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A atuação do Ministério Público na implementação de políticas na área ambiental

A atuação do Ministério Público na implementação de políticas na área ambiental

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Por quais fundamentos o Ministério Público pode implementar as políticas públicas, especialmente as ligadas à questões ambientais, quando o Poder Executivo deixa de cumprir com seus deveres constitucionalmente previstos?

Resumo: O presente trabalho monográfico consiste em demonstrar os fundamentos que podem levar o Ministério Público a implementar as políticas públicas, especialmente as ligadas à questões ambientais, que se fazem necessárias diante dos anseios da sociedade, quando o Poder Executivo deixa de cumprir com seus deveres constitucionalmente previstos.

Palavras- chave: 1. Ministério Público. 2. Políticas Públicas. 3. Legitimidade. 4. Ação Civil Pública. 5. Separação de Poderes. 6. Discricionariedade Administrativa. 7. Indisponibilidade Financeira e Orçamentária.

Sumário: INTRODUÇÃO. Capítulo I: DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 1.1. Considerações Iniciais. 1.2. Configuração do Ministério Público a partir da CF/88. Capítulo II: ASPECTOS DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 2.1. Instituição Permanente. 2.2. Essencial à função jurisdicional do Estado. 2.3. Defesa da ordem jurídica. 2.4. Defesa do regime democrático. 2.5. Defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis. 2.5.1. Interesses Difusos. 2.5.2. Interesses Coletivos. 2.5.3. Interesses Individuais Homogêneos. 2.5.4. Interesses Individuais Indisponíveis. Capítulo III: DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. 3.1. Dos Princípios Ambientais que devem ser observados pelo Administrador Público na implementação de Políticas Públicas. 3.2. Princípio do ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental da pessoa humana. 3.3. Princípio da natureza pública da proteção ambiental. 3.4. Princípio do controle do poluidor pelo Poder Público. 3.5. Princípio da consideração da variável ambiental no processo decisório de políticas de desenvolvimento. 3.6. Princípio da participação comunitária. 3.7. Princípio do poluidor-pagador. 3.8. Princípio da prevenção. 3.9. Princípio da função socioambiental da propriedade. 3.10. Princípio do usuário-pagador. 3.11. Princípio da cooperação entre os povos. Capítulo IV: DAS LEIS AMBIENTAIS QUE DEVEM SER OBSERVADAS PELO ADMINISTRADOR PÚBLICO NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. Capítulo V: DO CONTROLE EXTERNO DO PODER EXECUTIVO. 5.1. Da Legitimação do MP para intervenção no Poder Executivo. 5.1.1. Da Alegação de violação ao regime democrata. 5.1.2. Da Alegação de violação à separação dos poderes. 5.1.3. Da Alegação de violação à discricionariedade dos Atos Administrativos. 5.1.4. Da Alegação da Indisponibilidade Financeira e Orçamentária. 5.1.5. Da Alegação de Impossibilidade de Hierarquização e Priorização das Atividades Administrativas. 5.1.6. Da Alegação de Ausência de Previsão Legal do Direito Material Pleiteado. 5.1.7. Da Imposição do Modo e do Tempo da Obrigação de Fazer. Conclusão. Referências Bibliográficas. 


INTRODUÇÃO

Não é de hoje que a população brasileira mostra-se insatisfeita com a atuação da Administração Pública na condução de nosso país, especialmente quando esta se omite na concretização das políticas que deveriam ser implantadas.

Nossa esperança de uma melhor gestão da res publicae se renova a cada período eleitoral, momento em que os candidatos a ocuparem as vagas dos Poderes Legislativos e Executivos fazem inúmeras promessas no sentido de assegurar uma melhor qualidade de vida para população com a diminuição da pobreza, melhoria na educação, na saúde; mas, porém, pouco é efetivamente cumprido.

    A população se diz não representada pelos políticos que elegeram, e, assim, cada vez mais se sente impotente, já que esses funcionários públicos se valem de instrumentos jurídicos, econômicos e políticos que acabam legitimando sua conduta (ou não conduta) contrária ao próprio interesse público.

Assim a carreira política mostra-se completamente desacreditada. Há uma desconfiança prévia (que não deveria existir) nas propostas levadas à pauta pelos governantes, pois, pelo que pode ser visto, os mesmos problemas (notadamente sociais) que existiam antes permanecem após o término de seus mandatos.

“A corrupção destrói a confiança da população nas instituições públicas o que prejudica a sua eficácia. Os autores lembram que o bom funcionamento das instituições é um importante fator de crescimento. Esta é a conclusão central de um estudo publicado recentemente pelo Banco Mundial onde é analisada a relação entre os níveis de corrupção e os de confiança nas instituições públicas para mais de 90 países, com base em dados de 2008”.[1]

Diante da ineficiência dos órgãos administrativos em realizar as políticas públicas que se mostram necessárias, seja por problemas de gestão, de empenho o mesmo de corrupção, pergunta-se: existiria algum meio legítimo para compelir esse órgão a realizar as obras/serviços públicos que são essenciais para população?

Muito já foi feito, diga-se de passagem, para que esses administradores fossem punidos pela sua atuação em desconformidade com o que pretende nossa Carta Magna. Foi editada, por exemplo, a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429 de 1992) com o intuito de punir os membros integrantes da administração pública que agem em desconformidade com os princípios da boa administração do erário público. Também o Ministério Público tem atuado eficazmente na busca do interesse social, não poupando esforços para denunciar esses membros do Poder Executivo.

A própria Constituição Federal ao mencionar no seu artigo 37, §6º, da responsabilidade objetiva do Estado, propiciou que os administradores pudessem ser punidos independentemente de dolo ou culpa, obrigando-os a responder pelas ações próprias ou por eles confiadas sem maiores escusas, bastando a ocorrência do fato administrativo, do dano e do nexo causal. Assim nos ensina José dos Santos Carvalho Filho:

“O mais importante, no que tange à aplicação da teoria da responsabilidade objetiva da Administração, é que, presentes os devidos pressupostos, tem esta o dever de indenizar o lesado pelos danos que foram causados sem que se faça necessária a investigação sobre se a conduta administrativa foi, ou não, conduzida pelo elemento culpa”. [2]

Porém, não pretendemos expor quais os instrumentos jurídicos existentes para punir o administrador que não cumpre com seu mister, mas sim perquirir se existe atualmente algum meio legítimo para controlar esses atos do Poder Executivo, ou melhor, se possui legitimidade o Ministério Público para cobrar do administrador público às políticas sócio-ambientais prioritárias.[3]

Sabe-se que, em um Estado Democrático de Direito, os interessados tem o direito de resolver seus conflitos de interesses através do Poder Judiciário, órgão este incumbido de fazer prevalecer a paz social. É através deste instrumento que têm os cidadãos a oportunidade de verem suas pretensões negligenciadas pelo Poder Executivo serem cumpridas, não é outra a interpretação do art. 5º, XXXV, da CF/88.[4]

No entanto, o que vemos aqui não é um conflito individual de interesses, mas sim um conflito social (relativo a direitos difusos ou coletivos), tendo em vista que é o povo, na sua visão global, que sairá prejudicado pela não implementação das políticas públicas exigidas, razão pela qual se perquire da legitimidade do Ministério Público para defender o interesse de seus representados em face dos atos praticados (ou não praticados) pelo Poder Executivo perante o Poder Judiciário ou mesmo através de meios extra-processuais.


Capítulo I

Do Ministério Público

1.1. Considerações Iniciais

Para o preciso entendimento do objetivo deste trabalho faz-se necessário, mesmo que resumidamente, nos localizarmos no tempo. Assim cumpre fazermos uma breve análise da evolução do Estado nos diversos momentos históricos.

De início o Estado era representado pela figura do Monarca que, soberano e com poderes absolutos, ditava e fazia executar as regras as quais deveriam seus súditos se adequar. Aqui vigoravam os privilégios (odiosos) e favores à Nobreza que asseguravam que os interesses do Monarca (que era o espelho de Deus na Terra) fossem atendidos.

Com a ascensão da Burguesia nos séculos XVIII e XIX, e consequentemente com a modificação da forma de poder dominante, que passou do poder político para o econômico, ocorreu a desestruturação daquela antiga forma de governo, passando a propriedade privada a ter uma posição fundamental na escala de valores elencados naquela incipiente forma de Estado, resultado da Revolução Francesa e da posterior Declaração dos Direitos do Homem.

Neste momento político, em função do especial significado que passou a ter a propriedade, o Estado deveria assegurar aos indivíduos sua total proteção contra fatores que poderiam prejudicar legítimo usufruto pelo titular desse direito. Os direitos individuais, em especial o direito fundamental de liberdade, eram seu o foco de proteção (direitos de primeira geração).

Nessa época ganha especial relevo a Lei formalmente válida como expressão da vontade da nação, passando seus enunciados a vincular toda administração pública, resguardando-se os direitos subjetivos de cada indivíduo contra as arbitrariedades do Estado.

Em brilhante discurso proferido pelo ilustre Ministro Teori Albino Zavascki aos seus formandos da UFRGS, que o elegeu paraninfo:

“(...) assim, o século XIX foi tomado pela normatização do primeiro desses ideais: os direitos fundamentais de liberdade, por isso denominados “direitos de primeira geração”. Naquele século, ganharam densidade normativa os direitos civis e políticos, direitos do indivíduo contra o Estado. Quebrou-se a espinha dorsal do Estado absolutista e de suas cinzas modelou um Estado liberal, não intervencionista, garantidor das liberdades individuais, com escassa margem nas relações sociais”. [5]

Foi neste momento que a idéia de Estado concebido como Ente Público despersonalizado, que deveria não só editar as leis aplicáveis a todos os cidadãos como também se adequar a elas (Estado de Direito) passou a existir.

Com o passar do tempo foi-se percebendo que a simples proteção dos direitos individuais não era suficiente para garantir que os indivíduos vivessem em harmonia, tendo em vista que atuando desta forma o Estado fechava os olhos para os menos afortunados que não dispunham de bens suficientes para garantir um mínimo existencial.

Criava-se assim uma situação insustentável onde somente alguns poucos indivíduos viam-se protegidos pelo guarda-chuva estatal, ficando de fora a maior parte da população que, embora fossem considerados cidadãos, não dispunham de qualquer perspectiva, encontrando-se marginalizados perante a sociedade (de detentores de capital).

Assim o Estado se viu obrigado a assegurar a este grupo social completamente destituído de prerrogativas, um mínimo de direitos (que com o passar do tempo foi-se ampliando) para que pudessem viver com dignidade, privilegiando assim os direitos de igualdade.

Perde força, portanto, aquela concepção de Lei aplicável a todos indistintamente, até pelo fato de que sua aplicação poderia levar a injustiças, tendo em vista que sua abstração poderia prejudicar certos indivíduos. Assim, vem à tona a idéia dos Princípios como força que impulsionaria o Estado a agir de determinada forma. A própria interpretação da Lei deveria ser condizente com os princípios que regem o local, como ressalva Miguel Seabra Fagundes:

“Toda a sistematização dos poderes e deveres da Administração Pública será traçada a partir dos lineamentos constitucionais pertinentes, com especial ênfase no sistema de direitos fundamentais e nas normas estruturantes do regime democrático, à vista de sua posição axiológica central e fundante no contexto do Estado Democrático de Direito”. [6]

A propriedade privada, tão valorizada nos primórdios do Estado Liberal, ganha uma nova qualificação, já que, a partir deste momento, deveria atender ao interesse social, no sentido de minimizar as desigualdades existentes entre os proprietários e não proprietários, devendo aqueles a atuar no sentido de adequar sua propriedade ao interesse da comunidade.

Continua Zavascki no seguinte sentido:

“(...) os Estados, outrora omissos, agora proclamam compromissos solenes de estabelecer políticas públicas destinadas a eliminar desigualdades sociais e de promover, em todos os seus aspectos, a dignidade da pessoa humana”. [7]

Foi no século XX que passou o órgão estatal a intervir diretamente na economia, atuando no sentido de viabilizar o convívio pacífico de toda sociedade, fornecendo instrumentos de caráter social (habitação, educação, saúde, infra-estrutura, seguridade social, etc.) para aqueles que necessitavam. Estamos diante da segunda geração de direitos, período conhecido como Welfaire State ou Estado do Bem-Estar Social.

Apesar da tentativa de implementação desses direitos de ordem social, pouco foi efetivamente posto em prática. É verdade que, atualmente, em quase todas as Constituições existentes estão designados um leque de Direitos atribuídos a todo indivíduo, mas será que é o suficiente?

Atualmente, nos deparamos com uma nova ordem institucional que procura assegurar a implementação dos chamados direitos de segunda e também de terceira geração. Devemos ter a consciência de que, como dizia Montesquieu, somente com os ideais de liberdade e igualdade não teremos um Estado que busque e propicie o bem comum, pois falta o sonho da fraternidade.

A partir desta premissa, surge a necessidade de se reconhecer os chamados direitos de solidariedade, que valorizam tanto o ser humano em si quanto o conjunto de interações que este tem ou pode vir a ter com o ambiente em que se situa.

Finaliza o referido Ministro seu brilhante discurso:

“Nascem, assim, neste limiar de um novo século, os chamados direitos de “terceira geração”, inspirados nos valores da solidariedade. O que vemos, hoje, são sinais marcantes de que a humanidade está modelando Estados sem fronteira e fazendo surgir um novo cidadão, um cidadão universal, um cidadão de todas as pátrias. Ganha força e valorização a idéia de que o verdadeiro Estado de Direito – de liberdade e de igualdade entre as pessoas – somente poderá ser construído com reformas não apenas das leis ou das estruturas de poder. A reforma mais urgente, mais profunda, e certamente a mais difícil, mas que precisará ser feita, é a reforma do próprio ser humano, é a renovação de espíritos, é a mudança que se opera pela via do coração. O século XXI há de ser marcado, necessariamente, pelo signo da fraternidade. O Estado do futuro não poderá ser apenas um Estado liberal, nem apenas um Estado social: precisará ser um Estado da solidariedade entre os homens”. [8]

Situamo-nos atualmente em um momento peculiar em que lutamos para concretização dos direitos que giram em torno de todos, considerando que estamos interligados por laços que nos unem como humanos, devendo prevalecer, portanto, nossa responsabilidade para preservar o Ser Humano e o Ambiente em que nos situamos (tomado como bem de uso comum do povo).

Nesse mesmo sentido, importante decisão do Ministro Celso de Mello:

“MEIO AMBIENTE - DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA INTEGRIDADE (CF, ART. 225) - PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARÁTER DE METAINDIVIDUALIDADE - DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO) QUE CONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE - NECESSIDADE DE IMPEDIR QUE A TRANSGRESSÃO A ESSE DIREITO FAÇA IRROMPER, NO SEIO DA COLETIVIDADE, CONFLITOS INTERGENERACIONAIS - ESPAÇOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS (CF, ART. 225, § 1º, III) - ALTERAÇÃO E SUPRESSÃO DO REGIME JURÍDICO A ELES PERTINENTE - MEDIDAS SUJEITAS AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI - SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - POSSIBILIDADE DE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, CUMPRIDAS AS EXIGÊNCIAS LEGAIS, AUTORIZAR, LICENCIAR OU PERMITIR OBRAS E/OU ATIVIDADES NOS ESPAÇOS TERRITORIAIS PROTEGIDOS, DESDE QUE RESPEITADA, QUANTO A ESTES, A INTEGRIDADE DOS ATRIBUTOS JUSTIFICADORES DO REGIME DE PROTEÇÃO ESPECIAL - RELAÇÕES ENTRE ECONOMIA (CF, ART. 3º, II, C/C O ART. 170, VI) E ECOLOGIA (CF, ART. 225) - COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS - CRITÉRIOS DE SUPERAÇÃO DESSE ESTADO DE TENSÃO ENTRE VALORES CONSTITUCIONAIS RELEVANTES - OS DIREITOS BÁSICOS DA PESSOA HUMANA E AS SUCESSIVAS GERAÇÕES (FASES OU DIMENSÕES) DE DIREITOS (RTJ 164/158, 160-161) - A QUESTÃO DA PRECEDÊNCIA DO DIREITO À PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE: UMA LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL EXPLÍCITA À ATIVIDADE ECONÔMICA (CF, ART. 170, VI) - DECISÃO NÃO REFERENDADA - CONSEQÜENTE INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR. A PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE: EXPRESSÃO CONSTITUCIONAL DE UM DIREITO FUNDAMENTAL QUE ASSISTE À GENERALIDADE DAS PESSOAS. - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe, ao Estado e à própria coletividade, a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral. Doutrina. A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. - A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a "defesa do meio ambiente" (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural. A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA. - O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações. O ART. 4º DO CÓDIGO FLORESTAL E A MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.166-67/2001: UM AVANÇO EXPRESSIVO NA TUTELA DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. - A Medida Provisória nº 2.166-67, de 24/08/2001, na parte em que introduziu significativas alterações no art. 4o do Código Florestal, longe de comprometer os valores constitucionais consagrados no art. 225 da Lei Fundamental, estabeleceu, ao contrário, mecanismos que permitem um real controle, pelo Estado, das atividades desenvolvidas no âmbito das áreas de preservação permanente, em ordem a impedir ações predatórias e lesivas ao patrimônio ambiental, cuja situação de maior vulnerabilidade reclama proteção mais intensa, agora propiciada, de modo adequado e compatível com o texto constitucional, pelo diploma normativo em questão. - Somente a alteração e a supressão do regime jurídico pertinente aos espaços territoriais especialmente protegidos qualificam-se, por efeito da cláusula inscrita no art. 225, § 1º, III, da Constituição, como matérias sujeitas ao princípio da reserva legal. - É lícito ao Poder Público - qualquer que seja a dimensão institucional em que se posicione na estrutura federativa (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) - autorizar, licenciar ou permitir a execução de obras e/ou a realização de serviços no âmbito dos espaços territoriais especialmente protegidos, desde que, além de observadas as restrições, limitações e exigências abstratamente estabelecidas em lei, não resulte comprometida a integridade dos atributos que justificaram, quanto a tais territórios, a instituição de regime jurídico de proteção especial (CF, art. 225, § 1º, III).” [9]

1.2. Configuração do Ministério Público a partir da CF/88

No Brasil, a instituição do Ministério Público passou por várias transformações, passando a acumular com o decorrer do tempo inúmeras atribuições. Porém, foi a partir da Constituição da República Federativa de 1988 que passou a dispor dos instrumentos necessários para poder exigir de forma condizente dos infratores da ordem vigente o cumprimento das leis com o intuito de assegurar a população seus direitos essenciais.

Foram destinados ao parquet alguns instrumentos processuais para assegurar tal fim. Assim, para fazer prevalecer o interesse social, o MP possui à sua disposição o Inquérito Civil Público, que poderá culminar com a assinatura do Compromisso de Ajustamento de Conduta pelo transgressor (no caso em tela, o poluidor), e a Ação Civil Pública, que levará ao Judiciário a decisão final sobre o litígio.

Assim, diante do texto Constitucional pode-se extrair;

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

Porém, não basta enunciar o fim de um instituto sem que a ele seja assegurado um aparato legal para que seja possível realizá-lo. Não é a toa que a nossa Carta Magna assegurou ao Ministério Público uma série de prerrogativas e garantias objetivando efetividade para seu atuar.

