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Proporcionalidade e prisão preventiva compulsória: o STF e a não recepção do art. 81 da Lei 6.815/80

Proporcionalidade e prisão preventiva compulsória: o STF e a não recepção do art. 81 da Lei 6.815/80

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A prisão preventiva compulsória, entendida como requisito de procedibilidade do pedido de extradição, é desproporcional e, por isso, não foi recepcionada pela Constituição.

Dois dias antes do Natal de 2010, Krys, cidadão polonês radicado no Brasil há mais de dez anos, arrumava as malas para viajar com sua esposa e seu filho, de pouco mais de três anos de idade, ambos brasileiros. Pretendiam passar o Natal no Sul do Brasil. Polícia Federal na porta, Krys foi preso por ordem do Supremo Tribunal Federal. O mandado era lacônico e não lhe permitia saber as razões de sua prisão. Achava que tudo era engano a ser logo esclarecido. Sabia não ter cometido qualquer crime. Jamais teve sequer multa de trânsito. Mantinha sua família com recursos de uma pequena empresa de recondicionamento de cartuchos de tinta para impressora e com os vencimentos de sua esposa, funcionária pública. Não imaginava que passaria os próximos quatro meses trancados numa cela de penitenciária baiana, vendo seu negócio ir à falência e sofrendo as conhecidas agruras dos nossos cárceres.

(Antenor Madruga)


Resumo: O presente trabalho tem como escopo analisar a não recepção do art. 81, Lei 6.815/80, pela Constituição de 1988. Trata-se de dispositivo que prevê a prisão preventiva compulsória do extraditando, hipótese essa comum na história jurídica nacional. A afirmação da “não recepção” estriba-se no Postulado da Proporcionalidade. Para tanto, o estudo se desenvolve nas esferas dos Direitos Constitucional, Penal e Penal Internacional. Investigam-se os meandros da Proporcionalidade, enfrentando-se a sua adequação terminológica e o seu enquadramento jurídico para a Teoria das Normas/das Fontes do Direito, é dizer, a sua natureza jurídica. Esta entrada possui cariz estritamente teórico e, por isso, baseia-se em uma pesquisa eminentemente exploratória, onde a coleta de dados se dá por meio de pesquisa bibliográfica. Posteriormente, traz-se a lume o desenvolvimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal – STF frente às prisões preventivas compulsórias,tomando como ponto de partida a promulgação da CRFB/88 até os dias de hoje, com especial destaque para a Lei 8.072/90, Lei 10.826/03 e Lei 11.343/06, ressaltando-se a inicial confusão jurisprudencial diante dos institutos da liberdade provisória e da inafiançabilidade constitucionalmente prevista, cizânia iniciada pela interpretação do STF do art. 5º, XLII, XLIII e XLIV, CRFB/88. Por fim, enfrenta-se a não recepção do art. 81, Lei 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro – EE), que prevê semelhante hipótese de prisão cautelar automática quando comparada com aquelas das leis retrocitadas, diante da interposição de Pedido de Extradição, conclusão (da não recepção) que é extraída com base no Postulado da Proporcionalidade.

Palavras-chave:Proporcionalidade. Inafiançabilidade constitucionalmente prevista.Prisõespreventivascompulsórias.Estatuto do Estrangeiro.

Sumário: 1 INTRODUÇÃO. 2 DELIMITANDO-SE A PROPORCIONALIDADE . 2.1APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA. 2.2DA TERMINOLOGIA. 2.3DA NATUREZA JURÍDICA. 3 DA PRISÃO PREVENTIVA COMPULSÓRIA. 3.1NECESSÁRIA INTRODUÇÃO. 3.2A FIANÇA NA NORMA NORMARUM DE 1988. 3.3PRISÃO PREVENTIVA COMPULSÓRIA NO ESTATUTO DO DESARMAMENTO. O ARTIGO 21, DA LEI 10.826/03. 3.4PRISÃO PREVENTIVA COMPULSÓRIA NA LEI DE CRIMES HEDIONDOS E NA LEI DE DROGAS. O ARTIGO 2º, II, DA LEI 8.078/90 E O ARTIGO 44, DA LEI 11.343/06. 3.5PRISÃO PREVENTIVA COMPULSÓRIA NO ESTATUTO DO ESTRANGEIRO. O ARTIGO 81, DA LEI 6.815/80. Conclusão. Referências. 


1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem o objetivo de questionar a não recepção do art. 81 da Lei 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro – EE) pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88. O dispositivo trata de hipótese de prisão preventiva automática do extraditando, é dizer, prisão encarada como requisito (formal) de procedibilidade da extradição, despida de qualquer cautelaridade (como sói ocorrer com as prisões preventivas – por isso mesmo denominadas de “cautelares” –, como traz a lume o art. 312, CPP). Em outras palavras, questiona-se: é compatível com a CRFB/88 o art. 81 da Lei 6.815/80, que prevê a prisão preventiva compulsória do extraditando como requisito de procedibilidade da extradição?

Hipóteses de prisão preventiva automática já foram enfrentadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), quando diante de investidas contra a Lei 10.826/03 (Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 3.112), Lei 8.072/80 e Lei 11.343/06 (Habeas Corpus – HC 103.339/SP). Em todas estas situações, a Suprema Corte deixou claro que as prisões preventivas não podem ser automáticas, não podem ser impostas pelo legislador de maneira compulsória. Em outras palavras, a imputação da necessidade da prisão seria da competência do Poder Judiciário, de posse das circunstâncias do caso concreto.

É que tais previsões legais violariam os direitos ao devido processo legal (art. 5º, LIV, CRFB/88), ao contraditório e a ampla defesa (ou, apenas, “contraditório substancial” – art. 5º, LV, CRFB/88), além, é claro, da Harmonia dos “Poderes”/Funções (art. 2º e art. 60, § 4º, III, ambos das CRFB/88). Como ponto teórico aglutinador destas constatações, tem-se a norma da Proporcionalidade, uma vez que está diante de colisões de princípios.

A norma da Proporcionalidade pretende tornar o mais objetivo possível a análise destas colisões de princípios. É por isso que nos casos supra a sua aplicação é imprescindível. O mesmo deve ocorrer durante a análise do art. 81 da Lei 6.815/80.

O estudo em comento mostra-se de extrema importância, tanto teórica quanto social. Social, porque,se se tem um dispositivo eivado “inconstitucionalidade” que continua a ser aplicado em inúmeros julgados do Pretório Excelso, certo é que ele (o dispositivo) vem gerando transtornos para aqueles que dele são alvo. Teórico, porque demonstra como se analisar, com base na norma da Proporcionalidade e no manejo jurisprudencial, colisões de princípios, destacando-se aqueles envolvidos nas situações de prisões preventivas automáticas.

Este trabalho se desenvolverá na seara do Direito Constitucional, do Direito Penal e do Direito Penal Internacional. A primeira parte, diante de seu forte aspecto teórico, basear-se-á em pesquisa exploratória; há uma forte carga conceitual. Nas posteriores, o estudo de casos, com aplicação da introdução teórica, preponderará; o tratamento jurisprudencial será maciço. Ademais, apoiar-se-á em livros jurídicos, na Constituição Federal de 1988, nas Leis nº 10.826/03, nº 8.072/90, nº Lei 11.343/06 e nº 6.815/80, na ADI 3.112 e no HC 103.339/SP, sem prejuízo de passagens tangenciais por outros diplomas normativos (como o Código de Processo Penal – CPP e a Lei 6.416/77).

Inicialmente, estudar-se-á a norma da Proporcionalidade, abordando aspectos relevantes, como a divergência terminológica (“Proporcionalidade” e “Razoabilidade”) e de natureza jurídica, no que tange ao seu enquadramento jurídico na Teoria das Normas/das Fontes do Direito.

Nessa senda, é necessário compreender o funcionamento da norma da Proporcionalidade, é dizer, como ela é aplicada, como incide sobre fatos e sobre o Direito. A importância da delimitação terminológica ganha relevância por isso, uma vez que, se se entende que cada termo técnico possui significado próprio, a utilização equivocada (v.g., algo seria “proporcional” ou seria “razoável”?) gerará falhas desde as premissas (o que redundará na conclusão, por óbvio). O mesmo serve para a necessidade de circunscrever a natureza jurídica do instituto (Proporcionalidade/Razoabilidade) trabalhado.

Analisar a aplicação da norma da Proporcionalidade (e, por isso, compreender essa parte teórica) é, aqui, condição de possibilidade de estudo (que se seguirá) dos julgados do STF.

Para começar o estudo das prisões preventivas compulsórias, fez-se mister a fixação de um marco temporal: CRFB/88. Não obstante este marco, uma breve menção à Lei 6.416, de 24 de maio de 1977 foi necessária. A pretensão desta lei foi revigorar o instituto da fiança. Todavia, diante da praxe, verificar-se-á que o resultado foi outro. Ainda neste ponto, analisar-se-á em que medida o Pretório Excelso, ao tratar da fiança (em verdade, da “inafiançabilidade”) na nova Magna Carta, contribuiu para o surgimento das “prisões preventivas automáticas”.

Aqui, então, estudar-se-á a inafiançabilidade constitucionalmente prevista, que encontra ressonância no art. 5º, XLII, XLIII, XLIV, CRFB/88, e a sua relação com as prisões preventivas compulsórias. Para tanto, haverá uma abordagem das Leis nº 10.826/03 (art. 21), nº 8.072/90 (art. 2º, II) e nº 11.343/06 (art. 44, caput), que previam/preveem hipóteses de prisões preventivas automáticas, bem como da ADI 3.112 e do HC 8.072/90, que vergastaram judicialmente tais prisões.

Cotejando estas decisões, os seus argumentos, as suas colisões de princípios, e enquadrando-as na Proporcionalidade, enfrentar-se a não recepção do art. 81 da Lei 6.815/80.


2  DELIMITANDO-SE A PROPORCIONALIDADE

2.1 Apresentação do Problema

Tanto a Proporcionalidade quanto a Razoabilidade, quando vierem com letras maiúsculas, significarão o instituto jurídico que se pretende abordar; distinguir-se-á da proporcionalidade e da razoabilidade, utilizadas como palavras quaisquer do vernáculo nacional, sem nenhuma carga jurídica, propriamente dita (no sentido de alçarem campo específico do Direito).

O termo “Proporcionalidade” foi posto em epígrafe sem indicação de sua natureza jurídica, no que tange ao seu enquadramento na Teoria das Fontes do Direito – “Teoria das Normas”, para ser mais específico. Em outras palavras, a proporcionalidade seria um Princípio (CANOTILHO, 2007; BARROSO, 2006a; GUERRA FILHO, 2005; BONAVIDES 2010; STRECK, 2007, 2008; FELDENS, 2012; MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, por exemplo; na verdade, este é o enquadramento clássico, escudado, até mesmo, pelo Supremo Tribunal Federal – STF e pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ), seria uma máxima (ALEXY, 2011; ERMACORAapud BONAVIDES, 2010), seria um postulado (ÁVILA, 2001, 2011; PACELLI, 2010; GRAU, 2011), uma regra (SILVA, 2002, 2003, 2011[1]), um “sobreprincípio” / "super princípio” (GUERRA FILHO, 2005, 2009)?

O problema está longe de ser meramente acadêmico. Para efeitodos estudos que aqui serão realizados, o impacto jurídico trazido por um inadequado enquadramento pode ser terrível, vez que, tendo como função a interpretação (e a aplicação) do Direito, a Proporcionalidade poderia ter “restrições”, “sopesamentos”, “subsunções”, “ponderações” ou “afastamentos” incabíveis por conta de sua estrutura normativa.

Mas não é só. O problema também é terminológico. Autores do quilate de Barroso (2006a, 218 e s. e 2009, p. 141-181, 1998, 65-78), Sarmento (2003, p. 87), Ávila (2011, p. 163-185 e 2001, p. 29-31), Grau (2011, p. 216-218), Bandeira de Melo (2011, p. 108-112), Moraes (2005, p. 372-376) e Silva(2002, p. 24-32) se digladiam sobre esse tema[2]. Afinal, seria a “Proporcionalidade” igual a “Razoabilidade”? Se não, qual é o nosso verdadeiro vetor interpretativo para crítica que se construirá? Devemos falar “é/não é razoável” ou “é/não é proporcional”?

É de conhecimento que oleque de opções terminológicas poderia ser ainda maior, provocando um inchaço na cizânia posta. Por exemplo, não é raro haver equiparações da Proporcionalidade e da Razoabilidade com a proibição de excesso (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, p. 33; MENDES, 2001, p. 2; BAROSO, 1998, p. 71-72; STEINMETZ, 2001, p. 148; ainda, segundo SILVA, 2002, p. 26[3] e MENDES, p. 3[4]e MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, p. 331, o Tribunal Constitucional português também promove essa equiparação), vedação de arbítrio (BONAVIDES, 2010, p. 397) ou, ainda, com proibição de defeito (CANOTILHO, 2007, 273 – sem embargo desse prover constante câmbio entre: proporcionalidade, proibição de excesso e proibição de defeito). Ademais, se princípio for, que tipo de princípio: normativo (Hotz), aberto (Stern), informativo (Zimmerli)(apud BONAVIDES, p. 396). Ficar-se-á, todavia, só com esses dois, Proporcionalidade e Razoabilidade, ressaltando-se o conhecimento de que o problema é maior do que se apresenta; trata-se de uma abordagem meramente instrumental para algo maior que se projeta ao fim do trabalho, e não de trabalho exclusivamente de enfrentamento terminológico.

Sehá distinção, ela deve ser verificada, para se saber o seu impacto prático. Como diria Freitas Filho (2007, p. 41-65), as palavras têm peso, ainda mais se estiverem carregadas de valores descritivos, “de essencialidade” construídos pelo tempo (LYRA FILHO, 2003, p. 12, 14, 34 e 36). Em outras palavras, diferenciar ou equiparar “Proporcional” e “Razoável” é de grande relevância, posto que se essas premissas não forem fincadas, poder-se-á partir de premissas equivocadas que comprometerão toda a lógica (que pretende se dar) do trabalho.

2.2 DA TERMINOLOGIA

Antes de qualquer coisa, uma explicação inicial pode ajudar a compreender o que se segue. Fala-se nos “subelementos” da Proporcionalidade/Razoabilidade. Pode parecer estranho trazer esses subelementos antes de trazer o elemento propriamente dito; mas, se se pretende diferenciar ou igualar o uso dos dois termos, deve-se ter em mente o que os integra (ou não, se se entende que os termos não se confundem).

Majoritariamente, promove-se uma tripartição da Proporcionalidade/Razoabilidade em: 1) adequação; 2) necessidade; 3) proporcionalidade em sentido estrito. Destaque-se que os termos podem mudar de autor para autor (v.g., adequação como exigência de conformidade – PLÁCIDO E SILVA, 2012, p. 1113). Não se focará nisso, todavia, pois se teria um novo problema terminológico. Ademais, frise-se que essa ordem de elenco não é por acaso. Apesar de alguns doutrinadores não tocarem nesse assunto e, até mesmo, promoverem um embaralho nos subelementos, certo está Silva (2002, p. 45), ao destacar a subsidiariedade dos planos. Diga-se: 1) se o meio não é adequado, não será necessário, muito menos proporcional em sentido estrito; 2) se é adequado, mas não é necessário, não será, também, proporcional em sentido estrito; 3) se é adequado e necessário, mas não é proporcional em sentido estrito, não será Proporcional (em sentido amplo). Em suma, a negativa de um plano exclui a necessidade de apreciação do outro.

O segundo posicionamento (a qual se filiava Mendes (2001, p. 4;2008, p. 333); hoje, no STF, verifica-se a adoção daquele primeiro posicionamento) exclui a proporcionalidade em sentido estrito, mantendo, todavia, os outros dois planos de análise. Segundo Silva (2002, p. 35), esse entendimento tem como principais defensores Böckenförde e Schlink (sendo esse último, inclusive, muito citado por Mendes para abalizar suas ideias).

O último posicionamento (SILVA, 2002, p. 35) é o que inclui o quarto subelemento: “a análise da legitimidade dos fins que a medida questionada pretende atingir”.

Podendo agora evoluir no núcleo desse tópico, tenha-se em mente que, antes de terminológico, temos, inicialmente, um problema de “ponto de partida”, é dizer, um problema fundado nas bases históricas e geográficas (bases essas estritamente ligadas) da proporcionalidade/razoabilidade.

Barroso, em grande parte de seus trabalhos(v.g., BARROSO, 1998, 2006a, 2009, 2010), demonstra possuir nítida influência norte-americana. As obras estrangeiras de língua inglesa possuem grande peso em seus estudos. De igual modo, as premissas teóricas da qual parte Barroso quase sempre têm origem estadunidense.Essa tendência do autor é inafastável, diante do seu histórico acadêmico (trata-se de Mestre em Direito pela Yale Law School). Deste modo,não é por acaso que o autor equipara os termos “Razoabilidade” e “Proporcionalidade”, e, ao tratar da razoabilidade, arremata que:

[...] a doutrina e a jurisprudência, assim na Europa continental como no Brasil, costumam fazer referência, igualmente, ao princípio da proporcionalidade, conceito que em linhas gerais mantém uma relação de fungibilidade com o princípio da razoabilidade. (BARROSO, 2006a, p. 224)

Note-se que o autor fala em uma equiparação “em linhas gerais”. De fato, em pesquisas mais antigas do mesmo autor, tal ressalva era inexistente. O ilustre mestre promovia um perfeito câmbio de termos, sem ressalva de igual ordem. Apenas a título de exemplo, veja-se:

[...] é digna de menção a ascendente trajetória do princípio da razoabilidade, que os autores sob influência germânica preferem denominar princípio da proporcionalidade, na jurisprudência constitucional brasileira. (BARROSO, 1998, p. 69).

Nessa passagem, Barroso deixa claro o seu raciocínio: “proporcionalidade” ou “razoabilidade” é uma questão de “influência”; se norte-americana, fala-se em “razoabilidade”, se alemã, “proporcionalidade”. Algo semelhante pode ser encontrado em outros grandes autores, como, por exemplo, Sarmento (2003, p. 78-87[5]) e Gomes, M. (2002, p. 37)[6].

