigos 206-208, que assim dispunham:

Art. 206 - Ficam oficializadas as serventias do foro judicial mediante remuneração de seus servidores exclusivamente pelos cofres públicos, ressalvada a situação dos atuais titulares, vitalícios ou nomeados em caráter efetivo ou que tenham sido revertidos a titulares. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 22, de 1982)

§ 1º - Lei complementar, de iniciativa do Presidente da República, disporá sobre normas gerais a serem observadas pelos Estados, Distrito Federal e Territórios na oficialização dessas serventias. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 16, de 1980)

§ 2º Fica vedada, até a entrada em vigor da lei complementar a que alude o parágrafo anterior, qualquer nomeação em caráter efetivo para as serventias não remuneradas pelos cofres públicos.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 7, de 1977)

§ 3º Enquanto não fixados pelos Estados e pelo Distrito Federal os vencimentos dos funcionários das mencionadas serventias, continuarão eles a perceber as custas e emolumentos estabelecidos nos respectivos regimentos.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 7, de 1977)

Art. 207 - As serventias extrajudiciais, respeitada a ressalva prevista no artigo anterior, serão providas na forma da legislação dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, observado o critério da nomeação segundo a ordem de classificação obtida em concurso público de provas e títulos. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 22, de 1982)

Art. 208 - Fica assegurada aos substitutos das serventias extrajudiciais e do foro judicial, na vacância, a efetivação, no cargo de titular, desde que, investidos na forma da lei, contem ou venham a contar cinco anos de exercício, nessa condição e na mesma serventia, até 31 de dezembro de 1983.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 22, de 1982).

Nesse diapasão, cumpre ressaltar que, desde sempre, osnotários e os registradores, apesar de ligados, representam figuras distintas, sendo conhecidos como “tabeliães” e “oficiais”, respectivamente. Suas atividades, atualmente, encontram-se disciplinadas a partir das disposições do mencionado artigo 236 da CF/88, que, sobre o assunto, serve então como sustentáculo para as disposições da Lei nº 8.935/94, tratando da forma específica do exercício dessas atividades, ao passo que a Lei nº 6.015/73, sendo recepcionada peloMagno Texto Republicano, trata das atividades de registros públicos, ficando, ambas as leis, responsáveis pela regulamentação das operações relacionadas.

A partir dessas considerações, apontam-se os tabeliães e os oficiais de registro como as pessoas físicas que, cumprindo os requisitos para o ingresso na atividade e após receber a delegação,exercem pessoalmente as suas funções, atuando em caráter privado, sujeitando-se, a todo instante, à fiscalizaçãodo Poder Judiciário.

Ambos cumpremo seu ofício com a marca fundamental da fé-pública, requisito inerente à função desenvolvida e que, de fato, a eles confere a necessária legitimidade exigida.

Como se vê, as mudanças no seio da atividade notarial e de registro aconteceram, de forma substancial, com o advento do atual diploma constitucional,tendo, a partir dela, surgido aesperada regulamentação da atividade do notário e do registrador, expressamente elencada no título IX (das Disposições Constitucionais Gerais), artigo 236, que, sobre o assunto, inclusive, assim dispõe:

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. (Regulamento)

§ 1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.

§ 2º - Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

§ 3º - O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.(Grifo nosso)

A par dessas considerações, cumpre ressaltar que os ofícios e tabelionatos se subdividem, de acordo com o que dispõem artigo 5º, da Lei nº 8.935/94, nas seguintes funções:

Art. 5º Os titulares de serviços notariais e de registro são os:

I - tabeliães de notas;

II - tabeliães e oficiais de registro de contratos marítimos;

III - tabeliães de protesto de títulos;

IV - oficiais de registro de imóveis;

V - oficiais de registro de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas;

VI - oficiais de registro civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas;

VII - oficiais de registro de distribuição.

No que tange a forma de ingresso dispõe oartigo14 da norma infraconstitucional em referência que

Art.14 - A delegação para o exercício da atividade notarial e de registro depende dos seguintes requisitos:

I - habilitação em concurso público de provas e títulos;

II - nacionalidade brasileira;

III - capacidade civil;

IV - quitação com as obrigações eleitorais e militares;

V - diploma de bacharel em direito;

VI - verificação de conduta condigna para o exercício da profissão.