Nas sábias palavras do eminente constitucionalista Alexandre de Moraes, “As garantias constitucionais do Ministério Público foram-lhe conferidas pelo legislador constituinte objetivando o pleno e independente exercício de suas funções e podem ser divididas em garantias institucionais e garantias aos membros. Tão importante este objetivo, que a Constituição Federal considera crime de responsabilidade do Presidente da República a prática de atos atentatórios ao livre exercício do Ministério Público (art. 85, II, da Constituição Federal)”. [10]

No que tange à sua natureza jurídica, muito já foi debatido, até pelo fato de que, com o passar dos tempos, foram-lhe asseguradas diversas funções, como de membro do Poder Executivo, de advogado da União, etc. Porém, diante da estruturação trazida pela Constituição Federal de 1988 através dos artigos 127 ao 130-A, não resta dúvida de que se trata de um órgão que, desvinculado dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbido da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. [11]

Assegurando-lhe independência funcional, através de um regime jurídico próprio com prerrogativas, garantias, deveres e vedações, a Lei Magna propiciou ao MP os meios para realização de seu mister através da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Assim, nas palavras do ex-ministro Sepúlveda Pertence, enquanto discursava na tribuna:

“O legislador constituinte concedeu [ao ministério público] uma titularidade genérica para promover medidas necessárias à proteção da vigência e da eficácia da Constituição, (...) legitimando-o para uma proteção a patrimônio público em uma vigilância ativa com legitimação processual, sob a legalidade da administração”.

Diante desta formatação, vem o parquet desincumbindo seu papel de forma pró-ativa (não sendo apenas um mero fiscal da lei), valendo-se do seu papel acusador para fazer prevalecer os anseios da sociedade, já que, detentor de parcela de soberania estatal, tem o poder-dever de interferir na condução dos negócios políticos estatais.


Capítulo II

Aspectos da Legitimidade do Ministério Público

Pretende-se demonstrar no presente capítulo os fundamentos que dão ao Ministério Público a legitimidade para intervir, quando necessário, na atuação do Poder Executivo, seja administrativamente ou judicialmente, para que se atenda aos anseios da sociedade. 

A legitimidade de que trata é a prevista em nossa Constituição, a qual confere ao Ministério Público, como instituição detentora de parcela da soberania estatal, poderes para agir nos campos previamente delineados pela nossa Carta Magna.

Faz-se necessário, portanto, o estudo das funções delegadas ao parquet para que se possa analisar se possui esta instituição legitimação para “corrigir” as tomadas de decisões efetuadas pela Administração Pública, quando estas vão de encontro ao interesse comum.

O perfil conferido ao Ministério Público pela atual Constituição Federal retrata bem a abrangência de seu propósito, já que o define como “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

2.1. Instituição Permanente

Trata-se de instituição permanente já que esta não pode ser suprimida por qualquer outro órgão estatal, consistindo, vale lembrar, crime de responsabilidade ato do presidente da República que atente contra o livre exercício do Ministério Público (CF, art. 85, inc. II).

2.2. Essencial à função jurisdicional do Estado

Essencial à função jurisdicional, pois é o órgão constitucionalmente eleito para levar ao Poder Judiciário as questões contrariam ao interesse social, notadamente quando não são respeitados os diretos dos cidadãos nas escolhas das políticas a serem implementadas.

Insta ressaltar que possui esta instituição o dever de assegurar a efetiva aplicação da lei, obrigação esta também conhecida como enforcement, para que seja assegurada a paz social, acentuado seu papel político.

Não é à toa que a nova Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101 de 2000) conferiu papel de destaque ao Ministério Público, ao elegê-lo membro do conselho de gestão fiscal que, segundo o que confere este diploma, “deverá realizar o acompanhamento e a avaliação, de forma permanente da política e operacionalidade da gestão fiscal, juntamente com a representação dos poderes” (art. 67), sendo ainda “órgão responsável pela punição por improbidade administrativa aqueles que violarem suas determinações” (art. 73).

É, porém, diante de sua missão institucional de zelar pela defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis que se pode ter uma compreensão mais ampla da importância do Ministério Público para a sociedade brasileira.

2.3. Defesa da ordem jurídica

Na defesa da ordem jurídica atua o MP no sentido de fazer prevalecer os fins últimos do ordenamento jurídico pátrio, a priori a Constituição Federal, mas também os diplomas infraconstitucionais. Busca, pois, a implementação das disposições presentes em todo sistema jurídico vigente.

Cumpre destacar que o termo sistema jurídico abrange não somente as leis vistas isoladamente, mas todo o ordenamento legal visto como um conjunto unitário e indissociável, albergado por normas e princípios que impulsionam nossa Federação.

Poderia, a partir do exposto, o Ministério Público atuar contra o próprio Poder Público quando este tomasse decisões que, no seu entender, violassem os princípios constitucionais?

Nós atualmente vivemos sob o regime de um Estado Democrático de Direito, motivo pelo qual todos, independemente de quaisquer circunstâncias, seja pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, devemos nos adequar às regras jurídicas. O próprio Estado, ente encarregado de elaborar as leis que devem viger em seu território também a elas deve se ajustar, sob pena de se voltar ao tempo dos regimes totalitários que outrora vigoravam.

Assim, caso a Administração Pública na sua atuação não observe os princípios da legalidade, da publicidade, da impessoalidade, da igualdade, da moralidade, da eficiência, da razoabilidade e da proporcionalidade, estará legitimado o MP para agir com o desiderato de defender a ordem jurídica, assegurando o cumprimento desses princípios constitucionais.

2.4. Defesa do regime democrático

Cabe também primordialmente ao Ministério Público agir no intuito de defender o regime democrático.

O que entendemos como Democracia atualmente é objeto de construções teóricas que, com o decorrer do tempo, foram ganhando seus contornos essenciais. Assim, há poucos anos a mulher não tinha o direito ao voto, o regime racista era o vigorante e a exploração dos proletários pelos donos das fábricas era visível, e estas condutas foram vistas por muito tempo como sendo democráticas.

Foi, porém, no desenrolar do século XX que o conceito de democracia passou a privilegiar o conceito da dignidade da pessoa humana, privilegiando a igualdade entre os indivíduos.

No entanto, a idéia de Democracia repousa em inúmeros postulados. A título de exemplo, faz-se necessário citar os principais:

·  Eleições livres e periódicas

· Representatividade

· Governo do povo, feito pelo povo e voltado para o povo

·  Efetivo acesso à Justiça

· Igualdade de direitos

·  Efetivação dos planos governamentais

Assim, tendo em vista que compete ao Ministério público defender o regime democrático, deve este órgão atuar no sentido de tornar efetivos todos os postulados amoldadores desta forma de regime. Missão esta extrema complexidade, sobretudo pela amplitude do conceito de democracia.

Caberá, pois, ao parquet cobrar das autoridades governamentais o cumprimento de todas as metas traçadas em nossa Constituição, tendo em vista que vivemos sob a égide de um regime democrático, notadamente de cunho social.  É o que preconiza nossa Carta Magna: a) ao estabelecer que o Estado Democrático de Direito brasileiro tem como fundamento, entre outros, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho (art. 1º, incs. II, III e IV); b) ao estipular como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre e justa, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceitos de qualquer forma (art. 3º, incs. I, III e IV); c) ao mencionar que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (art. 5º, caput); e d) ao dizer que a ordem econômica é fundada na realização do trabalho humano e na livre iniciativa, com a finalidade de assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (art. 170, caput).

Atualmente, como já foi mencionado, atravessamos uma etapa histórica em que os direitos que privilegiam a igualdade entre os cidadãos ganham especial relevo. Assim, qualquer forma de conduta que ofenda o Ser Humano enquanto cidadão dotado de Direitos passa a ser objeto de profunda repressão, cabendo ao Ministério Público atuar para que essas condutas sejam devidamente punidas, independentemente se perpetradas por órgãos governamentais ou não.

Caso o Poder Executivo não atue no sentido de melhorar a qualidade de vida das pessoas que se encontram marginalizadas pela sociedade, deixando de implementar políticas públicas para amenizar, por exemplo, as condições precárias de habitação em que vivem certas pessoas em alguns municípios deste estado, legitimado estará ao Ministério Público para cobrar uma ação do órgão responsável para realização de tais incumbências.

Surge então a questão: cabe ao Ministério Público apenas notificar (judicial ou extrajudicialmente) o órgão omisso para que este atue, quando se mostrar necessário, ou deve também o parquet demonstrar como deve a Administração Pública agir, informando os meios pelos quais poderão ser resolvidos os problemas sociais?

Fato é que, caso seja adotada a segunda hipótese, haverá uma intromissão ainda maior do órgão que representa o povo no Poder Executivo, exacerbando ainda mais esta ingerência de um órgão estranho neste campo de atuação.

Os adeptos da primeira hipótese argumentam que os indivíduos que ocupam o Poder Executivo são os mais aptos a tomar as decisões administrativas que se mostram necessárias, tendo em vista que se dedicaram primordialmente para enfrentar tais questões, tendo inclusive passado em concurso público, demonstrando assim sua capacidade maior para resolver esses problemas.

Porém, não se prontificando a Administração Pública a solucionar uma questão social que se mostra patente, ao argumento de que não possui os meios necessários para resolução da questão, seja por falta de dinheiro em caixa, seja por não disponibilizar de tecnologia adequada, ou qualquer outra hipótese, não há como retirar do órgão ministerial a possibilidade de rebater os argumentos trazidos pelo Poder Executivo para que se demonstre a viabilidade da execução de uma política pública adequada.

Não se configuraria como indevida ingerência nos assuntos do Poder Executivo, pois, quando o objetivo de tal ingerência é assegurar o implemento de políticas visando a efetivação dos fins presentes em nossa constituição, cabe ao parquet agir no sentido de fazer prevalecer o bem social.

Assim, de acordo com nossa Magna Corte Constitucional:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SEGURANÇA PÚBLICA. LEGITIMIDADE. INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. OMISSÃO ADMINISTRATIVA. 1. O Ministério Público detém capacidade postulatória não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos [artigo 129, I e III, da CB/88]. Precedentes. 2. O Supremo fixou entendimento no sentido de que é função institucional do Poder Judiciário determinar a implantação de políticas públicas quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.” [12]

2.5. Defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis

Tudo que foi exposto neste trabalho ganhará especial relevo neste tópico, já que todo o esforço para demonstrar as características atuais do MP tem por escopo enquadrá-las com o fim último da própria instituição, que se traduz na proteção aos direitos sociais e individuais indisponíveis.

Trataremos primeiro da proteção aos direitos sociais que, pela sua maior abrangência, necessitará de maior atenção por parte do leitor.

Deve-se de antemão rechaçar a idéia de interesse público (de que seria titular o Estado) e privado (de que seria titular o cidadão), pois modernamente a concepção de interesse público engloba ambas as hipóteses, passando os direitos sociais a abranger os interesses indisponíveis do indivíduo, interesses coletivos e interesses difusos.

Todas essas categorias de direitos são agrupadas na concepção de interesses supra-individuais, na medida em que exorbita da figura do cidadão visto isoladamente, já que atinge grande parte da população que, por força de relação jurídica ou fática os une em uma situação específica.

 Importante mencionar que não é função do MP intervir sempre que direitos supra-individuais estejam sendo violados, mas somente naqueles casos em que esses direitos sociais sejam de tal relevância que, deixando o Ministério Público de atuar, estariam sendo desrespeitados os preceitos contidos em nossa Carta Magna.

Ratifica esta posição João Lopes Guimarães Júnior:

“(...) que não é todo interesse público que merece a atenção do parquet. O interesse público que existe na correta aplicação da lei pelo juiz, presente em todos os processos, não é, por exemplo, suficiente para ensejar a intervenção ministerial. Deve o Ministério Público, então, zelar apenas pelo interesse público que se apresenta como mais relevante, porque relevantes são suas incumbências constitucionais (...).”[13]

Como exposto, diante da moderna concepção, eles se dividem em interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

2.5.1. Interesses Difusos

Os chamados interesses difusos são os interesses ou direitos transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. [14]

Tem natureza indivisível, pois não é possível atribuir a cada um dos interessados, que integram uma determinada coletividade mais ou menos numerosa, a parcela que lhes cabe daquele interesse considerado.[15] São titulares pessoas indeterminadas já que não é possível separá-los do todo, individualizando-os, e a circunstância que os ligam é uma situação de fato, e não de Direito.

São exemplos de interesses difusos os relativos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à preservação do patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, dentre outros.

2.5.2. – Interesses Coletivos

Já a categoria de interesses coletivos é constituída dos interesses transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si, ou com a parte contrária, por uma relação jurídica-base.[16]

Assim como os interesses difusos, são indivisíveis e comportam defesa essencialmente coletiva. Porém, ponto que os distinguem se traduz na possibilidade de determinação dos titulares, já que, por pertencerem a um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas por uma relação jurídica base (ao contrário dos interesses difusos), mais fácil a identificação dos membros integrantes.

Assim caracteriza-se interesse coletivo, por exemplo, o conjunto das pessoas que se vêem prejudicadas por cláusula abusiva em contrato de adesão.

Há algum dissenso no posicionamento que entende que o Ministério Público é legitimado para defender os indivíduos que tenham um interesse coletivo, tendo em vista que, por serem determináveis seus titulares, poderiam individualmente atuar para verem seus direitos atendidos.

2.5.3. – Interesses Individuais Homogêneos

Há, porém, grande divergência no posicionamento que entende ser o MP instituição legitimada para defender os interesses individuais homogêneos que, segundo o Código do Consumidor, são aqueles decorrentes de origem comum.[17] São interesses individuais, porém, caracterizados pela homogeneidade e pela origem comum, fática ou jurídica, que lhes conferem a possibilidade de serem defendidos na via da ação coletiva.

Diferenciam-se dos interesses difusos por dois motivos. Primeiro por serem interesses divisíveis, razão pela qual se pode estimar o prejuízo de cada um dos lesados individualmente,[18] e também, por serem interesses atribuídos singularmente a cada titular, logo, podem ser defendidos na esfera individual.

Exemplos de interesses individuais homogêneos são os que decorrem de um defeito de série em automóvel, situação em que cada indivíduo que adquiriu o bem defeituoso poderá acionar a montadora individualmente.

Corrente que entende que o MP não tem legitimidade para defender esses indivíduos elencam os seguintes argumentos: a) assim como os interesses coletivos, os lesados podem ser determinados; b) a maior parte desses interesses, que são individuais, são disponíveis, razão pela qual o próprio interessado poderia optar por não ingressar com uma ação contra o infrator.

Assim se posiciona nada mais nada menos que o grande jusfilósofo Miguel Reale:

“Não há dúvida alguma que esse extravagante acréscimo de competência não tem condão de vingar, visto ser evidente a sua inconstitucionalidade! É claro que os interesses difusos e coletivos do consumidor devem gozar da proteção da Ação Civil Pública, desde que sejam ‘transindividuais e de natureza divisível’, mas não há como confundi-los com interesses coletivos e/ou individuais homogêneos. Não tem cabimento, notadamente, a extensão da Ação Civil Pública à proteção de ‘direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum’. Além de não se entender bem o que venha a ser ‘origem comum’, não há dúvida que, em se tratando de ‘direitos individuais’ (ou, por outras palavras, de direitos subjetivos), não assiste ao Ministério Público competência para substituir os indivíduos na defesa de seus direitos, incidindo em um ‘totalitarismo da Ação Civil Pública’ incompatível com o princípio da liberdade individual e a prerrogativa da cidadania. Se um consumidor entende estar sendo lesado em seu ‘direito individual homogêneo’, a ele cabe defendê-lo, chamando a Juízo a pessoa física ou jurídica que o esteja prejudicando, dispensada a ação tutelar do Ministério Público, o que revela, repito, a inconstitucionalidade do art. 117 do Código de Defesa do Consumidor ao ampliar a competência do Ministério Público no que concerne à propositura de Ação Pública Civil”. [19]

Com a devida vênia ao ilustre filósofo, tal argumento não há de prosperar tendo em vista que a própria Constituição Federal destacou que incumbe ao parquet além da defesa do sistema jurídico pátrio, do regime democrático e dos direitos sociais e individuais indisponíveis (art. 127, CF), também “promover o inquérito civil e ação penal pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos’ (art. 129, inc. III, CF), com a ressalva do exercício de “outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade” (art. 129, inc. IX).

Diante da ampla legitimidade assegurada ao MP pela nossa Constituição vigente, inclusive com está ressalva do art. 129, inc. IX, pode-se vislumbrar que esta instituição tem legitimação para agir sempre que houver compatibilidade entre a destinação do órgão e os interesses tutelados, em defesa da coletividade.

Cumpre acrescentar que também pode a legislação ordinária delegar legitimidade ao MP para atuar em determinadas hipóteses previamente elencadas, conforme se extrai do §1º do art. 129 da Constituição Federal, e, assim o fazendo, presumidas estarão a relevância social e a legitimação ex vi legis para sua atuação.

2.5.4. – Interesses Individuais Indisponíveis

São interesses individuais indisponíveis aqueles cujo titular não detém a faculdade de alienar, entregar, desistir, destruir, suprimir, diminuir, doar, renunciar, por se tratarem de interesses de ordem pública, razão pela qual a instituição ministerial deverá sempre protegê-los contra qualquer ato que pretenda violá-los.

Esta indisponibilidade é decorrência do interesse social em proteger determinados interesses, tendo em vista sempre a paz social. [20]

Assim qualquer ato da administração pública que ameace a incolumidade de interesse indisponível deverá ser fielmente combatido pelo Ministério Público, instituição encarregada de zelar pelos interesses que atingem a sociedade, direta ou indiretamente, como no caso em tela.

Logo, perpetradas pelo Poder Executivo medidas que ferem com os direitos à vida, à liberdade de locomoção, à saúde, mesmo que atingindo apenas um indivíduo, estará legitimado o MP para agir com o intuito de fazer cessar ato lesivo a estes interesses elencados como fundamentais, em razão de sua singular caracterização em nossa Magna Carta.

Assim está expresso no art. 6º da Lei Complementar nº 75/93: compete ao Ministério Público da União promover o inquérito civil público e a ação civil pública para “a proteção dos interesses, individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor” e de “outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos”.

Despendidos alguns capítulos para uma melhor compreensão do leitor acerca da legitimação do parquet para intervir nas decisões tomadas pelo Poder Executivo, quando estas vão de encontro com os preceitos fundamentais transcritos em nossa constituição, devemos agora nos deter mais especificamente na intervenção do MP quando são afrontados os chamados Direitos Ambientais, mormente quando desrespeitados as disposições do art. 225 de nossa Carta Maior.   


Capítulo III

Direito Humano Fundamental ao Meio Ambiente

Ecologicamente Equilibrado

 Depois de muitos anos sem nenhuma norma de natureza constitucional que protegesse de forma explícita o meio ambiente, veio a atual Constituição Federal de 1988, regulamentar, de forma bem abrangente, a questão ambiental.

Assim, somente após passarmos por um momento de crise ambiental, acarretado por um aquecimento global sem precedentes, tendo prejudicado nossa respiração através da poluição do ar, nossa alimentação pela contaminação do solo, nosso modo de viver pela poluição sonora e urbana, que nos demos conta da necessidade de conjugar atividade econômica com respeito ao meio ambiente.