Então, quando aqui se refere a “problemas de ponto partida” sob a ótica “geográfica”, quer-se dizer da influência norte-americana (estadunidense, para ser mais precisos) na construção do conceito de “razoabilidade”. Diz-se, ainda, que esse problema de base geográfica liga-se intrinsecamente à base histórica (que facilmente poderia ser substituída por “base teórica”), por conta do percurso que o Poder Judiciário (dos Estados Unidos) teve que seguir para fincar as balizas do princípio da razoabilidade.

Partindo do conceito de substantive dueprocessoflaw – devido processo substantivo –, a jurisprudência da Suprema Corte Americana construiu o princípio da razoabilidade. É que tal princípio não encontrava berço constitucional de modo expresso. Para tanto, através da clássica capacidade de construção normativa (em concreto, através dos precedentes), o Poder Judiciário daquele país “extraiu” o princípio multicitado da Cláusula do Devido Processo Legal – originariamente entendido em seu caráter meramente formal; daí a ideia de procedural dueprocessoflaw. Barroso (2006a), em mais de uma passagem, promove esse escorço histórico, narrativa, inclusive, compartilhada com Moraes(2005, p. 372-373). Verbi gratia:

O princípio da razoabilidade tem sua origem e desenvolvimento ligados à garantia do devido processo legal, instituto ancestral do direito anglo-saxão. De fato, sua matriz remonta à cláusula lawoftheland, inscrita na Magna Charta, de 1215, documento que é reconhecido como um dos grandes antecedentes do constitucionalismo. Modernamente, sua consagração em texto positivo se deu através da 5ª [aprovada em 15-12-1791] e 14ª [aprovada em 21-07-1868] emenda à Constituição norte-americana. (BARROSO, 2006a, p. 218)

A doutrina do devido processo legal substantivo começou a se delinear no final do século XIX, como reação ao intervencionismo estatal na ordem econômica. A Suprema Corte fez-se intérprete do pensamento liberal, fundado na ideia do laissezfaire, pelo qual o desenvolvimento é melhor fomentado com a menor interferência possível do Poder Público nos negócios privados. […]. A decisão que melhor simbolizou esse período, todavia, foi proferida em Louchnervs. New York, onde, em nome da liberdade de contrato, considerou-se inconstitucional uma lei de Nova York que limitava a jornada dos padeiros” (BARROSO, 2006a, p. 221).

A bem da verdade, esse histórico é contestado por Silva(2002, p. 39), que, estribando-se (expressamente) nas ideias de Guerra Filho, afirma:

Como bem salienta Willis Santiago Guerra Filho, na Inglaterra fala-se em princípio da irrazoabilidade e não em princípio da razoabilidade. E a origem concreta do princípio da irrazoabilidade, na forma como aplicada na Inglaterra, não se encontra no longínquo ano de 1215, nem em nenhum outro documento legislativo posterior, mas em decisão judicial proferida em 1948. E esse teste da irrazoabilidade, conhecido também como teste Wednesbury, implica tão somente rejeitar atos que sejam excepcionalmente irrazoáveis. (SILVA, 2002, p. 39)

Tem-se um primeiro marco para se compreender a Razoabilidade: trata-se de construção primariamente estadunidense; não possui (na Constituição dos EUA) previsão expressa, sendo oriunda de engendramento jurisprudencial; foi extraída da Cláusula do Devido Processo Legal – em sua vertente substancial.

Em relação ao “princípio” da Proporcionalidade, como antecipou o próprio Barroso (2006a), o que se tem é uma construção europeia. Com mais precisão, pode-se dizer “uma construção de origem germânica”, onde, analiticamente, não se confunde com a Razoabilidade. De igual modo, o seu ponto de partida para construção jurisprudencial (essa, pode-se dizer, é a única similitude concreta dos institutos) não se confunde com o da Razoabilidade. Ou seja, o termo não extrai sua existência da Cláusula do Devido Processo Legal. Isso quer dizer que, ao menos em alguns pontos, Barroso(2006a) reconhece a falta de similitude entre a proporcionalidade e a razoabilidade. E isso não se restringe ao plano geográfico. A questão do “ponto de partida” também é destacada. Veja-se:

No direito constitucional alemão, atribui-se ao princípio da proporcionalidade (Verhältnismässigkeit) qualidade de norma constitucional não escrita, derivada do Estado de direito” (BARROSO, 2006a, p. 233).

[…] abrem-se duas linhas de construção constitucional, uma e outra conducentes ao mesmo resultado: o princípio da razoabilidadeintegra o direito constitucional brasileiro, devendo o teste de razoabilidade ser aplicado ao intérprete em qualquer caso submetido ao seu conhecimento. A primeira linha, mais inspirada na doutrina alemã, vislumbrará o princípio da razoabilidade como inerente ao Estado de direito, integrando de modo implícito o sistema, como um princípio constitucional não escrito. De outra parte, os que optarem pela influência norte-americana pretenderão extraí-lo da cláusula do devido processo legal, sustentando que razoabilidade das leis se torna exigível por força do caráter substantivo que se deve dar à cláusula. (BARROSO, 2006a, p. 237)

A celeuma apresentada por Barroso(do ponto de vista deste trabalho; a “apresentação”, no plano nacional, do problema se deu, de fato, com Silva (2002,2003) e Ávila (2001, 2011 – 2003, 1ª edição de sua obra)), pode ser verificada e aprofundada na obra de Mendes, Coelho e Branco (2008).

Apesar da nítida “influência germânica” de um dos coautores supracitados (o professor Gilmar Mendes, destaque-se[7]), o tratamento histórico que é dado à proporcionalidade/razoabilidade toma como base seu desenvolvimento nos Estados Unidos (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, p. 323). É dizer, apesar de fundamentar a Proporcionalidade (havendo uma clara preferência por esse termo, tendo em vista que é o mais utilizado em seus trabalhos – não obstante a transcrição de jurisprudência fazendo uso do termo “razoabilidade”) na jurisprudência e doutrina alemã, a base histórica é de influência norte-americana.

Se se disse que Barroso (2006a)estribava suas ideias na doutrina norte-americana (apesar de não deixar de lado o ensino alemão) e, por isso, utiliza com maior frequência o termo “razoabilidade”, esse fundamentado no Devido Processo Legal Substancial, o mesmo pode ser dito sobre Mendes (2001 e 2008)só que como contraponto: utiliza-se com maior frequência o termo “proporcionalidade” e extrai seu fundamento abalizando-se na doutrina alemã (apesar de, como já dito, utilizar-se da história estadunidense para falar do instituto). Veja-se:

O fundamento do princípio da proporcionalidade é apreendido de forma diversa pela doutrina. Vozes eminentes sustentam que a base do princípio da proporcionalidade residiria nos direitos fundamentais. Outros afirmam que tal postulado configuraria expressão do Estado de Direito, tendo em vista também o seu desenvolvimento histórico a partir do Poder de Polícia do Estado. Ou, ainda, sustentam outros, cuidar-se-ia de um postulado jurídico com raiz no direito supra positivo. (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, p. 323).

A jurisprudência da Corte Constitucional alemã parece aceitar que o fundamento do princípio da proporcionalidade reside tanto no âmbito dos direitos fundamentais quanto no contexto do Estado de Direito. Todavia, afigura-se inegável que, não raras vezes, a aplicação do princípio da proporcionalidade decorre de uma compreensão ampla e geral da ordem jurídica como um todo. (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, p. 323).

Ora, se se explica o “princípio” com base na história norte-americana, é imprescindível, por uma questão de coerência, que se toque em seu fundamento de igual índole geográfico (nem que seja só por uma questão de coerência, repita-se): o devido processo legal substancial. Mas isso não é feito. Apenas tangencialmente isso é colocado pelos autores, no momento de tratar da história da Proporcionalidade/Razoabilidade.

Isso comprova a influência geográfica/de ponto de partida (Estados Unidos ou Europa continental) no uso do termo, especificamente na fundamentação jurídica de cada um. Aliás, Sarlet, Marinoni e Mitidiero (2012, p. 337) não discrepam deste entendimento:

[…] de acordo com a vertente germânica, o ponto de referência é o princípio do Estado de Direito (art. 1º da CF) […]. Já para quem segue a orientação do direito norte-americano, a proporcionalidade guarda relação com o art. 5º, LIV, de CF, no que assegura um devido processo legal substantivo. (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2012, p. 337)

Claro que aqui se utiliza “tipos ideais” (FREITAS FILHO, 2007), no que tange à doutrina que trabalhacom os termos “razoabilidade” e “proporcionalidade”. Tanto Mendes quanto Barroso sabem (por óbvio) que a evolução dos conceitos nos Estados Unidos e na Alemanha não se confundem[8]. Essa ressalva é importante, para que não se creia na ingênua ideia de que esse pensamento linear (ponto de partida – geografia – base teórica – proporcionalidade/razoabilidade) se repete em todos os autores. Ou seja, o que se quer demonstrar, no final das contas, é que, de fato, existe essa celeuma terminológica que toma como pressuposto (segundo o que se defende aqui) as influências geográficas do estudo. Até o ilustre professor Canotilho (2007, p. 268) se debruçou sobre o assunto:

Já nos séculos XVIII e XIX, ela está presenta na ideia britânica de reasonableness, no conceito prussiano de Verhältnismässigkeit, na figura do détournementdupouvoir em França e na categoria italiana do ecesso de potere. […] No pós-guerra, as potencialidades expansivas do instituto são cada vez mais sentidas pelos cidadãos e juristas comprometidos na radicação de um direito materialmente justo. Na Inglaterra, começam a confrontar-se os poderes públicos com o sentido substantivo do manifestunreasonableness. Na França, sujeitam-se os actos administrativos ao controlo apertado do erreus manifeste d’apréciation. A doutrina alemã ergue o princípio da proibição de excesso (Übermassberbot) a princípio constitucional e começa a controlar os actos do poder público sob o ponto de vista do princípio da proporcionalidade. Os juristas italianos procuram recortar os juízos de manifesta illogicità, de congruitàe ragionevolezza.

Utilizou-se Mendes, mas, sem qualquer problema, poder-se-ia utilizar Bonavides(2010) ou Guerra Filho (2005, p. 97-100) – ou quaisquer outros que deixassem claro a sua influência doutrinária. Bonavides, todavia, sequer toca no termo Razoabilidade, não obstante inserir em sua obra(2010, p. 402) tópico próprio falando sobre As vacilações e ambiguidades terminológicas. O autor descreve com precisão ímpar a cizânia que, resumidamente, pretendeu-se aqui mostrar. Não obstante o pormenor no tratamento da temática (mostrando a utilização indiscriminada de mais dez termos para tratar da mesma temática: Proporcionalidade), o ovacionado autor não cita a Razoabilidade entre os termos que integram a contenda.

Sua influência é claramente europeia (nesse ponto, o foco está na Alemanha e na Suíça – como o próprio professor deixa claro[9]). Entende-se, aqui, por isso, que essa deve ser a razão de Bonavides não tratar da Razoabilidade, bem como não fazer qualquer tipo de relação com o Devido Processo Legal (substancial). Portanto, nesse ponto, Bonavides não é de grande interesse para esse trabalho, em que pese o seu brilhantismo, já que não confunde os “termos foco” principal deste ponto do trabalho.

Voltando a dualidade terminológica básica deste estudo, destaque-se que há quem defenda uma separação entre Proporcionalidade e Razoabilidade, segregação essa que ultrapassaria o interesse acadêmico para atingir o campo propriamente funcional dos institutos. É o caso dos trabalhos de Ávila (2001; 2011) e Silva (2002). Essa tendência de distinção é mostrada, também, por Magalhães Gomes (2002, p. 37)[10], tomando como base a Itália – de onde a autora recebe forte influência –, ainda que não adira a esse posicionamento, por Steinmetz (2001, p. 173-176) e por Sarlet, Marinoni e Mitidiero(2012, p. 342) – fique-se só com esses; a lista poderia ser infindável.

Ávila(2011) propõe uma separação radical (se comparado com os outros autores citados) entre Proporcionalidade e Razoabilidade[11]. Por não ser o papel central desse trabalho, aqui, limita-se a uma análise pouco aprofundada sobre as ideias do eminente autor – o que é o bastante para o fim aqui buscado.

Ávila(2011, p.164-170) propõe uma tripartição funcional da ideia de Razoabilidade. Deve-se entender razoabilidade como: 1) equidade; 2) congruência; 3) equivalência.

Como equidade, a Razoabilidade exigiria a “harmonização da norma geral com o caso individual”. A Razoabilidade como Equidade impõe, ao aplicador das normas, que se leve em consideração duas circunstâncias: 1) “aquilo que normalmente acontece” (ÁVILA, 2011, p. 164), ou seja, leva-se em consideração o ordinário, afastando prima facie o extraordinário – algo semelhante ao que diz na frase “o ordinário se presume; o extraordinário se prova”, tão criticada por LenioStreck em seus artigos publicados no sitio “Consultor Jurídico” – Conjur[12]; 2) “consideração do aspecto individual do caso nas hipóteses em que ele é sobremodo desconsiderado pela generalização legal” (ÁVILA, 2011, p. 166) – daqui se extrai o conceito de “justiça-corretiva” da qual nos falava Aristóteles, como o próprio Ávila destaca (2011, p. 167).

Essa segunda ideia pode ser clareada pela interpretação que Ferraz Jr. (2009) faz da compressão aristotélica de “justiça-equidade”:

Quando a lei dispõe de um modo geral e surge um caso particular, algo excepcional, vendo que o legislador se cala ou que se enganou por ter falado em termos absolutos, é imprescindível corrigir-lhe e suprir-lhe o silêncio e falar em seu lugar, como o mesmo faria se estivesse presente, isto é, fazendo a lei como ele poderia ter feito, se pudesse ter ciência dos casos particulares de que trata. (FERRAZ JR., 2009, p. 72)

Como congruência, a Razoabilidade exige a “harmonização das normas com suas condições externas de aplicação” (ÁVILA, 2011, p. 167). Da mesma forma que a Razoabilidade como Equidade, aqui, como Coerência, há duas conjecturas a ser encaradas: 1) que se recorra ao suporte “empírico existente”, no sentido de que a norma deve se adequar a realidade que pretende regular; “A interpretação das normas exige o confronto com parâmetros externos a elas” (ÁVILA, 2011, p. 168); 2) “exige-se uma relação congruente entre o critério de diferenciação escolhido e a medida adotada” (ÁVILA, 2011, p. 169), que seria o respeito ao Princípio da Igualdade, mais especificamente, observação ao “discrímen”, trabalhado de formabrilhantemente singular por Bandeira de Mello em uma de suas clássicas obras (2004, p. 37).

A Razoabilidade como equivalência “exige uma relação de equivalência entre a medida adotada e o critério que a dimensiona” (ÁVILA, 2011, p. 170), trata-se de uma “relação de correspondência entre duas grandezas” (ÁVILA, 2011, p. 172). Nesse tipo de Razoabilidade, Ávila não consegue nos esclarecer bem o que pretende. Não por acaso, é difícil compreender a razão de não se enquadrar essa espécie de Razoabilidade na Razoabilidade como Equivalência, especificamente na sua segunda exigência(ainda que para isso a conceituação sofresse uma expansão mínima).

É interessante notar que essa tripartição da Razoabilidade se baseia em supostos critérios “internos” das decisões do STF. Diz-se “interessante”, porque, da análise das decisões do STF, têm-se autores que sequer conseguem extrair a independência da Razoabilidade frente à Proporcionalidade (como os já citados Mendes (2001; 2008) e Barroso (1998; 2006a)), quanto mais tripartir o uso da Razoabilidade. De qualquer modo, essa é a defesa de Ávila (2011), com pretensão de autonomia para os três tipos[13].

O marco de seu pensamento distintivo está no fato de que, na Razoabilidade, não se está analisando a relação “meio e fim”, típica da Proporcionalidade (para uma crítica desse entendimento, ver Silva(2002, p. 30)), mas uma relação “entre critérios e medidas” (ÁVILA, 2011, p. 171-172). Ainda que tal distinção possa ser contestável (e o próprio Ávila (2011, p. 172) fala isso), é de grande valia a apresentação dessa possibilidade de divisão entre dois institutos de inegável importância no sistema jurídico brasileiro.

Silva (2002, p. 28-31) começa a sua segregação institucional (entre Proporcionalidade e Razoabilidade) pela questão histórica/de ponto de partida/de fundamento, como já foi abordado anteriormente. Substancialmente, o autor afirma que a razoabilidade tem uma finalidade mais restrita, servindo como “simples pauta que, vagamente, sugere que os atos estatais devem ser razoáveis”. É dizer, a Razoabilidade encontrar-se-ia impregnada de subjetivismo, servindo, em verdade, como simples topos, como argumentos de força de caráter meramente retórico. Analiticamente falando, seria um instituto pobre na verificação de sua certeza.

Já a Proporcionalidade, na visão de Silva (2002 p. 30), seria uma “estrutura racionalmente definida, com subelementos independentes – a análise da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito – que são aplicados em uma ordem pré-definida, e que conferem à regra da proporcionalidade a individualidade que a diferencia, claramente, da mera exigência de razoabilidade”. Mais do que isso, o autor defende que a Razoabilidade integra a Proporcionalidade, especificamente em seu subelemento da Adequação, uma vez que a Proporcionalidade não se resumiria, como a Razoabilidade, a um simples exame de compatibilidade entre meios e fins (SILVA, 2002, p. 33). Mas o problema não para por ai. Veja-se como o tema é tormentoso.

Sarlet, Marinoni e Mitidiero (2012), rejeitando a identificação completa entre Razoabilidade e Proporcionalidade, afirmam que, de fato, a Razoabilidade integraria um dos subelementos da Proporcionalidade, a exemplo do que diz Silva. Todavia, não seria o elemento da adequação, mas, sim, o da proporcionalidade em sentido estrito, uma vez que ambos os conceitos se misturam na fase da ponderação de interesses/bens/valores (para Silva, a proporcionalidade em sentido estrito “nada mais é do que o mandamento de ponderação ou sopesamento” (2002, p. 44), seguindo, assim, as ideais de Alexy (2011)). Em outras palavras, na linha desses autores, pode-se dizer que “a razoabilidade é também identificada com a proporcionalidade em sentido estrito” (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2012, p. 343) e não com a Adequação (SILVA, 2002, p. 33).

Nesta divergência, não cabe dizer qual é o posicionamento correto. Todos, com base em seus fundamentos, possuem, em parte, razão. Por isso, uma opção aleatória faz-se mister: adotar-se-á, aqui, a concepção de Silva, apenas por conta de sua proximidade com o maior estudioso (da atualidade) da Proporcionalidade (Robert Alexy).

