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Assédio sexual no âmbito das relações de trabalho

Assédio sexual no âmbito das relações de trabalho

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Raros são os casos de assédio sexual que chegam ao conhecimento da Justiça, pois, devido a escassez de trabalho no país e consequente pavor de perder o emprego, muitos trabalhadores assediados deixam de tomar providências para fazer efetivo seu direito.

Resumo: A abertura do mercado de trabalho à mão-de-obra feminina verificada nas últimas décadas proporcionou um maior contato no ambiente de trabalho entre ambos os sexos. Homens e mulheres permanecem horas exercendo atividades no mesmo espaço e em contínua interação, fazendo surgir conflitos e atrações inerentes aos relacionamentos humanos. É neste cenário que surgem as condutas caracterizadas como assédio sexual, causador de profunda degradação do ambiente de trabalho, ferindo o direito do trabalhador a ter um local de trabalho saudável. O presente estudo tem por fim analisar os aspectos que caracterizam o assédio sexual, bem como sua repercussão na responsabilidade civil e, sobretudo, no contrato de trabalho.

Palavras-chave: Direito do Trabalho. Meio ambiente do trabalho. Direito á intimidade. Assédio sexual. Contrato de trabalho. Dano Moral.


INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por finalidade analisar a conduta denominada de assédio sexual, decorrente da evolução social verificada nas últimas décadas, que proporcionou a abertura intensa do mercado de trabalho às mulheres, e as conseqüências, especialmente as justrabalhistas, dando destaque à sua caracterização, à responsabilidade civil do empregador e às repercussões no contrato de trabalho.

Realizaremos, inicialmente, uma análise dos conceitos de meio ambiente do trabalho e do direito constitucional à intimidade, sendo premissas necessárias à leitura do capítulo seguinte, onde dissertaremos acerca do objeto do presente estudo, enfocando a atuação do Poder Judiciário na resolução dos conflitos submetidos à sua apreciação.

Em seguida, abordaremos a responsabilidade civil dos empregadores por seus próprios atos e por atos de seus empregados que impliquem em assédio sexual.

No último capítulo, analisaremos a configuração de dano moral por conta de atos desta natureza, ressaltando, sobretudo, a necessidade de fixação de indenização que compense o sofrimento da vítima bem como desencoraje práticas futuras.


1 Meio ambiente do trabalho

O ambiente de trabalho deve ser sadio, seguro e salubre para proteger a vida e a dignidade dos trabalhadores, conforme garante a Constituição Federal in verbis:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

VI - defesa do meio ambiente.

  O mais fundamental direito do homem, consagrado em todas as declarações internacionais, é o direito à vida, base à existência e gozo dos demais direitos humanos. Entretanto, esse direito, conforme assegura a nossa Constituição Federal no art. 225, exige vida com qualidade e, para que o trabalhador tenha vida com qualidade, é necessário que se assegurem os seus pilares básicos: trabalho decente e em condições seguras e salubres (adequadas à saúde física e psíquica do obreiro).

Na lição de Celso Antonio Pacheco Fiorillo[1], meio ambiente do trabalho é o:

“local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometem a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independente da condição que ostentam (Homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos etc.)”.

Acerca da natureza jurídica do meio ambiente de trabalho, ensina brilhantemente Raimundo Simão de Melo[2]:

“O meio ambiente do trabalho adequado e seguro é um direito fundamental do cidadão trabalhador (lato sensu). Não é um mero direito trabalhista vinculado ao contrato de trabalho, pois a proteção daquele é distinta da assegurada ao meio ambiente do trabalho, porquanto esta ultima busca salvaguardar a saúde e a segurança do trabalhador no ambiente em que desenvolve as suas atividades.

De conformidade com as normas constitucionais atuais, a proteção do meio ambiente do trabalho esta vinculada diretamente à saúde do trabalhador enquanto cidadão, razão por que se trata de um direito de todos, a ser instrumentalizado pelas normas gerais que aludem à proteção dos interesses difusos e coletivos. O Direito do Trabalho, por sua vez, regula as relações diretas entre empregado e empregador, aquele considerado estritamente.”

Portanto, pode-se conceituar meio ambiente de trabalho como o local onde os trabalhadores devem permanecer exercendo suas atividades profissionais, sob o controle de um superior hierárquico.

Com a expansão do mercado de trabalho e a consequente inserção da mulher, os relacionamentos entre homens e mulheres se intensificaram, favorecendo o surgimento de uma conduta denominada de assédio sexual, que pode ser tanto por parte da mulher, como por parte do homem.

A iminente doutrinadora Alice Monteiro de Barros[3], com base em pesquisa realizada em doze capitais no início de 1995, constatou que, no Brasil, 52% das mulheres que trabalham já sofreram assédio sexual devido a sua vulnerabilidade, sendo que 90% dos assédios têm como assediador o homem, 9% de mulheres e 1% de indivíduos do mesmo sexo. Entretanto, são raros os casos que chegam ao conhecimento da Justiça.

As razões da não efetivação das denúncias são várias, por exemplo, o medo de perder o emprego ou de sofrer retaliações por parte do empregador acusado.

As trabalhadoras mais assediadas são as secretárias e as empregadas domésticas, por estarem em posição de subordinação marcante frente ao sexo masculino.

É de suma importância evitar o desgaste nas relações interpessoais, já que estas se constituem em instrumento de deterioração dos relacionamentos no âmbito interno das empresas, trazendo, via de regra, a insatisfação e, como consequência, a redução da capacidade laborativa.

A prática de assédio sexual gera nas relações de trabalho um clima inseguro e psicologicamente insalubre, tornando o ambiente onde as pessoas exercem o seu labor em um local hostil e intimidativo, capaz de causar à vítima danos psicológicos, humilhações e, até mesmo, ofensas ultrajantes, principalmente nas mulheres, autorizando a Consolidação das Leis Trabalhistas a rescisão indireta do contrato de trabalho pelo descumprimento, pelo empregador, das obrigações contratuais.


2 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 acolhe expressamente no art. 1º o modelo do Estado Democrático de Direito, prevendo longo catálogo de direitos humanos, acobertados de eficácia imediata, o que leva à constitucionalização do direito privado com a conseqüente necessidade de seus institutos serem relidos à luz dos princípios consagrados na Magna Carta.

O Estado Democrático de Direito se caracteriza pela busca do equilíbrio entre as necessidades de intervenção estatal e as exigências de respeito ao regime democrático, procurando-se garantir e promover a dignidade da pessoa humana, postulado vaticinado pelo art. 1º, III da Constituição Federal de 1988.

Os textos constitucionais encerram uma relação de direitos fundamentais, resultante de longa evolução política, econômica e social, constituída por direitos individuais, sociais e difusos, detentores de eficácia plena. Os códigos de direito privado não são mais o centro regulador das relações jurídicas, devendo ser compreendidos a partir da força normativa dos estatutos supremos.

As normas constitucionais são possuidoras do mais elevado poder normativo dentro do ordenamento jurídico, revelando uma eficácia vinculante que se estende por todo o sistema legal, já que a Constituição localiza-se no cume do sistema hierárquico de normas.  A força normativa da Constituição sustenta-se no reconhecimento de sua juridicidade, principalmente no que diz respeito aos direitos fundamentais. Canotilho[4] assevera que “os direitos, liberdades e garantias são regras e princípios jurídicos, imediatamente eficazes e atuais, por via direta da Constituição e não através da auctoritas interpositio do legislador”.

Neste sentido, as normas jurídicas devem ter por sustentáculo os princípios estabelecidos no estatuto fundamental. Ocorre o que se denomina de constitucionalização do direito. Paulo Luiz Netto Lôbo[5] salienta que “a restauração da primazia da pessoa humana, nas relações civis, é a condição primeira de adequação do direito à realidade e aos fundamentos constitucionais”.