Diante da mobilização global por um meio ambiente saudável, inúmeros diplomas normativos foram criados, especialmente a partir de convenções internacionais visando uma conciliação entre Estados soberanos a fim de que se comprometessem a reduzir, por exemplo, a quantidade de poluentes que lançam no ar atmosférico, nos rios e nos mares, dentre os quais se destacam a Declaração do Meio Ambiente de Estocolmo de 1972, a ECO-92 ocorrida no Rio de Janeiro, o Protocolo de Kyoto, e mais recentemente, a Convenção do Clima de Copenhague.

Em seu artigo 225, caput, define nossa constituição o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito de todos e bem de uso comum do povo essencial à sadia qualidade de vida.

Partindo de tal definição, o meio ambiente se confunde com o próprio direito à vida, tendo em vista que um não consegue subsistir sem o outro. Pode-se afirmar que em um ambiente degradado, poluído, não se tem condições para propiciar o convívio de qualquer forma de vida terrestre, motivo pelo qual devemos correr contra o tempo no intuito de corrigir o mal que já foi feito e para impedir que novos males ocorram.

Vem à tona, então, o tão importante princípio do meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental que, como será mais bem detalhado a seguir, define o meio ambiente como direito fundamental do qual não podemos desviar nossa atenção, tendo em vista que tanto a nossa geração quanto as futuras gerações dependem de seu adequado manejamento, motivo que o elevou, na visão de Édis Milaré, ao status de cláusula pétrea.

3.1. Dos Princípios Ambientais que devem ser observados pelo Administrador Público na implementação de Políticas Públicas

Cumpre agora demonstrar sob quais parâmetros deve o Administrador Público se guiar na aplicação das políticas públicas, tendo em vista que, não observando os seguintes princípios de ordem ambiental, estará sua conduta eivada de vício, possibilitando assim a intromissão do Ministério Público no sentido de adequar sua conduta aos anseios legais.

3.2. Princípio do ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental da pessoa humana

Como antes demonstrado, o reconhecimento do direito ao meio ambiente sadio é um verdadeiro desdobramento do direito à vida, e, de acordo com Cançado Trindade, este direito à vida alberga a própria existência física e saúde dos seres humanos, assim como a própria dignidade dessa existência (a qualidade de vida), que faz com que valha a pena viver. [21]

Diante de tal concepção, cumpre ao Poder Executivo aplicar as diretrizes capazes de assegurar o acesso aos meios de sobrevivência a toda população, em especial para aqueles setores marginalizados pela sociedade que, vivendo em condições muitas vezes subumanas, sem o mínimo de perspectiva de futuro ante a omissão estatal, são obrigados a recorrer ao crime para conseguirem sobreviver.

3.3. Princípio da natureza pública da proteção ambiental

Este princípio tem sua base legis na própria concepção atual de meio ambiente como bem de uso comum do povo. Não é por outra razão que cabe a cada pessoa (física ou jurídica, de direito público ou privado, de direito interno ou externo) protegê-lo de qualquer uso que possa ser considerado como nocivo.

Tendo, pois, natureza pública, tem o Estado o dever de assegurar que seja mantida sua condição de meio ambiente ecologicamente equilibrado, garantindo, pois, a sadia qualidade de vida de todos.

Vincula-se com os princípios de Direito Administrativo da primazia do interesse público e da indisponibilidade do interesse público, já que, na lição de Édis Milaré, “tendo em vista que o interesse na proteção do meio ambiente, por ser de natureza pública, deve prevalecer sobre os direitos individuais privados, de sorte que, sempre que houver dúvida sobre a norma a ser aplicada a um caso concreto, deve prevalecer aquela que privilegie os interesses da sociedade, a dizer, in dúbio, pro ambiente”. [22]    

3.4. Princípio do controle do poluidor pelo Poder Público

Especial importância tem este princípio, tendo em vista que, a partir dele, deve o Poder Público intervir sempre que necessário para assegurar a manutenção, preservação e restauração dos recursos ambientais, possibilitando sua regular utilização pelos indivíduos, desde que assegurado sua utilização racional e sua disponibilidade.

Um dos instrumentos a ser utilizados pelas entidades governamentais para assegurar o adequado manejo do meio ambiente é a limitação dos direitos individuais, em benefício do bem-estar da coletividade, concretizado através do exercício do poder de polícia, próprio dos órgãos administrativos.

3.5. Princípio da consideração da variável ambiental no processo decisório de políticas de desenvolvimento

Na aplicação de políticas públicas, deve o Poder Executivo sempre levar em consideração a variável ambiental, tendo em vista que somente será legitimado este órgão a agir quando já sopesado o beneficio social da tomada desta decisão com os malefícios causados ao meio ambiente.

Somente será viável a implementação de tal política na medida em que os benefícios sociais sejam os máximos e os danos causados ao meio ambiente sejam os mínimos.

3.6. Princípio da participação comunitária

Este princípio expressa a idéia da necessidade de, sempre que possível, haver a cooperação entre Estado e sociedade na execução e na formulação da política ambiental.

Devem participar do processo decisório não apenas os órgãos governamentais, porém todos os diferentes grupos sociais que poderão ou não ser afetados pela tomada de certa decisão.

Não é por outro motivo que estabelece a lei a garantia de realização de audiências públicas no curso de processos de licenciamento ambiental que demandem a realização de estudos prévios de impacto ambiental. [23]

Assim, caso tenha sido aprovado algum projeto de licenciamento que possa de alguma forma poluir o meio ambiente sem a realização de audiência pública, legitimado estará o MP para impugnar a referida aprovação pelos órgãos estatais, na medida em que não foi observado a fase de realização da audiência pública.

3.7. Princípio do poluidor-pagador

Assenta-se na premissa de que os custos sociais externos que acompanham o processo produtivo precisam ser internalizados; portanto, na elaboração dos custos de produção devem os agentes econômicos levar em conta os aspectos que poderão causar impacto no meio ambiente, pois terão que arcar com os prejuízos advindos de suas condutas.

Tem por objetivo, na visão de Milaré, imputar ao poluidor o custo social da poluição por ele gerada, engendrando um mecanismo de responsabilidade por dano ecológico abrangente dos efeitos da poluição não somente sobre bens e pessoas, mas sobre toda natureza. É a chamada internalização dos custos externos [24], que, ao contrário do que se possa pensar, visa evitar o dano ao ambiente, e não tolerar a poluição mediante um preço.

No processo produtivo, além do produto que será comercializado pelo agente econômico, são produzidas também externalidades negativas que, ao contrário do lucro advindo da oferta do bem ao público, acarretará um prejuízo para sociedade, tendo em vista que o meio ambiente (considerado como bem comum do povo) será prejudicado. Daí a expressão “privatização de lucros e socialização de perdas”.

Este princípio tem especial roupagem no presente estudo, tendo em vista que, sendo o poluidor o próprio Estado, conseqüências adversas poderão ocorrer.

Aqui deve-se ressaltar o fim último deste princípio que não é, como já dito, de tolerar a poluição mediante um preço, mas sim, de evitar que o dano ocorra, e, caso este ocorra, tem o parquet a obrigação de se valer dos instrumentos necessários para cessar a fonte poluidora, evitando sua propagação.

3.8. Princípio da prevenção

Apesar da diferenciação citada pela doutrina entre os verbos prevenir e precaver, significando aquele o ato de antecipar-se ao evento danoso já conhecido para evitar seu acontecimento, e este o ato de antecipar-se ao evento que pode ou não ser danoso, para evitar seu acontecimento, pouca relevância tem este distinção, tendo em vista que o princípio da prevenção alberga os dois conceitos.

Presta-se a final de conta a priorizar certas medidas que evitem o nascimento de atentados ao ambiente, tendo em vista que depois de ocorrido o dano, mais difícil e custoso é repará-lo, além do fato de que o ambiente já terá sentido as mazelas do ato perpetrado. Porém, ao adotar medidas preventivas, apesar da possibilidade de aumento do preço de produção ou da inviabilidade de se produzir certo produto, tendo sido preservado o meio ambiente valeria a pena o sacrifício.

Sábias as palavras de Fábio Feldmann:

“Não pode a humanidade e o próprio Direito contentar-se em reparar e reprimir o dano ambiental. A degradação ambiental, como regra, é irreparável. Como reparar o desaparecimento de uma espécie? Como trazer de volta a floresta de séculos que sucumbiu sob a violência do corte raso? Como purificar um lençol freático contaminado por agrotóxicos?” [25]

Deve prestar-se o Poder Público no sentido de reprimir a prática de certas atividades por particulares que, ao final, prejudiquem ou possam prejudicar o meio ambiente. O Estado ao se omitir na opressão das atividades realizadas pelos agentes econômicos que, de algum modo, tragam ou possam trazer mazelas para o ambiente, com estes estão em conluio, pois, como já dizia o velho ditado “quem cala consente”, razão pela qual está legitimado o Ministério Público a agir. 

3.9. Princípio da função socioambiental da propriedade

Como já exposto, a partir da emergência dos chamados direitos de segunda geração, perde a propriedade o status de direito absoluto, no sentido de que seu proprietário pode dela usar e gozar no seu bem entender, para alcançar outro patamar, devendo ela, a partir de então, ser útil para seu proprietário, mas também para toda sociedade, de modo que seu uso possa gerar benefícios individuais e sociais.

Não é à toa que o art. 5, incisos XXII e XXIII, declara que o uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social, além do art. 182, §2º, que detalha a função social da propriedade urbana e o art. 186 da propriedade rural.

Álvaro Luiz Valery Mirra sintetiza seu conceito atual de forma bem didática, ao dizer que “a função social e ambiental não constitui um simples limite ao exercício de direito de propriedade, como aquela restrição tradicional, por meio da qual se permite ao proprietário, no exercício de seu direito, fazer tudo que não prejudique a coletividade e o meio ambiente. Diversamente, a função social e ambiental vai mais longe e autoriza até que se imponha ao proprietário comportamentos positivos, no exercício de seu direito, para que a sua propriedade concretamente se adéqüe à preservação do meio ambiente”. [26]

Com efeito, sabe-se que, no âmbito municipal, não tendo o proprietário se adequado aos mandamentos de seu Plano Diretor, invariavelmente não estará observando a função socioambiental da propriedade, motivo pelo qual deverá a Administração Pública reprimir tal conduta, seja através de multa, majoração do IPTU para que este se adéqüe mencionado diploma, e, não o fazendo, poderá até ocorrer a desapropriação do imóvel.

3.10. Princípio do usuário-pagador

Este princípio é um desdobramento do princípio do poluidor-pagador. A Política Nacional do Meio Ambiente pretendeu abrir mais o leque dos responsáveis pela prática de dano ambiental, determinando que se impusesse, também ao usuário, uma contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos danosos ao meio ambiente, assim como se pode depreender da leitura do art. 4, inciso VII, da Lei 6.939/81.

Parte-se do pressuposto de é dever de todos preservar o meio ambiente, em especial, manter o meio ambiente ecologicamente equilibrado, já que, como sabemos, constitui este um patrimônio da coletividade, logo, a partir do momento em que o indivíduo utiliza-se de bens que possam, na sua cadeia produtiva ou no próprio consumo, resultar em prejuízo ambiental, tem o dever de reparar o mal causado ao ambiente.

Devemos levar em consideração que, como ocorre em relação ao princípio do poluidor-pagador, o usuário que paga não paga pelo direito, mesmo que indiretamente, de poluir. Este paga por um direito que lhe é outorgado pelo Poder Público (ao contrário do poluidor, em que o pagamento se constitui uma sanção), não tendo, pois, qualquer conotação penal.

3.11. Princípio da cooperação entre os povos

Um dos ramos da disciplina jurídica que mais transcende o âmbito nacional é o Direito Ambiental. Tomando-se por base que o meio ambiente é uno, e que, muitas vezes, uma alteração no ambiente perpetrada em um determinado local pode ser sentida em outro, e não raramente, em localidade bem distante, ganha importância este princípio.

A preocupação transnacional do Direito Ambiental começou a ser focalizada a partir de 1972, com a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano em Estocolmo. A partir daí inúmeros tratados foram criados com o fim de fazer com que os diferentes povos cooperassem no sentido de proteger o meio ambiente, tornando-o ecologicamente equilibrado para esta e futuras gerações.

Nosso direito interno recepcionou estas idéias, culminando na elaboração da Lei 9.605 de 1998 que, em seu Capítulo VII dedica-se à “cooperação internacional”, visando o intercâmbio quanto à produção de provas, exame de objetos e lugares, informações de pessoas e coisas, presença temporária de pessoas presas cujas declarações tenham relevância para a decisão de uma causa e outras formas de assistência permitidas pela legislação em vigor ou em tratados de que o Brasil seja parte.


Capítulo IV

Das Leis Ambientais que devem ser observadas pelo Administrador Público na implementação de Políticas Públicas

Desde o início da humanidade a questão ambiental sempre foi objeto de atenção pelos indivíduos, até pelo fato de que a sua devastação é um fenômeno que acompanha o homem desde os primórdios de sua história. Ocorre que a partir da jurisdicionalização dessas questões passou-se a presenciar um emaranhado de Leis, Decretos, Regulamentos que tem por escopo disciplinar a forma de exploração dos recursos ambientais renováveis/não renováveis, de modo a evitar sua escassez.

Este leque de regras jurídicas, muitas vezes até contraditórias, faz com que surja certa segurança para o indivíduo, na medida em que poderá ter a certeza, por exemplo, da licitude ou ilicitude de uma conduta que de algum modo possa vir a prejudicar o meio ambiente.

As leis lato sensu servem, pois, para regular a conduta do indivíduo, que, se agisse de forma livre e arbitrária, poderia, mesmo sem querer, causar danos ao ambiente, a exemplo do mencionado por Milaré:

“É que, como dissemos, dado que o embate de interesses para a apropriação dos bens de natureza se processa em autêntico clima de guerra – de prepotentes Golias contra indefesos Davis –, a ausência de postulados reguladores de conduta poderia redundar numa luta permanente e desigual, com o mais forte sempre impondo-se ao mais fraco. E é evidente que esse estado de beligerância não convém para a tranqüilidade social, já que o homem não pode estar em paz consigo mesmo enquanto estiver em guerra com a natureza” [27]

Assim, até a conferência de Estocolmo de 1972 (marco para o Direito Ambiental) algumas leis esparsas foram criadas com o intuito de regular diferentes ramos da área ambiental, porquanto, foram criadas, a título de exemplo, o Dec. 16.300 de 1923 (Regulamento de Saúde Pública), Dec. 23.793 de 1934 (Código Florestal), Dec. 24.114 de 1934 (Regulamento de Defesa Sanitária Vegetal), Dec. 24.643 de 1934 (Código de Águas) etc.

Também na década de 1960 regulamentos de extrema importância no controle dos recursos ambientais foram criados, assim a Lei 4.504 de 1964 (Estatuto da Terra), Lei 4.771 de 1965 (Código Florestal), Lei 5.197 de 1967 (Proteção à Fauna), Dec.-Lei 248 de 1967 (Política Nacional de Saneamento Básico), Dec.-Lei 303 de 1967 (Criação do Conselho Nacional de Controle da Poluição Ambiental) etc.

Foi, porém, após a Conferência de Estocolmo realizada em 1972 na Suécia, em que participaram 113 países e 250 ONGs, que a matéria ambiental passou a ganhar a relevância que merece. A partir desse encontro, foi editado a Declaração de Estocolmo contendo 26 princípios referentes a comportamentos e responsabilidades, que se destinam a nortear as questões de relevância ambiental.

A partir desse momento, foram estatuídos, na visão de Édis Milaré, quatro marcos de extrema relevância no tratamento de questões ambientais.

O primeiro marco foi a edição da Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981 (Política Nacional do Meio Ambiente), trazendo uma nova concepção de meio ambiente como objeto específico de proteção, instituindo o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), e estabelecendo a obrigação do poluidor de reparar os danos ambientais causados de acordo com o princípio da responsabilidade objetiva.

De acordo com o referido autor, o segundo marco deu-se a partir da edição da Lei 7.347 de 24 de Julho de 1985 (Disciplina a Ação Civil Pública como instrumento processual específico para a defesa do ambiente e de outros interesses difusos e coletivos). A partir desse momento tem o Ministério Público legitimidade para levar ao controle jurisdicional as demandas ambientais.

A edição dessa lei ganha importância nessa monografia pelo fato de que, através de sua entrada em vigor, é regularizada a legitimação do parquet para intervir sempre que o bem público de natureza ambiental fosse prejudicado por atividades humanas, independendo do órgão que originou o ato.

O terceiro marco coincide com a promulgação da atual Constituição Federal de 1988, que deu tratamento ímpar a matéria, tendo destinado um capítulo próprio disciplinando o meio ambiente. Modelo, aliás, muitas vezes repetido, strito sensu, nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas dos Municípios.

O quarto e último marco se deu com a edição da Lei 9.605 de 12 de fevereiro de 1998 (Lei dos Crimes Ambientais), que dispôs sobre as sanções penais e administrativas aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, sistematizando as sanções e tipificando organicamente os crimes ecológicos.

A partir do exposto, pode-se ter ao menos uma restrita visão do campo normativo brasileiro no que condiz com a proteção ambiental. Nenhuma conduta que possa direta ou indiretamente influir no ambiente pode ser executada sem a observância do diploma legislativo em que essa se enquadre.

Surge, porém, uma crítica a este conjunto legal regulamentador das diversas áreas ambientais tendo por base a coerência legislativa, na medida em que, ao serem instituídos diversos diplomas normativos, cada um versando sobre um tema específico, ramifica-se desordenadamente o sistema ambiental, que deveria ser uno.

Assim, até pelo fato de existirem inúmeras contradições nessas Leis, Decretos, Regulamentos, Portarias, etc., deveria ser implementado o projeto de consolidação todo sistema legislativo ambiental em um único documento, um “Código” que passaria a tratar do tema ambiental de forma uníssona e coerente.


Capítulo V

Do Controle Externo do Poder Executivo

5.1. Da Legitimação do MP para intervenção no Poder Executivo

Passada a análise da conceituação do órgão ministerial e das regras e princípios de observância obrigatória pelos membros da administração pública, nos dedicaremos nas próximas linhas ao estudo pormenorizado do objeto central da presente monografia. 

Durante décadas prevaleceu o entendimento, inspirado na idéia de tripartição de poderes proposta por Montesquieu, de que cada um dos três poderes já teria, diante da divisão constitucional, sua área de atuação pré-definida, ou seja, cumpriria ao Poder Legislativo a função de legislar, ao Poder Executivo a função de administrar e ao Poder Judiciário a função de julgar, no sentido de fazer prevalecer a liberdade individual contra os abusos outrora vigentes.

 “Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de Magistratura, o Poder Legislativo é reunido ao Executivo, não há liberdade. Porque pode temer-se que o mesmo Monarca ou mesmo o Senado faça leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Também não haverá liberdade se o Poder de Julgar não estiver separado do Legislativo e do Executivo. Se estivesse junto com o Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário: pois o Juiz seria o Legislador. Se estivesse junto com o Executivo, o Juiz poderia ter a força de um opressor. Estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou um mesmo corpo de principais ou nobres, ou do Povo, exercesse estes três poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas; e o de julgar os crimes ou as demandas dos particulares.” [28]

Com o passar do tempo percebeu-se que a simples divisão de poderes não era a melhor forma de governar o Estado, tendo em vista que, sem uma limitação por um agente externo dos seus respectivos poderes, cada órgão estatal poderia agir arbitrariamente, atuando de forma a fazer prevalecer suas convicções ao revés dos interesses da sociedade.