Uma das coincidências que se pode estabelecer entre Silva e Ávila está no fato de ambos entenderem a Proporcionalidade como corolário lógico do Direito. É dizer, seu fundamento não estaria no Estado de Direito ou no Devido Processo Legal Substancial. Fala-se, então, que a Proporcionalidade é inerente à consagração dos direitos fundamentais (BONAVIDES, 2010, p. 395[14]). Para Silva (2002, 2003, 2011) e Ávila (2001, 2011), o fato de o Direito ser o que ele é (composto por de regras e princípios – destaque-se para esses últimos) exige dele a Proporcionalidade. Assim, Silva (2002, p. 45) afirma que:

A regra da proporcionalidade não encontra seu fundamento em dispositivo legal do direito positivo brasileiro, mas decorre logicamente da estrutura dos direitos fundamentais como princípios jurídicos. (SILVA, 2002, p. 45)

Ávila (2001, 2011), seguindo linha de raciocínio semelhante à Silva (2002, 2003, 2011), após expor as clássicas tentativas de fundamentar a Proporcionalidade (já tratadas aqui), diz:

O chamado princípio da proporcionalidade não consiste num princípio, mas num postulado normativo aplicativo. A partir dessa constatação ficará claro porque a tentativa de explicação do seu fundamento jurídico-positivo de validade tem sido tão incongruente: é que ele não pode ser deduzido ou induzido de um ou mais textos normativos, antes resulta, por implicação lógica, da estrutura das próprias normas jurídicas estabelecidas pela Constituição brasileira e da própria atributividade do Direito, que estabelece proporções entre bens jurídicos exteriores e divisíveis. Vale dizer: a tentativa de extraí-lo do texto constitucional será frustrada. (ÁVILA, 2001, p. 4).

Desenvolvendo essa ideia de “independência textual”[15] da Proporcionalidade, Ávila, aproximando-se das ideias de Silva (2002), afirma que:

O fundamento normativo do dever de proporcionalidade, nas suas exigências de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, reside, pois, na própria instituição de princípios. Ao instituir um princípio, está-se, ao mesmo tempo, estabelecendo o dever de promovê-lo adequadamente. (ÁVILA, 2010, p. 407).

Se se questiona qual de todas essas doutrinas é a “mais correta”, com toda certeza não se poderá obter uma resposta imune de ataques. Apesar disso, talvez a razão esteja do lado dos que pugnam por uma separação conceitual entre Razoabilidade e Proporcionalidade[16]. Tendo em vista que o Direito não pode/deve equiparar sua linguagem técnica à linguagem de índole coloquial (aqui no sentido de “cotidiana”), se se têm dois institutos que funcionam de forma diferente, que possuem funções diferentes e que, por isso mesmo, atuam de modo distinto, o mais correto é promover uma separação entre Proporcionalidade e Razoabilidade. É isso que se fará nesse trabalho, adotando-se, para tanto, as ideias conceituais de Silva(2002), é dizer, Proporcionalidade como norma básica e Razoabilidade como Adequação (um dos sub-elemtentos da Proporcionalidade).

2.3 DA NATUREZA JURÍDICA

Para tentar demonstrar a divergência no enquadramento jurídico da Proporcionalidade, faz-se mister a fixação de um pressuposto: a Teoria das Fontes do Direito[17] que se adota. É que norma, princípio, regra, máxima, lei, postulado, etc. podem possuir uma infinidade de conceitos, tudo a depender a teoria normativa que se adote – e que são muitas, disso ninguém duvida.

Por entender ser a teoria mais precisa, analiticamente falando[18], bem como a de maior aceitação – expressamente falando, no sentido de aderências literais – no mundo jurídico (o que não inclui o Brasil, diga-se de passagem), este tópico irá partir dos conceitos constantes na clássica obra de Robert Alexy, Theorie der Grundrechte (Teoriados Direitos Fundamentais). Apesar de partir dessa teoria, não se quer dizer que a conclusão permanecerá mantendo laços estritos com o início. De qualquer forma, a noção inicial que se pode ter é a das mais difundidas (no Brasil, especial destaque a Dworkin – encabeçador da construção que se desenvolve com Alexy[19]): norma, regra e princípio não se confundem. Norma é gênero, da qual são espécies as regras e os princípios.

Se assim é, “aqui, regras e princípios serão reunidos sob o conceito de norma. Tanto regras quanto princípios são normas, porque ambos dizem o que deve ser” (ALEXY, 2011, p. 87). Ou seja, para Alexy, “toda norma é ou uma regra ou um princípio” (2011, p. 91).Portanto, se se diz que se adota a Teoria Normativa de Alexy (2011, p. 90)[20], tem-se que princípios são “normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”. Em outras palavras, pode-se dizer que os princípios são:

[...] mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. (ALEXY, 2011, p. 90).

Já as regras, segundo Alexy, são “normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas” (2011, p. 91). Nessa ordem de ideias, pode-se dizer que as regras “contêm […] determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível” (2011, p. 91). Assim, em caso de conflito de regras, ou se introduz “uma cláusula de exceção que elimine o conflito” ou uma das regras deve ser “declarada inválida” (2011, p. 92) e, nesse caso, ter-se-á uma “decisão sobre validade” (2011, p. 93); fala-se que o conflito ocorre na dimensão da validade. Isso discrepa das colisões de princípios, que ocorrem “na dimensão de peso” (2011, p. 94)[21]. Isso quer dizer que, dentre os princípios que entrarem em rota de colisão, nenhum será declarado inválido; apenas mostrará que “um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições”, já que “nos casos concretos, os princípios têm pesos diferentes” e aquele que, diante de tais circunstâncias, assumir/adquirir maior peso “terá precedência” (ALEXY, 2011, p. 94).

Mantendo-se na trilha das ideias de Alexy, diz-se que a verificação do maior peso dos princípios deve ser feita pela “Lei de Colisão” (2011, p. 94). Nesse caso, durante a colisão de princípios, notar-se-á que estes, em verdade, só colidem no plano abstrato. No plano concreto, a colisão se dá entre “'dever', 'direito fundamental', 'pretensão' e 'interesse'” (2011, p. 95) e são esses que deverão ser sopesados.

O sopesamento é o ponto nevrálgico da Lei de Colisão, posto que caberá a ele (sopesamento) verificar qual princípio/dever/direito fundamental/pretensão/interesse possui “maior peso no caso concreto” (2011, p. 95). É exatamente por essa falta de certeza no caso concreto, por essa ausência de mandamentos definitivos (existentes nas regras), por essa ausência de “determinação da extensão de seu conteúdo no âmbito das possibilidades jurídicas e fáticas” que os princípios são caracterizados por disporem de mandamentos com fraca carga prima facie – é dizer, mandamentos não definitivos, mutáveis a depender do caso concreto – se comparados com as regras (2011, p. 104), que sempre possuirão caráter prima facie “fundamentalmente diferente e muito mais forte” (2011, p. 106). De fato, as razões prima facie das regras sempre será mais forte, uma vez que apenas a “previsão de exceção” a separa (a regra) das “razões definitivas” (Alexy, 2011, p. 106) – situação inalcançável pelos princípios, que sempre terão “razões prima facie”, é dizer, com possibilidade de ceder diante do caso concreto.

Traçadas essas linhas básicas, indaga-se: o que seria a Proporcionalidade? Para que se mantenha coerência com a epígrafe, diga-se melhor: qual é a natureza jurídica da Proporcionalidade?

A imensa maioria dos autores nacionais (ou com grande influência no plano nacional) diriaPrincípio. Entendem, então, ter natureza jurídica de “princípio”, a Proporcionalidade, no âmbito da Teoria das Normas, autores do quilate de Bandeira de Melo (2011, p. 110-112), Bonavides (2010, p. 392-434), Canotilho (2007, p. 266-273), Mendes (2008, p. 321-340) e Barroso (2006a, p. 218-246). Com toda certeza, este posicionamento não está errado. Ele leva em consideração a importância do instituto para o Direito e, baseando-se na dualidade regra-princípio, onde o princípio assume um caráter de proeminência, se conflitado com a regra, que teria mais uma função instrumental, correto estaria o enquadramento da Proporcionalidade como princípio do Direito. Note-se, então, que se trata de um enquadramento que leva em consideração a distinção fraca entre as regras e os princípios.

Mas, como já se disse, aqui se trabalha com a distinção lógica/qualitativa de Alexy (2011), no que tange a sua Teoria das Normas; ou seja, utiliza-se a distinção forte entre regras e princípios. Busca uma maior racionalidade no emprego das normas e, hodiernamente, é essa teoria que confere as bases mais sólidas para tanto. A congruência no trato de cada uma delas (normas) é das mais elevadas. Se assim o é, a crítica de Alexy (2011) à qualificação da Proporcionalidade como princípio é de toda pertinente. Veja-se:

A máxima da proporcionalidade é com frequência denominada “princípio da proporcionalidade”. Nesse caso, no entanto, não se trata de um princípio em sentido aqui empregado. A adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito não são sopesadas contra algo. Não se pode dizer que elas às vezes tenham precedência, e às vezes não. O que se indaga é, na verdade, se as máximas parciais foram satisfeitas ou não, e sua não-satisfação tem como consequência uma ilegalidade. As três máximas parciais devem ser, portanto, consideradas como regras. (ALEXY, 2011, p. 117).

A crítica de Alexy (2011) é de suma importância para que se rejeite o enquadramento da Proporcionalidade como princípio. De fato, a Proporcionalidade não é uma norma que exige que algo seja realizado na maior medida possível diante das possibilidades fáticas e jurídicas do caso concreto (como o conceito alexyniano de princípio sugere). Todavia, apesar de utilizar o termo máxima, ao tratar da Proporcionalidade, refutando, deste modo, a utilização do termo princípio, o autor não desenvolve o conceito deste termo. É dizer, seria ela (máxima), de fato, um tertium genus normativo na Teoria das Normas de Alexy? Ainda que se considere positivo este questionamento, impende destacar que o próprio Alexy não define o que seria uma máxima. Ao invés disso, como se vê no excerto supra, o ilustre autor trabalha o seu funcionamento como se fosse uma regra. Deste modo, tudo está a indicar que a razão está com Silva (2002) que, em mais de uma oportunidade, sustentou que a natureza jurídica da Proporcionalidade seria de regra jurídica[22]. Mas,antes de se aceitar acriticamente a classificação da Proporcionalidade como regra, faz-se mister a análise do excelente trabalho de Ávila (2011) com esse instituto.

Ávila (2011, p. 133-192) realmente propõe um tertium genus normativo, se se leva em consideração a dualidade normativa típica, édizer,regrase princípios. Fala-se aqui dos Postulados Normativos Aplicativos[23], termo muito bem trabalhado (exemplo práticos), conceituado (elementos que integrariam essa nova norma) e definido (no sentido comparativo da palavra, é dizer, distinguindo as três normas que agora se trabalham). Frise-se que, apesar de se distanciar, em alguns momentos, da teoria de Alexy, essa nova espécie normativa em nada prejudica aquela teoria. Ao contrário, como se verá, agrega coerência e estrutura.

Os Postulados Normativos Aplicativos de Ávila são “normas imediatamente metódicas que instituem os critérios de aplicação de outras normas situadas no plano do objeto de aplicação” (2011, p.134), sendo, desta forma, qualificadas como “normas sobre a aplicação de outras normas, isto é, como metanormas” (2011, p 134), ou, ainda, “normas de segundo grau” (2011, p. 134). Têm por função “solucionar questões que surgem com a aplicação do Direito” (2011, p. 145). Aceitando-se esses pressupostos, verificar-se-á que:

Os postulados funcionam diferentemente dos princípios e das regras. A uma, porque não se situam no mesmo nível: os princípios e as regras são normas objetos de aplicação; os postulados são normas que orientam a aplicação de outras. A duas, porque não possuem os mesmo destinatários: os princípios e as regras são primariamente dirigidos ao Poder Público e aos contribuintes; os postulados são frontalmente dirigidos ao intérprete e aplicador do Direito. A três, porque não se relacionam da mesma forma com outras normas: os princípios e as regras, até porque se situam no mesmo nível do objeto, implicam-se reciprocamente, quer de modo preliminarmente complementar (princípios), quer de modo preliminarmente decisivo (regras); os postulados, justamente porque se situam num metanível, orientam a aplicação dos princípios e das regras sem conflituosidade necessária com outras normas. (ÁVILA, 2011, p. 134).

Com efeito, os princípios são definidos com normas imediatamente finalísticas, isto é, normas que impõem a promoção de um estado ideal de coisas por meio da prescrição indireta de comportamentos cujos efeitos são havidos como necessários àquela promoção de um estado ideal de coisas por meio da prescrição indireta de comportamentos cujos efeitos são havidos como necessários àquela promoção. Diversamente, os postulados, de um lado, não impõem a promoção de um fim, mas, em vez disso, estruturam a aplicação do dever de promover um fim; de outro, não prescrevem indiretamente comportamentos, mas modos de raciocínio e de argumentação relativamente a normas que indiretamente prescrevem comportamentos. […].

As regras, a seu turno, são normas imediatamente descritivas de comportamentos devidos ou atributivas de poder. Distintamente, os postulados não descrevem comportamentos, mas estruturam a aplicação de normas que o fazem. Mesmo que as regras fossem definidas como normas que prescrevem, proíbem ou permitem o que deve ser feito, devendo sua consequência ser implementada, mediante subsunção, caso a hipótese seja preenchida, como fazem Dworkin e Alexy, ainda assim a complexidade dos postulados se afastaria desse modelo dual. A análise dos postulados da razoabilidade e de proporcionalidade, por exemplo, está longe de exigir uma mera atividade subsuntiva. Eles demandam […] a ordenação e a relação entre vários elementos […], e não um mero exame de correspondência entre a hipótese normativa e os elementos de fato. A possibilidade de, no final, requere a aplicação integral não elimina o uso diverso na preparação da decisão. Também os princípios, ao final do processo aplicativo, exigem o cumprimento integral. E a circunstância de todas as espécies normativas serem voltadas, em última instância, para o comportamento humano não elimina a importância de explicar os procedimentos completamente distintos que preparam e fundamentam sua descoberta. (ÁVILA, 2011, p. 147-148).

Agora, após uma contraposição às ideias de Alexy e de Silva, a razão parece estar com Ávila (Grau (2011, p. 216-218), inclusive, expressamente adere às ideias de Ávila). De fato, a Proporcionalidade não pode ser nem um princípio nem uma regra, mas sim um postulado, pois funciona “de forma diferente relativamente a outras normas do ordenamento jurídico”. Perceba-se. Diferentemente das regras, os postulados (e a Proporcionalidade, é claro) não descrevem comportamentos (exceto para os intérpretes, posto se tratar de norma que fixa diretrizes metódicas), não são cumpridas de modo integral (a relação de subsidiariedade entre os elementos da Proporcionalidade deixa isso claro), nem podem ser excluídos do ordenamento jurídico (logo, não atuam no plano da validade, como as regras e, excepcionalmente, os princípios). Se todas essas conclusões são verdadeiras, não se pode enquadrar a Proporcionalidade como regra. Cumulando essas palavras com aquelas exaradas por Alexy, ao refutar a natureza jurídica de princípio à Proporcionalidade, percebe-se que a Teoria das Normas de Alexy, não obstante sua incomparável qualidade técnica, possui uma lacuna. Esta lacuna, ao que se nota, é suprida por Ávila.

No presente trabalho, há importância em se adotar à teoria de Ávila para a Proporcionalidade, enquadrando-o como Postulado Normativo Aplicativo. Como consequência, verifica-se que a Proporcionalidade deve ser manejada sempre que princípios estiverem sofrendo intervenção, para se saber “se o princípio que justifica sua instituição será promovido e em que medida os outros serão restringido” (ÁVILA, 2011, p. 149). Essa possibilidade de verificação da correção na aplicação de certos atos restritivos de princípios era obnubilada quando se abordava a Proporcionalidade como princípio ou regra, já lhe faltava acerteza na aplicação. Entendendo a Proporcionalidade como norma metódica, não se pode esquivar de sua incidência, pois é ela quem dirá se a restrição foi correta ou incorreta. Neste trabalho, a distinção possui importância em termos técnicos. Entrementes, já que se pretende analisar julgados do STF, incorporando neles os métodos da Proporcionalidade, poder-se-ia enquadrá-la em qualquer grupo jurídico, uma vez que não haverá esquiva na sua aplicação.

O entendimento de que a Proporcionalidade é um postuladoe não uma regra ou um princípio, ganha relevo na prática jurisdicional, que, por vezes, negam-lhe aplicação, mesmo diante da colisão de princípios – pretensão ilegítima, que se torna clarividente quando a Proporcionalidade é tratada como um postulado. Fruto da própria colisão de princípios (daí a “Lei de Colisões” da qual fala Alexy (2011)), o Postulado da Proporcionalidade é norma de aplicação cogente, diante desta situação. Em outras palavras “a regra na proporcionalidade, em qualquer das suas fases (adequação, necessidade e proporcionalidade em estrito sentido), tem por óbvio pressuposto a existência de colisão de normas” (GUEDES, 2012, p.s.n.).

Assim, se se está diante da colisão do Princípio da Liberdade (art. 5º, caput, CRFB/88) com o Princípio da Segurança (art. 5º, caput, CRFB/88), ou da colisão do Princípio da Liberdade com o da Cooperação Internacional (art. 4º, IX, CRFV/88), a aplicação do Postulado da Proporcionalidade faz-se imprescindível. É isso que se pretende demonstrar no próximo tópico.


3 DA PRISÃO PREVENTIVA COMPULSÓRIA

3.1 NECESSÁRIA INTRODUÇÃO

Aqui se abordará asprisões preventivas impostas compulsoriamente, independentemente de qualquer condenação ou da análise de casos concretos. De pronto, então, exclui-se a situação da antiga prisão preventiva decretada em face de decisão de pronúncia (mitigada com a Lei 5.941, de 23 de novembro de 1973, que acrescentou um § 2º ao art. 408, CPP; extirpada do ordenamento jurídico pela minirreforma do Código de Processo Penal, promovida pela Lei 11.689, de 09 de junho de 2008, que alterou o art. 408, caput, CPP e lhe retirou os parágrafos). De igual modo, retira-se a primitiva hipótese de prisão preventiva em decorrência de sentença condenatória recorrível – que, para alguns, teria natureza jurídica de execução penal provisória (Jardim, 1995, p. 375) –, que, tal qual a outra situação, remonta a redação originária do Código de Ritos Penais (art. 393, I, c/c art. 594, CPP). Não obstante seus efeitos já estivessem paralisados pela jurisprudência das Cortes Superiores, o art. 393, CPP, só veio a ser retirado com a recente Lei 12.403, de 04 de maio de 2011 (o art. 594, ao contrário, foi revogado pela Lei 11.719, de 26 de junho de 2008, uma das leis que integrou o pacote de reforma do CPP em 2008).

