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Utilização de offshore em planejamentos sucessório e patrimonial

Utilização de offshore em planejamentos sucessório e patrimonial

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A ideia de ilegalidade que ronda as sociedades offshore está ligada ao fato de serem constituídas em paraísos fiscais, o que nem sempre ocorre com a finalidade da prática de fraude, lavagem de dinheiro ou qualquer tipo de ilicitude, mas pela possibilidade de diminuição da carga tributária em comparação ao país de origem dos sócios.

I – CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DA SOCIEDADE OFFSHORE

A offshore, também conhecida como Private Investment Company (“PIC”), é definida como sociedade empresarial constituída no exterior sujeita a um regime jurídico de tributação diferenciado em relação ao país de origem e domicílio de seu(s) sócio(s), sendo dotada de personalidade jurídica própria. A offshore é normalmente constituída em uma jurisdição em que há menor incidência ou até mesmo isenção de tributos, tais como Ilhas Virgens Britânicas e Ilhas Cayman.

A doutrina define o instituto da offshore da seguinte maneira: [...] constitui-se uma pessoa jurídica no exterior com a finalidade de deter e aplicar as disponibilidades financeiras do(s) seu(s) sócio(s); usualmente, essa pessoa jurídica é denominada Private Investment Company (PIC) [1].

Cada país regulamenta a existência e funcionamento de empresas offshore de maneira distinta, devendo ser estudadas as particularidades de cada local quando da pretensão de constituir uma sociedade deste tipo. No Brasil, por exemplo, a pessoa física titular das ações de uma offshore não está obrigada a oferecer à tributação pelo Imposto de Renda Retido na Fonte a renda auferida por aquela empresa enquanto não for efetivamente disponibilizada a seu favor[2].

Em alguns países, tal como ocorre nas Ilhas Virgens Britânicas, não há regras de governança corporativa, desta forma, estão dispensadas as apresentações de balanço patrimonial anual, de prestação de contas, reuniões de sócios ou de diretoria e até mesmo de auditoria, o que é benéfico pois simplifica a estrutura societária da offshore.

A offshore poderá controlar diferentes ramos de negócios, tais como financeiros, de seguros, imóveis e até obras de arte, proporcionando proteção e sigilo aos seus beneficiários.

Os sócios da offshore são proprietários de uma porcentagem específica da sociedade, os quais poderão eleger administradores que terão poderes de gestão dos negócios. A estrutura societária da offshore é flexível, tendo em vista que ela poderá ser detida apenas pelos sócios sem a eleição de administradores.

Vale mencionar que as sociedades offshores apresentam diversos benefícios aos seus sócios, tais como privacidade financeira, responsabilidade civil limitada, estrutura tributária eficiente e são comumente utilizadas para preservação do patrimônio dos sócios.

A responsabilidade civil dos sócios da offshore é limitada, fazendo com que o patrimônio pessoal dos sócios esteja protegido. Além disso, o patrimônio do grupo empresarial será detido pela offshore, proporcionando confidencialidade aos sócios. Com relação à estrutura tributária, a offshore geralmente não está sujeita ao pagamento de impostos nas jurisdições em que ela é constituída.


II – PLANEJAMENTOS SUCESSÓRIO E PATRIMONIAL

Atualmente, as empresas e os grupos empresariais que visam à expansão e proteção de seus negócios devem adotar estratégias para simplificação da estrutura societária, planejamento de sucessão e do patrimônio.

Estas estratégias podem ser iniciadas com a proposição de alguns instrumentos jurídicos, os quais serão capazes de proteger o patrimônio pessoal dos sócios e expandir os negócios, sendo divididos nas seguintes categorias: (i) planejamento sucessório; e (ii) planejamento patrimonial.

Com relação ao planejamento sucessório, poderão ser utilizados os seguintes instrumentos jurídicos, no âmbito do direito civil, para a diferenciação do patrimônio da empresa e do patrimônio dos sócios: (i) doação com reserva de usufruto, que permite que o sócio fundador doe a participação societária para seus filhos, mas sem perder o controle da sociedade e seus rendimentos, salvaguardando os poderes político e econômico; (ii) testamento, com a determinação dos herdeiros dos bens disponíveis pertencentes ao testador (distintos dos bens que formam a legítima e destinados aos herdeiros necessários), promovendo uma alternativa para escolha do melhor herdeiro para que este receba as ações da sociedade; (iii) pacto antenupcial, com a inclusão de cláusula de incomunicabilidade das ações da companhia familiar ao futuro cônjuge; e (iv) contratos de convivência para união estável, com determinação do patrimônio e montante de participação do casal.