Constatou-se, portanto, que apesar da manutenção da divisão tripartite das funções estatais como forma de fazer prevalecer a liberdade, deveria haver certo controle para evitar o citado excesso de poder. Assim, foi sendo concretizada a partir da Common Law o sistema da “checks and balances” ou sistema de freios e contrapesos, que mantendo a concepção de áreas pré-definidas de atuação, inovou no sentido de assegurar que cada Poder teria certa influência sobre o outro, prevalecendo um controle recíproco nos órgãos estatais.

Assim não podemos deixar de citar o caso MARBURY versus MADISON, ocorrido em 1803, que inaugurou o poder da judicial review, segundo o qual caberia ao Poder Judiciário dizer se a lei em questão seria ou não aplicável, devendo considerar lei somente aquele ato normativo em conformidade com a Constituição.

A título de exemplificação, temos a figura do Veto Presidencial e do impeachment. A primeira, como forma de o Poder Executivo controlar o processo de elaboração das leis pelo Poder Legislativo, e a segunda, como forma de o Poder Legislativo julgar atos praticados pelos membros do Poder Executivo contrários à Constituição.

É importante ressalvar que, apesar da possibilidade de questionamento acerca da legitimidade de tais ingerências em órgãos alheios, existe atualmente previsão constitucional autorizando tais condutas, assim como nos arts. 66, §1º; 84, III, IV e V; 102, I, “a”; 103, §2º, etc.

Ocorre que, assim como o Poder Executivo, Legislativo e Judiciário possuem seus campos de atuação e intervenção definidos, as condutas dos membros do Ministério Público, órgão constitucionalmente definido como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbido da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, também devem se pautar pelo que está previsto em nossa Carta Magna.

A partir de tal constatação podemos ser levados a crer que, baseando-se na interpretação gramatical da nossa Lei Maior, toda área de atuação do parquet já estaria pré-determinada e que, caso pretendesse se aventurar em seara “alheia” estaria atuando contrariamente ao exposto naquele diploma.

Ocorre que, como melhor poderá ser explicado abaixo, o critério da legalidade estrita não deve prevalecer na interpretação de nossa Constituição Federal. Esta, dotada de inúmeras normas de natureza programática, tem privilegiado interpretação que seja condizente com seu fim almejado, baseando-se, portanto, em uma interpretação axiológica.

Assim, pergunta-se: diante da finalidade do parquet, caberia a este órgão sindicalizar as ações e omissões do Poder Executivo com o intuito de cobrar a efetivação de determinadas políticas públicas, mesmo sem menção no texto constitucional? ou, de outro modo, poderia o Ministério Público realizar o controle externo dos atos do Poder Executivo no que tange à implementação de políticas públicas sem respaldo em legislação específica?

Essa é uma questão muito complexa, até pelo fato de que, acolhendo tal argumentação, poderia o Ministério Público através da Ação Civil Pública levar ao Judiciário questões de ordem estritamente política, que, diante da concepção ate então dominante, não caberia ao Poder Judiciário apreciar.

Lançada a problemática central, cumpre expor os argumentos contrários e favoráveis a essa sindicalização para que possamos, a partir da contraposição entre as duas correntes, chegar a uma conclusão final.

5.1.1. Da Alegação de violação ao regime democrata

Este é um dos argumentos utilizados pelos adeptos da doutrina que rechaça a possibilidade de intervenção dos membros do Ministério Público nos assuntos que seriam privativos do Poder Executivo.

A partir dessa tese, não poderia o juiz dar a palavra final sobre assuntos que diriam respeito apenas aos membros do Poder Executivo pelo simples fato de que, por não terem sido eleitos através do voto popular, não teriam legitimidade para julgar casos que teriam por base o poder político.

Os administradores públicos ao assumirem suas funções, trariam consigo o voto de confiança de seus eleitores. A partir de suas promessas políticas, de sua competência, de sua experiência, carregam o fardo de, na execução de seus mandatos, devem agir com responsabilidade, devendo cumprir com suas propostas lançadas em sua campanha eleitoral, e, para tanto, devem realizar as escolhas políticas que, no seu entender, tornem eficazes seus programas.

Esta não é uma tarefa fácil, pois, na tomada de suas decisões devem levar em consideração vários fatores que, para efetividade de suas medidas, precisam concorrer de modo favorável para concretização do seu objetivo. Assim, o momento, local, modo de execução para a concretização de uma política pública é de competência privativa do administrador.

Assim, o ato administrativo, como o nome já diz, deve ser levado a efeito por membro da administração. Nas palavras de Carvalho Filho:

“Consideramos, todavia, que três pontos são fundamentais para caracterização do ato administrativo. Em primeiro lugar, é necessário que a vontade emane de agente da Administração Pública ou dotado de prerrogativas desta. Depois, seu conteúdo há de propiciar a produção de efeitos jurídicos com fim público. Por fim, deve toda essa categoria de atos ser regida basicamente pelo direito público.” [29]   

Como se pode concluir, para cada ação do administrador, inúmeros procedimentos devem ser levados em consideração para que o fim pretendido seja condizente com os anseios sociais.

Assim, questiona-se: como poderia o Ministério Público/Judiciário se imiscuir nas atividades deste órgão para dizer o que entende por melhor? Como poderia o MP ignorar todo este processo escolhas tomadas por membros eleitos para efetivar sua decisão e simplesmente, através de uma Ação Civil Pública, passar ao Poder Judiciário a palavra final sobre o que é melhor para o povo?

Os membros do Ministério Público e do Poder Judiciário não foram eleitos democraticamente a partir do voto popular. Eles não carregam consigo toda responsabilidade de melhor representar seus eleitores, e muito menos de engendrar a melhor política para eles.

Não há dúvidas de que compete ao Poder Judiciário resolver eventual conflito decorrente do implemento de determinada obra pública que, por exemplo, prejudique determinados indivíduos, ou até responsabilizar civil e/ou criminalmente os agentes públicos que desviem verba destinada a um determinado serviço público, ou fraudem o processo licitatório; porém, decidir acerca da implementação de certa política pública não seria uma indevida intromissão em assuntos privativos do poder político?

Não é à toa que o Poder Executivo exerce o autocontrole político de seus atos, tornando inviável um duplo (pelo Ministério Público) ou triplo (Pelo Poder Judiciário) controle sobre os mesmos atos. Assim ensina Miguel Seabra Fagundes:

“O controle administrativo é um autocontrole dentro da Administração Pública. Tem por objetivos corrigir defeitos de funcionamento interno do órgão administrativo, aperfeiçoando-o no interesse geral, e ensejar reparação a direitos ou interesses individuais, que possam ter sido denegados ou preteridos em conseqüência de erro ou omissão na aplicação da lei.” [30]

A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro corroborara esta tese, como se pode constatar a partir do julgado abaixo colacionado.

“CADERNETA DE POUPANCA. SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. ÍNDICE DE REAJUSTAMENTOI.P.C.  Sumaríssima. Cobrança de diferenças resultantes da variação do IPC subtraídas pelos diversos planos econômicos do Governo Federal. Impossibilidade. Ao Judiciário compete aplicar a lei vigente e não aplicar uma outra que lhe pareça mais justa. Certa ou errada, a política econômica do Governo submete todos os negócios ao seu império. Os inconformados não podem acionar o Judiciário para mudar a lei. O recurso ao seu alcance, nos Estados democráticos, é votar em outras pessoas mais credenciadas para o exercício da função pública.(JRC) - Embargos rejeitados. Vencidos os Des. Pedro Américo e Ellis Figueira”. [31]

No mesmo sentido julgou o atualmente Ministro do STJ, Sr. Teori Albino Zavascki:

“ADMINISTRATIVO. INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO. CONTROLE DE PREÇOS. MATERIALIDADE DA INFRAÇÃO CONFIGURADA. SENTENÇA QUE, ADMITINDO A IMPROCEDÊNCIA DOS EMBARGOS SOB O PONTO DE VISTA LEGAL, ACOLHEU-OS COM BASE EM "ENFOQUE SOCIOLÓGICO", JÁ QUE "O GOVERNO TAMBÉM VIOLOU O CONGELAMENTO". ILEGITIMIDADE DA DECISÃO. AS QUESTÕES TRAZIDAS PELOS JURISDICIONADOS AO EXAME DO JUDICIÁRIO, O SÃO PARA QUE DELE RECEBAM SOLUÇÃO DE NATUREZA JURÍDICA. JUÍZOS DE CONVENIÊNCIA OU DE ADEQUAÇÃO SOCIOLÓGICA DAS NORMAS, SÃO DE ATRIBUIÇÃO DOS PODERES LEGISLATIVO E EXECUTIVO, QUE, INTEGRADOS POR REPRESENTANTES ELEITOS, ATUAM SOB O SIGNO DO VOTO E SOB A VIGILÂNCIA DOS ELEITORES. RECURSO PROVIDO”. [32]

Ocorre que, a despeito da citada tese ter prevalecido no sistema jurídico pátrio, consideramos atualmente que a democracia brasileira não se cinge à representatividade em que se funda a eleição dos integrantes do Poder Legislativo e Executivo. Tampouco se esgota no exercício do sufrágio popular, evidenciado o amadurecimento do sistema jurídico-político para abarcar também formas de democracia participativa.

Prevalece entre nós a idéia de que a eleição não pode ser utilizada como um escudo para qualquer ataque por parte do Ministério Público (que vem representar a própria sociedade) ou de qualquer outro órgão constitucionalmente previsto.

O controle externo do Poder Executivo tanto pelo Ministério Público quanto pelo Poder Judiciário estaria, ademais, evitando a hipertrofia de uma função estatal em detrimento da outra. Prevalecendo a idéia da vedação do controle dos atos administrativos estar-se-ia viabilizando odioso engessamento das funções legislativas e judicial, supervalorizando indevidamente a função governamental (executiva), que estaria imune à fiscalização externa e, com isso, autorizada inclusive à prática de atos inconstitucionais, nocivos ao Estado de Direito.

Aqui atua o Poder Judiciário no sentido de fazer prevalecer os anseios constitucionais aos programas propostos pelos membros do Poder Executivo. Não se trata de uma modificação da política ao seu bel prazer, mas sim, de adequá-las em função dos ditames constitucionais que devem ser respeitados pelos órgãos públicos; logo, não se trata de modificação, mas apenas de adequação das políticas à ideologia do Estado Democrático de Direito.

Tanto a ação quanto a omissão da administração pública na concretização de Políticas Públicas podem ser adequadas pelo Poder Judiciário quando acionado pelo Ministério Público. Não realizando, por exemplo, medidas que propiciem aos indivíduos programa de saúde gratuito e com eficiência, nada obstará que o parquet atue e cobre no judiciário (a partir da Ação Civil Pública) a implementação de tal medida em determinado município.

Ensina o mestre Luís Roberto Barroso que “A atuação do Poder Judiciário no controle das políticas públicas, portanto, longe de constituir afronta à democracia, conduz ao respeito do próprio princípio democrático, possibilitando o acesso da coletividade aos serviços e ações públicas essenciais”. [33]

Não é outro o entendimento de Luiza Cristina Fonseca Frischeisen:

“(...) após a positivação dos direitos sociais, seguiu-se um processo de positivação de suas garantias, o que levou a um processo de judicialização de tais direitos, pois que, entre aquelas garantias, estava a criação de mecanismos de tutela judicial para seu efetivo exercício.

Tal judicialização levou ao fenômeno conhecido como politização do Judiciário, papel que vai além da solução do conflito individual, de direito privado intra partes para incorporar uma função criativa de interpretação e de preenchimento do conteúdo das normas, como a do art. 196 da Carta Magna, para efetivação de direitos de ordem social.

(...) não de um Juiz Legislador ou da substituição do Executivo pelo Judiciário, mas sim de um Juiz intérprete da Constituição Federal, que deve estar em sintonia com as demandas dos diversos setores da sociedade em que vive e trabalha.” [34]

Corrobora este entendimento a jurisprudência de nossa Magna Corte Constitucional.

“DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. GARANTIA ESTATAL DE VAGA EM CRECHE. PRERROGATIVA CONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE INGERÊNCIA NO PODER DISCRICIONÁRIO DO PODER EXECUTIVO. PRECEDENTES. 1. A educação infantil é prerrogativa constitucional indisponível, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a creches e unidades pré-escolares. 2. É possível ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo. 3. Agravo regimental improvido.” [35]

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CARÊNCIA DE PROFESSORES. UNIDADES DE ENSINO PÚBLICO. OMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO. EDUCAÇÃO. DIREITO FUNDAMENTAL INDISPONÍVEL. DEVER DO ESTADO. ARTS. 205, 208, IV E 211, PARÁGRAFO 2º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. A educação é um direito fundamental e indisponível dos indivíduos. É dever do Estado propiciar meios que viabilizem o seu exercício. Dever a ele imposto pelo preceito veiculado pelo artigo 205 da Constituição do Brasil. A omissão da Administração importa afronta à Constituição. 2. O Supremo fixou entendimento no sentido de que "[a] educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental[...]. Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam essas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos políticos-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais impregnados de estatura constitucional". Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.” [36]

Para concluir, cumpre mencionar que, conforme leciona João Paulo Bachur, o controle jurídico de políticas públicas se insere em um contexto substancialmente diverso dessa democracia individualista (com a ilusão de que os representantes do executivo e legislativo, por serem eleitos pelo voto da maioria, irão sempre atuar de linear conformidade com os interesses dos representados), embora tal visão ainda persista. Trata-se de uma democracia das sociedades de massa, na qual o indivíduo sucumbe ante os múltiplos grupos de pressão. [37]

5.1.2. Da Alegação de violação à separação dos poderes

Eis o argumento mais utilizado pelos refratários à sindicabilidade ministerial ao Poder Executivo. Partem da premissa de que, diante da divisão constitucional das competências das funções estatais, não haveria legitimidade para se sobrepor ao traçado pelo texto maior, reputando inconstitucional qualquer ingerência alheia.

Miguel Seabra Fagundes, com a clareza que lhe é peculiar, dedica várias páginas de sua obra à refutar tal intervenção, ao expor que “não podem os juízes e tribunais assomar para si a deliberação de prática de atos de administração, que resultam sempre e necessariamente de exame de conveniência e oportunidade daqueles escolhidos pelo meio constitucional próprio para exercê-los(...)”.[38]

A partir das idéias do filosofo Aristóteles, complementadas mais tarde por Montesquieu, os adeptos da não intervenção ministerial se dedicam a refutar a intervenção de um órgão sobre outro ao argumento da liberdade individual, no sentido de que, estando previamente constituídas as áreas de competência de cada poder, o indivíduo estaria resguardado de qualquer tirania por parte do órgão estatal que poderia se arvorar em qualquer outra área do poder.

Dedica-se o historiador e jurista Paulo Bonavides ao tema:

“Com efeito, observava-se em quase toda a Europa continental, sobretudo na França, a fadiga resultante do poder político excessivo da monarquia absoluta, que pesava sobre todas as camadas sociais interpostas entre o monarca e a massa de súditos.

Arrolavam essas camadas em seus efeitos a burguesia comercial e industrial ascendente, a par da nobreza, que por seu turno se repartia entre nobres submissos ao trono e escassa minoria de fidalgos inconformados com a rigidez e os abusos do sistema político vigente, já inclinado ao exercício de práticas semidespóticas.

(...)

Todos os pressupostos estavam formados, pois na ordem social, política e econômica a fim de mudar o eixo do Estado moderno, da concepção doravante retrógrada de um rei que se confundia com o Estado no exercício do poder absoluto, para a postulação de um ordenamento político impessoal, concebido segundo as doutrinas de limitação do poder, mediante as formas liberais de contenção da autoridade e as garantias jurídicas da iniciativa econômica”. [39]

Nesse sentido, veja-se julgado da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, segundo o qual a ação civil pública não seria viável como instrumento legítimo para condenar o município ao tratamento prévio de detritos nas águas de rios e esgotos domésticos.

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ESGOTO DOMÉSTICO - AÇÃO VISANDO O TRATAMENTO PRÉVIO DOS DETRITOS LANÇADOS NAS ÁGUAS DE RIOS - ATO ADMINISTRATIVO QUE NECESSITA DE EXAME DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE PELO PODER EXECUTIVO - IMPOSSIBILIDADE DE INVASÃO DE TAL ESFERA PELO PODER JUDICIÁRIO - RECURSO PROVIDO. (PASTA- POLUIÇÃO). A pretensão do autor não encontra admissibilidade no direito objetivo, na medida em que não podem os juízes e tribunais assomar para si a elaboração de atos de administração, que resultam sempre e necessariamente de exame de conveniência e oportunidade daqueles escolhidos pelo meio constitucional próprio para exercê-los”. [40]

Também o Superior Tribunal de Justiça decidiu pela não legitimidade do Juiz para substituir a Administração Pública para determinar que obras de infra-estrutura fossem realizadas em conjunto habitacional, ou que fossem desfeitas construções já realizadas, para atender projetos de proteção ao parcelamento do solo urbano.

“ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

1. O Ministério Público está legitimado para propor ação civil pública para proteger interesses coletivos.

2. Impossibilidade do juiz substituir a Administração Pública determinando que obras de infra-estrutura sejam realizadas em conjunto habitacional. Do mesmo modo, que desfaça construções já realizadas para atender projetos de proteção ao parcelamento do solo urbano.

3. Ao Poder Executivo cabe a conveniência e a oportunidade de realizar atos físicos de administração (construção de conjuntos habitacionais, etc.). O Judiciário não pode, sob o argumento de que está protegendo direitos coletivos, ordenar que tais realizações sejam consumadas.

4. As obrigações de fazer permitidas pela ação civil pública não têm força de quebrar a harmonia e independência dos Poderes.

5. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário está vinculado a perseguir a atuação do agente público em campo de obediência aos princípios da legalidade, da moralidade, da eficiência, da impessoalidade, da finalidade e, em algumas situações, o controle do mérito.

6. As atividades de realização dos fatos concretos pela administração depende de dotações orçamentárias prévias e do programa de prioridades estabelecidos pelo governante. Não cabe ao Poder Judiciário, portanto, determinar as obras que deve edificar, mesmo que seja para proteger o meio ambiente.

7. Recurso provido.” [41]

Ocorre que, atualmente, vem ganhando prestígio a doutrina que admite a intervenção judicial nas atividades do Poder Executivo ao argumento de que, com as devidas limitações, esse controle dos atos administrativos é crucial para a própria eficácia do sistema de separação de poderes.

Devemos adaptar aquela rígida visão do sistema de separação de poderes proposta por Aristóteles e aperfeiçoada por Montesquieu à realidade atual, no sentido de fazer com o sistema seja condizente com os preceitos constitucionalmente vigorantes. Assim, nas palavras de Clèmerson Merlin Clève, “a missão atual dos juristas é a de adaptar a idéia de Montesquieu à realidade constitucional de nosso tempo, aparelhando-se o Executivo para que possa responder às crescentes e exigentes demandas sociais”. [42]

Já Lídia Helena Passos adota uma opinião ainda mais rígida ao rechaçar a possibilidade de se manter a separação de poderes nos moldes das concepções até então vigentes. Assim:

“se o princípio da separação de poderes, seja como instrumento de racionalização do aparato estatal, seja como técnica de organização do poder para a garantia das liberdades, tem importância fundamental, ocorre que, hoje, a absoluta autonomia dos poderes no âmbito do Estado Democrático é um mito que não encontra respaldo no texto constitucional e é já insustentável na esteira da argumentação retórica que o inspirou”. [43]

Continua a ambientalista no seguinte sentido:

“A extrema polemicidade dos conflitos sociais – agora coletivos e difusos, não só individuais – gera necessidades inéditas de articulação política, que só podem ser atendidas mediante a criação e implementação de políticas públicas, estratégias decisórias e mecanismos processuais igualmente inéditos, os quais requisitam uma nova organização das estruturas e instituições estatais, bem como novas pautas de articulação política e negociação social entre os grupos representados”. [44]

Não creio que simplesmente abandonar toda a evolução acerca do princípio da divisão de poderes seja a forma certa para se dedicar ao assunto. Assim, diante do art. 60, §4º, inciso III, da CF/88, não poderão ser suprimidos os poderes da União, quais sejam, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, e assim deve ser.