Com a Constituição de 1988, o Direito do Trabalho sofreu profundas transformações, recebendo um caráter publicista ainda maior, pois, além de interesses meramente particulares, existe forte presença de princípios de ordem pública, minimizando a autonomia privada, tão afirmada nos ramos do Direito Privado. Porém, esse sinal publicista do Direito do Trabalho não o retira do Direito Privado, já que os sujeitos das relações trabalhistas são particulares e os correspondentes direitos de caráter individual, apesar da forte presença do Estado na proteção e na organização do trabalho.

O princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, III da Constituição Federal, apregoa que o homem deve ser considerado como fim, não como meio, e como sujeito, não como objeto. O preceito caracteriza a fundamentalidade material dos direitos humanos positivados na Constituição. Trata-se da base sobre a qual se constroem todos os direitos fundamentais.

A dignidade da pessoa humana completa o conteúdo mínimo dos direitos humanos fundamentais. Aduz Glauco Barreira[6] que “a dignidade da pessoa humana é o núcleo essencial de todos os direitos fundamentais, o que significa que o sacrifício total de algum deles importaria uma violação ao valor da pessoa humana”.

De acordo com Sarlet[7], a dignidade constitui “qualidade intrínseca e indissociável de todo e qualquer ser humano”, sendo uma “meta permanente da humanidade, do Estado e do Direito”. Portanto, a dignidade da pessoa humana, como valor moral e também espiritual, é qualidade intrínseca e indissociável de todo ser humano, por ser este titular de direitos e deveres fundamentais, que, sendo respeitados e assegurados pelo Estado, proporcionam condições mínimas para uma vida digna em harmonia com os demais seres humanos.

O ideal de Justiça deve ser transportado para o nosso dia-a-dia, sobretudo para os que vivem à margem da sociedade e para as minorias discriminadas, pois sentem, como nenhum outro grupo, a falta efetiva de um real e alcançável Estado Democrático de Direito.

Ensina Rizzato Nunes[8] que “a dignidade é um conceito que foi elaborado no decorrer da história e chega ao início do século XXI repleta de si mesma como valor supremo, construído pela razão jurídica.”

O princípio da dignidade da pessoa humana, como princípio superior e aglutinador dos demais, como a liberdade, a igualdade e a autonomia, deve mostrar para a sociedade a segurança e a realização de condições de igualação dos indivíduos em sociedade sem discriminação de qualquer ordem.

Neste jaez, valer-se da qualidade de superior hierárquico no âmbito das relações de trabalho para auferir vantagens sexuais contra a vontade do trabalhador subordinado, malferindo-lhe a liberdade, é conduta que afronta diretamente o princípio da dignidade da pessoa humana, não se compatibilizando com o Estado Democrático de Direito consagrado pelo texto constitucional de 1988.

2.1 Direito à intimidade

Os direitos fundamentais nascem com a pessoa e, por isso, não podem ser considerados como uma concessão do Estado. O art. 1º, III estabelece como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, devendo este valor ser entendido como absoluto respeito aos direitos fundamentais, devendo ser asseguradas condições dignas de existência para todos.

Em 1890, com a publicação do artigo The Right of Privacy, buscou-se demonstrar a necessidade de se frear as intromissões da imprensa na vida e na honra das pessoas, discutindo-se a proteção de certos direitos fundamentais, antes olvidados, tais como: a intimidade, a vida privada e a honra.

Dispõe o art. 12 da Declaração dos Direitos do Homem:

Art. 12. Ninguém será sujeito à interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.

René Ariel Dutt caracteriza a intimidade como sendo “a esfera da vida do individuo na qual este tem o poder legal de evitar os demais.”[9]

A Constituição Federal de 1988 assegura tais direitos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Vale ressaltar que o direito ao trabalho é parte do que se convencionou denominar de Direitos Sociais, que surgiram em virtude das lutas no séc. XIX e foram consolidados no séc. XX de uma nova classe social: os trabalhadores. São considerados normas de ordem pública, invioláveis, portanto, pela vontade das partes contraentes da relação trabalhista.

É incontestável que o trabalhador tem direito a ter sua privacidade resguardada. O art. 483, e da CLT dispõe que: “o empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama.” Neste sentido, a jurisprudência:

DANO MORAL. VIOLAÇÃO DA INTIMIDADE – Responde por danos morais a empresa cujo sócio viola a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem de ex-empregada e frusta-lhe o acesso ao mercado de trabalho. (TRT 8ª Reg. RO 7143/95; Ac. 3ª Turma, Rel. Juiz José Maria Quadros de Alencar).

DANO MORAL - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. É possível que o dano moral decorra da relação de trabalho, quando o empregador lesar o empregado em sua intimidade, honra e imagem(CF, art. 5º, V e X; CLT, art. 483, "a", "b" e "e"). Punição disciplinar ou pecuniária injusta, que denigra a imagem do empregado, é passível de indenização na esfera trabalhista, uma vez comprovado o caráter danoso do ato patronal. A fonte da obrigação de reparar o dano moral sofrido pelo empregado reside no ato ilícito do empregador de lhe imputar inverídica conduta desairosa e, como tal, guarda íntima relação com o pacto laboral, de forma que se encontra inserida na regra de competência preconizada pelo art. 114 da Carta da República. (TRIBUNAL: TST. DECISÃO: 24 11 1999. PROC: RR   NUM: 348045   ANO: 1997    REGIÃO: 10  RECURSO DE REVISTA TURMA: 04 ÓRGÃO JULGADOR - QUARTA TURMA)

RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR - ATIVIDADE COMO CONCAUSA DE DOENÇA - RESPONSABILIDADE - INDENIZAÇÃO - DANOS MORAL E MATERIAL - I- Cabe ao empregador inúmeras obrigações, dentre elas, e a mais importante (cláusula implícita no contrato) é a preservação da integridade física e psíquica do trabalhador, dimensão do direito de personalidade vinculado à dignidade humana e ao valor social do trabalho princípios elevados a direitos fundamentais pela Constituição Federal de 1988. II. Se o laudo pericial reconhece que a doença tem cunho degenerativo mas afirma que a doença foi agravada pelas condições de trabalho verifica-se a concausa e a presença do acidente de trabalho, máxime e se o Órgão Previdenciário atesta o afastamento e a percepção auxilio acidente em função das tarefas desenvolvidas (varreção e recolhimento de resíduos, como também pela necessidade de empurrar e puxar carrinho contendo resíduos). III. Provado o acidente o nexo causal acham-se presentes os requisitos da responsabilidade civil do empregador (dano, omissão a dever legal e nexo de causalidade) é devida a indenização por danos morais, nos termos do art. 186 do Código Civil. IV. Indenização. Dano Moral. Desnecessária é a prova do dano moral, basta a prova do fato gerador do dano, pois a esfera atingida é a subjetividade da vítima, tal seja, seu psiquismo, sua intimidade, sua vida privada, gerando dor, angústia, entre outros sentimentos de indignidade.. V- Valor da indenização por dano moral. Os critérios para a fixação do valor da indenização por dano moral deve levar em conta o grau de culpa da reclamada (art. 944, parágrafo único do Código Civil), a extensão do dano, o caráter pedagógico da condenação, a fim de que a empresa reveja seus procedimentos, a razoabilidade e, o intuito de amenizar o sofrimento ocasionado. VI- Dano Material. Os art. 1.539 e 950 do CC, estabelecem duas possibilidades: 1 - defeito que impede o exercício do mesmo ofício ou profissão; 2 - defeito que não impede o exercício do mesmo ofício ou profissão, mas traz dificuldades para o mesmo trabalho, daí a diminuição da capacidade para o trabalho. Para cada um das possibilidades, a medida da pensão ou indenização será diversa: se há impedimento para o mesmo labor (possibilidade 1), a pensão corresponderá à importância deste mesmo trabalho, ou seja, ao valor do salário que recebia, até o advento do acidente do trabalho ou doença equiparada; agora, se não há impedimento para o trabalho (possibilidade 2), mas mera redução da capacidade laboral, a pensão abrangerá apenas o valor da depreciação, apurável pela aplicação de um percentual representativo da incapacidade sobre o valor do salário. É que o Código Civil, no instituto da responsabilidade civil, inclusive por acidente do trabalho é regido pelo princípio da restitutio in integrum. Diante da incapacidade total do exercício de mesma função,hipótese 01, descabido pensar em qualquer percentual ou tabela: a pensão deve abranger o valor total do salário. Mantenho o valor arbitrado na sentença. (TRIBUNAL: 2ª Região ACÓRDÃO NUM: 20090647828  DECISÃO: 18 08 2009 TIPO: RO01   NUM: 02364   ANO: 2007 NÚMERO ÚNICO PROC: RO01 - 02364-2005-030-02-00-8 RECURSO ORDINÁRIO TURMA: 4ª ÓRGÃO JULGADOR - QUARTA TURMA)

O dano moral irradia-se da calúnia, da difamação, da injúria, ou da prática de ato atentatório à honra, boa fama, imagem, intimidade, à vida, ao patrimônio moral do trabalhador e de sua família.