Um dos pontos de relevante discussão a respeito dos requisitos para a obtenção da delegação da atividade notarial é o da exigência do grau de “bacharel em direito”, sendo relevante destacar também, nessas circunstâncias, que as disposições da própria legislação mencionada admitem, em caráter excepcional, a participação de interessados não titulados, quando aponta, no parágrafo segundo de seu artigo 15, o seguinte:

Art. 15. Os concursos serão realizados pelo Poder Judiciário, com a participação, em todas as suas fases, da Ordem dos Advogados do Brasil, do Ministério Público, de um notário e de um registrador.

§ 1º O concurso será aberto com a publicação de edital, dele constando os critérios de desempate.

§ 2º Ao concurso público poderão concorrer candidatos não bacharéis em direito que tenham completado, até a data da primeira publicação do edital do concurso de provas e títulos, dez anos de exercício em serviço notarial ou de registro.(Grifo nosso)

A teor do que determinam as atuais disposições constitucionais a respeito da matéria, o fato da forma de obtenção da delegação pública da atividade notarial e de registro dependerem de efetivo e específico “concurso público”, em nada afeta, a natureza jurídica das atividades desenvolvidas, nem tampouco as consequências delas imediatas, sendo de relevante destaque, inclusive, que, apesar de exigir o concurso público como forma de ingresso, as atividades são inegavelmente desenvolvidas em caráter privado, conforme expressamente dispõe o mandamento constitucional respectivo.

No Parecer dado pela Advocacia Geral do Senado Federal, na pessoa do Senhor Shalom Granado, Advogado Geral Adjunto,ao prestar informações para instruir a ADInnº 3.089-2/DF,entendeu-se que:

[...] os serviços notariais, muito embora sejam serviços de natureza pública, são exercidos conforme dispõe o art. 236 da Constituição Federal, em caráter privado, ou seja, têm os delegados plena responsabilidade na administração e condução dos serviços prestados à população, e embora cobrem obedecendo tabela de emolumentos fixada pelo Poder Judiciário, recebem por conta própria, têm liberdade de aplicação dos recursos auferidos, sendo por conseguinte responsáveis pela manutenção da infra-estrutura necessária aos serviços, inclusive de seu  pessoal, implicando dizer que exercem atividade originariamente pública, mas por conta própria, apenas sob a fiscalização do Poder Público, como acontece com todos os demais autorizados, permissionários e concessionários[...].[8]

O Parecer, ao que se verifica, responde - de forma clara -,aos questionamentos relativos à natureza jurídica da função do notário e registrador, destacando, a partir das disposições da própria Constituição de 1988, a natureza privada da atividade, especialmente quando destaca:

[...] as atividades dos titulares de delegação notarial em nada diferem dos demais autorizados, concessionários e permissionários de serviço público, como aqueles que exercem permissão para prestação de serviços de transporte coletivo, ou aqueles que recebem concessão, permissão e autorização para prestação de serviços de iluminação pública, serviços de água e esgoto, telecomunicações, radiofônicos, saúde, educação fundamental, todas atividades precipuamente estatais  à luz da própria Constituição Federal, daí porque a Lista Anexa à Lei Complementar nº 116, de 2003, fez constar igualmente os serviços de registros públicos e notariais na relação dos fatos geradores em que incide o imposto, que lembre-se, é sobre serviços de  qualquer natureza, não se aplicando portanto alguns limites próprios do ISS invocados pela Autora.[9]

A afirmação apresentada é de relevância ímpar, sobretudo por destacar, na essência, que, em que pese a inegável origem pública da atividade, a natureza jurídica a ela relacionada circunscreve-se aos necessários contornos privados, o que, já por si, afasta a simples afirmativa da imediata e completa impossibilidade de incidência das normas tributárias na espécie, o que há muito, então, já sempre fora presumido.

2.3 A Remuneração dos Notários e Registradores

2.3.1 Capitulação Legal para Fixação dos Emolumentos:

Os emolumentos, a partir do que determinam as disposições normativas de regência, englobam o pagamento integral da atividade cartorária, neles sendo compreendidos a remuneração direta do titular, e, ainda, todas as eventuais despesas necessárias para o desenvolvimento das atividades.

O parágrafo segundo do mencionado artigo 236 da CF/88 estabelece normas gerais para a fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos notários e registradores.