Os casos analisados, inicialmente, limitar-se-ão àqueles pós Constituição Federal de 1988. Dentre os casos, o destaque irá para os considerados de maior relevância para o estudo do tema, quais sejam: o art. 2º, II, da Lei 8.072/1990 (crimes hediondos); o art. 21, da Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento); art. 44,caput,Lei 11.343/2006 (drogas). Há razões, moderadamente ligadas, para se encarar essas três leis: 1) todas surgiram após a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88; 2) todos os casos se ligam, com menor ou maior intensidade, à situação da inafiançabilidade constitucionalmente prevista; 3) todas as situações são hipóteses de prisão preventiva compulsória onde a inafiançabilidade esteve direta ou indiretamente ligada. Por se encontrarem estritamente ligadas (em virtude de se tratar de crimes hediondos e equiparado a hediondo – tráfico de entorpecentes), os casos da Lei 8.072/90 e da Lei 11.343/06 serão tratados simultaneamente. O art. 3º da Lei 9.613/1998 (“Lavagem de Dinheiro”) poderia ser incluído nessa apreciação, se não tivesse sido recentemente revogado pela Lei 12.683, de 09 de julho de 2012. De igual modo, há quem coloque (SANGUINÉ, 2010, p. 127-136) o art. 7º, Lei 9.034/95 (Crime Organizado) no mesmo patamar daquelas outras citadas. Data maximavenia, aqui, assim não se entende, posto que o art. 7º, da mencionada lei, indica conteúdo passível de enquadramento no art. 312, CPP (manutenção da ordem pública).

O derradeiro (posto que abandonado, como se verá) caso será o do art. 81, da Lei 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro). A doutrina deixou de lado a situação do extraditando preso; a jurisprudência seguiu esse desprezo. Por essa razão, o STF convive com uma Desproporcionalidade nas suas decisões. Ao passo que atacam a desproporcionalidade das leis editadas pelo Poder Legislativo[24], o Judiciário não consegue imprimir uma mesma linha de raciocínio aos seus julgados e, por essa razão, mantém uma insustentável incoerência argumentativa, perceptível na aplicação do Postulado da Proporcionalidade.

Para explicar a relação de todos esses casos com a fiança, faz-se mister uma explicação do instituto.

3.2 A FIANÇA NA NORMA NORMARUM DE 1988

Pode-se definir a fiança (MARQUES, 2000) como: caução (definição de “caução” em Marques, (2000, p. 167)), garantia real prestada em juízo para assegurar a liberdade provisória (esta, em sua modalidade vinculada); um acessório, por vezes necessário, da liberdade provisória que o réu obtém; uma garantia outorgada ao réu pela Constituição, de defender-se solto mediante caução (p. 143); trata-se de direito (em sentido amplo, visto que se trata, em verdade, de uma garantia) público subjetivo, constitucionalmente garantido (p. 145); medida substitutiva do Estado coercitivo prisional (p. 157); diz-se de uma providência cautelar(p. 172), com fito de garantir o status libertatis.

Há quem defenda a que a fiança seria uma “contracautela” (POLASTRI, 2011, p. 159), e não uma “cautelar” (FERNANDES, 1991, p. 31; MARQUES, 2000, p. 172). Todavia, oportunas são as palavras de Calamandrei (apud MARQUES, 2000, p. 13), ao definir, quanto à finalidade, as cautelares, incluindo a fiança, como “strumentidellostrumento” (1936, p. 22). De fato, se o Processo Penal é um instrumento para aplicação da pena (dentre as finalidades garantistas positivas), as cautelares, que lhe garantem a perfectibilidade (acautelam o processo), não deixam de ser, também, um instrumento. Logo, a ideia de “contracautela”, “instrumento do instrumento”, volta à lume, sem prejuízo das ideias dos autores que sustentam a natureza cautelar. Tem-se, neste caso, uma questão de vertente de análise, que, em parte, soluciona esta divergência acerca da natureza da fiança.

A fiança (ou seu oposto, a inafiançabilidade) sempre foi lembrada pelas Constituições brasileiras, em menor ou maior grau. Desde a Constituição do Império (art. 179, IX, CI/1824), passando por todas as outras[25], o Brasil, ainda que minimamente, sempre tratou da garantia da fiança em sua Lei das Leis (nem que fosse para restringi-la). O mesmo serve para legislação infraconstitucional (v.g., Código Criminal do Império, de 1830, arts. 32 e 181). Ainda assim, como lembra Araujo(2011, p. s.n.), “os doutrinadores do direito processual penal já há muito tempo a tratam [a fiança, diga-se] com certo desdém, e os constitucionalistas tampouco a veem com grande estima”. De fato, o tema é dotado de apatia doutrináriae, talvez por isso, a jurisprudência (principalmente a dos tribunais superiores) tanto tenha judiado do instituto em suas decisões.

Para que não haja injustiças, é bom que se diga que esta “cegueira”, “apatia”, pode ser notada na doutrina mais moderna. Estudando os clássicos, é possível que se encontre vastas referências ao estudo da fiança. É caso, por exemplo, de Marques (2000) e Barros (1982), que destinam amplo espaço de suas obras para tratar do tema. Essa tendência restritiva, no que tange a abordagem do tema, veio acompanhada do ocaso do instituto, como se demonstrará mais a frente[26].

O problema que passou despercebido (rectius, “tratado com naturalidade”) por muito tempo, agora, com a Constituição de 1988[27], não pode dispensar esse debate, visto que ganhou novos ares. Trazendo a fiança em seu texto, de forma até então não vista na história constitucional nacional, a CRFB/88 elencou-a (mas não apenas ali) no rol “dos direitos e deveres individuas e coletivos” (art. 5º, XLII, XLIII, XLIV, LXVI).

A CRFB/88 foi responsável por intermediar o total esquecimento da fiança e o seu renascimento; curiosamente, o renascimento modificou drasticamente a natureza jurídica da fiança: de garantia constitucional da liberdade, para óbice constitucional da liberdade. Perceba-se.

O findar do instituto começa com a Lei 6.416, de 24 de maio de 1977, ainda sob a égide da CF/67 (ou 69, para aqueles que consideram a EC 1/69 c/c AI 12, de 31.08.1969, uma nova Constituição, como Bastos(1997, p. 143) e Barroso, (2006b, p. 38-40)). Alterando a sistemática da fiança no Código de Processo Penal, o legislador promoveu verdadeira confusão de termos. Isso porque, ao expandir as situações insuscetíveis de fiança, o legislador abarcou uma infinidade de crimes, dentre os quais aqueles considerados de maior gravidade. Era uma clara tentativa de potencializar o repúdio a certas condutas, como se vedação à fiança fosse sinônimo de vedação à liberdade provisória. Aparente e surpreendentemente, a intenção do legislador era, através de vedação abstrata, antecipar a análise concreta do caso por parte do Judiciário e, diante disso, vedar a liberdade provisória para certas pessoas acusadas de condutas destacadas como infames ao extremo (v.g., estupro e homicídio). Para tanto, afirmou-se que a fiança não seria concedida, como se vê nos seguintes tópicos do artigo 312, CPP:

- nos crimes punidos com reclusão em que a pena mínima cominada for superior a dois anos;

- nas contravenções tipificadas nos artigos 59 e 60 da Lei das Contravenções Penais;

- nos crimes dolosos punidos com pena privativa da liberdade, se o réu já tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado;

- nos crimes punidos com reclusão, que provoquem clamor público ou que tenham sido cometidos com violência contra a pessoa ou grave ameaça.

- aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se refere o art. 350;

- em caso de prisão por mandado do juiz do cível, de prisão disciplinar, administrativa ou militar;

- ao que estiver no gozo de suspensão condicional da pena ou de livramento condicional, salvo se processado por crime culposo ou contravenção que admita fiança;

- quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva.

Todavia, diante da interpretação jurisdicional, a situação ficouda seguinte forma: quem cometesse crime tido como inafiançável, não poderia ter direito à liberdade provisória mediante fiança (na época, a principal – para não dizer “verdadeiramente única”, já que todas estas imposições secundárias também se aplicavam à liberdade provisória mediante fiança – medida cautelar[28]). Então, se este acusado comparecesse aos atos do processo (antigo art. 327, CPP), poderia ter a sua liberdade independentemente de caução, inclusive das hipóteses insuscetíveis de fiança. Era o conhecido “livrar-se solto” (revogado artigo 321, CPP).

Essa interpretação foi aúnica solução encontrada pelo Poder Judiciário, diante da aberração legislativa que se colocava diante dele (Judiciário) e da vedação donon liquet. O Postulado da Proporcionalidade, inclusive, albergava esse entendimento, ainda que, por outro lado, houvesse, por parte do Poder Legislativo, uma clara violação à Proibição de Insuficiência/de Proteção Insuficiente – estando essa diretamente relacionada com a violação à Proibição de Excesso/Intervenção, como constatou o STF[29]. Aqui, uma pequena explicação sobre a Proibição de Excesso.

Tanto a Proibição de Excesso quanto a Proibição de Insuficiência (termo cunhado por Claus Wilhelm-Canaris) derivam do Postulado da Proporcionalidade. Há quem considere a proibição de insuficiência a própria proibição de excesso, mas visto sob outro ponto de vista (a visão positiva e a visão negativa). Aliás, é por conta dessa dualidade que, hoje em dia, há doutrinadores (como se disse logo no começo deste trabalho) que evitam fazer uma total equiparação entre o Postulado da Proporcionalidade e a Proibição de Excesso (Ávila, inclusiva, o coloca como um Postulado autônomo – cf. ÁVILA, 2011, p. 157-162 –, mas não o faz por conta da distinção entre excesso e insuficiência). Para maiores detalhes sobre essa distinção, as lições de Canaris(2010, p. 205-220), Sarlet(2004, p. 60-122; in NOVELINO, 2009, p. 269-276; 2010, p. 141-155),Streck(2007, p. s.n., 2008, p.s.n) eFeldens(2012, p. 164-166) são imprescindíveis, uma vez que são os precursores do debate no plano nacional.

Retornando à inafiançabilidade, destaque-se que esta era prevista para os crimes tidos como os mais graves; todavia, para se esquivar de uma prisão cautelar, o tratamento mais rígido era dado aos crimes afiançáveis. Note-se (e repita-se) que, para corrigir essa falha legislativa, o STF teve que promover uma interpretação completamente desarrazoada (no sentido da razoabilidade mesmo). Irresignado, dizia Barros (1982, p. 1):

Criou-se uma verdadeira disparidade entre a fiança e essa contracautela [qual seja, o comparecimento aos atos processuais], quando nesta os deveres e encargos processuais deveriam ser mais severos; tendo em vista que ela se aplica de forma mais ampla, atendendo a casos em que as infrações são de maior gravidade do que aqueles afiançáveis. (BARROS, 1982, p. 1).

O legislador quis se antecipar ao magistrado. Sua intenção, claramente, era privar da liberdade provisória aqueles que cometessem certos delitos (os ditos inafiançáveis).Nucci (2012, p. 19), sobre isso, manifesta-se criticamente:

Quer-se crer tenha sido o intuito do constituinte dizer a todos que lessem a Constituição e fossem, basicamente, ignorantes em Direito, ao menos quanto à prática processual penal brasileira o seguinte: somos um País extremamente rígido com esses criminosos [referindo-se ao art. 5º, XLII, XLIII e XLIV, CRFB/88], pois todos eles, uma vez presos, assim ficarão, já que tais delitos são inafiançáveis. (NUCCI, 2012, p. 19)

Aliás, a própria ideia de liberdade provisória é bastante censurada na doutrina. Pacelli (2011), por exemplo, critica, afirmando que:

[…] não é porque o constituinte de 1988, desavisado e desatualizado com a legislação processual penal de sua época, tenha se referido à liberdade provisória, com e sem fiança, que a nossa história deve permanecer atrelada a este equívoco. O que é provisório é sempre a prisão, assim como todas as demais medidas cautelares, que sempre implicarão restrições a direitos subjetivos. A liberdade é a regra; mesmo após a condenação passada em julgado, a prisão eventualmente aplicada não será perpétua, isto é, será sempre provisória. (PACELLI, 2011, p. 4; anexo de atualização do livro)

Certo é que a “inafiançabilidade”, durante a história do direito penal brasileiro, sempre correspondeu a uma severidade do Poder legiferante, ainda mais quando cumulada com o estado de flagrância. Mas, diante da ampliação do rol dos crimes inafiançáveis (promovida pela Lei 6.416/77), o equívoco da prisão cautelar compulsória tornou-se retumbante, somando-se a isso a evolução do Garantismo no Direito Penal/Processual Penal daquela época; a desproporcionalidade passou a ser evidente.

Através de um juízo de valor a priori, a lei tentava segregar acusados compulsoriamente, ainda que não houvesse qualquer condenação (que dirá trânsito em julgado). Para tanto, confundiu-se “inafiançabilidade” com “vedação à liberdade provisória”, como se as duas fossem pressupostos intrínsecos uma da outra, numa relação que, se filtrada pelo Postulado da Proporcionalidade, não resistiria. Se não houve uma tentativa de tomada da competência do magistrado (na análise da necessidade da prisão cautelar; é dizer, na aplicação da lei ao caso concreto), houve, claramente, um monumental equívoco terminológico.

Desta forma, acompanhou-se a falência do instituto da fiança. Se os acusados de crimes mais graves podiam obter liberdade provisória com menos empecilhos o ligando ao processo, se comparados àqueles acusados de crime de menor repulsa social, não havia mais interesse em estudar um instituto legislado de maneira francamente contraditória[30]. De forma esdrúxula, a mesma lei (6.416/77) que pretendia aprimorar o instituto da fiança foi a que causou o seu fim.

Com a Constituição de 1988, pôde-se perceber que um “erro” (ou não, se for aceita a crítica supratranscrita de Nucci, (2012)) pode ser cometido por doutos várias vezes, até mesmo no texto jurídico mais importante de uma nação. Repetindo o equívoco da Lei 6.416/77, o Poder Constituinte Originário, na ânsia de repudiar condutas ilícitas, fez uma coisa atípica para uma Constituição Nacional: menção expressa a delitos tidos como dignos de sanção mais rígida, tachando-os de inafiançáveis.

Essa tarefa (elenco de crimes inafiançáveis), geralmente delegada ao Poder Constituinte Derivado Decorrente[31], foi desempenhada pelo Constituinte Originário, no art. 5º, incisos XLII, XLIII, XLIV, CRFB/88. Assim, atacou-se o racismo, a tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes, o terrorismo, os crimes hediondos (a serem definidos pelo legislador ordinário) e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Todos esses seriam inafiançáveis, uma vez que se encontravam (e se encontram) sob a ordem de um mandado expresso de criminalização[32][33], ou seja, teoricamente falando, esse seria o “núcleo duro” de segurança exigido pelo Constituinte perante tais condutas. Em outras palavras, o poder de conformação discricionário (CANOTILHO, 2007) do Legislativo estaria mantido; só que ele não poderia “suavizar” o jus puniendi diante de tais condutas, contrariando a Lex Mater.

Como se vê claramente,o Constituinte não acompanhou a evolução da jurisprudência do STF, que, por razões óbvias, dissociou liberdade de fiança (no sentido negativo da associação). Como já se mostrou, o STF vinha dizendo que o fato de o crime ser inafiançável não redundaria na vedação à liberdade provisória. Estava para se repetir a cizânia instalada em 1977, solucionada (ainda que em parte)com muito “sangue” de coerência pelo Supremo, quando, em 1990, editou-se a Lei 8.072, que elencava o rol de crimes hediondos. Essa lei passou a prever a impossibilidade de liberdade provisória para os acusados de cometer os delitos lá elencados (art. 2º, II).

Agora se tinha uma norma infraconstitucional prevendo a vedação à liberdade provisória. Claramente, o que se pretendia era evitar a mesma discussão que se teve em torno da Lei 6.416/77 – é dizer, inafiançabilidade e prisão preventiva compulsória se confundem?

O quadro formado por essa lei (e repetido pelas outras que serão abordadas), para ser colocado diante do Postulado da Proporcionalidade, deve ser encarado pela vertente dos princípios que a cerca. Primeiro, deve-se achar o princípio que informou a edição do art. 2º, II, da Lei 8.072/90: direito fundamental à segurança (art. 5º, caput, CRFB/88). Não se tratou de observância de mandado expresso de criminalização[34],visto que ultrapassou o mandamento do Constituinte (que apenas falava em inafiançabilidade, não em prisão preventiva compulsória). Segundo passo, ver qual é o princípio que está colidindo, no espaço jurídico-abstrato, com essa tentativa de consagração do direito à segurança: direito fundamental à liberdade (art. 5º, caput, CRFB/88)[35].Nucci (2012) muito bem trabalha com essa colisão no Direito Penal e Processual Penal:

É inviolável o direito à vida, liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (art. 5º, caput, CF). Observa-se, então, o natural confronto entre a liberdade e a segurança, quando se trata de aplicar, na prática, as normas penais e processuais penais. Porém, não havendo direito absoluto, flexibilizando-se cada um deles na medida exata da necessidade de aplicação dos demais, tem-se que a liberdade individual é de suma relevância, desde que não deva abrir espaço para a aplicação da pena – sanção fixada em decisão definitiva, respeitado o devido processo legal. Do mesmo modo, a liberdade individual cede espaço, também individualizada, sob o ângulo de cada cidadão beneficiado, abrindo caminho para a aplicação da prisão cautelar. (NUCCI, 2012, p. 13)

O resultado da análise dos elementos (Adequação, Necessidade e Proporcionalidade em Sentido Estrito) do Postulado da Proporcionalidade, tomando como base esta colisão de princípios, será mostrado mais adiante, quando as outras leis forem trabalhadas.