Com relação ao planejamento patrimonial, poderão ser constituídas sociedades holdings, como a holding de participações e a holding imobiliária.

A sociedade holding, em sentido amplo, é aquela que participa de outras sociedades, como acionista ou quotista[3]. A constituição de uma sociedade holding demonstra-se adequada para a organização e estabilização do controle societário sobre outras empresas pertencentes a um grupo societário.

A doutrina aponta a constituição de holding como estratégia no planejamento patrimonial:

[...] possui vital importância no processo de reorganização societária, acomodando os interesses de grupos (famílias ou investidores), regulamentada especialmente por meio dos acordos de sócios que constituem a melhor e mais adequada forma de compor interesses entre os sócios[4].

A holding de participações é aquela sociedade que detém a participação societária de outra(s), de modo que lhe assegure o exercício de voto do grupo empresarial no qual participa. Através da holding, os acionistas conseguem manter sua participação, mesmo que indiretamente, na sociedade operacional, evitando que o controle seja pulverizado através dos diversos processos sucessórios que uma empresa possa enfrentar com a consolidação da gestão dos negócios.

A holding imobiliária é aquela sociedade que detém o patrimônio imobiliário transferidos para ela por seus sócios. Este tipo de holding é constituída, normalmente, para segregar o patrimônio da sociedade operacional, proteger e explorar o patrimônio imobiliário, obtenção de benefícios societários sucessórios e tributários.

Considerando a constituição destas empresas em países estrangeiros, com intuito de buscar melhores alternativas de ganho sobre as operações mercantis, planejamento tributário ou fluxo de pagamentos e recebimentos em moeda estrangeira[5], é constituída a sociedade offshore.

A constituição de sociedades offshore pode ser associada à prática de ilícitos, considerando a possibilidade de fraude contra credores e lavagem de dinheiro, o que será tratado a seguir.


III – POSICIONAMENTO ATUAL DA JURISPRUDÊNCIA

Em pesquisa à jurisprudência dos principais tribunais do país foram encontradas algumas decisões enfrentando o assunto a respeito da constituição de offshores em matérias de fraude e inadimplemento tributário. Isto se deve ao fato de algumas empresas utilizarem o instituto da offshore de maneira ilícita, não se atendo aos benefícios inerentes ao instituto da offshore, mas com intuito de se beneficiarem com a atuação em países estrangeiros, com regimes jurídicos distintos e muitas vezes, incomunicáveis em relação ao regime praticado pelo país de origem, podendo ser institutos imperceptíveis na produção de provas processuais.

A decisão a seguir tem foco na questão de medida cautelar fiscal para bloqueio de valores de empresa inadimplente tributariamente, como fundamentação da decisão e do pedido da parte agravada para deferimento da cautelar, o relator afronta a questão da constituição de offshore como forma de dilapidação/desfazimento de patrimônio com a finalidade de não satisfação de créditos tributários.

AGRAVO N° 1.0105.01.045437-6/001 - COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES - AGRAVANTE(S): T A OIL DISTRIBUIDORA PETROLEO LTDA - AGRAVADO(A)(S): FAZENDA PÚBLICA ESTADO MINAS GERAIS - RELATOR: EXMO. SR. DES. BRANDÃO TEIXEIRA. DATA DA PUBLICAÇÃO 16/12/2005.

Ementa: Medida cautelar fiscal. Bloqueio de valores em contas correntes. Inexistência de afronta ao sigilo bancário do contribuinte. Recurso desprovido. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Processo Número 1.0105.01.045437-6/001.

Tal como constatou o juízo em sua fundamentação, a seguir ipsis litteris:

O endereço da sociedade foi recentemente alterado e o único imóvel pertencente à empresa foi recentemente alienado em estranha situação: o imóvel foi utilizado para constituir uma sociedade tendo a TA Oil e seus sócios-gerentes como únicos sócios RJC Empreendimentos e Participações Ltda, com sede na mesma Praça San Martin, 56, sala 205, e sendo a empresa TA Oil detentora de 2.790.0000 cotas das 2.800.000 cotas sociais e, posteriormente, esse imóvel foi outra fez utilizado pela RJC Empreendimentos e Participações Ltda para constituir uma sociedade por ações - Cartier Holding S/A, com sede no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas, com sede na Akara Building, 24, De Castro Street, Wickhams Cay I, Road Town, Tortola - British Virgin Islands. [...]