A remuneração desses agentes é regulamentada pela Lei Federal nº 10.169, de 29 de dezembro de 2000, que aponta que a delegação das atividades dá direito à percepção de emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia, sendo eles fixados pelos Estados e Distrito Federal,levando-se em conta o caráter social da atividade notarial e de registro, conforme dispõe o artigo 2º, seus incisos e alíneas inverbis:

Art. 2º Para a fixação do valor dos emolumentos, a Lei dos Estados e do Distrito Federal levará em conta a natureza pública e o caráter social dos serviços notariais e de registro, atendidas ainda as seguintes regras:

I – os valores dos emolumentos constarão de tabelas e serão expressos em moeda corrente do País;

II – os atos comuns aos vários tipos de serviços notariais e de registro serão remunerados por emolumentos específicos, fixados para cada espécie de ato;

III – os atos específicos de cada serviço serão classificados em:

a) atos relativos a situações jurídicas, sem conteúdo financeiro, cujos emolumentos atenderão às peculiaridades socioeconômicas de cada região;

b) atos relativos a situações jurídicas, com conteúdo financeiro, cujos emolumentos serão fixados mediante a observância de faixas que estabeleçam valores mínimos e máximos, nas quais enquadrar-se-á o valor constante do documento apresentado aos serviços notariais e de registro.

Parágrafo único. Nos casos em que, por força de lei, devam ser utilizados valores decorrentes de avaliação judicial ou fiscal, estes serão os valores considerados para os fins do disposto na alínea b do inciso III deste artigo.

A característica sui generis da remuneração dos titulares dos serviços extrai-se, exatamente, da verificação da natureza jurídica dos emolumentos percebidos, sobretudo porque, não sendo eles entregues e/ou repassados ao orçamento público Estadual/Distrital, inafastável se verifica, aí, seu eminente caráter privado, em perfeita consonância, inclusive, com o que expressamente determinam as disposições do mencionado artigo 236 da CF/88.

2.2.2 Da Natureza Jurídica dos Emolumentos:

A partir das considerações até aqui apresentadas, um dos temas de maior relevância no estudo da matéria, sobretudo em relação à busca da identificação da específica natureza jurídica dos chamados “emolumentos cartorários”, cinge-se à tendência verificada na doutrina – e também na jurisprudência -, em entendê-los como se integrados às categorias tributárias, o que, inclusive, pode ser verificado em diversas manifestações jurisdicionais, tudo isso, é certo, antes do enfrentamento da matéria pelos moldes oferecidos no julgamento da ADInnº 3.089-2/2008.

Entretanto, para a compreensão da natureza jurídica dos emolumentos percebidos pelos mencionados agentes é de fundamental importância para o estudo da essênciado instituto, sem que se esqueça, por certo, do já delineado caráter privado da atividade desenvolvida.

Nessa senda, oportuno citar os julgamentos que fundamentaram o suposto caráter tributário da verba, destacando-se, a esse respeito, a ADInnº 1.145-6 da Paraíba, donde se destaca o voto do Relator -Ministro Carlos Velloso -,quando afirmavaque“as custas, a taxa judiciária e os emolumentos constituem espécies tributárias, são taxas segundo a jurisprudência iterativa do Supremo Tribunal Federal”.[10]

Nessa mesma vertente, destaca-se, a ADIn nº 1.378-5 – MC/ES, onde o relator, Ministro Celso de Mello, ao falar da “Natureza jurídica das custas judiciais e dos emolumentos extrajudiciais”[11] disse que:

A Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as custas judiciais e os emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos, sujeitando-se, em conseqüência, quer no que concerne à sua instituição e majoração, quer no que se refere à sua exigibilidade, ao regime jurídico constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo vinculado[...].[12]

Outros precedentes que corroboravam o entendimento em comento e, também, foram citados pelo o Relator da ADInnº 1.145-6/PB, foram os exarados nas ADIn nº 1.378-MC/ES, ADInnº 948-GO, ADInnº 2.059/PR, ADInnº 1.709/MT, ADInnº 1.778/MGe RE nº 116.208/MG.

Todos esses arestos, entretanto – como antes apontado -,são anteriores à ADInnº 3.089-2/DF-2008, que, apesar de não ter este como o seu ponto central de debate, confere à atividade notarial e de registro uma efetiva e nova roupagem conceitual, que, sem dúvida, afeta, diretamente, o foco da discussão ali tratada.

Com o julgamento da ADInnº 3.089-2/DF, em que se afirmou constitucional a cobrança de impostos sobre os emolumentos cartorários e notariais, fica explícito que o entendimento anterior - de que os emolumentos teriam natureza jurídica de “taxa” -,teria restado ultrapassado, devendo esta questão ser aqui, então,também efetivamente enfrentada.