Todavia, já neste quadro abstrato de total supressão de um direito fundamental em prol do outro, qualquer um diria, “mas essa norma (art. 2º, II, Lei 8.072/90) é inconstitucional!”; inesperadamente, não egrégio Tribunal Supremo.

3.3 PRISÃO PREVENTIVA COMPULSÓRIA NO ESTATUTO DO DESARMAMENTO. O ARTIGO 21, DA LEI 10.826/03

O Estatuto do Desarmamento, seguindo a linha simbólico-repressiva de outras legislações (já citadas anteriormente), trouxe, em seu artigo 21, uma vedação genérica e absoluta da liberdade provisória, para aqueles incursos nos arts. 16, 17 e 18. Além disso, o parágrafo único do art. 14 e o do art. 15 previam a inafiançabilidade dos delitos do caput (respectivamente, porte ilegal de arma de fogo de uso permitido e disparo de arma de fogo).

Tal estatuto conseguiu ser mais incongruente (o que não quer dizer “mais equivocado”) do que a Lei de Crimes Hediondos. Isso porque os enquadrados na restritiva norma do Estatuto do Desarmamento poderiam passar pela seguinte situação: passar todo o processo preso e, ao final, ter sua pena substituída por alguma(s) restritiva de direito (art. 43, CP) ou, ainda, serem condenados a cumprir a pena em regime aberto. Essas possibilidades eram inexistentes na Lei de Crimes Hediondos (como se verá), que possuía dispositivo que tornava compulsória o cumprimento de toda a pena em regime fechado. Como se disse, tratava-se de uma lei mais congruente, tendo em vista que o sujeito preso no começo do processo, assim permaneceria ao final (exceto se fosse absolvido – e aqui está o absurdo de uma vedação genérica e absoluta à liberdade provisória).

Dentre os dispositivos que foram declarados inconstitucionais pelo STF, em 02 de maio 2007, após o julgamento da ADI 3.112, sob a relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, destaque-se os arts. 14, p. ú. 15, p. ú e 21. O relator aduziu que “o texto constitucional não autoriza a prisão ex lege, em face do princípio da presunção de inocência (artigo 5º, LVII, da CF), e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de prisão pela autoridade judiciária competente (artigo 5º, LXI, da CF)”, bem como que a “prisão obrigatória, de resto, fere os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório (artigo 5º, LV), que abrigam um conjunto de direitos e faculdades, os quais podem ser exercidos em todas as instâncias jurisdicionais, até a sua exaustão” (voto do Relator; destacado).

Nesta ADI, o STF teve a oportunidade de separar definitivamente a fiança da liberdade provisória, através da construção de argumentos separados para cada um dos dispositivos acima. É dizer, uma construção de razões para a inconstitucionalidade dos artigos 14, p. ú. e 15, p. ú. (que versa sobre a fiança) e outra (construção) para o art. 21 (que versava sobre a liberdade provisória). Mesmo o fazendo[36], o problema se estendeu para as Leis 8.072/90 e 11.343/06, onde, inexplicavelmente[37], o STF não reproduzia o mesmo entendimento.

3.4 PRISÃO PREVENTIVA COMPULSÓRIA NA LEI DE CRIMES HEDIONDOS E NA LEI DE DROGAS. O ARTIGO 2º, II, DA LEI 8.072/90 E O ARTIGO 44, DA LEI 11.343/06.

A Lei de Crimes Hediondos é um típico caso de (mais) uma lei que “nasceu” problemática no Brasil (o que costuma ocorrer com certa frequência). Vedando institutos clássicos do Direito Penal, como a progressão de regime (art. 2º, § 1º), e do Processo Penal, como a liberdade provisória (art. 2º, II), a lei passou por intensos debates no Supremo Tribunal Federal – STF. Em outras, palavras, pode-se dizer, sem exageros, que se trata de lei cunhada pela jurisprudência do STF (ainda que mais tarde o Poder Legislativo tenha formalizado – legalmente falando – algumas dessas alterações). O mesmo pode ser dito da Lei de Drogas que, por ser mais recente, não repetiu certas falhas da Lei 8.072/90, como a vedação à progressão de regime, mas, por outro lado, manteve o óbice em abstrato para a concessão de liberdade provisória (art. 44). Problemas? Não para o STF.

A primeira teratologia legislativa, da Lei 8.072/90, foi combatida no HC 82.959/SP, julgado no dia 23 de fevereiro de2006, sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio, case da progressão de regime para condenados por crimes hediondos. Neste caso, o STF declarou a inconstitucionalidade, incidenter tantum, do § 1º, do art. 2º, da Lei 8.072/90. Para tanto, estribou-se no art. 5º, XLVI, CRFB/88, que dispõe sobre a individualização da pena, e na Dignidade da Pessoa Humana[38]. Certo é, todavia, que, para o trabalho ora desenvolvido, tal decisão não merece maiores destaques aqui, fora o fato de que, mais uma vez, o STF limitou a discricionariedade legislativa, mostrando que essa, antes de ser absoluta, deve atuar no espaço de conformação permitido pela Constituição (como costuma propalar o Professor Gomes Canotilho). Além do mais, o que sobreveio a essa decisão, legislativamente falando, merece, também, destaque. In casu, fala-se na Lei 11.464, de 28 de março de 2007, que dentre outras modificações, alterou a redação do mencionado § 1º, do art. 2º, da multicitada lei. Mas não foi só. Alterou, também, inciso II, do art. 2º. Esse dispositivo previa que os crimes hediondos eram insuscetíveis de liberdade provisória e fiança. Depois dessa alteração, retiraram-se as palavras liberdade provisória.

A mencionada lei modificadora, especificamente ao mexer no inciso II, do art. 2º, nada mais fez, senão adequar a Lei de Crimes Hediondos à Magna Carta. Poder-se-ia dizer, “adequar em relação ao art. 5º, XLIII, CRFB/88”, mas esta resposta estaria incompleta. Sim, porque, nesse caso, estar-se-ia dizendo que, literalmente, o dispositivo foi alterado para apenas prever vedações que já constavam no texto magno: 1) vedação à fiança; 2) vedação à graça (em sentido amplo, ou seja, abrangendo o indulto e o perdão); 3) vedação à anistia. Assim, neste caso, dir-se-ia que a Lei 11.464/07 apenas respeitou o mandado expresso de criminalização constitucional (anteriormente abordado, ainda que resumidamente).

De igual modo, ela também não apenas adequou a norma aos incisos LIV, LV, LVII e LXVI, todos do art. 5º, CRFB/88. Ela fez mais do que isso. Ela observou o Postulado da Proporcionalidade, inerente à estrutura dos princípios (e do próprio Direito, pode-se dizer). Mas isso não foi visto pela Suprema Corte e, de modo equivocado, através de um tremendo retrocesso jurisprudencial, passou a equiparar inafiançabilidade à vedação à liberdade provisória, tal como pretendia o Constituinte, naqueles dispositivos individualizados[39]. Em outras palavras, o fato de a Lei 11.464/07 ter alterado o texto do inciso II, art. 2º, Lei 8.072/90, retirando a vedação expressa à liberdade provisória, não foi o suficiente para alterar o entendimento do STF. Veja-se:

HABEAS CORPUS. PRISÃO EM FLAGRANTE. PACIENTE PRONUNCIADA PELO CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO (CRIME HEDIONDO). CUSTÓDIA CAUTELAR MANTIDA. OBSTÁCULO DIRETAMENTE CONSTITUCIONAL: INCISO XLIII DO ART. 5º (INAFIANÇABILIDADADE DOS CRIMES HEDIONDOS). SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 11.464/2007. IRRELEVÂNCIA. MANUTENÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF.

1. Se o crime é inafiançável e o acusado foi preso em flagrante, o instituto da liberdade provisória não tem como operar. O inciso II do artigo 2º da Lei nº 8.072/90, quando impedia a "fiança e a liberdade provisória", de certa forma incidia em redundância, dado que, sob o prisma constitucional (inciso XLIII do artigo 5º da CF/88), tal ressalva era desnecessária. Tal redundância foi reparada pelo legislador ordinário (Lei nº 11.464/2007), ao retirar o excesso verbal e manter, tão somente, a vedação do instituto da fiança.2. Manutenção da jurisprudência desta Primeira Turma, no sentido de que "a proibição da liberdade provisória, nessa hipótese, deriva logicamente do preceito constitucional que impõe a inafiançabilidade das referidas infrações penais: (...)” seria ilógico que, vedada pelo art. 5º, XLIII, da Constituição, a liberdade provisória mediante fiança nos crimes hediondos, fosse ela admissível nos casos legais de liberdade provisória sem fiança..."(HC 83.468, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence). No mesmo sentido: HC 93.302, da relatoria da ministra Cármem Lúcia. […]. (Processo: HC 92924 SP. Relator (a): Min. CARLOS BRITTO. Julgamento: 01/04/2008. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: DJe-216 DIVULG 13-11-2008 PUBLIC 14-11-2008 EMENT VOL-02341-02 PP-00339 LEXSTF v. 30, n. 360, 2008, p. 340-354).

Em relação ao tráfico de entorpecentes ou drogas afins, deve-se lembrar de que este é um dos delitos equiparado a hediondo. Isso ajuda a compreender a discussão que se instalou após a Lei 11.464/07. Questionava-se se, após a retirada da expressa vedação à liberdade provisória da Lei 8.072/90, o art. 44 da Lei de Drogas não teria sofrido ingerência ideológica, ou, até mesmo, ter sido revogado (tendo em vista a especialidade das duas leis) do novel inciso II, art. 2º.

O fato é que a discussão perdeu seu interesse, quando, como se mostrou acima, o STF passou a dizer que inafiançabilidade e a vedação à liberdade provisória eram institutos sinônimos, perfeitamente cambiáveis, então. A Suprema Corte nacional passou a andar em caminho diametralmente oposto àquele por ela trilhado antes da CRFB/88, desconsiderando qualquer tipo de racionalidade e aproveitando-se do entendimento de que o Pretório Excelso não se submete (em absoluto) aos efeitos vinculantes de suas decisões, muito menos aos fundamentos adotados. Por isso,esse posicionamento, tido aqui como incoerente, se repetiu inúmeras vezes, veja-se:

HABEAS CORPUS. PACIENTES DENUNCIADOS POR TRÁFICO DE ENTORPECENTE E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO (ARTIGOS 12 E 14 DA LEI Nº 6.368/76). PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO. EXCESSO DE PRAZO. TEMA NÃO DISCUTIDO NO TJ/SP E NÃO CONHECIDO PELO STJ. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. CRIME HEDIONDO. CUSTÓDIA CAUTELAR MANTIDA. OBSTÁCULO DIRETAMENTE CONSTITUCIONAL: INCISO XLIII DO ART. 5º (INAFIANÇABILIDADADE DOS CRIMES HEDIONDOS). JURISPRUDÊNCIA DO STF. […] 2. Se o crime é inafiançável, e preso o acusado em flagrante, o instituto da liberdade provisória não tem como operar. O inciso II do art. 2º da Lei nº 8.072/90, quando impedia a "fiança e a liberdade provisória", de certa forma incidia em redundância, dado que, sob o prisma constitucional (inciso XLIII do art. 5º da CF/88), tal ressalva era desnecessária. Redundância que foi reparada pelo legislador ordinário (Lei nº 11.464/2007), ao retirar o excesso verbal e manter, tão somente, a vedação do instituto da fiança. 3. Manutenção da jurisprudência desta Primeira Turma, no sentido de que "a proibição da liberdade provisória, nessa hipótese, deriva logicamente do preceito constitucional que impõe a inafiançabilidade das referidas infrações penais: ...seria ilógico que, vedada pelo art. 5º, XLIII, da Constituição, a liberdade provisória mediante fiança nos crimes hediondos, fosse ela admissível nos casos legais de liberdade provisória sem fiança..." (HC 83.468, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence). Precedente: HC 93.302, da relatoria da ministra Cármem Lúcia. […]. [STF - HC 95060 / SP - SÃO PAULO. Órgão Julgador: Primeira Turma. Relator (a): Min. CARLOS BRITTO. Julgamento: 16/12/2008]

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSO PENAL. PRISÃO EM FLAGRANTE POR TRÁFICO DE DROGAS. LIBERDADE PROVISÓRIA: INADMISSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. A proibição de liberdade provisória, nos casos de crimes hediondos e equiparados, decorre da própria inafiançabilidade imposta pela Constituição da República à legislação ordinária (Constituição da República, art. 5º, inc. XLIII): Precedentes. O art. 2º, inc. II, da Lei n. 8.072/90 atendeu ao comando constitucional, ao considerar inafiançáveis os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos. Inconstitucional seria a legislação ordinária que dispusesse diversamente, tendo como afiançáveis delitos que a Constituição da República determina sejam inafiançáveis. Desnecessidade de se reconhecer a inconstitucionalidade da Lei n. 11.464/07, que, ao retirar a expressão ‘e liberdade provisória’ do art. 2º, inc. II, da Lei n. 8.072/90, limitou-se a uma alteração textual. A proibição da liberdade provisória decorre da vedação da fiança, não da expressão suprimida, a qual, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, constituía redundância. Mera alteração textual, sem modificação da norma proibitiva de concessão da liberdade provisória aos crimes hediondos e equiparados, que continua vedada aos presos em flagrante por quaisquer daqueles delitos.2. A Lei n. 11.464/07 não poderia alcançar o delito de tráfico de drogas, cuja disciplina já constava de lei especial (Lei n. 11.343/06, art. 44, caput), aplicável à espécie vertente. […]. 4. É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que as condições subjetivas favoráveis do Paciente, tais como emprego lícito, residência fixa e família constituída, não obstam a segregação cautelar. Precedentes. 5. Ordem denegada. [STF - HABEAS CORPUS: HC 104337 PE. Relator (a): Min. CÁRMEN LÚCIA. Julgamento: 01/02/2011. Órgão Julgador: Primeira Turma]

Absurdamente, a mesma ideia podia ser encontrada de forma dominante na jurisprudência do STF. Confira-se, por exemplo: 1) STF, HC 104.616/MG, 1ª T., rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 21.09.2010, DJe n. 215, de 10.11.2010; 2) STF, HC 102.715/MG, 1ª T., rel. Min. Dias Tóffoli, j. 03.08.2010, DJe n. 200, de 22.10.2010; 3) STF, HC 101.259/MS, 1ª T., rel. Min. Dias Tóffoli, j. 01.12.2009, DJe n. 22, de 05.02.2010; 4) STF, HC 98.548/SC, 1ª T., rel. Min. Cármen Lúcia, j. 24.11.2009, DJe n. 232, de 11.12.2009; 5) STF, HC 103.399/SP, 1ª T., rel. Min. Ayres Britto, j. 22.06.2010, DJe n. 154, de 20.08.2010; 6) STF, HC 95.671/RS, 2ª T., rel. Min. Ellen Gracie, j. 03.03.2009, DJe n. 53, de 20.03.2009; 7) STF, HC 102.558/PR, 2ª T., rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 09.02.2010, DJe n. 45, de 12.03.2010.

Mas esse entendimento da 1ª Turma do STF convivia com o da 2ª Turma que, de maneira coerente, repudiava totalmente a solução dada pela outra Turma, não aderindo, expressamente, aos fundamentos trabalhados por ela (1ª Turma):

HABEAS CORPUS. PENAL, PROCESSUAL PENAL E CONSTITUCIONAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. SEGREGAÇÃO CAUTELAR. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE SITUAÇÃO FÁTICA. LIBERDADE PROVISÓRIA INDEFERIDA COM FUNDAMENTO NO ART. 44 DA LEI N. 11.343. INCONSTITUCIONALIDADE: NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO DESSE PRECEITO AOS ARTIGOS 1º, INCISO III, E 5º, INCISOS LIV E LVII DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. EXCEÇÃO À SÚMULA N. 691/STF.  1. Liberdade provisória indeferida com fundamento na vedação contida no art. 44 da Lei n. 11.343/06, sem indicação de situação fática vinculada a qualquer das hipóteses do artigo 312 do Código de Processo Penal. 2. Entendimento respaldado na inafiançabilidade do crime de tráfico de entorpecentes, estabelecida no artigo 5º, inciso XLIII da Constituição do Brasil. Afronta escancarada aos princípios da presunção de inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana. 3. Inexistência de antinomias na Constituição. Necessidade de adequação, a esses princípios, da norma infraconstitucional e da veiculada no artigo 5º, inciso XLIII da Constituição do Brasil. A regra estabelecida na Constituição, bem assim na legislação infraconstitucional, é a liberdade. A prisão faz exceção a essa regra, de modo que, a admitir-se que o artigo 5º, inciso XLIII estabelece, além das restrições nele contidas, vedação à liberdade provisória, o conflito entre normas estaria instalado4. A inafiançabilidade não pode e não deve – considerados os princípios da presunção de inocência, da dignidade da pessoa humana, da ampla defesa e do devido processo legal – constituir causa impeditiva da liberdade provisória. 5. Não se nega a acentuada nocividade da conduta do traficante de entorpecentes. Nocividade aferível pelos malefícios provocados no que concerne à saúde pública, exposta a sociedade a danos concretos e a riscos iminentes. Não obstante, a regra consagrada no ordenamento jurídico brasileiro é a liberdade; a prisão, a exceção. A regra cede a ela em situações marcadas pela demonstração cabal da necessidade da segregação ante tempus. Impõe-se porém ao Juiz o dever de explicitar as razões pelas quais alguém deva ser preso ou mantido preso cautelarmente. […]. [HC 100745 / SC - SANTA CATARINA. Relator (a): Min. EROS GRAU. Julgamento: 09/03/2010. Órgão Julgador: Segunda Turma; também: HC 93115; HC 99278; HC 101718; HC 100733].

O acórdão supra muito bem demonstra a questão de a inafiançabilidade não se confundir com prisão preventiva compulsória. Ainda, destaca a latente colisão de princípios existente (afronta escancarada aos princípios da presunção de inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana), quando uma norma prevê hipótese de prisão cautelar automática.