A Constituição Federal é uma carta política completa, no sentido de tentar abarcar, a partir de suas normas e princípios, todo o campo de conflituosidade social. Não é à toa que estabelece como forma de controle recíproco dos supracitados poderes o sistema de freios e contrapesos, asseverando a complexidade do tema.

Leciona Fábio Konder Comparato que “no atual contexto político, a separação de poderes apresenta-se como o remédio mais eficaz contra os erros ou desvios técnicos na condução das políticas públicas, propiciando o estabelecimento de controles múltiplos e recíprocos entre os órgãos estatais”. [45]

Para que seja concretizado eficazmente o sistema de freios e contrapesos, entra o Ministério Público como órgão fiscalizador e impulsionador da mecânica dos contrapoderes, para que se possa, quando se fizer necessário, atuar no sentido de movimentar ou frear a administração conforme o exija a dinâmica institucional traçada pelo ordenamento jurídico.

Devemos ter em mente também que na teoria concebida por Aristóteles a partir de sua obra “A Política” e aprimorada por Montesquieu em “O Espírito das Leis”, o princípio da separação dos poderes deveria ser entendido como um meio de evitar o despotismo real de um poder sobre o outro, e não como um princípio para a organização do sistema estatal e de distribuição de competências.

O modelo tripartite deve ser conformado, em tempos atuais, à forma de Estado a que se encontra vinculado: no Estado Social, diferentemente no ocorrido no Estado Liberal, impõe-se o controle de um Poder sobre o outro como forma de concretização dos objetivos buscados pela ordem constitucional, mormente diante da nova feição prestacional do Estado.

Diante da Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar nº 75/93) é função institucional do parquet a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses individuais indisponíveis, considerando, entre outros, o princípio da “independência e harmonia dos Poderes da União” (art. 5º, inciso I, e).

Além do citado diploma legal, a própria Constituição Federal legitima o Ministério Público para defesa da ordem jurídica, da qual a harmonia entre os poderes é princípio fundamental. Cabe-lhe, pois, agir para restaurar o equilíbrio violado, desde que resulte em lesão a direitos difusos e coletivos.

Diante da atual conformação do Estado, portanto, não pode a separação de poderes obrar em empecilho à realização dos objetivos firmados na Carta Política de 1988. Necessário se faz, pois, o reconhecimento da possibilidade de interferência de um órgão em outro, de forma a viabilizar o efetivo controle dos atos públicos.

Assim, cabe ao órgão ministerial ingressar com uma ação civil pública com objetivo de sanar ação/omissão administrativa ilícita, e ao fazê-lo estará, por via direta, salvaguardando o princípio do equilíbrio dos poderes na medida em que, descumprindo preceito maior, a administração pública atuando indevidamente ou deixando de atuar quando devido, quebrando com a harmonia que deve prevalecer entre os Poderes Administrativo, Legislativo e Judiciário.

Ao decidir o conflito, o Poder Judiciário nada mais faz do que assegurar o cumprimento das leis ao declarar que o Poder Executivo deixou de agir quando deveria, tendo violado, ipso facto, disposição legal. Nessa hipótese, o juiz reconhece a existência de ação/omissão ilícita que prejudica diretamente interesses difusos ou coletivos. Funciona, pois, como instrumento de restauração da ordem jurídica violada e, portanto, de retorno ao estado de equilíbrio entre os poderes.

Incumbe ao Judiciário não a obrigação de criar uma política pública inexistente, em substituição à Administração omissa, por exemplo. Compete-lhe, tão-somente, determinar o cumprimento e a execução de obrigação já fixada, apenas não-implementada pelo Executivo.

Assim decidiu a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no RESP nº 88776/GO, de relatoria do Ministro Ari Pargendler, ao considerar a Ação Civil Pública via adequada para obrigar às construções necessárias à eliminação de dano ambiental em caso que o Estado edificou obra pública sem dotá-lo de um sistema de esgoto adequado.

“PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANOS AO MEIO AMBIENTE CAUSADO PELO ESTADO.

SE O ESTADO EDIFICA OBRA PÚBLICA – NO CASO, UM PRESÍDIO - SEM DOTÁ-LA DE UM SISTEMA DE ESGOTO SANITÁRIO ADEQUADO, CAUSANDO PREJUÍZOS AO MEIO AMBIENTE, A AÇÃO CIVIL PÚBLICA É, SIM, A VIA PRÓPRIA PARA OBRIGÁ-LO ÀS CONSTRUÇÕES NECESSÁRIAS À ELIMINAÇÃO DOS DANOS; SUJEITO TAMBÉM ÀS LEIS, O ESTADO TEM, NESSE AMBITO, AS MESMAS RESPONSABILIDADES DOS PARTICULARES. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.” [46]

Imprescindível colacionar a recente decisão proferida por esta mesma 2ª turma do Superior Tribunal de Justiça, de relatoria do Ministro Humberto Martins, acerca da legitimidade de o Poder Judiciário analisar, através de Ação Civil Pública, certos atos do Poder Executivo em benefício da sociedade.

“ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS – POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS – DIREITO À SAÚDE – FORNECIMENTO DE EQUIPAMENTOS A HOSPITAL UNIVERSITÁRIO – MANIFESTA NECESSIDADE – OBRIGAÇÃO DO ESTADO – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – NÃO-OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL.

1. Não comporta conhecimento a discussão a respeito da legitimidade do Ministério Público para figurar no pólo ativo da presente ação civil pública, em vista de que o Tribunal de origem decidiu a questão unicamente sob o prisma constitucional.

2. Não há como conhecer de recurso especial fundado em dissídio jurisprudencial ante a não-realização do devido cotejo analítico.

3. A partir da consolidação constitucional dos direitos sociais, a função estatal foi profundamente modificada, deixando de ser eminentemente legisladora em pró das liberdades públicas, para se tornar mais ativa com a missão de transformar a realidade social. Em decorrência, não só a administração pública recebeu a incumbência de criar e implementar políticas públicas necessárias à satisfação dos fins constitucionalmente delineados, como também, o Poder Judiciário teve sua margem de atuação ampliada, como forma de fiscalizar e velar pelo fiel cumprimento dos objetivos constitucionais.

4. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais. Com efeito, a correta interpretação do referido princípio, em matéria de políticas públicas, deve ser a de utilizá-lo apenas para limitar a atuação do judiciário quando a administração pública atua dentro dos limites concedidos pela lei. Em casos excepcionais, quando a administração extrapola os limites da competência que lhe fora atribuída e age sem razão, ou fugindo da finalidade a qual estava vinculada, autorizado se encontra o Poder Judiciário a corrigir tal distorção restaurando a ordem jurídica violada.

5. O indivíduo não pode exigir do estado prestações supérfluas, pois isto escaparia do limite do razoável, não sendo exigível que a sociedade arque com esse ônus. Eis a correta compreensão do princípio da reserva do possível, tal como foi formulado pela jurisprudência germânica. Por outro lado, qualquer pleito que vise a fomentar uma existência minimamente decente não pode ser encarado como sem motivos, pois garantir a dignidade humana é um dos objetivos principais do Estado Democrático de Direito. Por este motivo, o princípio da reserva do possível não pode ser oposto ao princípio do mínimo existencial.

6. Assegurar um mínimo de dignidade humana por meio de serviços públicos essenciais, dentre os quais a educação e a saúde, é escopo da República Federativa do Brasil que não pode ser condicionado à conveniência política do administrador público. A omissão injustificada da administração em efetivar as políticas públicas constitucionalmente definidas e essenciais para a promoção da dignidade humana não deve ser assistida passivamente pelo Poder Judiciário.

Recurso especial parcialmente conhecido e improvido”. [47]

Cumpre ainda ressaltar que, diante das responsabilidades do Estado quanto ao respeito aos princípios da supremacia do interesse público primário na proteção do meio ambiente em relação ao interesse público secundário e aos interesses públicos privados, do princípio da indisponibilidade do bem ambiental, do princípio da obrigatoriedade da intervenção estatal e do princípio da defesa do ambiente, toda conduta que vise assegurar o cumprimento dos postulados inscritos no art. 225 de nossa Constituição Federal deve ser priorizada.

Assim no REsp 1114012/SC, em que se tratava de uma Ação de Demarcação de Terras Indígenas, foi decidido pela primeira turma do Superior Tribunal de Justiça, tendo como relatora a Ministra Denise Arruda, que “(...) é possível a fixação, pelo Poder Judiciário, de prazo razoável para que o Poder Executivo proceda à demarcação de todas as terras indígenas dos índios Guarani”. [48]

Também merece destaque o acórdão em que a Ministra do STJ, Sra. Eliana Calmon, remeteu processo para reapreciação na primeira instância, da qual teria sido julgado extinto, sem exame de mérito, pois, segundo fundamentação do juiz singular, teria ocorrido violação da separação de poderes. Decidiu a Ministra que a proteção do meio ambiente, no caso de licenciamento ambiental para a instalação, localização, funcionamento, fiscalização e operação de telefonia celular, se harmoniza perfeitamente com as competências funcionais do Ministério Público, bem como é compatível com a via da ação civil pública. Assim:

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE – ESTAÇÕES RÁDIO-BASE DE TELEFONIA CELULAR – PREQUESTIONAMENTO AUSENTE: SÚMULA 211/STJ – EXTINÇÃO LIMINAR DO FEITO – IMPOSSIBILIDADE – PROSSEGUIMENTO DA DEMANDA.

1. É inadmissível o recurso especial quanto a questão não decidida pelo Tribunal de origem, dada a ausência de prequestionamento.

2. Hipótese em que a instância ordinária extinguiu o feito, sem análise do mérito, sob o fundamento de que se tratava de pedido juridicamente impossível, por ofensa ao princípio constitucional da separação dos poderes.

3. O objeto da ação civil pública originária consiste na exigência de licenciamento ambiental para a instalação, a localização, o funcionamento, a fiscalização e a operação de telefonia celular (estações rádio-base).

4. É plenamente viável a apreciação pela instância ordinária do mérito da demanda, que busca a proteção do meio ambiente contra ações com potencial lesivo, pois seu objeto se harmoniza perfeitamente com as competências funcionais do Ministério Público, bem como é compatível com a via da ação civil pública.

5. Recurso especial parcialmente conhecido e provido, para determinar o prosseguimento da ação, devendo o magistrado de 1ª instância decidir o mérito da demanda como entender de direito”. [49]

Ao ajuizar a Ação Civil Pública estará o Ministério Público assegurando a execução de determinada política pública exigível, conforme previsto em nossa carta constitucional, passando o Judiciário apenas a adequar aquela omissão ou conduta inconstitucional por parte da administração pública ao que prevê nossa lei maior, tornando efetivo, conseqüentemente, o princípio da separação de poderes.

5.1.3. Da Alegação de violação à discricionariedade dos Atos Administrativos

Diante da visão doutrinária clássica, atos emanados da administração pública podem ser classificados como vinculados e discricionários, conforme a liberdade do administrador para sua prática.

É vinculado quando, na lição de Hely Lopes Meirelles, “o regramento é tão rígido que a lei não deixa margem a opções, significando que o agente público fica inteiramente preso ao enunciado da lei, em todas as suas especificidades, e que a liberdade do administrador é mínima, pois terá que se ater à enumeração minuciosa do direito positivo para realizá-los eficazmente”. [50]

Classifica-se, porém, como ato discricionário aquele em que há liberdade por parte do administrador na escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo, não tendo a lei abrangido todos os aspectos acerca da materialidade do ato, como ocorre nos atos vinculados. Aqui há margem de liberdade de decisão, significando que a Administração tem a possibilidade de optar entre as várias soluções possíveis, desde que legalmente válidas, para atender o interesse público diante do caso concreto.

Traçados os conceitos, parece claro que, em se tratando de ato vinculado, onde todos os elementos para concretização do ato administrativo já estão previamente descritos na lei específica, sem deixar margem de opções para a administração, a possibilidade de controle por parte do Ministério Público e pelo Poder Judiciário é maior, já que, não agindo daquela determinada maneira, estará descumprindo seu dever legal, desobedecendo, consequentemente, a própria Constituição Federal.

Assim, afigura-se possível o ingresso com a Ação Civil Pública em face de Município que deixa de analisar pedido de licenciamento ambiental de determinada empresa, quando por ela solicitada. Também nos casos em que deixa de exigir da empresa potencialmente poluidora o Relatório de Impacto Ambiental para seu licenciamento.

Em tais casos, o controle da administração traduz-se em um controle de legalidade puro e simples, não dando azo a questionamento de legitimidade ou não da sindicabilidade, pois a palavra final dada pelo Poder Judiciário apenas refletirá o conteúdo da lei em questão.

Assim leciona Luiz Roberto Marinoni:

“(...) sempre que a lei regula de forma vinculada a atuação administrativa, obrigando a administração a um determinado comportamento, não se poder falar em insindicabilidade dessa atuação, justamente porque existindo o dever de atuar não há margem para qualquer consideração técnica e política”. [51]

Complementa Maria Sylvia Zanella di Pietro:

“(...) com relação aos atos vinculados, não existe restrição, pois, sendo todos os elementos definidos em lei, caberá ao Judiciário examinar, em todos os seus aspectos, a conformidade do ato com a lei, para decretar a sua nulidade ou se reconhecer que essa conformidade inexistiu”. [52]  

Esse o entendimento que sempre prevaleceu em nossa Corte Maior.

“MANDADO DE SEGURANÇA. ANISTIA. MAGISTRADO. REVERSÃO AO SERVIÇO ATIVO. PRESSUPOSTOS NEGATIVOS DO DEFERIMENTO. ATO ADMINISTRATIVO VINCULADO. - POSTAS, NA LEI, AS CONDICIONANTES NEGATIVAS DE REVERSAO AO SERVIÇO ATIVO DO SERVIDOR ANISTIADO, A VALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO INDEFERITÓRIO ESTÁ CONDICIONADA COMO REQUISITO ESSENCIAL, AOS RESPECTIVOS MOTIVOS DETERMINANTES, CUJA EXISTÊNCIA E CONGRUÊNCIA SE SUBMETEM AO CONTROLE JUDICIAL. INVALIDADE DO ATO INDEFERITÓRIO QUE NÃO EXPRESSA A NECESSÁRIA MOTIVAÇÃO LEGAL, IGUALMENTE INEXISTENTE NO PROCESSO ADMINISTRATIVO QUE LHE DA SUPORTE. MANDADO DE SEGURANÇA CONCEDIDO, EM PARTE”. [53]

No mesmo sentido:

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE DE DISCIPLINA DO DEGASE. NÃO CREDITAMENTO DE PONTOS EM PROVA DE AVALIAÇÃO DE EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL PELO EXERCÍCIO DO CARGO DE GUARDA MUNICIPAL. ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO. ATO VINCULADO E ATO DISCRICIONÁRIO. DISTINÇÃO. PRELIMINARES QUE SE AFASTAM. PRESCRIÇÃO INOCORRENTE.

Constando do Edital do concurso exigência de experiência profissional em atividades equivalentes às necessárias ao cargo em disputa é preciso observar que equivaler, segundo o dicionário de Caldas Aulete, é ser igual em valor, preço, estimação etc. ou seja, uma coisa equivalente a outra não significa que sejam iguais mas que uma pode ser substituída pela outra. Equivalência não é o mesmo que igualdade e, no caso em apreço, as atribuições do Guarda Municipal não são iguais às do Agente de Disciplina mas, sem dúvida, são equivalentes. Distinção entre atos discricionários e vinculados. “Se o motivo e o objeto forem expressos em lei, o ato é vinculado se não o forem, resta um campo de liberalidade ao administrador e o ato é discricionário.” Segundo a melhor doutrina, sendo vinculado, o ato administrativo fica sempre sujeito ao controle jurisdicional, recomendando-se que a administração deva adequar-se para poder dar às suas decisões caráter de razoabilidade, de logicidade, de congruência. Faltando qualquer dessas qualidades as decisões se manifestam viciadas de excesso de poder, saindo por assim dizer do campo da discricionariedade para ingressar no limiar da arbitrariedade. Sentença confirmada em sua totalidade. DESPROVIMENTO DO RECURSO”. [54]

A questão não é tão simples assim ao tratarmos de ato discricionário, motivo pelo qual dedicaremos mais algumas linhas para sua definição.

Apesar de não haver divergência doutrinária no que tange à concepção de discricionariedade propriamente dita, dividem-se os autores no que tange à sua natureza, conceituando ora como ato político, de faculdade ou de competência atribuída em lei.

Subsistiu durante décadas o entendimento de que, em se tratando de ato administrativo discricionário, estaria o administrador imune a qualquer controle externo, tendo em vista que, ao decidir por um ou por outro caminho, estaria exercitando um ato de poder, portanto, um ato político, que, diante daquela visão, não poderia ser substituída por qualquer outro órgão.

Assim, cabendo privativamente ao membro do Poder Executivo optar, diante dos critérios de oportunidade e conveniência, o momento adequado para implementação de certa política pública, não poderia o Judiciário, que tem por finalidade julgar as demandas de modo imparcial, imune a questões de ordem política, substituir a vontade do administrador pela sua.

De fato, tendo a necessidade de melhor desempenhar o "governo", foi conferida pela doutrina, tradicionalmente, e outrora prevista a nível constitucional (1934 e 1937) maior discricionariedade ao ato político. Neste caso, não haveria razão para interferência judiciária, posto que esta função refere-se à aplicação concreta da lei quando há conflitos de interesses, uma invasão na esfera jurídica de outrem.

Assim leciona José dos Santos Carvalho Filho:

“os atos políticos sofrem um controle especial, que não significa ausência de controle, posto que em razão da proteção a direitos e garantias fundamentais, não se poderia excluir da apreciação judicial nenhum Poder ou função. Diferencia os atos políticos dos administrativos em razão do fundamento constitucional do primeiro”. [55]

Assim também concluiu a D. Desembargadora Selene Maria de Almeida em julgado proferido no ano de 2001, no sentido de que “Existem atos do Poder Público que em decorrência de sua natureza ou finalidade são insuscetíveis de reexame pelo Poder Judiciário. São os praticados com fundamentos políticos que, por sua natureza discricionária e refratária à apreciação de outro Poder não estão no âmbito do controle judicial”. [56]

Vigorava também a opinião que entendia que o administrador público, ao atuar discricionariamente, estaria realizando a vontade de lei, que lhe outorgou a faculdade de agir mais livremente na escolha da conduta que entende ser apropriada para o caso concreto. Assim, caso fosse o Poder Judiciário legitimado para sindicalizar este ato conferido por lei, estaria desobedecendo a preceito legal.