A esse respeito, cumpre ressaltar que, em primeiro lugar, o conceito normativo de tributo é tratado, expressamente, nas disposições do Código Tributário Nacional – CTN,onde se verifica, a partir de seu art. 3º, o seguinte:

Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Com esse apontamento, de regra, a natureza jurídica tributária - em nosso sistema constitucional tributário -, é compreendida dentro dos estreitos limites definidos no referido diploma, sendo dele então sacada a ideia de que “tributo” é a prestação devida pela materialização específica da hipótese legal, encontrando suas espécies, assim, nas disposições então existentes entre os art. 145 e art. 149-A da CF/88.

A partir desse fundamento básico, extrai-se como essencial a natureza exlege da obrigação tributária, afastando, por conseguinte, as obrigações decorrentes das relações contratuais entre os cidadãos e o Estado.

A esse respeito, no que se refere às taxas, cumpre observar que a sua base legal encontra-se no artigo, 145, II, da CF/88, que, sobre o assunto, aduz serem devidas“taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição”.

Logo, para instituição das taxas, é relevante a observância dos pressupostos jurídicos essenciais para a sua criação, como consta, inclusive, dos ensinamentos do festejado professor Sacha Calmon Navarro Coelho, que leciona:

Por primeiro, a pessoa política [...] precisa possuir competência político-administrativa para prestar o serviço público ou praticar o ato do poder de polícia, que são os suportes fáticos das taxas [...]. Em segundo lugar, o ato de polícia e o serviço público devem ser específicos e divisíveis. [...]. Em terceiro lugar, é preciso lei, em sentido formal e material, para instituir taxas.[13]

Pois bem. Considerando-se que para instituir uma taxa (tributo), a prestação do serviço deveria então ser diretamente efetuada pelo Estado, não se admitindo, assim, em nosso sistema, a possibilidade da cobrança, destino e proveito do “tributo” por agentes exclusivamente privados, como o são os notários e registradores.

O serviço notarial e de registro, embora seja configurado como efetivo “serviço público”, sua materialização e o caráter específico da prestação decorrem de direta e imediata atuação e responsabilidade da pessoa física titular(notário ou registrador), exigindo, tão somente, o preenchimento dos requisitos esboçados pela Lei nº 8.935/94 e pela atual Constituição.

Então,evidenciado e reconhecido, pelo STF, o caráter privado do serviço delegado,passa a ser ônus dos agentes delegatários os custos para implantação e manutenção da serventia, tendoseus rendimentos retirados dos emolumentos percebidos como contraprestação do serviço efetivamente prestado por agente diverso do agente estatal e não se confundindo com ele pelo fato do serviço ser público.

Ora, conforme expressamente apontado pelo julgado da ADInnº 3.089-2/DF tratando-se de “serviços públicos prestados em caráter privado”, não advém como conclusão possível a configuração dos emolumentos cartorários a partir da natureza jurídica das taxas (tributos), uma vez que, conforme demonstrado, estas somente seriam possíveis na remuneração de atividades prestadas pelo próprio Poder Público, o que, como se verifica, não foi o que efetivamente apontado naquela oportunidade.

Assim, conclui-se que, tratando-se as atividades notariais e de registro como efetivas e específicas atividades delegadas do Poder Público, os emolumentos deles decorrentes não poderiam possuir a pretendida natureza tributária, representando, sim, específicas “tarifas”, conforme aqui antes apontado.

Tal apontamento, entretanto, apesar de efetivamente relevante para a configuração e a compreensão da hipótese estudada, não recebera, no julgamento daADIn nº 3.089-2/DF, direto e específico enfrentamento, carecendo, ainda, uma melhor análise da doutrina e da jurisprudência, partindo, agora sim, dos relevantes apontamentos ali apresentados.


3A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E A SUA INAPLICABILIDADE À ATIVIDADE CARTORÁRIA:

3.1 Generalidades:

A par das considerações a respeito da configuração específica da natureza jurídica dos emolumentos cartorários e da definição das figuras dos agentes delegados como exercentes de ofício em caráter privado, a respeito do tema aqui em debate, é defundamental importância a compreensão dos contornos específicos do instituto dasimunidadestributárias e, a partir daí, a verificação de sua (in)aplicabilidade nas atividades relacionadas.

Para tanto, cumpre ressaltar que o estudo específico das imunidades, de acordo com a abalizada doutrina tributária, relaciona-se com a efetiva compreensão do conceito jurídico-constitucional da competência tributária, compreendendo estaa faculdade,conferida às pessoas políticas, concedida pela Constituição Federal de 1988, que possibilita,in abstrato, a criação detributos, a partir da descrição legislativa da hipótese de incidência, do sujeito passivo, da base de cálculo e de suas alíquotas.