Como se vê, além da loteria jurisdicional que já conseguia ser vista, a situação criada pelo Constituinte de 1988 e defendida pela colenda 1ª Turma do STF trouxe uma nova aberração, muito bem explicada por Araujo (2011, p.s.n.):

Passaram a existir então duas distintas classes de crimes inafiançáveis. Na primeira delas, os crimes inafiançáveis por disposição do Código de Processo Penal, não se obstava a concessão de liberdade provisória sem fiança, em conformidade com as alterações introduzidas na legislação ordinária em 1977. Já na segunda categoria, a dos crimes inafiançáveis previstos na Constituição da República, resgatava-se o significado primitivo de prisão inarredável. Criou-se no Brasil a situação estapafúrdia na qual um instituto não era igual a ele mesmo, exigindo que se buscassem distintas fundamentações para o que era em essência a mesma coisa, ou seja, a inacessibilidade da fiança, a depender da fonte da proibição. (ARAUJO, 2011, p. s.n.)

Tanto as divergências das Turmas, quanto esses absurdos jurisprudenciais, já vinham sendo denunciados, com maior ou menor intensidade (no sentido de não encarar o entendimento – ou o fazer de modo equivocado – propalado pelo STF), por alguns doutrinadores, como Lopes Jr (2011, vol. II, p. 188-192), Polastri (2011, p. 198-199), Távora e Alencar (2011, p. 615-616), Pacelli (2011, p. 66-71), Moreira (2012, p. 77-78), Nucci (2012, p.18-24), Brasileiro (2012, p. 468-469) e Bianchini e outros (in GOMES; SANCHES, p. 280-281, 2010), não obstante contar com expresso apoio de outros (GRECO FILHO; RASSI, 2009, p. 165-168). Foi quando em 10 de maio de 2012, no HC 104.339/SP, relatoria do Ministro Gilmar Mendes, o STF uniformizou o entendimento de suas Turmas, ao, incidentalmente, declarar inconstitucional a expressão “e liberdade provisória”, constante no art. 44, caput, da Lei 11.343/2006. O acórdão ainda não foi publicado. Todavia, já se encontra veiculado por meio do Informativo 655 daquela Corte.

No informativo acima citado, destacou-se que a “vedação conflitaria com outros princípios também revestidos de dignidade constitucional, como a presunção de inocência e o devido processo legal”, uma vez que esse “empecilho apriorístico de concessão de liberdade provisória seria incompatível com estes postulados”. Afinal de contas, “a disposição do art. 44 da Lei 11.343/2006 retiraria do juiz competente a oportunidade de, no caso concreto, analisar os pressupostos de necessidade da custódia cautelar, a incorrer em antecipação de pena”. Frisou-se, ainda:

[…] que a inafiançabilidade do delito de tráfico de entorpecentes, estabelecida constitucionalmente, não significaria óbice à liberdade provisória, considerado o conflito do inciso XLIII com o LXVI (“ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”). (Inf. 655, STF).

O Ministro Dia Toffoli, focando exatamente na distinção da fiança e da liberdade provisória, ressaltou:

[…] que a fiança, conforme estabelecido no art. 322 do CPP, em certas hipóteses, poderia ser fixada pela autoridade policial, em razão de requisitos objetivos fixados em lei. Quanto à liberdade provisória, caberia ao magistrado aferir sua pertinência, sob o ângulo da subjetividade do agente, nos termos do art. 310 do CPP e do art. 5º, LXVI, da CF. Sublinhou que a vedação constante do art. 5º, XLIII, da CF diria respeito apenas à fiança, e não à liberdade provisória. (Inf. 655, STF).

Esse entendimento do STF pode ser explicado pelo Postulado da Proporcionalidade que, com toda certeza, se fosse aplicado da maneira correta, atalharia essa interpretação retumbantemente correta, ainda mais por já ter sido tomada na ADI 3.112, anteriormente tratada. Veja-se.

Têm-se dois direitos fundamentais em jogo: 1) segurança; 2) liberdade. Primeiro lugar, é bom que se lembre de que o Direito à Segurança é tão fundamental quanto o de Direito à Liberdade (o caput, do art. 5º, CF, deixa isso bem claro). Em verdade, foram descobertos (como preferem dizer alguns, que afirmam que os Direitos Humanos – tratando-se de direitos de primeira dimensão, esses direitos já podem receber esse título, na visão de Sarlet (2010, p. 27-35) – não são criados, mas descobertos com o passar do tempo) simultaneamente, se se pensar na primeira Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aquela de 1789. Em outras palavras, fazem parte de uma mesma família: direito de primeira dimensão (geração) – ou, se preferir, direitos liberais, direitos burgueses, direitos negativos (de todos, o termo mais inapropriado, como se verá). É só atentar para o seu art. 2º: “os direitos naturais e imprescritíveis do homem são a liberdade, a propriedade, a segurança [claramente um direito positivo, e não negativo] e a resistência à opressão” (colchete acrescentado). Inexplicavelmente, esse direito costuma ser esquecido pelos aderentes do Garantismo Hiperbólico Monocular. Reforça essa ideia o fato de ele (direito) ter sido reforçado na segunda Declaração, em 1793, nos artigos 2º e 8º e, posteriormente, na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, em 1948, no artigo 3º. Portanto, isso tudo autoriza trabalharcom a colisão dos dois direitos fundamentais, na forma realizada no começo.

Para que se faça um exame à luz do Postulado da Proporcionalidade, deve-se promover o exame dos três subelementos que lhe integram, destacados no começo deste trabalho. Primeiro plano, Adequação. Questionar-se-ia: a vedação em abstrato da liberdade provisória é apta à promover a segurança? Forçoso seria reconhecer que sim. O meio se adequa ao fim, tendo em vista que é apto a realizar (promover [Silva, 2002 e 2003], se preferir) o valor segurança. No segundo plano, ter-se-ia a Necessidade: dentre todos os meios a disposição e de igual eficácia, há algum outro apto a promover o valor segurança, que importe menor restrição ao direito de liberdade em abstrato? Por óbvio que sim. A medida é extrema e desnecessária. Ela não mitiga o direito a liberdade; ela simplesmente o extirpa. É claro que a segregação provisória compulsiva é um meio apto a promover o fim segurança. Mas, assim como ela, há outras medidas aptas a promover o mesmo fim, sem o custo social de vedação absoluta do fundamental direto à liberdade. Claro, é possível que, no caso concreto, ela seja necessária; mas caberá ao magistrado, na trincheira dos fatos, dizer se é ou não. Não cabe ao Poder Legislativo fazer essa antecipação de valor em totalmente detrimento ao direito de liberdade. O exame da Proporcionalidade, em sentido estrito, sequer seria alcançado, seguindo a ideia da subsidiariedade dos três planos de análise.

O Postulado da Proporcionalidade deveria afastar de vez as prisões provisórias compulsórias, previstas, em abstrato, pelo Legislador. Aliás, após duas decisões nesse sentido, ambas em controle de constitucionalidade (ainda que em concreto), qualquer (em sentido generalizante, apenas para focar a necessidade de coerência; sempre haverá, por óbvio, espaço para posicionamentos divergentes) entendimento que escudasse a privação imediata da liberdade, sob o simples argumento de que alguém supostamente teria cometido um delito, deveria ser de pronto repudiado. Mas não o fez e o STF, agora, se coloca frente à terceira contradição seguida de seu entendimento em relação a um mesmo tempo: legitimidade das prisões preventivas compulsórias.

3.5 PRISÃO PREVENTIVA COMPULSÓRIA NO ESTATUTO DO ESTRANGEIRO. O ARTIGO 81, DA LEI 6.815/80

Extradição é um “ato por meio do qual um indivíduo é entregue por um Estado a outro, que seja competente para processá-lo e puni-lo” (ALBUQUERQUE, 2011, p. 1019). É dizer,a extradição é um ato pelo qual certo Estado entrega a outro Estado indivíduo que tenha, em tese, violado as leis do país requerente, para que neste (Estado requerente) responda pelo ilícito que supostamente cometeu. Trata-se, assim, de ato de cooperação internacional no campo penal (PORTELA, 2010, p. 265). Aqui, o que interessa neste trabalho é o art. 81, do Estatuto do Estrangeiro (EE), que versa sobre a prisão do extraditando.

A prisão preventiva compulsória do extraditando é de peculiaridade ímpar. Vem sendo tratada com naturalidade há anos. Poder-se-ia dizer “desde que a Constituição de 1988 foi promulgada e passou a valer”, mas, para ser menos radical, pode-se fixar como ponto de referência temporal a decisão do STF na ADI 3.112, em 2007.

A solução poderia ser de fácil resolução, se o Postulado da Proporcionalidade fosse aplicado. Ademais, se se entendesse que inafiançabilidade e vedação à liberdade provisória, são, de fato, sinônimos, e que aquele rol constitucional de crimes inafiançáveis é taxativo, o trabalhado artigo 81 deveria ser declarado inconstitucional, pois traz mais uma hipótese de inafiançabilidade/vedação à liberdade provisória.

De igual modo, caso se entendesse que os institutos acima não são a mesma coisa, a simples aplicação do entendimento exarado na ADI 3.112, bem como, agora, no HC 104.339/SP, bastaria para solução do caso. É dizer, poder-se-ia dizer que a prisão preventiva compulsória “conflitaria com outros princípios também revestidos de dignidade constitucional, como a presunção de inocência e o devido processo legal” (Inf. 655, STF). Ou, ainda que “o texto magno não autoriza a prisão ex lege, em face dos princípios da presunção de inocência e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de prisão pela autoridade judiciária competente” (ADI 3.112, ponto V da ementa). Mas o STF não fez isso, e abandonou a situação do extraditando. Note-se:

Trata-se de pedido de prisão preventiva para extradição, formulado pelo Governo da Espanha, por via diplomática, do nacional espanhol José Emilio Rodriguez Menéndez. Mediante o Aviso n. 2900-MJ, de 22.12.2011, o Ministro de Estado da Justiça informa, por meio da Nota Verbal n. 427/2011, que o Governo requerente manifesta não persistir interesse no pedido de extradição do referido estrangeiro. Assim, julgo prejudicado o pedido, por perda superveniente de objeto. Revogo o decreto de prisão preventiva e determino o recolhimento do respectivo mandado. [PPE 616. Relator (a): Min. GILMAR MENDES. Julgamento: 19/01/2012. Publicação: DJe-053 DIVULG 13/03/2012 PUBLIC 14/03/2012].

Perceba a situação acima. O sujeito teve sua prisão decretada em 22.12.2011. Três meses depois, o Governo que requereu sua extradição simplesmente desistiu da extradição. É de sabença que três meses de prisão nas masmorraspenitenciarias do Brasil é tempo mais que suficiente para corroer o espírito daqueles que lá foram colocados (situação que, com certeza, deve ser potencializada pela ausência de motivos). Fora simplesmente encarcerado, sem qualquer formação de culpa ou, ainda, sem qualquer análise da necessidade da prisão preventiva. Apenas houve um solicitação internacional, que facilmente poderia ser atendida sem que o extraditando fosse posto numa cela. Exemplos como esse se repetem cotidianamente no Pretório Excelso. Confirme-se:

O Diretor Técnico III, Ademir Muniz de França, do Centro de Detenção Provisória III de Pinheiros, acusa o recebimento do alvará de soltura expedido em favor de Assaad Khalil Kiwan ou Assad Khalil Kiwan. Ao fazê-lo, questiona se o referido alvará de soltura é mesmo de ser cumprido, diante do Mandado de Prisão Preventiva nº 006/2009, expedido em 20 de março de 2009, no processo 2009.61.19.003208-3, pela 5ª Vara Federal de Guarulhos. 2. Decido. De saída, anoto que o mencionado processo (2009.61.19.003208-3) foi anexado a este pedido de prisão para extradição, havendo o Juízo de origem declinado da competência para o Supremo Tribunal Federal. Oportunidade em que a ministra Cármen Lúcia decidiu nos seguintes termos: "6. Pelos elementos agora carreados aos autos no Pedido de Prisão para Extradição, decreto a prisão preventiva do nacional libanês, naturalizado brasileiro, ASSAD KHALIL KIWAN ou ASSAD KHALIL KIWAN, nos termos do art. 82 da Lei n. 6.815/80, para fins de estudo da possibilidade jurídica de sua extradição, encarecendo a prevalência do presente decreto ante a notícia de que o Extraditando está preso na cidade de São Paulo, desde 20 de março de 2009, em razão do decreto de prisão preventiva expedido pelo Juízo da 6ª Vara Federal de Guarulhos-SP nos autos da Petição n. 4551." 3. Nessa contextura, tenho que a decisão proferida pelo Plenário desta Casa de Justiça na Prisão Preventiva para Extradição 623 (cf. ata de fls. 722) superou o decreto prisional do Juízo Federal de Guarulhos. Motivo pelo qual é de se dar o devido cumprimento ao alvará de soltura, salvo se por outro motivo o extraditando não estiver preso. [PPE 623. Relator (a): Min. CÁRMEN LÚCIA. Julgamento: 03/07/2012. Publicação: DJe-151 DIVULG 01/08/2012 PUBLIC 02/08/2012].

No caso supra, ficou consignado, no voto da relatora, que não havia elementos suficientes para manter a prisão preventiva do extraditando, “pelo não atendimento das requisições do STF pelo Estado requerente, e pelo longo prazo de determinação da prisão”. Três anos de segregação para, no final das contas, ser posto em liberdade; dispensam-se comentários. Mas três anos não foi tudo que o STF conseguiu:

Trata-se de pedido de prisão preventiva para extradição, formulado pelo Governo da Espanha, por via diplomática, do nacional espanhol Javier Anastácio de Espona, contra quem foi expedida ordem de detenção internacional por suposta prática de homicídio. Em 29.9.1989, o então relator, Min. Celso de Mello, decretou a prisão preventiva do referido estrangeiro (fl. 11). Posteriormente, em 18.3.2010, o Min. rel. Cezar Peluso determinou a expedição de ofício consultando o Governo requerente acerca de eventual interesse na manutenção do pedido (fl. 27). Mediante o Aviso n. 2118-J, de 23.9.2011, o Ministro de Estado da Justiça informa: "a referida indagação sobre persistência no interesse foi reiterada por diversas vezes ao Governo espanhol, não tendo havido resposta por parte deste" - (fl. 36). Em 10.10.2011, determinei a reiteração do Ofício n. 3.019/R para que, no prazo de 30 dias, o Governo requerente esclarecesse sobre a persistência no interesse de prosseguimento do feito, sob pena de negativa de seguimento. A Embaixada foi regularmente notificada em 8.11.2011, contudo, até a presente data, não apresentou resposta (fl. 46). Assim, em razão da manifesta falta de interesse do Governo requerente em relação ao presente pedido, nego seguimento ao feito (RI/STF, art. 21, § 1º). Revogo o decreto de prisão preventiva e determino o recolhimento do respectivo mandado. [PPE 62. Relator (a): Min. GILMAR MENDES. Julgamento: 27/03/2012. Publicação: DJe-065 DIVULG 29/03/2012 PUBLIC 30/03/2012].

Mais vinte anos de prisão (da decretação à revogação). Qual é o condenado por homicídio que permanece, no Brasil, preso por mais de vintes anos, diante de tantos obséquios conferidos pela LEP – Lei de Execuções Penais(Lei 7.210/84)? Combinando o art. 81 com o art. 84, parágrafo único, verifica-se que, a prisão do extraditando “perdurará até o final do julgamento do Supremo Tribunal Federal, não sendo admitidas a liberdade vigiada, a prisão domiciliar, nem a prisão-albergue”. Num período de completo abarrotamento do Poder Judiciário, verifica-se que a prisão pode durar por vários anos, sem que isso seja considerado desproporcional pelo Pretório Supremo – que, inclusive, reitera a necessidade da prisão, bem como a sua manutenção até o fim do julgamento, em seu próprio Regimento Interno (art. 208 c/c art. 213, RISTF[40]).

Ninguém consegue perceber a monstruosidade jurídica que é o ar. 81, Lei 6.815/80, ao enquadrar prisão como requisito de procedibilidade da extradição? Até o prazo máximo para a prisão cautelar de urgência é absurdamente elevado (90 dias – art. 82, EE). Aparentemente, a resposta é mesmo não. A situação é, também, de total desamparo dogmático. A doutrina deixou de lado o tema[41], até mesmo os grandes defensores da liberdade no Direito Penal (em sentido estrito, é claro, pois, se assim não fosse, a situação do extraditando seria notada), que repudiavam peremptoriamente a legitimidade das prisões preventivas compulsórias. NUCCI, um dos poucos a enfrentar o assunto, é um exemplo claro disso. Ao tratar da prisão cautelar do extraditando, assim dispôs:

É condição para que o STF se reúna e verifique se os requisitos estão presentes, deferindo, então, a extradição. Não teria mesmo sentido fazer com que os onze Ministros do Pretório Excelso se reunissem, votassem e decidissem uma causa, cujo agente criminoso está foragido, vale dizer, a decisão do STF nenhuma consequência prática geraria. Em nosso ponto de vista, cuida-se de prisão administrativa, embora deva ser decreta, à luz do novo texto constitucional (art. 5º, LXI, CF), por autoridade judiciária (e não mais pelo Ministro da Justiça), no caso o Ministro-relator do Supremo Tribunal Federal. Entretanto, está Corte vem denominando a prisão do extraditando como preventiva, muito embora seja automática, bastando ingressar o pedido de extradição, e não seja submetida aos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal. (NUCCI, 2009, p. 420).

A feroz crítica do ilustre professor, assíduo combatente das prisões preventivas (cautelares, se preferir) compulsórias, desapareceu. Não por acaso, aqui, optou-se por fazer transcrições de excertos da obra deste autor, para se mostrar essa dualidade de suas conclusões e o desleixo com que a doutrina encara o tema, até as mais consagradas. Em relação aos argumentos de Nucci(2009),acerca da necessidade da automaticidade da prisão, data maximavenia, não podem ser escudados.

Dizer que “não teria mesmo sentido fazer com que os onze Ministros do Pretório Excelso se reunissem, votassem e reunissem uma causa, cujo agente criminoso está foragido, vale dizer, a decisão do STF nenhuma consequência prática geraria” é temerário, já que o mesmo argumento foi utilizado para defender a manutenção da prisão para recurso. Afinal de contas, qual seria a finalidade prática de se reunir Desembargadores de algum Tribunal de Justiça local, se, ao final das contas, a decisão não geraria consequências práticas nenhuma, se o réu (o Recorrente) se encontra foragido? O raciocínio é idêntico e não passa pelo filtro do Postulado da Proporcionalidade. Confirme-se.