Há informações fidedignas de que os bens da empresa e dos sócios encontram-se em processo de desfazimento, colocando em risco os credores. Não foram encontrados quaisquer outros bens em nome da empresa ou dos sócios até o momento [...].

Tais fatos não deixam dúvidas quanto à urgência em se impedir que o patrimônio do contribuinte, dos sócios-gerentes e da sociedade RJC Empreendimentos e Participações Ltda. seja dilapidado. Fica clara a completa inércia do contribuinte em saldar seus débitos, do que resulta a necessidade de execução coativa do crédito público. Tal execução necessita ser resguardada, pois mesmo após citada, a executada/requerida na nomeou bens à penhora. A demora em se impedir a dilapidação patrimonial pode levar à completa inefetividade da tutela executória, dado o montante do crédito vis a vis o capital social (que é a garantia para terceiros) e as atividades tendentes a desfazê-lo [...].

Não obstante, foi localizada decisão monocrática que se debruça fundamentalmente na pretensão da parte autora em desconstituir os negócios jurídicos praticados pelas partes requeridas e supostamente fraudulentos, causando prejuízo à massa falida. Na fundamentação da decisão, o julgador ao afrontar questão a respeito da constituição de uma empresa offshore situada no Uruguai, analisou a respeito da desconsideração da personalidade jurídica da empresa tendo em vista a finalidade fraudulenta de sua constituição pelas requeridas como forma de blindagem do patrimônio pessoal, desviando o patrimônio que deveria ter sido vertido à massa falida.

AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO N° 2008.044534-9/0001.00 - COMARCA DE FLORIANÓPOLIS - AGRAVANTE(S): MAGNO PARTICIPAÇÕES E INVESTIMENTOS LTDA. - AGRAVADO(A)(S): MASSA FALIDA DE DE LUCCA REVESTIMENTOS CERÂMICOS LTDA. - RELATOR: EXMO. SR. DES. LUIZ FERNANDO BOLLER. DATA DA DECISÃO 12/03/2010.

E o acórdão ainda destaca:

Anote-se que a empresa ITANHAÉM SOCIEDADE ANÔNIMA, trata-se de uma offshore company situada no Uruguai, tendo como procurador EDMILSON JOSÉ BENINCÁ (fls. 1529/1551), cuja finalidade primordial de sua existência, ao menos para JOÃO BATISTA DE LUCCA, foi proteger ou "blindar" seu patrimônio pessoal [...].

Diante da hodierna conduta empregada pelos devedores, o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, inclusive, vem firmando o entendimento no sentido de permitir, no bojo do próprio processo falimentar, dispensando-se, desse modo, o ajuizamento de ação própria, a desconsideração da personalidade jurídica da offshore, quando restar demonstrado que foram criadas ao longo dos anos para descapitalização da empresa falida [...].

A medida da desconsideração da personalidade jurídica da offshore é mecanismo de eficiência e de eficaz para se atingir o patrimônio desviado da empresa falida, arrecadando-se o patrimônio à massa falida [...].

A decisão a seguir diz respeito ao conluio fraudulento no negócio de compra e venda de imóvel por empresa sediada no Uruguai com a decretação da ineficácia deste negócio em relação à massa falida, pautando-se a questão em grupo econômico familiar que utilizava empresas holding ou offshore como forma de proteger o patrimônio das empresas. Mais especificamente, foi constatada a existência de um grupo econômico entre empresas envolvidas no polo passivo da demanda, evidenciando-se o conluio entre elas com a operação de venda e compra do imóvel a fim de fraudar aos credores, caracterizando, inclusive, a confusão patrimonial entre as empresas tendo em vista o vínculo existente.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 70048795215 - QUINTA CÂMARA CÍVEL – COMARCA DE PORTO ALEGRE. APELANTE: DEMONTY SOCIEDAD ANONIMA. APELADO: MASSA FALIDA DE BOA FACA ALIMENTOS LTDA. RELATORA: EXMO. SRA. DESª. ISABEL DIAS ALMEIDA. DATA: 30/05/2012.