Nesse ponto, cumpre ressaltar, desde já, que ao definir as respectivas competências tributárias, o texto constitucional, em momento algum, promove a específica criação de tributos, apenas estabelecendo, de forma geral, os limites possíveis do exercício do que se chama o Poder Tributário.

Lembrando que não é o bastante autorizar a criação de tributos, então o “poder de tributar - enquanto atributo da soberania de que dotado o Estado – tem no Brasil, o seu exercício disciplinado inteiramente e rigidamente pela Constituição”.[14]

A imunidade tributária, assim, deve ser compreendida como verdadeira limitação constitucional ao poder de tributar, atingindo,umbilicalmente, o instituto da competência tributária.

Logo, ao analisar o desenho das imunidades tributárias, está-se a referir sobre regras exclusivamente constitucionais, onde,então, são descritas “situações intributáveis”[15], reduzindo assim o campo possível do exercício das competências tributárias respectivas das pessoas políticas.

O professor Roque Antônio Carrazza, ao tratar desse assunto, preleciona:

Podemos dizer que a competência tributária se traduz numa autorização ou legitimação para a criação de tributos (aspecto positivo) e num limite para fazê-lo (aspecto negativo).

Assim as pessoas somente podem criar os tributos que lhes são afetos se os acomodarem aos respectivos escaninhos constitucionais, construídos pelo legislador constituinte com regras positivas (que autorizam tributar) e negativas (que traçam os limites materiais e formais da tributação).[16]

A partir das lições do referido mestre, o que se conclui é que a imunidade tributária deve ser considerada como efetiva hipótese de não-incidência constitucional, instituída pelo poder constituinte originário ou derivado “que há de ser entendida e aplicada de acordo com os princípios e valores que consagra”.[17]

Em última análise, pode a imunidade ser entendida como a fixação da

[...] incompetência das pessoas políticas para fazerem incidir a tributação sobre determinadas pessoas, seja pela natureza jurídica que estas têm, seja porque realizam certos fatos, seja, ainda por estarem relacionadas com dados bens ou situações.[18]

Sem o intuito de aqui tratar, de forma exaustiva, cada uma das espécies de imunidades tributárias previstas no texto constitucional, destacam-se, sobre o assunto, as hipóteses elencadas no artigo 150, VI da CF/88, que assim destaca:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

VI - instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

b) templos de qualquer culto;

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

[...]

§ 2º - A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.

§ 3º - As vedações do inciso VI, "a", e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.

[...] (grifo nosso)

Para Aires F. Barreto e Paulo Ayres Barreto para caracterização da imunidade tributária

[...] basta ser ente político constitucional (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) para que sejam imunes seu patrimônio, suas rendas e seus serviços.

[...]

O mesmo ocorre com os templos de qualquer culto. Bastando a existência de um templo, para que sobre ele não possa incidir imposto, porque fazê-lo implicaria ofensa ao direito individual da liberdade de crença e das praticas religiosas.

[...]

Também são incondicionadas as imunidades que favorecem o livro, o jornal, o periódico e o papel destinado a sua impressão.[19]

Entretanto, ao tratar da imunidade prevista do na alínea “c” do inciso VI do art. 150, CF/88, o que se percebe é a exigência de requisito para que seja caracterizada a imunidade, sendo “inafastável que se tenha entidade ou instituições sem fins lucrativos, para que seja possível cogitar de imunidade”.[20]

No que aqui interessa ao trabalho, destaca-se que o § 3º do dispositivo em comento, traz, no entanto, exceção à regra constante da alínea “a” - a chamada imunidade recíproca-,apontando a sua inaplicabilidade quantoà renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário. Sendo esse o instituto que alegou ser aplicável a atividade dos notários e registradores.

3.2A ADInnº 3.089-2/DF e a inaplicabilidade da imunidade:

Feitas todas as ponderações, quanto à discussão travada naADInnº 3.089-2/DF,que - como antes apontado -, foi proposta com a fito de ver declarada a inconstitucionalidade dos itens 21 e 21.1, onde aANOREG/BR alegara violação do artigo 150, VI, a, §§ 2º e 3º da Constituição de 1988 por entender que os serviços prestados pelos notários e registradores eram serviços públicos e imunes à tributação recíproca pelos entes federados, cumpre, agora, a efetiva análise dos termos do voto proferido e do resultado alcançado pelo julgamento.

A análise da atividade desenvolvida pelos agentes delegados e o recebimento da contraprestação por meio de emolumentos cartorários, que possuem natureza definida, sempre voltados à obtenção do lucro, como antes demonstrado, denota que tal pleito seria injustificado, uma vez que não se verifica, ali, direta prestação de serviço pelo ente estatal.