De um lado, o princípio da liberdade. De outro, o princípio da cooperação internacional. No exame da Adequação, questionar-se-ia: a restrição da liberdade do extraditando é adequada para que se promova a extradição, aqui entendida como uma ramificação do princípio da cooperação internacional? Ainda que possa haver divergência, ao que tudo indica a relação de Razoabilidade (nos moldes propostos por SILVA e trabalhados, no limite do possível, anteriormente) entre extradição, na figura da cooperação internacional, e a necessidade da prisão cautelar compulsória, como hipótese de restrição ao direito de liberdade, é inexistente. Entrementes, caso se considere razoável essa relação meio-fim, é dizer, caso seja, de fato, adequada a prisão preventiva automática para que haja a extradição, passa-se, então, para o exame da Necessidade. Aqui, deve-se perguntar: dentre todos os meios disponíveis e igualmente eficazes para a realização do fim “extradição”, há algum menos invasivo do que a “prisão cautelar automática”? Desafia-se alguém a dizer que não há. O exame da proporcionalidade em sentido estrito não chega sequer a ser alcançado.

Baltazar Junior (2010), ao tratar do mesmo tema, também não demonstra maiores preocupações. Justifica a medida com os seguintes argumentos: 1) a extradição é medida compulsória que pressupõe a extradição (p. 194); 2) é compatível com a CF/88 e não se confunde com outras formas de prisão cautelar reguladas pelo CPP (p. 195); 3) presume-se que o extraditando esteja se evadindo da aplicação da lei (p. 195). Trata-se de mera explicação da medida, sem qualquer análise interna dela.

Aparentemente, poder-se-ia pensar que a prisão para extradição é requisito de ordem internacional e, portanto, o Brasil nada mais faz que segui-lo (não cabe discutir, aqui, a recepção dos diplomas internacionais pelo Brasil, bem como a validade de dispositivos que contrariem a Norma Normarum nacional). Mas essa premissa também seria falsa (o que se corrobora a tese da falta de Adequação ou, se preferir, da Necessidade). Verifique-se:

EXTRADIÇÃO. NOTA VERBAL DO REINO DA ESPANHA. DESISTÊNCIA DO PEDIDO DE EXTRADIÇÃO. PRESCRIÇÃO DA PENA DO EXTRADITANDO. PEDIDO DE DESISTÊNCIA HOMOLOGADO. EXPEDIÇÃO DO ALVARÁ DE SOLTURA. ARQUIVAMENTO DOS AUTOS. […] Solicitou, ainda, "providências no sentido de, se julgar cabível, determinar a prisão para fins de extradição do referido estrangeiro" (fl. 2). 2. O pedido foi instruído com documentos que noticiam ter sido o Extraditando condenado por "sentença transitada em julgado de 6 de junho de 2006 a (...) duas penas de 3 anos de prisão e duas penas de multa de 10 e 16 meses", pelo cometimento "de um delito contra o direito dos trabalhadores pelo artº. 312.2 segunda premissa do Código Penal e de um delito de prostituição pelo artº. 188.1 do mesmo Código" (fl. 6). Em razão daqueles fatos, o Juízo da Audiência Provincial de Valencia - Primeira Seção decretou, em 23.10.2006, a prisão para fins de execução do Extraditando, conforme documentos constantes dos autos (fls. 65-66 e 78-79 -traduzido). 3. Em 29.10.2009, decretei a prisão preventiva de JUAN MARTINEZ RAMON, nos termos do art. 82 da Lei n. 6.815/80, para fins de extradição. […]. 5. Em 12.1.2012, o Ministro de Estado da Justiça informou que "em 25 de outubro de 2012, a Embaixada da Espanha foi regularmente notificada acerca das exigências formuladas por essa Suprema Corte" (fl. 246). 6. Em 9.4.2012, o Ministro de Estado da Justiça comunicou "que o mandado de prisão, para fins de extradição, do nacional espanhol JUAN MARTINEZ RAMON foi cumprido positivamente no dia 26 de janeiro de 2012" (fl. 303). 7. Em 9.8.2012, o Ministro de Estado da Justiça encaminhou a "Nota Verbal nº 138/2012, regularmente apresentada pela Missão Diplomática da [Espanha], por meio da qual confirma a prescrição da pena imposta ao nacional espanhol JUAN MARTINEZ RAMON, bem como informa o cancelamento do pedido de extradição do nominado" (fl. 322). Este o teor da Nota Verbal espanhola, verbis: […]. 8. A Procuradoria-Geral da República manifestou-se "pela extinção do feito e arquivamento dos autos". Examinada a matéria posta à apreciação, DECIDO. 9. A última nota verbal encaminhada pelo Governo da Espanha tem como objeto a desistência do pedido de extradição, caso em que, na linha da jurisprudência sedimentada deste Supremo Tribunal, a homologação é irrecusável. […]. Ante o exposto, tendo o Estado requerente manifestado, expressamente, seu desinteresse na extradição e retirado o pedido antes formulado, homologo o pedido de desistência formulado, revogo o decreto de prisão preventiva expedido contra JUAN MARTINEZ RAMON e determino o arquivamento dos autos. […].[Ext 1179. Relator (a): Min. CÁRMEN LÚCIA. Julgamento: 11/09/2012. Publicação: DJe-185 DIVULG 19/09/2012 PUBLIC 20/09/2012][42].

Aqui, muitos pontos são dignos de destaque. Todavia, para que se mantenha a relação entre o julgado e o Postulado da Proporcionalidade, em seu subelemento Adequação (ou Necessidade, a depender do ponto de vista, frise-se), foque-se na Nota Verbal do Reino da Espanha supracitado: “[…] providências no sentido de, se julgar cabível, determinar a prisão para fins de extradição do referido estrangeiro”. A prisão é possível, mas se o Brasil “julgar cabível”. Não é um requisito indeclinável para que haja a extradição, bem como a Cooperação Internacional.

Diante disso tudo, o que se nota é que para aqueles que cometeram crimes marcados pela frieza e crueldade e que estão na quarta instância (aqueles que conseguem alcançar o STF) é garantido a presunção de inocência/não culpabilidade, com muito mais razão há de ser garantida para aquele que não possuem qualquer condenação sob suas costas. Note-se que, diante de simples fatos indicados por outro país[43], o Brasil já promove o cerceamento da liberdade daquele que, no final das contas, pode não ter feito nada (ou, ainda que tivesse, pode não representar qualquer risco social ou processual). Há um claro privilégio, por parte do STF, de veracidade das informações veiculadas por autoridades internacionais que pretendem obter a extradição de certo individuo, quando cotejadas (as informações) com aquelas de índole interna, é dizer, propaladas pelo próprio Poder Judiciário. A mesma presunção de veracidade não é verificada naquelas decisões de instâncias nacionais inferiores (juízes, TJs, TRFs, STJ etc) que, reiteradamente confirmam a culpabilidade daquele sujeito que insiste no seu direito de recorrer. E não há problema que assim seja, desde que o recebimento do pedido de extradição não redunde na segregação compulsória de individuo, se assim não for necessário, tal como ocorre com aqueles que exercem o seu direito de recorrer em liberdade.

Apesar de alguns defenderem que o STF abraça a proporcionalidade (em letra minúscula mesmo) nos seus julgados, certo é que isso só ocorre quando é conveniente. Repudia, portanto, a natureza de Postulado da Proporcionalidade, que rejeita peremptoriamente o seu manejo apenas quando conveniente, impondo sua aplicação diante de qualquer colisão de direitos fundamenteis. De igual modo, afasta a sua origem/fundamentação, ligada logicamente ao Direito, à estrutura dos Princípios, ao Estado de Direito ou, ainda, ao Devido Processo Legal Substancial (como prefere a Suprema Corte). Qualquer um desses fundamentos é o bastante para se aplicar incondicionalmente o Postulado da Proporcionalidade. Infelizmente, esse entendimento não é trilhado pelo STF e, em 25.09.2012, outra vítima foi feita por um julgamento inconstitucional do STF:

[…] O impetrante/paciente narra, inicialmente, que em 17/11/2010, o Ministro de Estado da Justiça encaminhou a este Tribunal pedido de prisão preventiva para extradição formulado pelo Governo da Itália em seu desfavor. Diz, em seguida, que, em 22/11/2010, a Ministra Cármen Lúcia decretou a custódia cautelar, sendo o mandado cumprido em 30/11/2010. A Ministra Relatora estabeleceu, ainda, o prazo de 40 dias para que o estado requerente apresentasse a documentação formalizadora do pedido de extradição, o que, sustenta o impetrante/paciente, não ocorreu até a data desta impetração. É contra essa prisão que se insurge o impetrante. Alega, em síntese, que, em função do não cumprimento da determinação de entrega dos documentos necessários à formalização do pleito extradicional e exaurido o prazo estabelecido para tanto, mister se faz a extinção do procedimento distribuído como PPE 654/IT e, por conseguinte, a expedição do competente alvará de soltura em seu favor. Aduz, também, que, não obstante o esforço da defesa e das inúmeras súplicas de revogação de sua prisão, a Ministra Relatora manteve sua custódia, que se estende por 23 meses. […]. Requer, ao final, liminarmente, a expedição de alvará de soltura em seu favor e, alternativamente, a concessão de prisão domiciliar até o julgamento do mérito desta impetração. É o relatório suficiente. Decido. Bem examinados os autos, entendo que, no caso sob exame, não há qualquer ato praticado pelas autoridades apontadas como coatoras, que configure ilegalidade flagrante ou abuso de poder, pressupostos que autorizariam o conhecimento do habeas corpus. […] o impetrante/paciente formulou pedido de refúgio, o que suspende o curso do procedimento extradicional, mas não implica na revogação da prisão preventiva ou na concessão de prisão domiciliar. […]. Não há, nesses atos, nenhuma ilegalidade ou abuso de poder.[…].[HC 115253 RJ. Relator (a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI. Julgamento: 25/09/2012. Publicação: DJe-192 DIVULG 28/09/2012 PUBLIC 01/10/2012].

Nesta mais recente teratologia extradicional, percebe-se que a custódia cautelar de 23 (vinte e três) meses não foi o suficiente para o reconhecimento da ilegalidade da prisão, mesmo sem a formalização, por parte do Estado requerente, do pedido de extradição. Trata-se de um descaso duplo: do Brasil, que mantem a prisão sem analisar a sua necessidade; da Itália, que, não obstante requere a extradição, não encaminha os documentos aptos a formalizar o pedido. Essa história se repete (como se pôde ver nos casos anteriormente citados), aparentemente sem reação de alteração. Dentre as várias possibilidades (já trabalhadas) para se consertar esse entendimento, a simples obediência ao Postulado da Proporcionalidade bastaria (como já se mostrou); perceber-se-ia que o art. 81 do Estatuto do Estrangeiro não foi recepcionado pela Magna Carta de 1988, por ser flagrantemente desproporcional a supressão absoluta do Princípio da Liberdade e do Devido Processo Legal[44] em prol do Princípio da Cooperação Internacional.


4 CONCLUSÃO

Ao longo desta pesquisa, buscou-se questionar a não recepção do art. 81, Lei 6.815/80, pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), tomando-se como base o Postulado Normativo Aplicativo da Proporcionalidade. Para tanto, mostrou-se necessário compreender a utilização do termo “Proporcionalidade”; a natureza jurídica de “Postulado” da Proporcionalidade, no que tange ao seu enquadramento na Teoria das Normas; o modo de aplicação do Postulado da Proporcionalidade (corolário de sua delimitação terminológica e de sua natureza jurídica); a inafiançabilidade constitucionalmente prevista (na CRFB/88) e a sua associação com a prisão preventiva automática; o enfrentamento do Supremo Tribunal Federal (STF) às prisões preventivas compulsórias (Lei 10.826/03, Lei 8.072/90 e Lei 11.343/06), cotejando suas decisões (destaque-se a Ação Direito de Inconstitucionalidade – ADI 3.112 e o Habeas Corpus – HC 103.339/SP) com o Postulado da Proporcionalidade; a não recepção do art. 81, Lei 6.815/80 à luz do Postulado da Proporcionalidade, nos moldes estabelecidos pelo próprio STF (nas decisões anteriores).

Tomado como premissa teoria, o estudo iniciou-se com a delimitação dos aspectos mais nebulosos e peculiares da Proporcionalidade. Incialmente, fixou-se os elementos que compõem a Proporcionalidade, destacando-se a adoção da teoria da tripartição (adotada majoritariamente): adequação, necessidade e proporcionalidade. Em seguida, destacou-se que estes elementos devem ser aplicados de forma sequencialmente ordenada e subsidiária, de forma que a refutação de um (elemento) impeça o análise dos que se seguem. É dizer, para constatação da desproporcionalidade, basta a negação de um dos elementos (não adequação, desnecessidade, desproporcional em sentido estrito).

O termo “Proporcionalidade” é comumente cambiado por “Razoabilidade” – sem embargos de outras confusões terminológicas, como “Vedação ao Arbítrio”, “Proibição de Excesso”, “Proibição de Defeito”, etc. Por essa razão, demostrou-se a divergência de origem dos termos, que possui base geográfica (Estados Unidos e Europa continental – com destaque para a Alemanha) e teórica (no que tange a sua fundamentação – devido processo legal, Estado de Direito, direitos fundamentais etc.). Consagrou-se a utilização, neste trabalho, da palavra “Proporcionalidade” em detrimento da “Razoabilidade”, uma vez que o desenvolvimento da norma ganhou força na Alemanha.

Em relação à natureza jurídica da Proporcionalidade, viu-se que se trata de um “postulado normativo aplicativo”, afastando-se o seu enquadramento como uma “regra” ou como um “princípio”. Para tanto, tomou-se como base as teorias normativas de Robert Alexy e de Humberto Ávila.

Fixadas estas premissas teóricas, o Postulado da Proporcionalidade foi deixado parcialmente de lado, para se compreender o histórico das prisões preventivas automáticas. Para tanto se tomou como base a Lei 6.416/77 e a Constituição Federal de 1988 (CF/88).

A Lei 6.416/77, com pretensão de regular e aprimorar o instituto da fiança, acabou promovendo, diante da jurisprudência, a falência da garantia constitucional. É que associando “liberdade provisória” a “fiança”, o legislador pretendeu se antecipar ao Poder Judiciário na análise da necessidade da prisão provisória. É dizer, a tentativa era criar tipos penais com vedação em abstrato à liberdade provisória. O STF desfez este equívoco e passou a conceder liberdade provisória em crimes inafiançáveis (em tese, mais graves).

Com a nova Constituição (CRFB/88), viu-se que o instituto da “inafiançabilidade” foi relembrado (art. 5º, XLII, XLIII, XLIV, CRFB/88) e o aspecto negativo da fiança foi revigorado. Surpreendentemente, o STF escudou a pretensão do Poder Legislativo, durante a edição da Lei 6.416/77, e passou a entender que “inafiançabilidade” e “vedação à liberdade provisória” redundariam na mesma coisa: prisão preventiva compulsória. Esta interpretação fez surgir várias leis prevendo este tipo de prisão, como as Leis nº 10.826/03 (art. 21), nº 8.072/90 (art. 2º, II) e nº 11.343/06 (art. 44, caput).

As leis retrocitadas foram atacadas exatamente nas hipóteses de prisão preventiva automática. Foi assim na ADI 3.112, que declarou a inconstitucionalidade do art. 21 da Lei 10.826/03, e no HC 103.339/SP, que declarou a inconstitucionalidade da vedação à liberdade provisória do art. 44, caput, Lei 11.343/06. A proibição abstrata da liberdade provisória da Lei 8.072/90 já havia sido retirada pela Lei 11.464/07. Todavia, previa fazia menção à inafiançabilidade. Como esta era equiparada à proibição de liberdade provisória, os efeitos da Lei 11.464/07, no que tange a prisão preventiva automática da Lei 8.072/90, só se fizeram sentir agora, em 2012, com o HC 103.339/SP.

Nas três leis, podiam-se destacar prisões preventivas automáticas, decorrentes da vedação à liberdade provisória (por vezes equipara à “inafiançabilidade”). Nas três decisões, que afastaram estas prisões preventivas, o STF enfrentou colisões de princípios. Também, nos três casos, notou-se que as prisões preventivas compulsórias, prisões cuja necessidade era aferida em abstrato (pelo legislador, não pelo magistrado, diante das conjunturas da situação), eram Desproporcionais, no sentido pugnado pelo Postulado da Proporcionalidade. Em suma, foram três leis, três previsões de prisão preventiva compulsória, três casos, uma resposta argumentativamente coerente: inconstitucionalidade por Desproporção.

Após todas essas constatações, partiu-se para a última hipótese de prisão preventiva compulsória trabalhada, aquela que resiste ao tempo, passa completamente despercebida pela doutrina e é tratada com naturalidade pela Corte Suprema: a do art. 81, Lei 6.815/80 – com redação abraçada pelo art. 208, Regimento Interno do STF (RISTF). Utilizando-se os argumentos do STF (na ADI 3.112 e no HC 103.339/SP) e os encaixando no Postulado da Proporcionalidade, pôde-se notar que a prisão preventiva compulsória, entendida como requisito de procedibilidade do pedido de extradição é Desproporcional e, por isso, não foi recepcionada pela CRFB/88.

 


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STRECK, Lenio Luiz. O Dever de Proteção do Estado (Schutzpflicht): o lado esquecido dos direitos fundamentais ou “qual a semelhança entre os crimes de furto privilegiado e o tráfico de entorpecentes”?. Disponível em:

<http://leniostreck.com.br/index.php?option=com_docman&Itemid=40>. Acesso em: 20 maio 2012.

__________. Aqui se faz, aqui se paga ou “o que atesta Malatesta”. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-out-11/senso-incomum-aqui-faz-aqui-paga-ou-atesta-malatesta>. Acesso em: 11 out 2012.

__________. A Dupla Face do Princípio da Proporcionalidade e o Cabimento de Mandado de Segurança em Matéria Criminal: superando o ideário liberal-individual clássico. Disponível em:

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TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal, 6ª ed. – Salvador: Jus Podivm, 2011.


Notas

[1]O autor, neste trabalho passa a admitir, ainda que de modo relutante, certas premissas fincadas por Ávila no âmbito da Teoria das Fontes, bem como destaca que Alexy, de fato, optaria, aparentemente, por um tertium genus normativo: máxima. Ver p. 168-170. O grande problema, como se verá, é que Alexy não trabalha o conceito de máxima; ao contrário, o confunde, em certa ocasião, com outra espécie normativa (o que é estranho, diante da destreza técnica com a qual Alexy costuma utilizar os termos em sua Teoria das Fontes do Direito; é dizer, utilizar o termo máxima deveria, de fato, redundar em uma nova espécie normativa). Este assunto será melhor trabalhado no item 1.3.