Ementa: Apelação Cível. Falência. Pedido de restituição. Venda de bem imóvel. Grupo econômico familiar. Confusão patrimonial. “consilium fraudis” demonstrado. Ineficácia do negócio em relação à massa. Sentença mantida. Ocorrendo a transferência do imóvel pertencente à falida em evidente conluio entre os integrantes de grupo familiar em empresas holding e offshore, deve ser mantida a declaração de ineficácia em relação à massa.

A questão foi muito bem resolvida pela ilustre relatora, sendo transcrita parcialmente a seguir:

[...] como visto, houve evidente conluio entre os integrantes do grupo familiar, sendo que Flávio de Jesus Butier e Luís Carlos Arozzi Butier eram sócios da empresa Corujão Bares e Restaurantes Ltda, suposta vendedora do imóvel em discussão. Com efeito, Luís Carlos Arozzi Butier, filho de Flávio, é sócio majoritário da holding B&B Participações, a qual administrava a falida Boa Boca Alimentos Ltda. E, não por coincidência, o advogado offshore demandante, Dr. Airton César Favarin, representava os interesses de Luís Carlos nos processos 1.06.018375-9 e 1.06.0170993-8. 

Ademais, não é razoável crer na legitimidade da suposta aquisição do imóvel por empresa estrangeira, por valor significativamente abaixo da avaliação, bem como que esta, em face de suposto direito de preferência, conceda comodato, por prazo indeterminado.

Resta, pois, configurada a confusão patrimonial entre as diversas empresas e seus sócios, bem como a intenção de ocultação dos bens da massa [...].

E acórdão abaixo trata novamente a respeito da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica e a decretação da substituição processual, com a inclusão de uma empresa offshore estabelecida nas Ilhas Virgens Britânicas como sócia majoritária, tendo em vista que, na hipótese, a sociedade executada não possuía bens para cumprir com as dívidas, indiciando a existência de manobras para escapar da execução.

ACÓRDÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2007.002.01493. COMARCA DO RIO DE JANEIRO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL. AGRAVANTE: MARCELO LUIS RESENDE VIEIRA E S/M CARLA REIS MORITZ. AGRAVADA: NEW CORAL IMOBILIÁRIA LTDA. RELATOR DES. EDSON VASCONCELOS. DATA: 18/04/2007.

Ementa: Agravo De Instrumento – Teoria Da Desconsideração Da Personalidade Jurídica – Por possuir personalidade jurídica distinta dos seus sócios, e consequentemente inexistir confusão patrimonial entre eles, por diversas vezes, a pessoa jurídica é utilizada como escudo para a prática de atos tendentes a prejudicar direitos de terceiros.

Deve ser ressaltada parte do voto proferido pelo ilustre relator deste acórdão, a título de explicação, sendo reproduzida a seguir:

Por possuir personalidade jurídica distinta dos seus sócios, e consequentemente inexistir confusão patrimonial entre eles, por diversas vezes, a pessoa jurídica é utilizada como escudo para a prática de atos tendentes a prejudicar direitos de terceiros. A pessoa jurídica passa a servir de amparo para que seus sócios pratiquem fraudes ou abusos de direitos. Com objetivo de impedir a prática de tais atos, a doutrina da desconsideração da personalidade jurídica é utilizada para afastar a pessoa coletiva e alcançar o patrimônio dos sócios que realizaram o ato fraudulento, sendo assim também denominada de doutrina da penetração.

Conforme salientado quando do deferimento do efeito suspensivo, “os agravantes procuram solução alternativa para efetivar os atos executórios na denominada teoria da desconsideração da personalidade jurídica, com