Entendeu a Corte Superior que “a imunidade reciproca só se aplica quando o ente político presta o serviço. Se este é prestado por permissionários, concessionários ou delegatários, em caráter privado, não há que se falar em imunidade”.[21]

O caso em tela é atividade delegada exercida nos moldes e limites do artigo 236, Constituição vigente e da lei que o regulamenta[22], sendo declarado pelo STF, como atividade exercida “mediante contraprestação com viés lucrativo, posto que de índole estatal, submetida ao poder de polícia do Judiciário”[23].

Nessa seara, o que fica claro é que a imunidade recíproca é incompatível com o objeto pretendido na ADIn nº 3.089-2/DF, sendo compreendido pelo Ministro Joaquim Barbosa, em voto vista, seguido pela maioria, que trata-se de:

[...] mecanismo de ponderação e calibração do pacto federativo, destinado a assegurar que entes desprovidos de capacidade contributiva vejam diminuída a eficiência na consecução de seus objetivos definidos pelo sistema jurídico.

[...]

Assim, a imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e não de particulares que executam, com inequívoco intuito lucrativo serviços públicos mediante concessão ou delegação devidamente remunerados.”[24]

Logo não há que se falar em tributação indevida quando se está a tratar de atividade delegada, pois

[...] a tributação a título de Impostos sobre Serviços de Qualquer Natureza, recebidos por particulares como contraprestação pelo exercício delegado de serviços notariais e de registro (art. 236, caput, da Constituição), não viola a imunidade recíproca prevista no art. 150, VI, a, da Constituição.[25]

Nessa linha, destaca-se que “a atividade notarial é sempre exercida por entes privado”[26], conforme regra traçada na vigente Constituição, que como contraprestação, recebem os emolumentos respectivos, sem que, com isso, desnature-sea“índole estatal, submetida ao poder de polícia do judiciário (art. 236, caput e §§1º e 2º, da Constituição)”.[27]

A pretensão da ANOREG/BR objetivava ver prevalecer no julgamento da mencionada ADInnº 3.089-2/DF, que o fato do serviço ter caráter público seria, pois, suficiente para impor à exclusão da aplicação do ISSQN, buscando reconhecer, nessa configuração, a hipótese imunizante do mencionado artigo 150, VI, “a” da CF/88.

Os tabeliães e oficiais exercem, de fato, um “nobre” serviço público, mas daí considerar que,por isso, dever-se-ia excluir a tributação respectiva, seria descaracterizar o que dispõe a Constituição da República de 1988 e, com isso, desrespeitar o objetivo último do Poder Constituinte Originário.

A admissão da distinção, certamente, criaria verdadeira e invalida distinção em prol dos referidos agentes, conferindo benefícios particularesaos exercentes de atividade lucrativa, com efetiva capacidade contributiva, distinguindo-os dos demais que exercem atividades concedidas, autorizadas ou permitidas em colaboração com o Estado.

Aalegação de desequilíbrio suscitada com a tributação dos serviços analisados não subsiste,vez que a tributação em exame “onera riqueza destinada à incorporação ao patrimônio de particulares, e não a renda ou patrimônio dos entes federados [...], na medida em que aproveita financeiramente ao prestador e não ao Estado”.[28]

Deve-se observar que os frutos do trabalho desenvolvido por esses profissionais não incorpora o patrimônio do Estado. Logo o que não faz parte do patrimônio do Estado é o que está sendo tributado, ou seja, a tributação ocorre sobre os rendimentos adquiridos e incorporados ao patrimônio particular daquele que exerce efetivamente a atividade, afastando, de plano, a alegação de que a incidência do ISSQN feriria o pacto federativo, tendo em vista que a finalidade da imunidade, de forma alguma, não é beneficiar o particular.

Por todas essas considerações, conclui-se, de fato, na completa impossibilidade de reconhecimento de aplicação, na espécie, das hipóteses específicas das imunidades tributárias aos rendimentos auferidos pelos agentes notários e registradores, sendo tal conclusão, de fato, a efetiva e verdadeira aplicação destes que são os conceitos fundamentais do direito tributário brasileiro.


4CONCLUSÃO

Com todas as considerações desenvolvidas nas breves linhas deste estudo, verifica-se que a decisão (ADInnº 3.089-2/DF) da Suprema Corteque declarou a constitucionalidade da cobrança do ISSQN sobre os serviços cartorários, objetivou colocar fim à discussão quanto à possibilidade de aplicação do instituto da imunidade recíproca (art. 150, VI, “a”,CF) às atividades prestadas pelos notários e registradores.