Fato é que o tratamento em relação à matéria vem sendo modificado, assim, no entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello, “não se pode mais conceber a discricionariedade como mera faculdade, ou poder, do agente público, simplesmente porque os institutos do Direito Administrativo hodierno devem se articulados em torno da idéia de dever, de finalidade a ser cumprida, em face da qual a Administração Pública está posta numa situação que os italiano chamam de doverosità, isto é, sujeição a esse dever de atingir a finalidade”. [57]

Tal espectro de liberdade, característico dos atos discricionários, não pode ser tomado pelo administrador sem responsabilidade, nem pode servir de instrumento de legitimação de atuação contrária à ordem instituída, sob pena de converter-se em arbítrio não desejado pelo Estado de Direito.

Dedica-se Maria Silvia Zanella Di Pietro ao tema da seguinte maneira:

“Abandonando o conteúdo puramente político que a discricionariedade tinha no período do jus politiae, insuscetível de controle jurisdicional, assumiu no Estado hodierno uma feição jurídica, compatível com o Estado de Direito Social e Democrático, acompanhando, portanto, a nova conformação do princípio da legalidade. (...) Destarte, pode-se dizer que a discricionariedade não é mais a liberdade limitada pela lei, mas a liberdade de atuação limitada pelo direito”. [58]

Devemos ter em mente que os atos praticados pelos membros do Poder Executivo possuem sempre um fundamento maior, previamente estabelecido em nossa Carta Magna antes da própria realização do ato. Nas palavras de Carlos Ary Sundfeld “a vontade do Estado é funcional, e os agentes públicos são meros canais de expressão da vontade do direito”. [59] Não há dúvida, assim, que o poder discricionário nada mais é que o cumprimento do dever de alcançar a finalidade legal, logo, é um dever discricionário.

Assim, devemos qualificar como discricionários os atos que levam em conta a margem de liberdade de escolha entre comportamentos cabíveis, norteados pelo direito e vinculados sempre a uma finalidade de interesse público.

Podemos, portanto, concluir que, apesar de a discricionariedade conferir maior amplitude de ação, não há prerrogativa descontrolada ao agente público, não possibilitando agir como bem entender, haja vista que há limitantes impostos pelo direito vigente, mormente em um Estado Social e Democrático de Direito, no qual o titular do poder político (o povo) define as regras das quais não pode se desviar aquele que tão-somente exerce o poder autorizado como mandatário.

Nos ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello:

“(...) reclama do intérprete a intelecção de que o sujeito que a exerce recebeu da ordem jurídica um dever: o dever de alcançar certa finalidade preestabelecida, de tal sorte que os poderes que lhe assistem foram-lhe deferidos para serem manejados instrumentalmente, isto é, como meios reputados aptos para atender à finalidade que lhes justificou a outorga”. [60]

Devemos também levar em consideração que, para que o administrador possa agir em conformidade com a Constituição, obedecendo, portanto, à legalidade, deve respeitar tanto as leis em sentido estrito quanto os princípios regentes das relações jurídico administrativas, mormente os elencados no art. 37 de nossa Carta Magna.

Afigura-se possível, portanto, o controle externo dos atos, mesmo dotados de discricionariedade administrativa, visto que não estão estes infensos à conformação aos princípios da legalidade, razoabilidade, proporcionalidade, publicidade, moralidade, impessoalidade e eficiência que devem reger a atuação da Administração Pública.

Segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro:

“princípios como o da razoabilidade, da moralidade administrativa, os princípios gerais de direito, o princípio da supremacia do interesse público, acolhidos implícita ou explicitamente da Constituição de 1988, limitam a discricionariedade administrativa, norteiam a tarefa do legislador e ampliam a ação do Poder Judiciário, que não poderá cingir-se ao exame puramente formal da lei e do ato administrativo, pois terá que confrontá-los com os valores consagrados como dogmas da Constituição”. [61]

Em se tratando de matéria ambiental, imprescindível a observância dos princípios previstos em nossa Constituição, como o Princípio da Supremacia do Interesse Público na Proteção do Meio Ambiente em Relação aos Interesses Privados, o Princípio da Indisponibilidade do Poder Público na Proteção ao Meio Ambiente, o Princípio da Obrigatoriedade da Intervenção Estatal, o Princípio da Prevenção, o Princípio da Precaução, o Princípio da Defesa do Meio Ambiente, o Princípio da Exigibilidade do Estudo Prévio de Impacto Ambiental, o Princípio da Função Socioambiental da Propriedade, dentre outros.

Não há que falar em possibilidade de deliberação da Administração Pública sobre a oportunidade ou a conveniência em implementar políticas públicas já determinadas pela Constituição Federal. A discricionariedade garantida ao administrador consiste tão-só em eleger a melhor forma de consecução dos objetivos já delineados pelo texto constitucional e pelas normas infraconstitucionais de integração.

Como leciona a Procuradora Federal Luiza Cristina Fonseca Frischeisen “a discussão, no âmbito do controle externo da Administração, não se dará quanto ao dever do administrador, mas sim quanto aos meios que está usando para a implementação de políticas públicas, se o escolhido era o melhor, o mais adequado, o mais razoável para possibilitar o eficaz exercício dos direitos sociais”. [62]

Ademais, diante da Emenda Constitucional nº 19/98, o administrador vê-se limitado no exercício de sua função ao princípio da eficiência. Com isso, no exercício da atuação discricionária, espera-se que o administrador, ao decidir por uma dada solução, tome a decisão mais apta para atingir a finalidade legal.

Todo e qualquer ato da Administração Pública deverá estar submetido à ordem constitucional vigente, devendo obediência aos objetivos e fundamentos traçados pelo legislador constituinte e ordinário, e como cabe ao Poder Judiciário velar pela constitucionalidade das ações estatais, nenhuma questão, mesmo política, pode ser subtraída de sua apreciação. Nesse sentido:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRANSPORTE DE ALUNOS DA REDE ESTADUAL DE ENSINO. OMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO. EDUCAÇÃO. DIREITO FUNDAMENTAL INDISPONÍVEL. DEVER DO ESTADO. 1. A educação é um direito fundamental e indisponível dos indivíduos. É dever do Estado propiciar meios que viabilizem o seu exercício. Dever a ele imposto pelo preceito veiculado pelo artigo 205 da Constituição do Brasil. A omissão da Administração importa afronta à Constituição. 2. O Supremo fixou entendimento no sentido de que "[a] educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental[...]. Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam essas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos políticos-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais impregnados de estatura constitucional". Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento”. [63]

Não podemos deixar de colacionar importante decisão do Ministro do STF, Sr. Luiz Fux, no que tange à coleta de lixo, como serviço imprescindível à saúde pública.

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. COLETA DE LIXO. SERVIÇO ESSENCIAL. PRESTAÇÃO DESCONTINUADA. PREJUÍZO À SAÚDE PÚBLICA.

DIREITO FUNDAMENTAL. NORMA DE NATUREZA PROGRAMÁTICA. AUTO-EXECUTORIEDADE. PROTEÇÃO POR VIA DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POSSIBILIDADE. ESFERA DE DISCRICIONARIEDADE DO ADMINISTRADOR. INGERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO.

1. Resta estreme de dúvidas que a coleta de lixo constitui serviço essencial, imprescindível à manutenção da saúde pública, o que o torna submisso à regra da continuidade. Sua interrupção, ou ainda, a sua prestação de forma descontinuada,  extrapola os limites da legalidade e afronta a cláusula pétrea de respeito à dignidade humana, porquanto o cidadão necessita utilizar-se desse serviço público, indispensável à sua vida em comunidade.

2. Releva notar que uma Constituição Federal é fruto da vontade política nacional, erigida mediante consulta das expectativas e das possibilidades do que se vai consagrar, por isso cogentes e eficazes suas promessas, sob pena de restarem vãs e frias enquanto letras mortas no papel. Ressoa inconcebível que direitos consagrados em normas menores como Circulares, Portarias, Medidas Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os direitos consagrados constitucionalmente, inspirados nos mais altos valores éticos e morais da nação sejam relegados a segundo plano. Trata-se de direito com normatividade mais do que suficiente, porquanto se define pelo dever, indicando o sujeito passivo, in casu, o Estado.

3. Em função do princípio da inafastabilidade consagrado constitucionalmente, a todo direito corresponde uma ação que o assegura, sendo certo que todos os cidadãos residentes em Cambuquira encartam-se na esfera desse direito, por isso a homogeneidade e transindividualidade do mesmo a ensejar a bem manejada ação civil pública.

4. A determinação judicial desse dever pelo Estado, não encerra suposta ingerência do judiciário na esfera da administração. Deveras, não há discricionariedade do administrador frente aos direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nesse campo a atividade é vinculada sem admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea.

5. Um país cujo preâmbulo constitucional promete a disseminação das desigualdades e a proteção à dignidade humana, alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação e da República, não pode relegar a saúde pública a um plano diverso daquele que o coloca, como uma das mais belas e justas garantias constitucionais.

6. Afastada a tese descabida da discricionariedade, a única dúvida que se poderia suscitar resvalaria na natureza da norma ora sob enfoque, se programática ou definidora de direitos.

7. As meras diretrizes traçadas pelas políticas públicas não são ainda direitos senão promessas de lege ferenda, encartando-se na esfera insindicável pelo Poder Judiciário, qual a da oportunidade de sua implementação.

8. Diversa é a hipótese segundo a qual a Constituição Federal consagra um direito e a norma infraconstitucional o explicita, impondo-se ao judiciário torná-lo realidade, ainda que para isso, resulte obrigação de fazer, com repercussão na esfera orçamentária.

9. Ressoa evidente que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública implica em dispêndio e atuar,  sem que isso infrinja  a harmonia dos poderes, porquanto no regime democrático e no estado de direito o  Estado soberano submete-se à própria justiça que instituiu. Afastada, assim, a ingerência entre os poderes, o judiciário, alegado o malferimento da lei, nada mais fez do que cumpri-la ao determinar a realização prática da promessa constitucional.

10. "A questão do lixo é prioritária, porque está em jogo a saúde pública e o meio ambiente." Ademais, "A coleta do lixo e a limpeza dos logradouros públicos são classificados como serviços públicos essenciais  e necessários para a sobrevivência do grupo social e do próprio Estado, porque visam a atender as necessidades inadiáveis da comunidade,  conforme estabelecem os arts. 10 e 11 da Lei n.º 7.783/89. Por tais razões, os serviços públicos desta natureza são regidos pelo PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE."

11. Recurso especial provido”. [64]

No que tange à omissão administrativa na implementação de políticas públicas surge o questionamento: em se tratando de um ato discricionário, poderia ser o silêncio da administração uma dentre as escolhas cabíveis perante o caso concreto, ou seja, poderia ser a inércia da administração a melhor opção que atenda aos pressupostos da conveniência e oportunidade em se tratando de ato administrativo discricionário?

Para Celso Antônio Bandeira de Mello a omissão não poderia ser a melhor opção pelo simples fato de que o não atuar da administração acarretaria um fato e não um ato administrativo, pela falta do elemento voluntariedade. Assim, “como o ato administrativo é uma declaração jurídica, o silêncio não é ato jurídico, haja vista que, quem se abstém de declarar, não declara nada, não pratica ato algum”. [65]

Porém, e no caso de a própria lei estabelecer que o silêncio da administração importe em determinada decisão? Neste caso, obviamente, seria lícito o Poder Executivo deixar de agir, já que, para tanto, estaria escolhendo uma dentre as várias opções que a lei lhe conferiu no seu atuar.

Portanto, faz-se necessário distinguir as situações em que a omissão tem por antecedente o exercício da discricionariedade daquelas em que a inércia não tem qualquer justificativa, nesta prevalecendo o descaso com a coisa pública por parte do administrador, que não examina a situação real posta ao seu alcance.

Em se tratando de pura inércia ante os fatos de relevância social que demandarem providências concretas, no caso de omissão administrativa sem qualquer justificativa, maior a probabilidade de desatendimento do interesse público subjacente e, consequentemente, da incidência de controle externo pelo Ministério Público ou pelo Judiciário.

Conclui-se que a omissão ora pode ser caracterizada como fato jurídico-administrativo (quando a inação é precedida de análise de conveniência e oportunidade, com a tomada da decisão) ora mera situação de fato (quando há simplesmente o silêncio, desacompanhado de qualquer providência administrativa). Devemos ter em mente que em ambas as situações o controle é possível, desde que a inércia seja ilícita.

Ademais, a partir do princípio da publicidade, tem o juiz o dever de, ao decidir o caso concreto posto à sua apreciação, fundamentar sua decisão, tornando possível a análise da legitimidade ou não da intromissão perante os Poderes Públicos, conforme previsto no art. 93, inciso IX da Constituição Federal. [66]

 Assim, nas palavras de José Carlos Fragoso:

“A motivação da sentença é exigência de todas as legislações modernas, onde exerce, como diz FRANCO CORDEIRO (“Procedura Penale”, 1966, p. 615), função de defesa do cidadão contra o arbítrio do juiz. De outra parte, a motivação constitui também garantia para o Estado, pois interessa a este que sua vontade superior seja exatamente aplicada e que se administre corretamente a justiça. O juiz mesmo, protege-se, mediante o cumprimento da obrigação de motivar a sentença, contra a suspeita de arbitrariedade, de parcialidade ou de outra injustiça. (MANZINI, “Tratado de Derecho Procesal Penal”, trad., vol. IV, p.490). Já NUVOLONE assinala que o controle de motivação por parte do juiz torna-se um problema de garantias e, pois, lato sensu, de legalidade, de modo que em alguns ordenamentos (entre eles o italiano), a Corte de Cassação se arroga o dever de controlar não é só existência, mas também a logicidade da motivação”. [67]

5.1.4. Da Alegação da Indisponibilidade Financeira e Orçamentária

Sabemos que, para realização de atos concretos pela administração, é necessária dotação orçamentária prévia, com o intuito de evitar que os gastos públicos suplantem as despesas, garantindo-se, portanto, o equilíbrio das contas públicas.

A partir desta premissa, argumentam alguns doutrinadores que não seria possível o Judiciário impor obrigação de fazer, diante da ausência de disponibilidade financeira para a realização de certa política concreta, inclusive pelo fato de que caberia apenas ao administrador sopesar acerca da conveniência e oportunidade de como, quando e onde aplicar os recursos públicos disponíveis.

Ressaltam, portanto, a tese da inoponibilidade à Administração Pública de determinações que constituam ingerência em planejamento financeiro, diante da rigidez orçamentária com que lidam os governantes no sistema jurídico pátrio, mormente quando deve o Poder Executivo observar o disposto nos artigos 165 a 169 da Constituição Federal que define regras orçamentárias a serem seguida pelos Poderes Públicos, como, entre outras: a) o estabelecimento do plano plurianual, das diretrizes orçamentárias e dos orçamentos anuais por leis de iniciativa do Executivo; b) o estabelecimento, pela lei instituidora do plano plurianual, das diretrizes, dos objetivos e das metas da Administração Pública; c) a determinação de que a Lei de Diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e as prioridades da Administração Pública, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, e orientará a elaboração da lei orçamentária anula; d) a determinação de que a lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho á previsão da receita e à fixação de despesa; e) a vedação do início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual; f) a vedação da realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais; g) a vedação da realização de operações de crédito que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta; h) a vedação da abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes.

Argumenta-se que as políticas públicas já estão previamente atreladas às disposições contidas nas leis orçamentárias (planos anuais ou plurianuais), diante de sua caracterização como metas a serem alcançadas pela Administração Pública, como previsto no art. 165 da Constituição Federal.

Assim, pelo fato de já terem sido destinados valores para custear despesas específicas de cada exercício financeiro seguinte, e, diante da escassez dos mesmos, se mostraria inviável a majoração dos gastos públicos por decisão do Poder Judiciário em razão da indisponibilidade de recursos para arcar com esta nova obrigação, tendo em vista que não teria sido destinada nenhuma verba específica para tal fim.

Assim destaca o Procurador da República, Sérgio Cruz Arenhart:

“(...) não há maneira para impor-se ao Poder Público a obrigação de atuar em determinado sentido, porque pode haver restrições de ordem material e, especialmente, orçamentárias que impeçam este agir. Considerando que o orçamento é limitado – e que cabe ao poder discricionário do Estado a escolha da prioridade dos investimentos – não poderia o Poder Judiciário substituir-se aos legítimos administradores, para ditar a forma como o dinheiro público deve ser prioritariamente gasto. Desse modo, os direitos (todos eles) estariam condicionados, em sua realização pelo Poder Público, às capacidades financeiras do Estado, o que tornaria esta realização insindicável pelo Poder Judiciário”. [68]

No mesmo sentido decidiu o Ministro Celso de Mello no julgado abaixo colacionado:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO RECURSO DE AGRAVO - REVISÃO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS - INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 9.032/95 A BENEFÍCIOS CONCEDIDOS ANTES DE SUA VIGÊNCIA - AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO, NESSE DIPLOMA LEGISLATIVO, DE SUA APLICAÇÃO RETROATIVA - INEXISTÊNCIA, AINDA, NA LEI, DE CLÁUSULA INDICATIVA DA FONTE DE CUSTEIO TOTAL CORRESPONDENTE À MAJORAÇÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO - ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO COMO LEGISLADOR POSITIVO - VEDAÇÃO - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. - Os benefícios previdenciários devem regular-se pela lei vigente ao tempo em que preenchidos os requisitos necessários à sua concessão. Incidência, nesse domínio, da regra "tempus regit actum", que indica o estatuto de regência ordinariamente aplicável em matéria de instituição e/ou de majoração de benefícios de caráter previdenciário. Precedentes. - A majoração de benefícios previdenciários, além de submetida ao postulado da contrapartida (CF, art. 195, § 5º), também depende, para efeito de sua legítima adequação ao texto da Constituição da República, da observância do princípio da reserva de lei formal, cuja incidência traduz limitação ao exercício da atividade jurisdicional do Estado. Precedentes. - Não se revela constitucionalmente possível, ao Poder Judiciário, sob fundamento de isonomia, estender, em sede jurisdicional, majoração de benefício previdenciário, quando inexistente, na lei, a indicação da correspondente fonte de custeio total, sob pena de o Tribunal, se assim proceder, atuar na anômala condição de legislador positivo, transgredindo, desse modo, o princípio da separação de poderes. Precedentes. - A Lei nº 9.032/95, por não veicular qualquer cláusula autorizadora de sua aplicação retroativa, torna impertinente a invocação da Súmula 654/STF”. [69]

O cerne do problema está no confronto entre a necessária previsão legal anterior fixando a parcela do orçamento a ser destinada para essa ou aquela finalidade, e a hipótese de necessária intervenção do Ministério Público e do Poder Judiciário visando a efetivação de certa política que, apesar de não ter sido objeto de destinação orçamentária anteriormente, se mostra necessária.

Entende-se atualmente que a alegação de dificuldade financeira ou orçamentária não deve sempre prevalecer pelo fato de que, caso prevalecesse, passaria a administração pública a agir do modo que melhor lhe aprouve-se, já que, pela alegação de indisponibilidade financeira ou orçamentária estaria livre de qualquer controle judicial ou extrajudicial, situação inadmissível num Estado Social e Democrático de Direito.

Acrescente-se o fato de que, havendo previsão constitucional que define como prioridade certa política social, tem-se como inadmissível a alegação de falta de verba orçamentária, já que a destinação de verba pública para esta ou aquela ação está umbilicalmente ligada à priorização deste ou daquele campo de atuação administrativa.