É cediço que o dano moral ocasiona lesão na esfera personalíssima do titular, implicando numa indenização compensatória ao ofendido (art. 5º, incisos V e X, CF). Sua reparação exige a fixação do valor da indenização pautada pelo princípio da razoabilidade e proporcionalidade (art. 944, CC), ou seja, capaz de satisfazer o interesse de compensação do lesado e a repressão à conduta do lesador.

Segundo a melhor doutrina, desnecessária a prova do dano moral, pois, a esfera atingida da vítima é a subjetiva, tal seja, seu psiquismo, sua intimidade, sua vida privada, gerando dor, angústia, entre outros sentimentos de indignidade. Basta a prova do fato ilícito, potencialmente gerador do dano moral. Sendo assim, comprovado o ato, cabe indenização pelo dano moral causado. É o que se denomina de dano in re ipsa, ou seja, aquele que prescinde de comprovação para efeitos de indenização. Assim reconhece a jurisprudência:

EMENTA: FRENTISTA - VÍTIMA DE ASSALTO - NEGLIGÊNCIA DA EMPREGADORA NA ADOÇÃO DE MEDIDAS DE SEGURANÇA - DANO MORAL CONFIGURADO. É notório que postos de gasolina são alvos frequentes de assaltos, pela vulnerabilidade e facilidade de abordagem aos frentistas, que normalmente carregam razoável quantidade de numerário para viabilizar o desempenho de suas atividades, sendo que ações criminosas deste porte ocorrem em maior número no período noturno, devido à pouca movimentação e o número reduzido de empregados. Portanto, compete ao empregador, sabendo dos riscos que envolvem o seu empreendimento, adotar a diligência necessária e razoável para evitar ou reduzir os riscos inerentes ao trabalho, nos termos do art. 7o., inciso XXI, da Constituição Federal de 1988, sendo insuficiente a tese de que a Segurança Pública compete ao Estado. Conforme essas premissas, a inobservância da reclamada no que tange ao seu poder geral de cautela, submetendo seu empregado a trabalhar sozinho como frentista durante jornada noturna em posto de gasolina sem a iluminação necessária, caracteriza a ilicitude de sua conduta, ensejando a indenização por dano moral, mormente quando constatado nos autos que o reclamante foi baleado na cabeça em decorrência de assalto ocorrido durante a sua jornada de trabalho, sendo sequer necessária a prova da repercussão do dano na órbita subjetiva do autor, que está implícito na própria gravidade da ofensa (dano 'in re ipsa"). Inteligência dos arts. 186 e 927 do Código Civil em conjunto com o art. 7o., inciso XXII, da CF/88. (TRIBUNAL: 3ª Região DECISÃO: 12 05 2009 TIPO: RO NUM: 00013 ANO:2009 NÚMERO ÚNICO PROC: RO - 00013-2009-045-03-00-0 TURMA: Segunda Turma).

EMENTA: DANO MORAL - CONDIÇÕES DEGRADANTES DE TRABALHO - CULPA CONTRA A LEGALIDADE - O descumprimento do dever legalmente previsto é o bastante para confirmar a negligência dos empregadores, caracterizando a culpa contra a legalidade. O dever de indenizar decorre da própria conduta ilegal dos réus, pois não se pode exigir que a ofendida demonstre a existência de um dano que é imaterial, deixando-se em confortável situação processual os autores do ato ilícito. A concepção atual da doutrina e da jurisprudência orienta-se no sentido de que a responsabilização do agente causador do dano moral opera-se por força do simples fato da violação - danum in re ipsa. (TRIBUNAL: 3ª Região DECISÃO: 05 02 2009 TIPO: RO NUM: 00250 ANO: 2008 NÚMERO ÚNICO PROC: RO - 00250-2008-043-03-00-7 TURMA: Setima Turma). 

O assédio sexual atenta contra a intimidade, a dignidade pessoal e, principalmente, contra a liberdade sexual, caracterizando-se como uma conduta discriminatória, que provoca grave perturbação no ambiente de trabalho, a qual é vedada pela lei (inciso X do art. 5° da CF). O representante da empresa que pratica ato libidinoso comete assédio sexual para fins justrabalhista, pois esse ato corresponde a uma insinuação sexual ofensiva, rude e grosseira capaz de atacar a dignidade e a liberdade sexual da trabalhadora. A gravidade do ato e a dor moral experimentada pela trabalhadora justificam a indenização imposta à empresa pelo ato faltoso do seu representante ou preposto.

Portanto, a empresa que falha em seu dever de zelar pelo direito constitucional à intimidade de seus empregados, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana, merece censura, pois denota negligência no exercício do poder empregatício, o que impõe sua responsabilização no tocante ao assédio sexual.

Neste sentido, coibir o assédio sexual é uma das maneiras de proteção à liberdade sexual e à intimidade dos obreiros, conquistas da evolução social e libertação dos costumes, duramente auferidas ao longo dos tempos.


3 Definição de assédio sexual

Assediar quer dizer perseguir com insistência, importunar, molestar, com perguntas ou pretensões insistentes. Assédio significa insistência inoportuna junto de alguém com perguntas, propostas ou pretensões.

As principais características do assédio sexual são as seguintes: a) envolve necessariamente a conduta sexual; b) essa conduta não pode ser consentida pelo assediado, pois havendo consentimento dos assediados não existirá assédio; c) deve haver abuso para tentativa de obter o favor sexual; d) o ato pode ocorrer tanto uma vez como ser habitual. Voltaremos a tratar no ponto 4.4 da caracterização do assédio sexual.

A liberdade sexual pode ser definida como o “direito de disposição do próprio corpo ou de não ser forçado a praticar ato sexual”.[10]

Para a caracterização do crime de assédio sexual é necessário que a conduta do assediador extrapole a barreira da razoabilidade, traduzindo em pressões ou ameaças com o fim de obter favorecimento sexual do assediado. É uma pressão de um superior no trabalho para obter favores sexuais do subalterno. Para Ernesto Lippman[11] é o “pedido de favores sexuais pelo superior hierárquico, com promessa de tratamento diferenciado em caso de aceitação e/ou ameaças, ou atitudes concretas de represálias no caso de recusa, como a perda do emprego, ou de benefícios.”

Portanto, simples elogios ou galanteios acompanhados de certas sutilezas comuns entre os povos, principalmente latinos, não caracterizam o assédio sexual.

3.1 Evolução legislativa

Em 1977, surgiu nos Estados Unidos da América a primeira legislação sobre a matéria, estando atualmente regularizada em vários países, definindo como chantagem ou clima de intimidação, de humilhação ou hostilidade.

 No Brasil, anteriormente à regulamentação, o assédio sexual era tido apenas como constrangimento ilegal, previsto no art. 146 do Código Penal, sendo um crime de menor potencial ofensivo, podendo ser julgado nas varas do Juizado Especial Criminal. Não existia nenhuma punição específica para o crime de assédio  sexual nas leis penais ou trabalhistas.