Nessa decisão, reconheceu-se que a atividade notarial e de registro, em que pese representar importante prestação de serviço público, é ela exercida em caráter eminentemente privado, a teor, inclusive, do que expressamente dispõe a Lei Maior de 1988.

O entendimento então manifestado pela Suprema Corte, afastou, de plano, a possibilidade de aplicação, na hipótese, da chamada imunidade tributária recíproca, reconhecendo, no caso, a aplicação excepcional contida no mencionado § 3º do artigo, 150 da CF/88, que, então, impede a exclusão do exercício da competência tributária na espécie.

A tributação da atividade dos agentes delegados, objeto desse estudo, de fato, não fere o princípio federativo adotado pela atual Constituição brasileira, sendo de fundamental destaque o reconhecimento de que, de regra, é ele prestado e desenvolvido pelos titulares da serventia, em caráter eminentemente privado e com objetivos específicos de lucros.

O resultado do julgamento da ADInnº 3.089-2/DF, representa, em verdade, a materialização efetiva da histórica construção doutrinária brasileira, representando verdadeira homenagem aos princípios da capacidade e da isonomia tributária, afastando, assim, odiosas vantagens econômicas, não previstas e – até mesmo – nunca admitidas pela Lei Maior da República Brasileira, e, no caso, sujeitando à incidência do ISSQN as atividades privadas desenvolvidas pelos agentes notários e registradores, nos termos, aqui, então devidamente demonstrados.  


ABSTRACT

The number of taxable services by the Tax on Service of Any Nature - has suffered a significant rise with the advent of the Complementary Law nº 116 from July, 31, 2003, that brought, among others, the item 21 and 21.01 which corresponds to registry and notary public services. This item was the object of the Direct Action of Unconstitutionality nº 3.089-2/DF-2008 in which the Supreme Court argued about the legitimacy of charging ISSQN tax over the previously mentioned fees. However, even with the trial of this Direct Action of Unconstitutionality, still in February, 13, 2008, the academic debate about the topic persisted. The present paper analyses the incidence of the mentioned tax on notary fees, approaching the current position of the Supreme Federal Court.

Keywords: Fees. Tax on Services of Any Nature.Notary Service.Direct Action of Unconstitutionality.

 


REFERÊNCIAS

ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 4. ed. São Paulo/SP: Saraiva, 2010.

BARRETO, Aires F. e BARRETO, Paulo Ayres. Imunidades tributárias: limitações constitucionais ao poder de tributar. 2. ed. São Paulo/SP: Dialética, 2001.

BRANDELLI, Leonardo. Teoria geral do direito notarial. 3. ed. São Paulo/SP: Saraiva, 2009.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro 1988. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao. htm>. Acesso em 18 out. 2011.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 24 de janeiro de 1967. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3% A7ao.htm>.  Acesso em 10 out. 2011.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>.  Acesso em 15 out. 2011.

BRASIL. Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003. Dispõe sobre o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos municípios e do Distrito Federal, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/LCP/Lcp116.htm>. Acesso em: 29 abr. de 2011.

BRASIL. Lei nº 10.169, de 29 de dezembro de 2000. Regulamenta o § 2º do art. 236 da Constituição Federal, mediante o estabelecimento de normas gerais para a fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l10169.htm>. Acesso em: 26 fev. 2011.

BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Regulamenta o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro (Lei dos cartórios). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8.935.htm>. Acesso em: 29 abr. de 2011.

BRASIL. Lei sem número, queDetermina a fôrma por que devem ser providos os officios de Justiça e Fazenda”. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/Internet/InfDoc/conteudo/colecoes/Legislacao/ Legimp-J.pdf>. Acesso em: 03 out. 2011.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.089-2 do Distrito Federal. Relator Originário: Ministro Carlos Britto. Julgado em 13 de fevereiro 2008. Tribunal Pleno. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=539087>. Acesso em: 10 jan. 2011.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.145 da Paraíba. Relator: Min. Carlos Velloso. Julgado em 03/10/2002. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=266675>. Acesso em 10 de fev. 2011.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.378 do Espirito Santo. Relator: Min. Dias Toffoli. Julgado em 13 fevereiro 2010. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=618825>. Acesso em 10 fev. 2011.

CARNEIRO, Claudio. Impostos federais, estaduais e municipais. 2. ed. Rio de Janeiro/RJ: Editora Lumen Juris.