A falta de destinação de recursos financeiros por parte dos Poderes Públicos para implementação de uma política prioritária, reconhecida constitucionalmente como de interesse especial, não pode servir de motivo para inação da administração pública no tocante à realização daquele dever previsto em nossa Carta Maior, já que este diploma deve orientar o próprio administrador na escolha das áreas de atuação a que devem ser destinados recursos especiais.

No mesmo sentindo, o Desembargador Sérgio Gischkow Pereira votou no sentido da inadmissibilidade da alegação de falta de verba orçamentária em face da previsão constitucional que define como prioridade questões de interesse da criança e adolescente, assim: “A CF, em seu art. 227, define como prioridade absoluta questões de interesse da criança e do adolescente; assim, não pode o Estado-membro, alegando insuficiência orçamentária, desobrigar-se da implantação de programa de internação e semi-liberdade para adolescentes infratores, podendo o Ministério Público ajuizar ação civil pública para que a Administração Estadual cumpra tal previsão legal, não se tratando, na hipótese, de afronta ao poder discricionário do administrador público, mas de exigir-lhe a observância do mandamento constitucional”. [70]

Assim, justamente por não poder a Administração Pública se isentar dos seus deveres constitucionalmente previstos em virtude da falta de disponibilidade orçamentária, ensina Luiz Guilherme Marinoni que “nada impede que a tutela inibitória ordene a realização da incumbência devida pela administração e, alternativamente, a disponibilização, em orçamento, do valor necessário para a consecução da sua obrigação legal”. [71]

Ademais, devemos levar em consideração que a lei orçamentária anual tem caráter nitidamente facultativo para o gestor público no que tange à execução total da programação estabelecida. Assim, os recursos destinados a uma obra específica podem ser remanejados para outra que se mostre mais urgente, motivo pelo qual aquela lei formal não gera direito adquirido.

O caráter aberto da lei orçamentária anual é decorrente da própria dinâmica social e econômica, que, diante das rápidas mudanças ocorridas no meio social, faz com que seja absolutamente inviável a petrificação das hipóteses prioritárias de ação do Poder Público. Portanto, o proposital silêncio da norma justifica a viabilidade do controle judicial, diante do espaço em aberto deixado à administração pública.

Apesar do exposto, alguns doutrinadores de peso posicionam-se no sentido da imutabilidade da lei orçamentária anual. Assim, Humberto Theodoro Júnior aduz que “completamente injurídico é o manejo de verbas orçamentárias ou para alterar as prioridades administrativas quanto à aplicação das disponibilidades do tesouro, dando preferência a um investimento em lugar de outro, ou simplesmente, impondo à Administração o dever de realizar uma obra só pelo fato de ser de interesse coletivo”. [72]

Porém, felizmente, tem prevalecido a tese oposta, como se pode constatar a partir da brilhante tese proferida por Lúcia Valle Figueiredo, analisando a possibilidade de o Poder Judiciário impor à Administração, no terreno do saneamento básico, obrigação de tratar dos efluentes urbanos:

“Mais especificamente a Constituição do Estado de São Paulo, no seu art. 208, estabelece que “[fica vedado o lançamento de efluentes e esgotos urbanos e industriais, sem o devido tratamento, em qualquer corpo d’água]”. Tal norma, sem dúvida, é de eficácia completa; traz consigo um não-fazer objetivo, retirando do administrador qualquer possibilidade de optar entre tratar ou não tratar os efluentes urbanos (...). Por conseguinte, eventual recusa do Poder Público em cumprir determinação constitucional pode – e deve – ser repreendida pela via da ação civil pública. A observação tem grande importância em matéria orçamentária. Há valores que são priorizados pelas Constituições Federal e Estadual. Aqui, também por vezes, o administrador não tem qualquer discricionariedade, pois, do contrário, seria lhe dar o poder de negar, pela via transversa, a escala de prioridades e de urgência que, no Brasil e no Estado de São Paulo, foi constitucionalmente fixada. Nessa linha de raciocínio, vejo como possível a cumulação de pedidos em ação civil pública, um referente à obrigação de não-fazer (deixar de lançar efluentes não-tratados) e outro pertinente à inclusão da respectiva despesa no orçamento do ano seguinte. Trata-se de uma sofisticação do conceito de controle dos atos administrativos: se a administração tem um dever e o descumpre, é razoável requerer que, junto com a determinação judicial do não-fazer, sejam viabilizados os recursos que permitam a realização do objetivo pretendido”. [73]

Deve-se levar em consideração que o Estado trabalha vinculado a um orçamento. Portanto, quando se condena o Estado a atuar e esta atuação gera a necessidade de uma obra pública, deve-se perquirir, no momento procedimental próprio, se aquele ente estatal possui verba em seu orçamento compatível. Se existirem fundos próprios e suficientes para a implementação da obra almejada, será o Poder Público condenado de imediato a realizar tal obra. Porém, se o orçamento daquele ano não compuser mais a magnitude desta obra, o ente estatal será inicialmente condenado a incluir no próximo orçamento verba específica à obra pleiteada, sendo em sequência condenado à realização propriamente da dita obra.

Conclui-se que, inexistindo recursos suficientes no orçamento do órgão estatal para a concreção das políticas sociais exigidas, a determinação de seu cumprimento passará, necessariamente, pela previsão de verbas para o exercício seguinte, pela formalização de crédito adicional, nas hipóteses admitidas pela legislação de regência ou ainda pela transferência de recursos destinados a outra política menos essencial.

Contudo, alguns poucos juízes têm decidido no sentido de objetar a aplicação de políticas públicas prioritárias através da alegação de que, diante da impossibilidade econômica em implementar todas as políticas necessárias, e que, diante da escassez dos recursos públicos, torna-se impossível a concretização de todas metas exigidas. Assim:

“AÇÃO OBJETIVANDO A CONDENAÇÃO DO ENTE PÚBLICO A REALIZAR OBRAS DE SANEAMENTO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA CORRETA. IMPOSSIBILIDADE DE O JUDICIÁRIO INTERVIR EM MATÉRIA DE ÍNDOLE PURAMENTE POLÍTICO-ADMINISTRATIVA. CABE AO ADMINISTRADOR, ELEITO SEGUNDO OS PADRÕES DEMOCRÁTICOS ADOTADOS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DEFINIR AS METAS E AS PRIORIDADES A SEREM OBSERVADAS NA DESTINAÇÃO DO ORÇAMENTO PÚBLICO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO”. [74]

Porém, necessário rechaçar a citada tese, já que em relação às políticas públicas asseguradoras de direitos socioambientais, inviável a alegação do princípio da reserva do possível, pois implicaria em verdadeira afronta ao ordenamento jurídico brasileiro, que elegeu como prioridade máxima a garantia da existência digna aos cidadãos, para o que é imprescindível a concretização da Ordem Socioambiental Constitucional.

Esta tem sido a orientação dominante do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INIBITÓRIA CUMULADA COM INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. DEMANDA AJUIZADA POR USUÁRIOS DO HOTEL POPULAR, DECORRENTE DA LIMITAÇÃO DO USO DA HOSPEDARIA PARA TRÊS DIÁRIAS SEMANAIS. POLÍTICA PÚBLICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL AO TRABALHADOR OU PESSOAS NA BUSCA DE EMPREGO QUE NÃO POSSUEM CONDIÇÕES DE ARCAR COM A DESPESA DE TRANSPORTE PARA RETORNAREM DIARIAMENTE ÀS SUAS RESIDÊNCIAS. RESTRIÇÃO DE USO QUE SE CONSTITUI MÉRITO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE DO ESTABELECIMENTO DE NOVA DISCIPLINA DE ATENDIMENTO E UTILIZAÇÃO DA HOSPEDARIA COM VISTAS A MELHOR ATENDER AO INTERESSE PÚBLICO. MATÉRIA QUE SE ENCONTRA INSERTA NOS DIREITOS SOCIAIS PRESTACIONAIS. IMPOSSIBILIDADE DO ACOLHIMENTO DA PRETENSÃO DIANTE DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA MATERIAL. A Administração Pública dispõe de plena discricionariedade para estabelecer novos critérios de utilização do serviço, desde que visando melhor atender ao interesse público. Não pode o Poder Judiciário, substituindo-se ao Administrador Público, estabelecer os critérios a serem adotados para a gerência do Hotel Popular, cabendo ao órgão executor planejar, dirigir, organizar e controlar seu funcionamento, efetivando as políticas públicas de assistência social, como forma de apaziguar as diferenças sociais. Direitos prestacionais materiais que estão sujeitos à existência de recursos públicos para satisfazê-los, encontrando-se dependentes da conjuntura econômica vigente no momento, estando, assim, submetidos à reserva do possível, de forma a impedir a imediata efetivação do comando inserido no texto constitucional. Cláusula de reserva do possível que não pode conduzir à ineficácia dos direitos sociais, sendo imperiosa a necessidade de preservação da integridade e intangibilidade do núcleo consubstanciador do mínimo existencial necessário a uma existência digna e à própria sobrevivência do indivíduo. O princípio da vedação do retrocesso prestigia o desenvolvimento e a evolução dos direitos sociais impedindo, assim, que normas de caráter fundamental venham a sofrer limitações de efetividade e eficácia, mediante reformas legislativas, constitucionais, ou administrativas, de forma a causar desestabilidade jurídica. Impossibilidade de atendimento da pretensão, visto que a via processual adotada implicará em violação ao princípio da isonomia material, visto que, o êxito da demanda, prestigiará os autores em detrimento dos demais usuários que se encontram na mesma situação jurídica. A limitação de recursos, que acaba por desaguar na restrição a três diárias semanais por pessoa o direito ao uso da hospedaria, deve ser suportada de forma igualitária pelos administrados, não havendo justificativa para que somente alguns recebam os benefícios da prestação pública na forma anteriormente estabelecida, o que implica em ofensa ao princípio da isonomia, vetor axiológico da Constituição da Republica Federativa do Brasil. Inexistência de transgressão a bem integrante da personalidade. Provimento do recurso dos réus e desprovimento do apelo dos autores”.[75]

No mesmo sentido:

“MEDICAMENTOS. ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. Preliminar de ilegitimidade passiva rejeitada. Lista básica. Responsabilidade solidária dos entes federativos na consecução do direito à saúde. Direito à vida e à saúde, erigidos diretamente da Constituição Federal. Aplicabilidade imediata das normas definidoras de direito fundamentais, que não se compadece com a alegação de ausência de fonte de custeio. A reserva do possível não pode servir de escusa ao descumprimento de mandamento fundado em sede constitucional, notadamente quando acarretar a supressão de direitos fundamentais, em atenção ao mínimo existencial e ao postulado da dignidade da pessoa humana. No dever de prestar saúde compreende-se o fornecimento de produtos indispensáveis à manutenção daquela. Desnecessidade de laudo médico expedido por profissional da rede pública de saúde. Receita prescrita por médico particular. Sua idoneidade. Percepção de honorários pela Defensoria Pública que decorre do princípio do sucumbimento. Valor arbitrado em patamar excessivo. Sua redução. Aplicação dos enunciados n° 03, 04 e 27, do Aviso TJ n° 69/2009. Primeiro e terceiro recursos providos e segundo recurso a que se nega seguimento”.[76]

5.1.5. Da Alegação de Impossibilidade de Hierarquização e Priorização das Atividades Administrativas

A Constituição Federal, ao enunciar os inúmeros deveres do Estado, em função de seu caráter abrangente, não estabelece qualquer escala de importância ou prioridades entre eles. Como prepondera a concepção de que todos os deveres impostos ao Estado devem ser cumpridos, torna-se impossível qualquer priorização ou hierarquização entre as áreas nas quais deve o Estado atuar, de modo a viabilizar o implemento de todos os direitos sociais.

Porém, sabemos que diante da escassez de recursos, insuficientes para dar eficácia aos comandos estipulados em nossa Carta Magna, mormente pela realidade nacional marcada pela pobreza (em todos os sentidos), tornam-se impossível a realização de todos as deveres constitucionais.

Surge, portanto, a questão: Se não há escala de prioridades nem recursos suficientes para efetivar todos os direitos sociais, poderia o Ministério Público e, por conseqüência, o Poder Judiciário recomendar ou impor ao administrador a concretização de determinada medida, rompendo a barreira representada pela discricionariedade administrativa?

Posicionou-se pela negativa o Desembargador Relator Cunha de Abreu na Ação Civil Pública impetrada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo na qual visava a construção de obras em escola estadual do Sertãozinho. Assim:

“ (...) por definição um não administrador, não pode e não deve imiscuir-se na competência do Executivo, subvertendo a divisão das obrigações no trato da coisa pública para a seu talante priorizar e hierarquizar aquilo que sob sua ótica lhe pareça mais urgente dentro da ata incomensurável de urgências deste país”.[77]

No mesmo sentido:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Imposição a entidade paraestatal para realização de obras em prazo determinado sob pena de multa – Inadmissibilidade – Intervenção no Poder Executivo pelo Judiciário – Seleção de prioridades e de existência de recursos orçamentários – Esfera específica do Poder Executivo – Carência de ação – Recurso Provido”.[78]

Entende-se, porém, que apenas limitar genericamente a possibilidade de sindicalização dos atos do executivo no que tange a escolhas de políticas públicas, diante da escala genérica de hierarquização e priorização constante em nossa Constituição Federal, não é o caminho certo, tendo em vista que a legitimidade para intervenção ministerial deverá ser aferida caso a caso, devendo ser observados todos os detalhes do caso concreto.

Assim, mostra-se necessário o exame da discriminação administrativa a partir da compatibilidade ou não com a ordem jurídica e com o interesse público.

Celso Antônio Bandeira de Mello, ao passar pelo tema, ressalta em sua obra que, “para a concretização da igualdade, cabe lembrar que insuficiente recorrer-se à notória afirmação de Aristóteles, assaz de vezes repetidas, segundo cujos termos a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.” (...) Assim, para que um dispositivo legal seja convincente com a isonomia, necessário que concorram quatro elementos que, no seu dizer são: “a) que a desequiparação não atinja de modo atual e absoluto um só indivíduo; b) que as situações ou pessoas desequiparadas pela regra de direito sejam efetivamente distintas entre si, vale dizer, possuam características, traços, nelas residentes, diferenciados; c) que exista, em abstrato, uma correlação lógica entre os fatores diferenciais existentes e a distinção de regime jurídico em função deles, estabelecida pela norma jurídica; d) que, in concreto, o vínculo de correlação supra-referido seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente protegidos, isto é, resulte em diferenciação de tratamento jurídico fundada em razão valiosa – ao lume do texto constitucional – para o bem público”.[79]

A partir de tais premissas, não poderia um Município implantar sistema de saneamento básico em todos os bairros de periferia, com a omissão de um, por qualquer motivo alegado. Tal hipótese esbarraria no primeiro elemento, já que estaria desequiparando um ou alguns bairros, situação em que não seria(m) privilegiado(s) pela política implementada, ao revés de todos os outros que teriam saneamento básico assegurado. Aqui seria viável o controle da omissão pelo parquet, já que é manifesta e concretamente lesiva aos interesses sociais.

Portanto, só poderão o Ministério Público e o Judiciário interferir na hierarquização e na priorização de valores levados em consideração pelo administrador público de forma específica, e não genericamente, e desde que haja efetiva lesão ou grave perigo a direitos consagrados na Constituição, mormente quando relativos a direitos difusos e coletivos. Ainda mais, o ato ou omissão administrativa deve ser manifestadamente irrazoável, devendo-se, portanto, verificar se a discriminação que justifica o ato ou omissão é compatível ou não com a ordem jurídica e o interesse primário.

Neste sentido decidiu a 4º Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra o DNER – Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, entendendo correta a decisão do juiz de primeira instância que determinou a imediata adoção de medidas emergenciais de segurança com o intuito de evitar que desastres continuassem ocorrendo em rodovia, entendendo que a segurança do trânsito deveria prevalecer em relação às questões administrativas, como licitação para contratação de empreiteiras. Ex vi:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.  ADOÇÃO DE MEDIDAS EMERGENCIAIS EM RODOVIA.

1. NÃO OBSTANTE A EFETIVA CONTRATAÇÃO DE EMPRESA CONSTRUTORA, A SEGURANÇA DO TRÂNSITO  LOCAL NÃO PODE ESPERAR O FIM DAS COMPLEXAS TRATATIVAS QUE, DE REGRA, MARCAM AS RELAÇÕES ENTRE O PODER PÚBLICO E AS EMPREITEIRAS. É NECESSÁRIA A IMEDIATA IMPLEMENTAÇÃO DE CONDIÇÕES MÍNIMAS DE SEGURANÇA PARA O TRÂNSITO NA RODOVIA, SENDO INQUESTIONÁVEL A GRAVIDADE DA SITUAÇÃO.

2. CORRETA E ADEQUADA A R. DECISÃO QUE DETERMINOU A IMEDIATA ADOÇÃO DE MEDIDAS EMERGENCIAIS DE SEGURANÇA PARA EVITAR QUE DESASTRES CONTINUEM OCORRENDO NA RODOVIA.

3. RECURSO IMPROVIDO”.[80]

5.1.6. Da Alegação de Ausência de Previsão Legal do Direito Material Pleiteado

Argumenta-se que, sendo a lei que Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, de caráter adjetivo, regulando a utilização de um instrumento de direito processual, seria incabível a propositura de ação civil pública com o objetivo de condenação em obrigação de fazer ou de não-fazer contra ação/omissão administrativa se o direito material não for previsto no ordenamento jurídico.

Assim assevera Rodolfo de Camargo Mancuso:

“a Lei nº 7.347/85 é de índole predominantemente processual, visto que, basicamente, objetiva oferecer os instrumentos processuais hábeis à efetivação, em juízo da tutela aos interesses difusos reconhecidos nos textos substantivos.”[81]

No mesmo sentido, Hely Lopes Meirelles:

 “A Lei nº 7.347/85 é unicamente adjetiva, de caráter processual, pelo que a ação e condenação devem basear-se em disposição de alguma norma substantiva, de Direito Material, da União, do Estado ou do Município, que tipifique a infração a ser reconhecida e punida no Judiciário, independentemente de qualquer outra sanção administrativa ou penal em que incida o infrator”.[82]

Resumidamente, Toshio Mukai lança sua posição:

“Na ação civil pública o Judiciário não pode, a pretexto de obrigar a não fazer, criar direito material para tal, visando compelir o Executivo a determinada conduta administrativa (comissiva ou omissiva); como conseqüência, sem que o Executivo esteja a violar uma lei substantiva, não pode o Judiciário compeli-lo a uma obrigação de fazer ou não-fazer, tão-só com base no art. 3º da Lei nº 7.347/85”.[83]

Portanto, deve-se pressupor que a obrigação de fazer deve encontrar suas lindes demarcados na lei subjetiva, não cabendo ao Poder Judiciário criar discricionariamente a obrigação. Assim, nas palavras de José dos Santos Carvalho Filho “à luz dos elementos que entender convenientes e oportunos para a hipótese, um postulado que resulta do princípio da legalidade estrita, segundo o qual ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei, regra, aliás, de índole constitucional”.[84]

A ação civil pública, como instrumento que levará a demanda à apreciação do Judiciário, se presta à defesa de quaisquer interesses difusos e coletivos, porém, desde que previstos em normas de natureza material. Do contrário, na lição de Humberto Theodoro Júnior, “chegar-se-ia ao extremo absurdo de confiar ao próprio titular da ação o poder de definir, sem parâmetro algum, o interesse merecedor da tutela jurisdicional, (...) e, a ação civil pública, de mecanismo de garantia dos direitos e interesses difusos se transformaria em um instrumento do arbítrio daqueles que estão legitimados a propô-la”.[85]

A propósito, decidiu o MM. Juiz de Direito em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de Goiás buscando a manutenção e conservação do patrimônio público de Goiânia, pela inépcia da inicial, reconhecendo a impossibilidade jurídica do pedido, tendo em vista que não existiria direito material a fundamentar a viabilidade da ação, além do fato de não ser imputável à administração municipal uma obrigação de fazer, haja vista circunscrever-se a manutenção do patrimônio público na esfera do poder discricionário do Executivo Municipal.[86]

Porém, em que pesem os sólidos argumentos lançados por esses eminentes doutrinadores, apesar do caráter nitidamente processual da ação civil pública, a exigência de norma específica expressa é descabida, pois, não se faz necessário a determinação de onde, quando e como fazer, para que seja possível determinação judicial corrigindo o ato ou omissão do administrador, bastando, porém, apenas que o dever de agir esteja previsto genericamente no ordenamento jurídico para que seja possível ingressar o Ministério Público com tal instrumento processual.