Movimentos feministas ligados a grupos de trabalhadores lutaram  pela criminalização do assédio sexual, objetivo somente alcançado com a Lei nº. 10224/2001, cujo projeto foi apresentado por Iara Bernadique, Benedita da Silva e Marta Suplicy, que acrescentou ao CP o artigo abaixo:

Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.

Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.

Podemos conceituar assédio sexual como o pedido de favores sexuais pelo superior hierárquico, com promessa de tratamento diferenciado em caso de aceitação e/ou ameaças, ou atitudes concretas de represálias no caso de recusa, como a perda de emprego, ou de benefícios.

Portanto, para a caracterização do assédio sexual no âmbito das relações de trabalho, é necessário passar pela verificação do comportamento do empregador ou dos prepostos que, abusando da autoridade inerente à função ou condição, pressiona o empregado com fins de obtenção ilícita de favores. Ressalte-se que meros galanteios ou simples comentários de admiração, ainda que impróprios, se exercidos sem qualquer tipo de pressão, promessa ou vantagem, não configuram o assédio para efeitos de reprimenda.

O assédio sexual é uma forma de abuso de poder no ambiente de trabalho. Conforme veremos adiante, existem dois tipos de assédio sexual: chantagem (é o tipo criminal previsto pela Lei 10.224/01) e intimidação (intenção de restringir, sem motivo, a atuação de alguém ou criar uma circunstância ofensiva ou abusiva no trabalho).

3.2 Espécies

A doutrina majoritária aponta duas espécies: assédio sexual por chantagem e assédio sexual por intimidação.[12]

A primeira pressupõe, necessariamente, abuso de poder por parte do empregador ou de preposto seu, sendo marcada pelo uso ilegítimo do poder hierárquico.

A segunda viola o direito a um meio ambiente de trabalho sexualmente sadio, tendo como características as incitações sexuais inoportunas, solicitações sexuais ou outras manifestações do mesmo caráter com o único objetivo de prejudicar ou criar uma situação hostil, de intimidação ou abuso no ambiente em que se tem a prática do ilícito penal, não se revelando importante o poder hierárquico oriundo da subordinação jurídica do empregado ao seu empregador, isto é, poderá ser praticado por companheiro de trabalho da vítima, ambos na mesma posição hierárquica na empresa.

3.3 Traços distintivos entre assédio sexual e assédio moral

O assédio moral demonstra-se por meio de várias maneiras: harcèlement, na França; bullying, na Inglaterra; mobbing, nos EUA; e psicoterror laboral, acoso moral, na Espanha.

No Brasil, alguns Estados e Municípios já estão tratando o assédio moral com rigor, mas foi somente em outubro de 2001 que saiu a primeira decisão condenatória:

ASSÉDIO MORAL – CONTRATO DE INAÇÃO – INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – A tortura psicológica, destinada a golpear a auto-estima do empregado, visando forçar sua demissão ou apressar sua dispensa através de métodos que resultem em sobrecarregar o empregado de tarefas inúteis, sonegar-lhes informações e fingir que não o vê, resultam em assedio moral, cujo efeito é o direito à indenização por dano moral, porque ultrapassa o âmbito profissional, eis que minam a saúde física e mental da vitima e corrói a sua auto-estima. No caso dos autos, o assedio foi alem, por que a empresa transformou o contrato de trabalho em contrato de inação, quebrando o caráter sinalagmático do contrato de trabalho, e por consequência, descumprindo a sua principal obrigação que é a de fornecer trabalho, fonte de dignidade do empregado” (TRT 17ª Reg. - RO 1315.2000.00.17.00.1 – Ac 2276/2001 – Rel. Juíza Sônia das Dores Dionízio – Revista LTR 66-10/1237).

Os Tribunais estão cientes das variadas formas que o assédio moral pode assumir, de maneira que estão reconhecendo-as e punindo-as. Vejamos:

Dispensar o empregado é direito potestativo do empregador. Não se admite, porém, que lance mão habitualmente da ameaça da utilização desse direito para pressionar o empregado, visando o aumento de produção. Ao assim agir, inclusive submetendo o empregado a comentários humilhantes e vexatórios sobre sua produção e capacidade, configura-se o assédio moral, passível de indenização, pois afeta diretamente a dignidade do trabalhador e a sua integridade psíquica e até física, violando princípio fundamental da Constituição da República (art. 1o, III da C.F.). DJMG DATA: 24-07-2004 PG: 14.

Quando o empregador obriga o seu empregado a submeter-se a exame psiquiátrico além do regular e periódico, sugerindo que ele seja portador de

doença mental, acatando indicação do superior hierárquico motivada na suspeita de um comportamento "arredio e calado" que é atribuído ao obreiro, este empregador ultrapassa os limites de atuação do seu poder diretivo para atingir a dignidade e a integridade física e psíquica do empregado. DJMG DATA: 07-08-2004 PG: 11

Não há como negar que o fantasma do desemprego assusta. Ao contrário da figura indefinida e evanescente que povoa o imaginário popular, ele é real. O receio de perder o emprego deixa marcas profundas e às vezes indeléveis nos trabalhadores que sofrem o assédio moral, aqui caracterizado pela atitude patronal que, durante cerca de um ano, lembrou e exaltou aos seus empregados que a dispensa estava iminente. DJMG DATA: 27-10-2004 PG: 10.

Configura-se situação de assédio moral o constrangimento de subordinada a carinhos não solicitados e indesejados, no ambiente de trabalho, associado à cobranças públicas de regularização de situação financeira particular e dissociada da empresa. O valor da indenização por danos morais deve atender não apenas a reparação, mas também o critério pedagógico e o critério punitivo. Majoração para R$ 50.000,00. (Processo: 00967.013/00-3 RO. Data de Publicação:09/06/2003).

O assédio moral sucede da atitude deliberada e continuada de um perverso cujo objetivo é ridicularizar, menosprezar, inferiorizar a vítima e afastá-la de seu ambiente de trabalho, diminuindo sua auto-estima, ferindo o seu prestígio e sua confiança profissional e isolando-a do grupo de trabalho. O terror psicológico dentro da empresa, que configura o assédio moral, é manifestado através de comunicações verbais e não-verbais, como gestos, suspiros, levantar de ombros, insinuações, zombarias, que visam desestabilizar emocionalmente o empregado, humilhá-lo, constrangê-lo, indo do seu intencional isolamento dos demais colegas, numa “sala de castigos”, por exemplo, por não haver alcançado a meta de vendas, a atos que forçam seu pedido de demissão e até, em casos extremos, o suicídio. No entanto, a realidade diária se encarrega de demonstrar outras situações que também dão ensejo ao assédio moral.

Outra forma de violência psicológica que não se confunde com o assédio moral é o assédio sexual, na qual o assediador pratica atos de forma a atingir a vítima na sua liberdade sexual, ou seja, é uma violação ao princípio de livre disposição do próprio corpo. Assim se manifesta a jurisprudência:

EMENTAS: 1. ASSÉDIO MORAL. PERSEGUIÇÃO PATRONAL. AUSÊNCIA DE PROVA. INDENIZAÇÃO INDEVIDA. O assédio moral pode ser conceituado como o abuso praticado no ambiente de trabalho, de forma anti-ética, intencional e maliciosa, reiterado no tempo, desvinculado da conotação sexual ou racial (que configuram hipóteses com definições específicas, quais seja, assédio sexual e racismo, respectivamente), com o intuito de constranger o trabalhador, através de ações hostis praticadas por empregador, superior hierárquico ou colega de trabalho, que causem intimidações, humilhações, descrédito e isolamento, provocando na vítima um quadro de dano físico, psicológico e social. Sua natureza é predominantemente psicológica, atentando sempre contra a dignidade da pessoa humana. O assédio moral alegado pelo demandante se deveu a supostas represálias da empresa (marcação por superiores, isolamento, coação para renunciar à estabilidade, e final dispensa quando estava doente) a partir do momento em que na condição de membro da CIPA denunciou que era servida comida estragada no refeitório. Nada disso foi provado. A refeição era fornecida por empresa terceirizada, e o problema de qualidade foi detectado uma só vez. 2. FALSIFICAÇÃO DE ATESTADO. JUSTA CAUSA E LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ CONFIGURADAS. Já a falta grave alegada pela reclamada encontra amparo na prova. Inequívoca a entrega de atestados falsos, sendo negados os atendimentos sequer constantes de prontuário, ou recusados, por falsos, pelos supostos emitentes. Um dos médicos jamais clinicou emSão Paulo e atuava no Rio de Janeiro na área de dermatologia, não sendo razoável que tivesse atestado problema de coluna do autor. Procedimentos criminais já foram instaurados a respeito, caindo por terra as pretensões de reverter a justa causa ou obter indenização por dano moral inexistente. Caracterizada a má fé por parte do autor. Sentença mantida. (TRIBUNAL: 2ª Região ACÓRDÃO NUM: 20090424250  DECISÃO: 26 05 2009 TIPO: RO01   NUM: 01687   ANO: 2009 NÚMERO ÚNICO PROC: RO01 - 01687-2007-373-02-00-9 RECURSO ORDINÁRIO TURMA: 4ª ÓRGÃO JULGADOR - QUARTA TURMA). 

3.4 Traços distintivos entre assédio sexual e abuso sexual

É didática a lição do ilustre Valentin Carrion[13] sobre o tema, em seus “Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho”:

 “O assédio sexual se distingue do abuso sexual. O primeiro se baseia na sedução; o segundo, na violência. O assédio é de várias espécies: a) o fatal (o assediado carece de proteção; não dispõe de mecanismos de proteção; a relação é desigual e sem margem para o exercício da liberdade); b) comportamental (o assediador manipula seu comportamento de modo a torná-lo atrativo ao assediado, com promessa de vantagens ou melhorias; trata-se de chantagem); c) ameaçador (coação por ameaça de algum malefício); o assédio pode consistir em iniciativas verbais e não físicas. O assédio só se configura quando há uso do poder como forma de obter favores sexuais; quando a troca é consentida não há assédio; simplesmente o(a) empregado(a) aderiu à proposta e cedeu, em troca bilateral de interesses recíprocos.”

3.5 Caracterização

 A mera tentativa de sedução não pode ser confundida com a perseguição sexual, pois em face da natureza humana, é praticamente impossível afastar o interesse sexual das relações de trabalho e em qualquer outro tipo de relação. O flerte ou a popular “cantada” não configura assédio sexual, havendo decisões da Justiça trabalhista na direção de que “frase grosseira do superior hierárquico, com conotação sexual, não configura hipótese de assédio”.[14]

Vejamos as ementas abaixa transcrita:

Ementa : - Não existindo promessa de vantagem ou ameaça de prejuízo, em câmbio de sexo, não se pode cogitar de assédio sexual, no âmbito das relações de trabalho, pois o intuito de sedução, que é inato ao ser humano, por si só não implica reparação, em caso de resistência, uma vez que a subsistência da espécie humana - abstraída a hipótese da clonagem - depende dos acasalamentos. Recurso ordinário acolhido parcialmente. (PROC. TRT-RO-413/02  (01075-2002-906-06-00-7 ).

ASSÉDIO SEXUAL: DESCARACTERIZAÇÃO - "Nenhum ser humano é imune ao amor, à chamada "química da atração e a seus mistérios bem como às ações "humanas" que daí derivam. Somente o seu exercício abusivo ou com significativo potencial ofensor a outrem pode alcançar a instância indenizatória aqui pleiteada e outras na esfera penal (também buscadas pela autora, mas, ao que parece, sem êxito). "Cantadas" civilizadas, na maioria das vezes implícitas em convites para sair, sem nenhuma conotação desvelada de sexo, sem coação ou qualquer ameaça de violência, e/ou sob condição constrangedora que pudessem embaraçar, envergonhar ou expor a suposta vítima perante terceiros, por si só, não caracterizam assédio sexual e sim mero interesse de conquista (inquietude do deus Eros), não se podendo olvidar, enfim, que as pesquisas revelam crescente números de homens e mulheres que já tiveram envolvimento com colegas de trabalho que resultaram até mesmo em casamento." (TRIBUNAL: 2ª Região ACÓRDÃO NUM: 20070756230  DECISÃO: 30 08 2007 TIPO: RO01   NUM: 00287   ANO: 2004 NÚMERO ÚNICO PROC: RO01 - 00287-2003-055-02-00-6 RECURSO ORDINÁRIO TURMA: 1ª ÓRGÃO JULGADOR - PRIMEIRA TURMA).   

Leciona Luiz Flávio Gomes[15] que “é preciso bom senso para distinguir o constrangimento criminoso do simples flerte, do gracejo, da 'paquera'. Nem toda abordagem é assédio.”

São os seguintes os elementos caracterizadores do assédio sexual: a) sujeitos: agente (assediador) e destinatário (assediado); b) conduta de natureza sexual; c) rejeição à conduta do agente; d) reiteração da conduta.[16]

A superioridade hierárquica do assediante é indispensável, podendo ser o chefe, um funcionário superior, sócio da empresa ou mesmo um cliente. Sendo fundamental possuir o assediador poderes para influenciar na carreira ou nas condições de trabalho: dispensas, transferências, perda de promoções, de referências, etc. É importante lembrar que existem casos de assédio sexual envolvendo pessoas do mesmo nível hierárquico.

Vale ressaltar que para que se configure o assédio sexual, há, necessariamente, que haver resistência por parte da pessoa assediada em relação ao comportamento do assediador, pois deve ser caracterizado o constrangimento daquela frente às atitudes desse.

3.6 Prova

As vítimas de assédio têm grandes dificuldades de provar o fato, porque o ato que o caracteriza, em regra, não ocorre de forma pública. Assediador e assediado geralmente estão a sós. Esclarece Marie-France Hirigoyen[17]:

“A agressão não se dá abertamente, pois isso poderia permitir um revide; ela é praticada de maneira subjacente, na linha da comunicação não-verbal: suspiros seguidos, erguer de ombros, olhares de desprezo, ou silêncios, subentendidos, alusões desestabilizantes ou malévolas, observações desabonadoras.”

Esta peculiaridade já foi percebida pela jurisprudência nacional:

DANO MORAL – ASSÉDIO SEXUAL. "O assédio sexual é um ato que, pela sua própria natureza, se pratica secretamente. Portanto, a prova direta dificilmente existirá. Por conseguinte, os Tribunais têm levado em conta a conduta similar do agente, como forma de prova indireta. Comprovado que o agente agiu da mesma maneira em relação a outras possíveis vítimas, demonstrando um comportamento desvirtuado da normalidade, o assédio sexual restará admitido. No caso dos autos, entretanto, a conduta reiterada do agente não restou comprovada. Não há qualquer elemento de prova, mesmo a indireta, que corrobore as assertivas da reclamante, razão pela qual não se pode atribuir ao empregador a responsabilidade que a autora pretende lhe imputar”. (TRT 3ª R. – RO 8.051/98 – 4ª T. – Rel. Luiz Otávio L. Renault – DJMG)

EMENTA: ASSÉDIO SEXUAL - CARACTERIZAÇÃO E PROVA. A prova do assédio moral é primordialmente indireta. A linguagem do assédio sexual é corporal porque se vale de meios primários de comunicação não verbalizados, tais como olhares, gestos, posturas e comportamentos, que dentro do contexto cultural são vistos ou entendidos como representativos de apelo sexual (TRIBUNAL: 3ª Região DECISÃO: 08 08 2008 TIPO: RO   NUM: 01325   ANO: 2006 NÚMERO ÚNICO PROC: RO - 01325-2006-091-03-00-9 TURMA: Terceira Turma).