CARNEIRO, Daniel Dix. ISS: Imposto sobre serviço de qualquer natureza. Coleção Tributária. Rio de Janeiro/RJ: Freitas Bastos, 2009.

CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributária. 27. ed. Malheiros Editores, 2011.

COÊLHO. Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro/RJ: Forense, 2010.

DÁCOMO, Natália de Nardi. Hipóteses de incidência do ISS. São Paulo/SP: Noeses, 2007.

FILHO, Edmar Oliveira Andrade. Imunidades tributárias na Constituição Federal. Coordenação: PEIXOTO, Marcelo Magalhães & CARVALHO, Cristiano.

FILHO, Nicolau Balbino. Registro de Imóveis. 14. ed. São Paulo/SP: Saraiva, 2009.

HARADA, Kiyoshi. Direito Tributário Municipal – Sistema Tributário Municipal. 3. ed. São Paulo/SP: Atlas., 2007.

HARADA, Kiyoshi. ISS: doutrina e prática. 1. ed. São Paulo/SP: Atlas, 2008.

OLIVEIRA, José Jayme de Macêdo. Impostos municipais: ISS, ITBI, IPTU. São Paulo/SP: Saraiva, 2009.

PAULSEN, Leandro. MELO, José Eduardo Soares de. Impostos Federais, Estaduais e Municipais. 4. ed. Porto Alegre/RS: Livraria do Advogado, 2008.

REZENDE, Afonso Celso F. & CHAVES, Carlos Fernando Brasil. Tabelionato de notas e o notário perfeito. 5. ed. Campinas/SP: Millennium,2009.

RIBEIRO, Luís Paulo Aliende. Regulação da função pública notarial e de registro. 1. ed.São Paulo: Saraiva, 2009.


Notas

[1]BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.089-2 do Distrito Federal. Relator Originário: Ministro Carlos Britto. Relator para o Acórdão: Ministro Joaquim Barbosa. Julgado em 13 de fev. 2008. Tribunal Pleno. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=539087 > Acesso em: 10 jan. 2011.,p. 292.

[2] BRANDELLI, Leonardo. Teoria Geral do Direito Notarial. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.p. 3-4.

[3]Ibid., p. 3.

[4]Ibid., p.5.

[5]Lei sem número, que “determina a fôrma por que devem ser providos os officios de Justiça e Fazenda”. Disponível em: <(http://www.camara.gov.br/Internet/InfDoc/conteudo/colecoes/Legislacao/ Legimp-J.pdf)>. Acesso em: 03 out. 2011.

[6]RIBEIRO, Luís Paulo Aliende. Regulação da função pública notarial e de registro: São Paulo: Saraiva, 2009. p. 29.

[7]BRANDELLI, op. cit., p. 41.

[8]BRASIL, op. cit., 2011,p. 269.

[9]Ibid., p. 269-270

[10]BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.145. Relator: Min. Carlos Velloso. Julgado em 03/10/2002. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=266675>. Acesso em 10 de fev.2011. p.218.

[11]BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.378. Relator: Min. Dias Toffoli. Julgado em 13/10/2010. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=618825>. Acesso em 10 fev. 2011. p. 225.

[12]Ibid., p. 225

[13] COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. Forense: Rio de Janeiro:2010, p. 128.

[14] BARRETO, Aires F. & BARRETO, Paulo Ayres. Imunidades tributárias: limitações constitucionais ao Poder de Tributar, São Paulo; 2001, p. 11.

[15] COELHO, op. cit., p. 138.

[16] CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito Constitucional Tributário. Malheiros:São Paulo, 2011, p. 771.

[17]Ibid., p. 772

[18]Ibid., p. 775.

[19] BARRETO; BARRETO, p. 14 - 17.

[20]Ibid., p. 17

[21]BRASIL, op. cit., 2011, p. 294

[22]BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Regulamenta o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro (Lei dos cartórios). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8.935.htm >. Acesso em: 29 abr. de 2011.

[23]BRASIL, op. cit., 2011, p. 289

[24] BRASIL, op. cit., 2011, p. 290.

[25]Ibid., p. 289.

[26]Ibid., p. 289.

[27]Ibid., p.. 289.

[28]BRASIL, op. cit., 2011.,p. 292. 



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENDONÇA, Patrícia de Brito. A legalidade da cobrança do imposto sobre serviço de qualquer natureza sobre os emolumentos cartorários e notariais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3228, 3 maio 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21675. Acesso em: 19 abr. 2024.