Assim, daquela decisão que julgou inepta a ação civil pública ajuizada pelo parquet de Goiás, foi impetrado recurso por este órgão, tendo a 3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Goiás, através do voto do relator Antônio Nery da Silva, reformado aquela decisão no seguinte sentido:

“O julgador monocrático equivocou-se na apreciação do pedido em tela, pois, na verdade, busca-se a responsabilização civil do município de Goiânia pelos danos materializados em função da omissão do Poder Público local para com as praças enfocadas na ação. Assim, alega que em nenhum momento se pretendeu usurpar as funções da Administração Pública, ditando-lhe qual o procedimento a seguir, mas, tão-somente, quer-lhe impor o ônus legalmente conferido de manutenção e conservação do patrimônio público. No seu dizer, essa responsabilidade municipal está devidamente preconizada pelo art. 23 da Constituição Federal.

(...)

A Lei da ação civil pública é de natureza processual, adjetiva. Então, qual é a lei de natureza material, substantiva, que poderia dar suporte à pretensão do MP? O art. 66, inc. I, do CC, responde: “as praças são bens públicos”; o art. 23 da CF acrescenta: “é de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: I - ... conservar o patrimônio público”; o art. 2º da Lei nº 6.939/81 também socorre quando afirma que “o meio ambiente é patrimônio público”; e o art. 41 da Lei Orgânica do Município de Goiânia encerra: “cabe ao Prefeito a administração dos bens municipais”. Não seria toda legislação suficiente para corresponder substantivamente à pretensão que a lei adjetiva da Ação Civil Pública contempla? Acredito que sim e justifico essa crença afirmando que, como é óbvio, as pessoas não doaram parcelas de sua liberdade, na formação do Estado, para serem posteriormente, por ele obrigadas a viver em desordem”. [87]

Conclui-se, portanto, no sentido da impossibilidade de o Ministério Público e, consequentemente, o juiz, de criar obrigações de cunho coletivo, porém, perfeitamente possível que se determine o seu cumprimento, quando tais obrigações decorrem de lei, independemente de sua abstração.

Compartilha da mesma tese Luís Henrique Paccagnella, ao asseverar que “o que não é possível ao Poder Judiciário é a definição, por seus próprios critérios, de dadas políticas públicas. É constitucional, porém, que o Judiciário mande cumprir política pública prevista na Constituição e na legislação, quando tal política pública for ignorada pelo administrador. O Poder Judiciário simplesmente mandará cumprir dada obrigação prevista na lei, dentro dos critérios e requisitos na própria lei. Os meios e a forma de cumprimento da obrigação, naquilo que a lei não ditar, é que ficarão no âmbito da discricionariedade do administrador”.[88]

5.1.7. Da Imposição do Modo e do Tempo da Obrigação de Fazer 

Deve-se atentar que, ao lado da possibilidade do controle de determinados atos emanados do Poder Executivo, deve o Poder Judiciário determinar um modo e tempo para o cumprimento da obrigação de fazer, tendo em vista a eficácia da execução posterior do comando disposto na sentença.

Deste modo, as condições de execução da obrigação são adotadas pelo administrador e estão sujeitas à apreciação de conveniência e oportunidade, salvo algumas hipóteses em que só existe uma alternativa viável para atingir o objetivo esperado. Assim, cabe apenas ao administrador, naqueles casos, optar pela forma de execução, podendo adotar a melhor alternativa técnica que, no seu entender, viabilizará cumprimento do comando.

Resume de forma brilhante resume o assunto Wallace Paiva Martins Júnior:

“ (...) a sentença deve limitar-se a determinação dirigida ao Poder Público do cumprimento de sua obrigação legal, abstendo-se do estabelecimento do modo do cumprimento da obrigação. De fato, é justamente nesta hipótese que impõe-se a observância fiel do princípio da separação de poderes, devendo o juiz deixar ao critério da administração pública a escolha do modo de cumprimento da obrigação, da eleição da atividade administrativa que, de uma forma ou de outra, atenda ao comando judicial proferido. Basta, pois, a sentença obrigar o Poder Público ao lançamento de esgotos domésticos nos cursos d’água mediante prévio tratamento e em conformidade com os padrões de qualidade ambiental ou ordenar abstenha-se da poluição dos cursos d’água. O modo de cumprimento da sentença fica a critério do administrador público, pois até mesmo nos atos vinculados compete ao administrador escolher o modo de cumprimento do comando legal, se a lei não cuida de previamente estabelecê-lo. Note-se que, no caso, a lei para evitar a poluição das águas contenta-se tão somente com a submissão ao prévio tratamento e a conformidade com os padrões qualitativos. Estes últimos são fixados pela lei, mas o primeiro não. A lei contenta-se, apenas, com o prévio tratamento dos esgotos a serem lançados, e o modo, a atividade, pela qual se fará o tratamento prévio fica à escolha do administrador público”. [89]

Porém, em se tratando de hipótese em que há apenas um modo de fazer específico para concretização de determinada política de caráter social, pode o Ministério Público, diante da ação civil pública, sempre obedecendo aos princípios da razoabilidade e eficiência, obrigar que se execute de acordo com o modo específico a política social.

Mas, como já ressaltado, em casos em que há multiplicidade de soluções técnicas, possível a impetração da ação civil pública com obrigação de fazer, porém, deve-se atentar para o fato de que impera em tais casos a faculdade de escolha do administrador.

Além disso, deve-se levar em consideração que o prazo que poderá ser fixado para o cumprimento da obrigação deve ser sempre razoável, respaldado em perícia técnica que leve em conta as peculiaridades do caso concreto, como a complexidade da obra, o cotidiano administrativo, a disponibilidade orçamentária, etc.

Complementa Lúcia Valle Figueiredo no seguinte sentido:

“(...) há o problema do momento em que a tutela de urgência, nesses caos, passa a ser exigível. Tenho para mim que, mesmo no caso de proibições peremptórias como as que temos em matéria de recursos hídricos e saneamento básico, o cumprimento do judicialmente determinado atrela-se ao princípio da razoabilidade, sob pena de se ter imposições de execução impossível, com o que não compactua o direito. Parece ser tecnicamente impossível a uma municipalidade ou órgão público, por mais poderoso que seja, estancar, de imediato, o lançamento de esgoto não-tratado, construindo, em passe de mágica, rede coletora e estações de tratamento. Não é recomendável, pois, que sejam deduzidos pedidos de obediência imediata, mas, diversamente, que levem à fixação de cronograma, dividido em fases e metas trimestrais e anuais bem caracterizadas, permitindo-se, assim, sua fiscalização com imposição de “astreintes”, que devem ser usadas não só para o caso de descumprimento de objetivo maior, mas também para as metas intermediárias”. [90]


CONCLUSÃO

De tudo que foi exposto, podemos chegar à conclusão de que cabe ao parquet intervir através de instrumentos jurídicos constitucionalmente previstos, sempre que a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis forem violados, seja por ação ou omissão do órgão administrativo.

A legitimação é a mais ampla possível, competindo ao órgão ministerial inclusive intervir nas atividades do Poder Executivo para que sejam executados os preceitos constitucionais, não devendo prosperar qualquer alegação de violação ao regime democrata, à separação de poderes, à discricionariedade dos atos administrativos, da indisponibilidade financeira e orçamentária, nem da impossibilidade de hierarquização e priorização das atividades administrativas ou de ausência de previsão legal do direito material pleiteado. 


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Notas

[1] CLAUSEN, Bianca. Corrupção destrói a confiança da população nas instituições públicas. Disponível em <http://e.conomia.info> acesso em dia 03 de abril de 2010.

[2] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 19ª Edição, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

[3] Instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. 

[4] Art. 5º, XXXV: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

[5] ZAVASCKI, Teori Albino. Direitos Fundamentais de Terceira Geração. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, n. 15, p. 227 – 232, 1998.

[6] FAGUNDES, Miguel Seabra. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. 7ª Edição. Rio de Janeiro: Forense.

[7] ZAVASCKI, Teori Albino. Direitos Fundamentais de Terceira Geração. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, n. 15, p. 227 – 232, 1998.

[8] Idem

[9] STF - ADI 3540 MC / DF – Tribunal Pleno - Relator  Min. Celso de Mello - Julgamento:  01/09/2005. 

[10] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 19ª edição. São Paulo: Editora Atlas, p. 556.

[11] Vide art. 127 da Constituição Federal, do art. 1º da Lei Complementar Federal nº 75/93 e do art. 1º da Lei Complementar/SP nº 734/93.

[12] STF – RE 367432 AgR/PR – Segunda Turma – Rel. Min. Eros Grau – Julgamento: 20/04/2010.

[13] GUIMARÃES JÚNIOR, João Lopes. Papel Constitucional do Ministério Público. São Paulo: Atlas – IEDC, 1997.

[14] Art. 81, parágrafo único, inciso I da Lei 8.078/90.

[15] VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Tutela Jurisdicional Coletiva. São Paulo: Atlas, 1998.

[16] Art. 81, parágrafo único, inciso II da Lei 8.078/90.

[17] Art. 81, parágrafo único, inciso III Lei 8.078/90.

[18] Art. 6º do Código de Processo Civil.

[19] REALE, Miguel. Questões de Direito Público. São Paulo: Saraiva, 1997.

[20] PIERANGELLI, José Henrique. O consentimento do ofendido. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

[21] CANÇADO TRINDADE, Antonio. Direitos humanos e meio ambiente: paralelos dos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Fabris, 1993. p.76.

[22] MILARÉ, Édis. Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 160.

[23] Art. 3º, caput, da Resolução CONAMA 237, de 19/12/1997.

[24] MILARÉ, Édis. Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 164.

[25] FELDMAN, Fábio. A Mata Atlântica é aqui. E daí?. 1ª ed. São Paulo: Terra Virgem, 2006.

[26] MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Princípios fundamentais do Direito Ambiental. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 2, 1996.

[27] MILARÉ, Édis. Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 132.

[28] MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. Do Espírito das Leis. São Paulo: Saraiva, 2000.

[29] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 19ª Edição, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

[30] FAGUNDES, Miguel Seabra. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. 7ª Edição. Rio de Janeiro: Forense.

[31] TJ-RJ - AC - nº 0006796-52.1993.8.19.0000 (1993.005.00160) - Embargos Infringentes -  Des. Carpena Amorim - Julgamento: 15/12/1993.

[32] TRF 4ª Região - AC 9004004459 - Segunda Turma – Des. Relator Teori Albino Zavascki; Julgamento: 13/10/1993.

[33] BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 1998.

[34] FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas Públicas: a responsabilidade do administrador e o Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000.

[35] STF - RE 464143 AgR / SP - Segunda Turma - Relatora  Min. Ellen Gracie - Julgamento: 15/12/2009.

[36] STF - RE 594018 AgR / RJ - Segunda Turma – Relator  Min. EROS GRAU - Julgamento:  23/06/2009. 

[37] BACHUR, João Paulo. Individualismo, Liberalismo e Filosofia da História. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/ln/n66/29088.pdf>. Acesso em 13 de abril de 2010.

[38] FAGUNDES, Miguel Seabra. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. 7ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

[39] BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 1996.

[40] TJ-SP – Apelação Cível nº 179.965-1 – 3ª Câmara Cível – Rel. Des. Mattos Faria – Julgamento: 15/12/1992.

[41] STJ, RESP 169876/SP, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, D.J.U. 16/06/1998.

[42] CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do Poder Executivo. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

[43] PASSOS, Lídia Helena. Discricionariedade administrativa e justiça ambiental: novos desafios do Poder Judiciário nas ações civis públicas. In: Milaré, E. (coord.). Ação civil pública: Lei nº 7.347/85 – 15 anos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

[44] Idem.

[45] COMPARATO, Fábio Konder. Para viver a democracia. São Paulo: Brasiliense, 1989.

[46] STJ - RESP 88776/GO - Segunda Turma - Rel. Min. Ari Pargendler, Julgamento: 19/05/1997.

[47] STJ - RESP 1041197/MS - Segunda Turma - Rel. Min. Humberto Martins – Julgamento: 16/09/2009.

[48] STJ - RESP 1114012/SC - Primeira Turma - Rel. Min. Denise Arruda – Julgamento: 10/11/2009.

[49] STJ - RESP 1090994/PR - Segunda Turma - Rel. Min. Eliana Calmon – Julgamento: 21/08/2009.

[50] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 1993.

[51] MARINONI, Luiz Roberto. Novas Linhas do Processo Civil: o acesso à Justiça e os Institutos fundamentais do direito processual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.

[52] ZANELLA DI PIETRO, Maria Sylvia. Discricionariedade administrativa na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Atlas, 1991.

[53] STF - MS 20274 - Tribunal Pleno - Relator Ministro Rafael Mayer – Julgamento: 18/12/1981.

[54] TJ-RJ – AC 0005897-02.2003.8.19.00001 (2008.001.47305) – Décima Quarta Câmara Cível – Des. Rel. Ronaldo Álvaro Martins – Julgamento: 25/03/2009.

[55] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 19ª Edição, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

[56] TRF 1ª Região - AG 200001000906299 - Quinta Turma - Relatora Des. Selene Maria De Almeida – Julgamento:  29/06/2001.

[57] MELLO. Celso Antônio Bandeira. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1993.

[58] ZANELLA DI PIETRO, Maria Sylvia. Discricionariedade administrativa na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Atlas, 1991.

[59] SUNDFELD. Carlos Ary. Fundamentos de direito público. São Paulo: Malheiros, 1992.

[60] MELLO. Celso Antônio Bandeira. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1993.

[61] ZANELLA DI PIETRO, Maria Sylvia. Discricionariedade administrativa na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Atlas, 1991.

[62] FRISCHEISEN. Luiza Cristina Fonseca. A Construção da Igualdade e o Sistema de Justiça no Brasil. 1ª ed.  Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

[63] STF – RE 603575 AgR / SC – Segunda Turma – Rel. Min. Eros Grau – Julgamento: 20/04/2010.

[64] STJ - REsp 575998 / MG - Primeira Turma – Min. Rel. Luiz Fux – Julgamento: 07/10/2004.

[65] MELLO. Celso Antônio Bandeira. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1993.

[66] Art. 93 – Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observando os seguintes princípios:

IX: todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

[67] FRAGOSO, José Carlos. Sobre a necessidade de fundamentação das sentenças. Disponível em <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/11332/10897>, Acesso em 24/04/2010.

[68] ARENHART, Sérgio Cruz. As ações coletivas e o controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário. In “http://jus.com.br/revista/texto/7177”, acessado dia 30/05/2010.

[69] STF – RE 567360 ED/MG – Segunda Turma – Rel. Min. Celso de Mello – Julgamento: 09/06/2009.

[70] TJ-RS – Ap. 596.017.89 – 7ª Câmara Cível – Relator Des. Sérgio Gischkow Pereira – Julgamento: 12/03/1997.

[71] MARINONI. Luiz Guilherme. Tutela específica, Arts. 461, CPC e 84, CDC. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001

[72] THEODORO JÚNIOR. Humberto. Tutela jurisdicional de urgência: medidas cautelares e antecipatórias. 2ª edição. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2001.

[73] FIGUEIREDO. Lúcia Valle. Ação civil pública, ação popular: a defesa dos interesses difusos e coletivos. Posição do Ministério Público. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, nº 208, ps. 35-54, abr./jun., 1997.

[74] TJ-RJ – AC 0393756-07.2008.8.19.0001 – Sexta Câmara Cível - Des. Gabriel Zefiro - Julgamento: 25/11/2009.

[75] TJ-RJ - AC 0004728-17.2005.8.19.0063 - Décima Sétima Câmara Cível - Des. Henrique de Andrade Figueira - Julgamento: 03/05/2006.

[76] TJ-RJ - 0348382-65.2008.8.19.0001 – Segunda Câmara Cível – Des. Carlos Eduardo Passos - Julgamento: 20/04/2010.

[77] TJ-SP – Apelação Cível nº 210.9865-1 – Rel. Cunha de Abreu – Julgamento: 05/08/1994.

[78] TJ-SP – Agravo de Instrumento nº 205.328-1 – Rel. Marcus Andrade – Julgamento: 12/05/1994.

[79] MELLO, Celso Antônio Bandeira. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros.

[80] TRF 3ª Região – Agravo de Instrumento nº 94.03.032998-0 – Rel. Marisa Santos – Julgamento: 26/05/1999.

[81] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública em defesa do meio ambiente, patrimônio cultural e dos consumidores. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.

[82] MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança. 16ª ed. São Paulo: Malheiros, 1994.

[83]MUKAI, Toshio. O objeto da Ação Civil Pública quando se constituir em obrigação de fazer ou não fazer, não é autônomo. Revista de Direiro Administrativo, São Paulo, nº 215, pgs. 109-116, jan./mar., 1999.

[84] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação civil pública: comentários por artigo, Lei nº 7.347/85. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1995.

[85] THEODORO JR., Humberto. Tutela específica das obrigações de fazer e de não-fazer. Revista de Processo, São Paulo, nº 105, pgs. 9-33, jan./mar., 2002.

[86] In: Revista dos Tribunais, São Paulo, nº 721/207, pgs. 207-213, Nov./1995.

[87] TJ-GO – Apelação Cível nº 35.404-6/188 – 3ª Câmara Cível – Rel. Antônio Nery da Silva – Julgamento: 26/06/1995.

[88] PACCAGNELLA, Luís Henrique. Controle da administração pública pelo Ministério Público: meio de aprofundamento da democracia. In: Ministério Público II: democracia. São Paulo: Atlas, 1999.

[89] MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Despoluição das águas. Revista dos Tribunais, São Paulo, nº 720, pgs. 58-72, out., 1995.

[90] FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Ação civil pública, ação popular: a defesa dos interesses difusos e coletivos. Posição do Ministério Público. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, nº 208, pgs. 35-54, abr./jun., 1995.


Autor

  • Victor Calegare Largura Queiroz

    Advogado especializado em Direito Imobiliário. Graduado em Direito e pós-graduação em Direto Imobiliário pela PUC-Rio. Curso de MBA em Gestão Empresarial pela FGV-Rio. Mestrando pela Universidade do Minho, localizada em Braga-Portugal.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUEIROZ, Victor Calegare Largura. A atuação do Ministério Público na implementação de políticas na área ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3527, 26 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23784. Acesso em: 24 abr. 2024.