As provocações devem ser demonstradas de maneira irrefutável para se permitir a punição do autor e indenização da vítima. Os meios de prova devem ser conservados para apresentação na Justiça do Trabalho, de forma a possibilitar a comprovação da conduta do assediador, permitindo a posterior indenização por danos morais ou ainda a rescisão indireta do contrato de trabalho.

E-mails, cartas, bilhetes, roupas rasgadas, dentre outros são tidos como os melhores meios de prova. No entanto, devido à dificuldade em se provar o assédio sexual, os tribunais do trabalho têm valorizado enormemente o depoimento do empregado assediado em consideração ao princípio da hipossuficiência do empregado, mas, destaque-se, não deve ser tomada como única prova base do assédio:

ASSÉDIO SEXUAL. PROVA. Assédio sexual que não se reconhece por falta de prova. São insuficientes os depoimentos do pai e do namorado da alegada vítima, ouvidos como informantes. (TRT 4ª região – RO nº 96.021151-9 – Rel. Juíza Maria Joaquina Carbunck Schissi – in www.trt.04.gov.br).

3.7 Repercussões no contrato de trabalho

3.7.1 Rescisão indireta do contrato de trabalho

Ocorre por ato do empregado quando o empregador descumpre alguma cláusula do contrato de trabalho. Afirma a doutrina que os atos faltosos do empregador decorrem da violação de três direitos fundamentais: direito ao respeito à pessoa física e moral, sendo abarcados por este último o decoro e o prestígio; direito à tutela das condições essenciais do contrato; e a observância pelo empregador das obrigações que constituem a contraprestação da prestação do trabalho.

A CLT estabelece as hipóteses em que é possível a rescisão indireta do contrato de trabalho:

Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:

a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;

b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;

c) correr perigo manifesto de mal considerável;

d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;

e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;

f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.

O entendimento predominante é no sentido de que se o empregador é o autor do assédio sexual ou outro superior hierárquico, o obreiro pode requerer a rescisão indireta do contrato de trabalho.

Na análise de Maurício Delgado Godinho[18], o assédio sexual, entendido como ato ofensivo praticado pelo empregador, pode ser considerado como atentatório às alíneas 'a', 'e' ou 'f' do artigo acima transcrito. Ou seja, o empregador deverá praticar atos contrários aos bons costumes ou alheio ao contrato ou lesivos à honra e boa fama, bem como à integridade física. É necessário que a conduta do agente seja grave, estando presentes o dolo ou a culpa para justificar a imediata resolução do contrato de trabalho.

Em suma, para a caracterização de um dos permissivos legais para a rescisão indireta do contrato de trabalho, é vital a existência de circunstância bastante para inviabilizar a continuidade do vínculo, sendo grave a tal ponto que torna inconciliável a manutenção do contrato.

Vejamos o que diz a jurisprudência:

EMENTA:   Rescisão indireta. Assédio sexual. Ausência de provas. Não havendo como se tipificar a conduta do “assistente da gerência” como de assédio sexual, não só porque os fatos narrados não foram provados, como também, ainda que se admitisse que realmente aconteceram, estes não se deram de forma continuada a caracterizar a perseguição, resultando num estado de sujeição ou intimidação das vítimas, não há como reconhecer a existência de qualquer motivação para rescisão indireta dos contratos de trabalho das reclamantes. Recurso Patronal a que se dá provimento para afastar a rescisão indireta dos contratos de trabalho das autoras, considerando que não restou provado nos autos o “assédio sexual noticiado”, devendo, consequentemente, serem excluídos da condenação, os títulos de avisos prévios, 13ºs proporcionais, férias proporcionais mais 1/3, FGTS mais 40% e indenizações por danos morais, remanescendo, apenas, a baixa nas CTPS's com as datas de 20.09.01 e a liberação das guias do FGTS no código pertinente. PROC. N.º 00201-2003-906-06-00-7 (RO)                  

EMENTA: ASSÉDIO SEXUAL - RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR PELOS ATOS DO PREPOSTO - PROVA INDICIÁRIA - Ao empregador incumbe a obrigação de manter um ambiente de trabalho respeitoso, pressuposto mínimo para a execução do pacto laboral. A sua responsabilidade pelos atos de seus prepostos é objetiva (art. 1.521, III, do CC e Súmula 341 do Supremo Tribunal Federal), presumindo-se a culpa. A prova dos atos atentatórios da intimidade da empregada é muito difícil, pois geralmente são perpetrados na clandestinidade, daí porque os indícios constantes dos autos têm especial relevância, principalmente quando apontam para a prática reiterada do assédio sexual com outras empregadas. Tal conduta tem como conseqüência a condenação em indenização por danos morais (art. 5o., X, da CR/88) e a rescisão indireta do contrato de trabalho (art. 483, e, da CLT). (TRIBUNAL: 3ª Região DECISÃO: 18 06 2002 TIPO: RO   NUM: 4269   ANO: 2002 NÚMERO ÚNICO PROC: RO - 00081-2002-075-03-00 TURMA: Quinta Turma).

3.7.2 Justa causa para extinção do contrato de trabalho

Conceitua-se justa causa como um efeito gerado de ato ilícito ou contratual, implícito ou explícito que possibilita ao empregador a rescisão do contrato sem ônus.

A prática de assédio sexual pode ensejar a justa causa para a rescisão do contrato de trabalho. A jurisprudência e a doutrina pátrias têm enquadrado o assédio como incontinência de conduta ou mau procedimento, ou ainda, como ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa própria ou de outrem.

ASSÉDIO SEXUAL. TIPIFICAÇÃO COMO INCONTINÊNCIA DE CONDUTA. REQUISITOS. O assédio sexual grosseiro, rude e desrespeitoso e concretizado em palavras ou gestos agressivos, já fere a civilidade mínima que o homem deve à mulher, principalmente em ambiente sociais de dinâmica rotineira e obrigatória, é que nestes ambientes (trabalho, clube etc.) o constrangimento moral provocado é maior, por não poder a vítima desvencilhar-se definitivamente do agressor. (TRT 3ª Reg. RO 2211/94, Rel. Maurício José Godinho Delgado, MG II de 23.04.94, p.91).

JUSTA CAUSA. ASSÉDIO SEXUAL. INCONTINÊNCIA DE CONDUTA. CONFIGURAÇÃO. O ASSÉDIO SEXUAL NO ÂMBITO TRABALHISTA ENCONTRA-SE TIPIFICADO COMO INCONTINÊNCIA DE CONDUTA PREVISTA NA ALÍNEA B DO ARTIGO 482 CONSOLIDADO HIPÓTESE AUTORIZADORA DA DISPENSA POR JUSTA CAUSA ANTE O USO DO PODER PELO ASSEDIADOR PARA OBTER FAVORES SEXUAIS DE OUTRAS EMPREGADAS NO LOCAL DE TRABALHO TOLHENDO SUAS VÍTIMAS DO EXERCÍCIO DE SUA LIBERDADE. RECURSO IMPROVIDO(TRIBUNAL: 21ª Região ACÓRDÃO NUM: 29.564  DECISÃO: 09/11/1999 TIPO: RO   NUM: 00398   ANO: 1997 NÚMERO ÚNICO PROC: RO - TURMA: TP).

Segundo Dorval de Lacerda[19], a incontinência de conduta é definida como “procedimento do indivíduo que traduz uma vida irregular o bastante para, por isto, fazer-lhe perder a respeitabilidade e, sobretudo, sendo empregado, a confiança imprescindível do contrato de trabalho”.