[2]O número de contendores poderia ser muito maior. Portanto, traz-se, apenas, um rol exemplificativo dos que integram à celeuma. Ademais, não se trata de um problema sobre o qual apenas a doutrina se debruça. Além da natureza jurídica, o STF também possui uma clara e patente dificuldade na aplicação da Proporcionalidade/Razoabilidade, ora utilizando os termos como sinônimos, ora utilizando-os como institutos discrepantes (ainda que não façam essa distinção de forma expressa). A título de exemplo, cf. ADI 3324 DF. Relator (a): MARCO AURÉLIO. Julgamento: 15/12/2004. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 05-08-2005 PP-00005 EMENT VOL-02199-01 PP-00140 RIP v. 6, n. 32, 2005, p. 279-299 RDDP n. 32, 2005, p. 122-137 RDDP n. 31, 2005, p. 212-213; RMS 24232 MG. Relator (a): JOAQUIM BARBOSA. Julgamento: 28/11/2005. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJ 26-05-2006 PP-00039 EMENT VOL-02234-01 PP-00058 LEXSTF v. 28, n. 330, 2006, p. 105-108; ADI-MC 1511 DF. Relator (a): CARLOS VELLOSO. Julgamento: 15/10/1996. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 06-06-2003 PP-00029 EMENT VOL-02113-01 PP-00071; IF 2915 SP. Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 03/02/2003. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Órgão Julgador: Tribunal Pleno.

[3] Cf. nota de rodapé 14.

[4] Cf. nota de rodapé 17

[5] Coadunando expressamente das ideias de Barroso, ver p. 87, nota de rodapé 124.

[6] Ver ressalvas de rodapé (nº 9 e 10).

[7]Especial destaque para Ministro Gilmar Ferreira Mendes. A exemplo do que se fez ao tratar da obra de Barroso, interessante destacar a trilha acadêmica do ilustre autor, que obteve o título de mestre e de doutor na Alemanha (na Universidade de Münster). Não por acaso, suas obras costumam ter amplas referências de autores alemães, bem como das decisões do Tribunal Constitucional daquele país (o famigerado Bundesverfassungsgericht, ou, apenas, BVerfG).

[8] Barroso, inclusive, como se mostrou antes, não obstante basear seu estudo na razoabilidade nos moldes norte-americano, faz questão de mostrar a história paralela da proporcionalidade na Alemanha; o mesmo não ocorre com Mendes, diga-se de passagem.

[9] Cf. 2010, p. 407-410.

[10]Vide notas de rodapé 9 e 10.

[11]A separação se dá de forma mais abrangente em Ávila, 2011, do que em Ávila, 2001, onde apenas parte da ideia é desenvolvida.

[12] Cf. “Aqui se faz, aqui se paga ou ‘o que atesta Malatesta’”.

[13]O avanço de Ávila no tratamento desta diferenciação é inegável – a começar pela tripartição (em 2001, o autor não fazia divisão tipológica, tratando toda Razoabilidade como se fosse uma; focava sua distinção, frente à proporcionalidade, em dois critérios: análise do caso concreto e de pessoa determinada atingida por certa medida – o que, no seu modo de ver, não ocorria na Proporcionalidade). Na primeira vez que tratou do tema (2001, p. 30-31), o autor veio carregado de certezas distintivas, lastreando seu raciocínio em jurisprudência e doutrina alemãs. Após tratar da evolução histórica da Proporcionalidade e da Razoabilidade – mostrando que, inicialmente, caminhavam em conjunto, é dizer, a utilização dos termos era simultânea, indiscriminada e indistinta – o autor diz que os institutos, outrora idênticos, não mais o são. Após alguns anos, numa análise mais profunda, as certezas caem e Ávila, passa a admitir possível similitude entre os seus Postulados Normativos Aplicativos da Razoabilidade e da Proporcionalidade (2011, p. 172) – para ele, essa é a natureza jurídica tanto da Razoabilidade quanto da Proporcionalidade, como se mostrará no próximo tópico.

[14]Apesar de ser expresso ao afirmar que a “vinculação do princípio da proporcionalidade ao Direito Constitucional ocorre por via dos direitos fundamentais”, Bonavides, em outra passagem, afirma que este decorre e é decorrência do “segundo Estado de Direito” (2010, p. 399) – que seria o Estado Constitucional, uma vez que esse não deixa de ser “de Direito”. É dizer, a Proporcionalidade pertenceria “à natureza e essência mesma do Estado de Direito” (2010, p. 401). Longe de ser uma contradição, isso só mostra a imbricação de fundamentos da Proporcionalidade, já que, para o ilustre autor, os direitos fundamentais seriam decorrência do Estado Constitucional – como, de fato, é.

[15]Enquanto que Silva não faz qualquer referência a um princípio especifico do qual decorreria a Proporcionalidade – e da Razoabilidade também – Ávila, em trabalho de 2010, afirma que “o fundamento dos deveres da proporcionalidade e da razoabilidade são os princípios de liberdade e de igualdade, dos quais são consectários lógicos implícitos” (p. 408). Trata-se de afirmação direta e certa sobre o fundamento desses dois deveres (termo utilizado por Ávila, quando não maneja o de Postulado Normativo Aplicativo), o que não ocorre nos outros trabalhos desse mesmo autor – ainda que seja possível encontrar referências menos direta.

[16]Apesar de seguir uma linha de raciocínio completamente distinta da seguida por esses dois autores (Silva e Ávila), destaque-se que Bandeira de Mello (2011 p. 108-112; p. 410) também defende a distinção entre Razoabilidade e Proporcionalidade.

[17]Poder-se-ia dizer “Teoria das Normas”, mas isso, por certo, poderia configurar uma antecipação de preferência teórica; doravante, após a exposição da teoria que servirá de base (ainda que não com exclusividade), essa preocupação não existirá, sendo possível haver uso indiscriminado dos termos (Fonte e Normas).

[18]São tantas teorias que tentam regular e diferenciar as fontes do direito. A mais difundida no Brasil continua sendo (apesar de, doutrinariamente, estar perdendo força) a distinção de grau das normas (também conhecida como distinção fraca, em oposição à distinção forte, que seria exatamente aquela baseada nas teorias de Ronald Dworkin e Robert Alexy, onde se defende uma divisão lógica das normas, com base na estrutura interna diferenciada das regas em comparação com os princípios). É com base na distinção fraca, estribada na distinção (de grau) de generalidade e de abstração das normas é que se extrai a ideia de que os princípios são as principais normas do ordenamento jurídico, as vigas mestras do Direito, ao passo que as regras se revestem de um caráter meramente instrumental; logo, diante de um conflito entre regas e princípios, estes devem prevalecer, já que consistiriam na base da ordem jurídica. Essas ideias se encontram detalhadamente descritas em Pereira e Lucas da Silva (2006, p. 7-12); no mesmo sentido, ÁVILA, 2011, especialmente p. 84-90. Alexy mostra mais teorias com pretensão de distinção das normas/fontes do direito (2011, p. 87-89), tais como distinções em virtude da “determinabilidade dos casos de aplicação”, “forma de surgimento”, “caráter explícito de seu conteúdo axiológico”, etc.

[19]Vide 2011, p. 91, nota de rodapé.

[20]Para uma explicação da Teoria Normativa de Alexy na doutrina nacional, cf. ÁVILA, 2011, p. 40-64, 2001, p. 8-10 e p. 13-17; SILVA, 2011, p. 43-55, 2002, p. 24-27, 2003, 607-614; SANTOS, p. 13-20.

[21]Isso não quer dizer que não há possibilidade de princípios conflitarem no plano da validade, é dizer, se contradizerem nos moldes das regras antinômicas; apenas quer-se dizer que se trata de uma “regra” de difícil exceção. Alexy demonstra essa possibilidade (conflito de princípios no plano da validade). Traz como exemplo a tentativa de incorporação do Princípio da Segregação Racial, de aplicação comum no passado, na atual Constituição alemã. Tal princípio conflitaria e “perderia” a todo instante, não importando as possibilidades fáticas e jurídicas existentes, uma vez se trata de um “princípio extremamente fraco” (ALEXY, 2011, p. 111). Cf. ALEXY, 2011, p. 110.

[22]C.f. Silva, 2002, especialmente p. 26; 2011, especialmente p.167-169.

[23]Ávila fala, ainda, dos Postulados Hermenêuticos (2011, p. 135-145). Estes, todavia, não possuem qualquer relevância para este trabalho, já que a intenção é simplesmente enquadrar a Proporcionalidade em alguma categoria de norma jurídica.

[24]Se há muito tempo atrás isso poderia ser considero um típico caso de redundância, hoje dia certo que não mais o é. O Poder Executivo legisla, bem como o Judiciário (esse cada vez mais).

[25]A fiança nunca foi esquecida pelo Poder Constituinte (Originário – há autores que repudiam esse adjetivo, como, por exemplo, Britto, 2006, p. 22-25), ainda que, em certos momentos, o seu detalhamento tenha sido deixado de lado. Após a Constituição do Império (1824), teve-se a primeira Constituição Republicana do Brasil (1891), onde a fiança foi lembrada no art. 72, § 14. Em seguida, a primeira Constituição Social brasileira (1934), onde a fiança constava no art. 32, § 11 e no art. 113, nº 22. A Constituição Polaca (1937) também não deixou de menciona-la, em seu art. 42. A Constituição de 1946 dedicou dois artigos para o assunto: art. 45 e art. 141, § 21. Com a Constituição de 1967, a fiança gozou de previsão no art. 34, § 1º e no art. 150, § 12.

[26]A Lei 12.403/11 parece ter reanimado a doutrina moderna, no que tange a análise do instituto (v.g., Nucci, Pacelli, Polastri, Moreira, Lopes Jr.).

[27]Fala-se “agora, com a Constituição de 1988” apenas para se criar um o parâmetro temporal. Como qualquer texto (normativo), a discussão/evolução surge com as interpretações que vão surgindo. A lei em si não criará alterações instantâneas; mais impõe uma pauta de debates entre os seus potenciais intérpretes. In casu, foi o que ocorreu, quando a Constituição Federal trouxe seus mandados (ou “mandatos”) expressos de criminalização ao lado da fiança (v.g., art. 5º, XLIII).

[28]Ao rol de cautelares, poder-se-ia acrescentar os conteúdos dos artigos 328 (não mudar de residência sem prévia permissão da autoridade processante; não se ausentar por mais de 8 dias de sua residência, sem comunicar àquela autoridade o lugar em que poderá ser encontrado) e 344 (recolher-se à prisão depois de condenado), todos do CPP. O art. 328 permanece vigente com sua redação original, diferentemente do art. 344, que foi parcialmente modificado.

[29] O que se quer dizer é que, diante do excesso cometido pelo Legislativo (vedação à liberdade provisória), o Judiciário teve que reconhecer a inconstitucionalidade da medida (em virtude da Proibição de Excesso). Neste caso, aqueles acusados de crimes tachados de inafiançável teriam menos ônus processuais (já que não precisariam arcar com o valor da fiança) os ligando ao processo do que aqueles acusados de crimes afiançáveis (que necessitariam arcar com o valor da caução). Isso mostra uma violação à Proibição de Insuficiência, uma vez que as medidas legislativas estariam mais aptas a sancionar (com vigor, diga-se) delitos de menor gravidade, em detrimento dos tidos como mais graves (os inafiançáveis).

[30] Sim, porque a interpretação jurisdicional que separou fiança de liberdade provisória tentou corrigir o equívoco do Legislativo.

[31]Bastos (1997, p. 306) critica o uso dos termos Constituinte, diante da discrepância da natureza jurídica dos Poderes Constituinte Originário e Constituinte Derivado. Aqui, optar-se-á pelo uso corrente, tanto na jurisprudência quanto na doutrina – apenas pelo fato de não haver espaço para essa discussão.

[32]Há quem use o termo “mandato”, a exemplo do Ministro Gilmar Mendes. Explicando o significado do enunciado supracitado, destaque-se didática passagem do voto do relator: “A Constituição de 1988 contém um significativo elenco de normas que, em princípio, não outorgam direitos, mas que, antes, determinam a criminalização de condutas (CF, art. 5º, XLI, XLII, XLIII, XLIV; art. 7º, X; art. 227, § 4º). Em todas essas normas é possível identificar um mandato de criminalização expresso, tendo em vista os bens e valores envolvidos. Os direitos fundamentais não podem ser considerados apenas como proibições de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote). Pode-se dizer que os direitos fundamentais expressam não apenas uma proibição do excesso (Übermassverbote), como também podem ser traduzidos como proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela (Untermassverbote). Os mandatos constitucionais de criminalização, portanto, impõem ao legislador, para o seu devido cumprimento, o dever de observância do princípio da proporcionalidade como proibição de excesso e como proibição de proteção insuficiente” (HC 104.410/RS, Relator Ministro Gilmar Mendes, 06.03.2012).

[33]Possível seria fazer esta análise, também, sob a ótica de Claus-Wilhelm Canaris (2010) e o seu “princípio da proibição deficiente” (Untermassverbot) – mencionado anteriormente –, que, resumidamente, pode ser entendido como vedação à violação ao mandado/mandato constitucional de criminalização (que pode ser expresso ou implícito; neste caso, trata-se de mandado expresso), sendo este decorrente da função objetiva dos direitos fundamentais, ou, como preferem alguns, dimensão positiva dos direitos fundamentais.

[34] A lei propriamente dita, sim, ao elencar o rol de crimes hediondos exigidos pela CRFB/88 (art. 5º, XLIII); o dispositivo (art. 2º, II, Lei 8.072/90) vedador da liberdade provisória, não.

[35] Outros poderiam ser elencados, como se verá. Todavia, fique-se, por enquanto, só com esse.

[36]Para que se comprove o que aqui se diz (separação de argumentos), impende trazer parte da ementa do julgado:

[…]. IV – A proibição de estabelecimento de fiança para os delitos de “porte ilegal de arma de fogo de uso permitido” e de “disparo de arma de fogo”, mostra-se desarrazoada, porquanto são crimes de mera conduta, que não se equiparam aos crimes que acarretam lesão ou ameaça de lesão à vida ou à propriedade. V - Insusceptibilidade de liberdade provisória quanto aos delitos elencados nos arts. 16, 17 e 18. Inconstitucionalidade reconhecida, visto que o texto magno não autoriza a prisão ex lege, em face dos princípios da presunção de inocência e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de prisão pela autoridade judiciária competente. […]. IX - Ação julgada procedente, em parte, para declarar a inconstitucionalidade dos parágrafos únicos dos artigos 14 e 15 e do artigo 21 da Lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003.

[37]Diz-se “inexplicavelmente” não por conta de uma possível obrigação do STF (já que este, em recente decisão, mais uma vez recusou a teoria da transcendência dos motivos determinantes – Rcl 11477 AgR/CE, rel. Min. Marco Aurélio, 29.5.2012), mas por uma questão de coerência aos seus julgados – fora o fato de o Postulado da Proporcionalidade incidir sobre todas essas questões de modo semelhante – diante da identidade dos princípios colidentes.

[38]Diante dos grandes debates envolvendo o tema, temerário seria se arriscar a chamar a Dignidade da Pessoa Humana de princípio, tendo em vista que há quem sustente uma “dupla natureza” inconfundível, é dizer, tanto como princípio quanto como regra; pode-se, assim, dizer que há uma Regra da Dignidade da Pessoa Humana e um Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Nesse sentido, cf. ALEXY, 2011, p. 111-114.

[39]Os princípios da interpretação constitucional não admitem que se adote a tese das normas constitucionais inconstitucionais, da lavra de Otto Bachof. Por isso, diante dos Princípios da Unidade da Constituição e da Interpretação Conforme a Constituição, quando se fala naquele dispositivo individualizado, o que se quer dizer é que, diante da estrutura da Constituição, aquele texto deve se adequar ao sistema constitucional. Como se prever uma prisão preventiva compulsória, se, no art. 5º, LIV, a Constituição dispõe que ninguém será privado de sua liberdade sem o devido processo legal e, no inciso LVII, prevê que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória? Afasta-se aqui qualquer tipo de Garantismo Hiperbólico Monocular (CALABRICH; FISHER; PELELLA, 2010; FISHER, 2009), como aquele que exige pronunciamento do STF para que o condenado seja recolhido à prisão. Mas é certo que aquele que é preso, sem antes ter tido direito sequer a um pronunciamento judicial de primeira instância, simplesmente porque está sendo acusado de um delito, está tendo o seu direito a inocência/não-culpabilidade escamoteado com vigor.

[40]Art. 208. Não terá andamento o pedido de extradição sem que o extraditando seja preso e colocado à disposição do Tribunal”; “Art. 213. O extraditando permanecerá na prisão, à disposição do Tribunal, até o julgamento final”.

[41]Na doutrina de Direito Internacional, cf. ACCIOLY, NASCIMENTO E SILVA e CASELLA, 2011, p. 539-542 e PORTELA, 2010, p. 265-274, e a total passividade dos autores frente ao art. 81 ora tratado, seguindo a trilha do pensamento geral de que a prisão seria pressuposto da extradição (com que lógica se faz esta afirmação, não se sabe), sem fazer qualquer juízo de valor acerca do dispositivo.

[42]Em idêntico sentido, cf. HC 114810 DF, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Julgamento: 14/08/2012, Publicação: DJe-167 DIVULG 23/08/2012 PUBLIC 24/08/2012.

[43]Sim, já que não é necessário que haja já uma condenação. O § 2º do art. 82, deixa claro que um simples mandado de prisão poderá ensejar a prisão do extraditando. Diz-se simples porque, diante da contenciosidade limitada, o STF não poderá analisar o mérito daquele mandado de prisão; apenas aferirá sua formalidade, não podendo dizer, v.g., que “este fato não é autoriza a prisão preventiva”.

[44] Além da parcial supressão da Dignidade da Pessoa Humana e do Princípio da Inocência, nos casos em que uma mera denúncia estrangeira basta para segregar indefinidamente um sujeito.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FIGUEIREDO, Gabriel Andrade. Proporcionalidade e prisão preventiva compulsória: o STF e a não recepção do art. 81 da Lei 6.815/80. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3639, 18 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24736. Acesso em: 19 abr. 2024.