Em 1999, a Deputada Iara Bernadi apresentou à Câmara dos Deputados o projeto de lei nº. 62 que modifica, em parte, os arts. 482, 483 e 468 da CLT, incluindo a prática de assédio sexual a trabalhador como justa causa para rescisão indireta de contrato de trabalho, possibilitando que a vítima pleiteie a devida indenização e/ou mudança de local de trabalho


4 Responsabilidade civil

Ensina Nélson Godoy Bassil Dowe[20]:

“(...) a responsabilidade civil consiste na obrigação de uma pessoa indenizar o prejuízo causado a outrem quando há a pratica do ato ilícito. (...) A teoria da responsabilidade civil foi criada para alcançar as ações ou omissões contrárias ao direito, que geram para o seu autor a obrigação de reparar o dano ocasionado. Nasce, assim, a teoria da responsabilidade civil, que constitui a obrigação pelo qual o agente fica obrigado a reparar o dano causado a terceiro.”

Os elementos caracterizadores da responsabilidade civil são: conduta (ação ou omissão), nexo de causalidade entre ação/omissão, culpa do agente e dano.

Para alguém ser responsabilizado civilmente por dano moral é fundamental que algum ato tenha sido praticado ou omitido, seja pelo próprio agente ou por pessoa ou animal de que ele seja responsabilizado. Vejamos o que dispõe o Código Civil:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

O dano sofrido tem de ser efetivo, ou seja, ninguém pode ser responsabilizado civilmente sem o mesmo ter sido provado, podendo ser patrimonial (material) ou extrapatrimonial (moral). Ressalte-se também que é indispensável a prova do nexo causal entre o dano sofrido e a ação/omissão do agente.

A lei impõe em certas situações a reparação de um dano cometido sem culpa (responsabilidade objetiva), não se exigindo, portanto, a prova de culpa do agente para que seja obrigado a reparar o dano.

4.1 Responsabilidade do empregador por atos dos seus empregados

Estabelece o art. 932, III do CC:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

A responsabilidade do patrão ou assemelhado é proveniente do poder de direção em relação aos seus empregados, serviçais ou prepostos, sendo contemplada pela legislação qualquer situação de direção com dependência ou subordinação hierárquica.

No que tange à responsabilidade civil dos preponentes, vê-se que a relação de preposição não exige a presença de vínculo laboral típico, sendo necessário somente que o preposto seja responsável, ainda que não seja culpado. Se, por acaso, o preposto tiver agido em estado de necessidade, a licitude de seu ato exclui a culpa, mas não a responsabilidade, extensiva ao preponente.

Subsiste a responsabilidade dos patrões e comitentes pelos danos, ainda que o preposto tenha agido com abuso de suas atribuições, mesmo porque o lesado não está, via de regra, em condições de conhecer os limites das funções do empregado, sendo suficiente a aparência do cargo. Assim se pronuncia a jurisprudência:

1. O dano moral está presente quando se tem a ofensa ao patrimônio ideal do trabalhador, tais como: a honra, a liberdade, a imagem, o nome etc. Não há dúvidas de que o dano moral deve ser ressarcido .O que justifica o dano moral é o assédio moral. 2. O assédio moral é a exposição do trabalhador a situações humilhantes, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções. 3. O empregador, pela culpa na escolha e na fiscalização, torna-se responsável pelos atos de seus prepostos (Súmula nº 341, STF). A responsabilidade é objetiva do empregador”. DOE SP, PJ, TRT 2ª. Data: 01/08/2003.

DANO MORAL. ASSÉDIO SEXUAL. "A responsabilidade civil do empregador pela indenização por dano moral decorrente da prática de assédio sexual pressupõe a existência de três requisitos que devem ser observados cumulativamente: a prática de ato ilícito ou com abuso de direito (culpa/dolo); o dano (sofrimento moral) e o nexo causal entre o ato praticado pelo empregador ou por seus prepostos e o dano sofrido pelo trabalhador. Improvado o assédio sexual ante a fragilidade das provas, e tendo em vista ausência de evidências dos atos descritos na inicial." Recurso ordinário da ré a que se dá provimento, quanto a esse item da demanda( TRIBUNAL: 2ª Região ACÓRDÃO NUM: 20081102857  DECISÃO: 10 12 2008 TIPO: RO01   NUM: 01582   ANO: 2008 NÚMERO ÚNICO PROC: RO01 - 01582-2006-291-02-00-2 RECURSO ORDINÁRIO TURMA: 11ª).

ASSÉDIO SEXUAL. REQUISITOS CARACTERÍSTICOS. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Na configuração do assédio sexual, faz-se imprescindível a presença de pelo menos três requisitos na configuração do instituto, tomados os parâmetros de análise supranacional a respeito da matéria: a) o comportamento físico ou verbal de constrangimento à liberdade sexual da pessoa; b) ato rechaçado pela vítima; c) que pode variar na sua severidade. A partir destes elementos, o professor e juiz Paulo Jakutis traz como linhas gerais para a definição do assédio sexual 'a conduta praticada pelo agressor, reiterada ou não, ligada ao comportamento sexual e ao universo do emprego, que não é aceita pela vítima e que é de tal sorte severa que produz, no ser humano com padrão de sensibilidade normal, uma barreira para o adequado desenvolvimento das tarefas de trabalho. Ficam excluídos, como elementos essenciais, os fatores relacionados com a hierarquia, sexo dos envolvidos, local de trabalho e não-eventualidade do comportamento indevido.' Caracterizado o instituto jurídico cumpre notar, na seara dos fatos, que as provas produzidas nos autos confirmam a conduta ilícita do preposto patronal, que no ambiente de trabalho incorreu em conduta de conotação sexual em face do Autor, que com ele se constrangeu e abalou, do que resulta a responsabilidade do empregador pelo dano que se efetivou na esfera íntima do Reclamante (TRIBUNAL: 23ª Região DECISÃO: 31 03 2009 TIPO: RO   NUM: 00977-2008-008-23-00-8NÚMERO ÚNICO PROC: RO - 00977-2008-008-23-00)

O STF adotou posição no sentido de presunção da culpa, quando presente o poder de direção:

SÚMULA Nº 341: É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto.

A responsabilidade objetiva atribuída ao empregador ou assemelhado por danos causados pelos seus empregados permite que o responsável pelo pagamento da indenização intente uma ação regressiva contra o causador do dano. É o que se denomina direito de regresso do empregador:

Art. 462 - Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositvos de lei ou de contrato coletivo.

§ 1º - Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde de que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado.

Não se deve erguer em critério absoluto a responsabilidade do empregador quanto ao assédio praticado nas relações de trabalho por seus agentes ou prepostos. De acordo com Valentin Carrion[21], seria instituir um enorme risco à atividade empresarial e estimular uma febre de indenizações.


5 Dano moral, sua reparação e a correlação com o assédio sexual

O assédio sexual por ser uma conduta praticada por alguém que está hierarquicamente situado acima do assediado, o que acontece, via de regra, nos ambientes de trabalho, é violentamente repudiado pela sociedade em geral, pois agride a liberdade do empregado, obrigando-o a pedir demissão por não suportar a pressão psicológica exercida sobre si, acarretando ações de indenização por dano moral.

O assédio sexual constitui-se no mais abjeto ato do empregador, pois se vale de sua posição de mando, subjugando a vontade da empregada (em regra), anulando sua liberdade de escolha, causando-lhe danos psicológicos permanentes, devendo a indenização ser fixada, observando-se os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, de maneira a compensar o sofrimento causado à vítima.

As agressões sofridas pelo assediado têm um efeito devastador sobre sua auto-estima, porque, em nossa cultura, a identidade sexual exerce uma importância imensa na definição da imagem de uma pessoa na sociedade, devendo, portanto, o agressor reparar o dano moral sofrido pela vítima como forma de coibir condutas que atentem contra a dignidade e a integridade física ou moral da pessoa humana.

Com a promulgação da atual Constituição Federal em 1988, a reparação por dano moral encontrou abrigo expresso no texto da Carta Magna:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

De acordo com os ensinamentos de Rodolfo Pamplona Filho[22], “o dano moral consiste no prejuízo de direitos, cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro”, ou seja, é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa, violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente.

O dano moral é um mal que atinge o ânimo psíquico, intelectual e moral da vítima. Segundo o civilista Silvio de Salvo Venosa[23], é de extrema dificuldade estabelecer a justa recompensa pelo dano sofrido, concluindo que será moral o dano que ocasiona um distúrbio anormal na vida do indivíduo, uma inconveniência de comportamento.

No âmbito trabalhista e civil, o dano moral somente se caracteriza com a ocorrência do ato ilícito, entendido como todo ato que afete a moral e o código de ética do trabalhador, prejudicando o seu lar, seu crédito, seu nome profissional, enfim, sua honorabilidade.

Na esfera trabalhista, o dano moral acontece através de atos abusivos ou acusações infundadas que, porventura, acarretem prejuízos à reputação, ao decoro e à honra do trabalhador, ferindo sua dignidade.

Como explicado em passagem anterior, existem três elementos caracterizadores da responsabilidade civil: a conduta ativa ou omissiva do agente, o resultado lesivo e o nexo causal ligando os dois primeiros. Presentes, é direito do lesado exigir uma reparação pecuniária pelo dano sofrido.

Havendo o nexo de causalidade, a vítima tem o direito de exigir em juízo as verbas decorrentes da despedida indireta ou da despedida injusta, conforme o caso, bem como a indenização pelo dano moral, devendo esta representar um valor que possibilite um conforto material e espiritual ao lesado. Para demonstrar:

DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. Para que se impute a condenação de indenização por dano moral a uma parte, imperativo se torna a comprovação do nexo causal entre o ofensor e o dano experimentado pela parte ofendida. Recurso ordinário a que se nega provimento. (TRT 23ª Reg., TP, Ac. n. 985/96, Rel. Juiz Fauze Silva, DJMT 28.6.96, p.11)

1. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. DANOS MORAIS. RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO APÓS O EMPREGADO COMUNICAR SER PORTADOR DO VÍRUS DA AIDS. Na hipótese "sub judice", a Corte de origem, por intermédio do acórdão recorrido, traz dados demonstrando o nexo de causalidade entre o ato da Empresa e o dano sofrido pelo Autor. A rescisão do contrato de trabalho sem justa causa ocorreu após a comunicação pelo Reclamante de ser portador do vírus da AIDS. Vê-se, portanto, que o ato lesivo do empregador de ordem moral ocorrido na constância do contrato de trabalho guarda pertinência com a relação de emprego. 2. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. NEXO CAUSAL ENTRE O ATO DE DEMISSÃO E A DOENÇA DO AUTOR. Considerando que no quadro fático probatório delineado pelo Tribunal Regional se confirmou a comprovação de que a doença do Reclamante foi motivo da sua despedida, evidencia-se, pois, indispensável o revolvimento do conjunto probatório para se afastar o nexo causal entre a despedida e a doença do Autor. Incidência da diretriz jurisprudencial sedimentada no Enunciado nº 126 do TST. 3. Recurso de revista não conhecido (TRIBUNAL: TST   DECISÃO: 17 09 2003 PROC: RR   NUM: 499048   ANO: 1998    REGIÃO: 01   RECURSO DE REVISTA TURMA: 01 ÓRGÃO JULGADOR - PRIMEIRA TURMA).

Quando incontestável a existência do dano moral, é fundamental quantificar a indenização a ser paga pelo agente, de modo a reprimir a prática do ato lesivo e a servir de exemplo para que novas condutas não sejam perpetradas.

Há dois sistemas de reparação pecuniária: o sistema aberto, adotado pelo Brasil, em que o julgador tem liberdade para estabelecer o “quantum” devido; o sistema tarifário, adotado pelos EUA, em que há uma pré-fixação do valor da indenização.

A reparação tem uma dupla finalidade: visa a compensar o sofrimento tido pela vítima e a punir o agressor, desencorajando a prática de atos que agridam a imagem e a honra das pessoas.

Reza o art. 944 do Código Civil de 2002:

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.

Alguns critérios deve ter o Magistrado em mente para que possa alcançar um valor justo e razoável. Tem de ser considerada a gravidade objetiva do dano, bem como a intensidade da dor da vítima, não se olvidando o poder econômico e a personalidade do agressor.

Existem controvérsias acerca de qual prazo de prescrição deve se aplicar ao dano moral trabalhista: o previsto no art. 7º, XXIX, da CF/88 ou o estabelecido no art. 177 do CC/02. O TST firmou entendimento no sentido de que o prazo a ser aplicado é o previsto no Código Civil, mesmo se relativo a dano moral decorrente de relação de trabalho.


CONCLUSÃO

O assédio sexual deve ser evitado e combatido, pois acarreta inúmeras consequências negativas. O empregador tem prejuízos com a queda da produtividade de seus empregados e o empregado, parte fraca na relação de trabalho, sofre constrangimentos que afetam sua saúde psicológica, ocasionando-lhe dor e medo.

Verificou-se que raros são os casos que chegam ao conhecimento da Justiça, pois, devido a escassez de trabalho no país e consequente pavor de perder o emprego, muitos trabalhadores assediados deixam de recorrer ao Poder Judiciário para fazer efetivo seu direito.

É preciso que a Justiça do Trabalho informe aos trabalhadores seus direitos, garantidos inclusive constitucionalmente, e promova meios eficazes de combate às condutas, dentre as quais destacamos o assédio sexual, que inferiorizam e desrespeitam os mesmos, garantido justiça e punindo os agressores.


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Notas

[1] FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo, 2004, págs.22 e 23.

[2] MELO, Raimundo Simão de. Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador. 3ª ed. São Paulo: LTR, 2008. Pág.: 27-33. Material da 1ª aula da Disciplina Segurança e Saúde do Trabalhador, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito e Processo do Trabalho – UNIDERP/REDE LFG.

[3] BARROS, Alice Monteiro de. A mulher e o Direito do Trabalho. São Paulo, 1995.

[4] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 5. ed. p. 214. Coimbra: Livraria Almedina, 1998.

[5] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do direito civil. Revista Brasileira de Direito Comparado. Rio de Janeiro: 56-75, 2. Sem. 1999.

[6]MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da Constituição. Belo Horizonte: Livraria Mandamentos, 2001. p. 248.

[7]  SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 27.

[8]  NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Principio da Dignidade da Pessoa Humana. Ed. Saraiva: São Paulo , 2002, p. 54.

[9] Apud SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo, p. 202.

[10] DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo, p. 122.

[11] LIPPMAN, Ernesto. Assédio sexual nas relações de trabalho. São Paulo, 2001, p.14.

[12] BARROS, Alice Monteiro de. O assédio sexual no Direito do Trabalho Comparado. Curitiba, p.469.

[13] CARRION, Valentin. Comentários a Consolidação das Leis do Trabalho. São Paulo, 2005, p. 368.

[14] TRT 2ª Região, Ac. 029800738984, julg. 11.2.1998, publ. Em 27.2.1998.

[15] Apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Assédio sexual: contribuição jurídico-normativa da globalização. p.31.

[16] PAMPLONA Filho, Rodolfo. Assédio sexual nas relações de emprego. São Paulo, 2001, p..10.

[17] HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência perversa do cotidiano. São Paulo, 2002, p.77.

[18] GODINHO, Maurício Delgado. Curso de Direito do Trabalho. SP, 2005, p. 1210.

[19] LACERDA, Dorval de. A falta grave no contrato de trabalho. Rio de Janeiro, 1964, p. 28.

[20] DOWER,  Nélson Godoy Bassil. Curso Moderno de Direito Civil. Vol.1, São Paulo, 2001, p.339.

[21] CARRION, Valentin. Comentários a Consolidação das Leis do Trabalho. São Paulo, 2005, p. 385.

[22] PAMPLONA Filho, Rodolfo. Dano moral na relação de emprego. SP, 2002, p.52.

[23] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil – Responsabilidade Civil. SP, 2005, p.67.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Paulo Jeyson Gomes. Assédio sexual no âmbito das relações de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3696, 14 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24329. Acesso em: 23 abr. 2024.