justificativa na inidoneidade patrimonial demonstrada pela certidão de arresto acostada por cópia a fl. 60. Essa doutrina se justifica em caso de abuso de direito de personalidade jurídica, situação em que se enquadra a constatação de carência de patrimônio de uma sociedade que se lança no mercado de negócios sem possuir lastro que possibilite possíveis reparações a lesões de direito que venha a causar a terceiros. O princípio da responsabilidade constitui corolário lógico de quaisquer empreendimentos lucrativos, em ordem a permitir o reconhecimento subsidiário da responsabilidade patrimonial dos sócios naquelas hipóteses de configuração da disregard doctrine. Na hipótese em exame, na sede da sociedade executada foram encontrados apenas equipamentos baratos que compõem um pequeno escritório, o que indicia já manobras diversionistas para escapar da execução. É de se deferir, portanto, a substituição processual pretendida, na pessoa da sócia majoritária, uma empresa “offshore” estabelecida nas Ilhas Virgens Britânicas que declara ter escritório no Rio de Janeiro (fl. 68). É de se verificar, portanto, se referida pessoa jurídica estrangeira possui patrimônio no Brasil ou se foi utilizada apenas como biombo de operações comerciais ruinosas aos consumidores, o que já seria caso de tratamento na área penal. [...]

Após análise da breve pesquisa realizada, verifica-se que em todas as oportunidades em que a offshore é utilizada com finalidade indevida para fins de ocultação ou até mesmo dilapidação de patrimônio de empresa ou pessoa física situada no Brasil, os tribunais afastam as figuras que se utilizam da empresa constituída do exterior com a aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, tema que será tratado no item a seguir.


IV – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

A aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica está associada à utilização das sociedades empresárias como instrumento para prática de atos fraudulentos contra credores ou abusivos de direito, como previsto no artigo 50 do Código Civil Brasileiro.

A constituição de sociedades visando à prática de atos ou até mesmo a utilização de sociedades para mascarar estes atos, faz com que haja o desvirtuamento do princípio da autonomia patrimonial. Este princípio faz com que a sociedade seja titular dos deveres e obrigações perante terceiros e não seus sócios, com seu desvirtuamento, a sociedade deixa de ser considerada como tal, fazendo com que os efeitos dos atos lesivos praticados atinjam aos sócios.

Para Fábio Ulhoa Coelho, existem duas vertentes da teoria da desconsideração, uma tratada como a maior, “pela qual o juiz é autorizado a ignorar a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, como forma de coibir fraudes e abusos praticados através dela” [6], e a menor, “em que o simples prejuízo do credor já possibilita afastar a autonomia patrimonial” [7].

A teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica tem como pressuposto o uso fraudulento e abusivo do instituto da autonomia patrimonial. Por outro lado, a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica tem como pressuposto o desatendimento do crédito contra a sociedade, em razão da inadimplência ou falência desta[8].

Portanto, ao se deparar com a prática de fraude contra credores e/ou abuso de direito, o juiz deixa de aplicar o princípio da autonomia patrimonial entre a sociedade e os sócios, desconsiderando a existência da pessoa jurídica, fazendo com que a execução e a satisfação do direito das pessoas lesadas sejam atingidas e efetuadas na pessoa dos sócios e não pela sociedade.


V – CONCLUSÃO

A ideia de ilegalidade existente na visão sobre este tipo empresarial se dá pela necessidade de constituição da offshore em paraísos fiscais, o que nem sempre ocorre com a finalidade da prática de fraude, lavagem de dinheiro ou qualquer tipo de ilicitude, mas pela possibilidade de diminuição da carga tributária em comparação ao país de origem dos sócios.

Portanto, a constituição de sociedade offshore não é indício de fraude, pelo contrário, trata-se de instrumento completamente legítimo para o planejamento patrimonial e tributário de um grupo empresarial legalmente constituído ou pessoas físicas, e através dela podem ser realizadas operações mercantis lícitas que contemplam pagamentos em moeda estrangeira, ampliando a lucratividade dos negócios assim como expandindo a atividade empresarial.

Entretanto, caso exista comprovação do uso fraudulento da sociedade offshore para desvio de bens ela será coibida através da desconsideração de sua personalidade jurídica.

Enquanto não houver um processo de integração econômica avançado, que permita o fluxo de pagamentos e recebimentos em moeda estrangeira e qualquer outra operação que demande patamares universais de integração haverá a possibilidade da constituição de sociedades em países estrangeiros com distintas margens de tributação visando ao aumento do lucro dos negócios.

A constituição de uma sociedade offshore tem fulcro na busca de melhores alternativas de ganho sobre as operações mercantis, planejamento tributário ou fluxo de pagamentos e recebimentos em moeda estrangeira, propiciando diversos benefícios aos seus sócios, tais como privacidade financeira, responsabilidade civil limitada, estrutura tributária eficiente e até para preservação do patrimônio dos sócios.

A situação atual da economia mundial requer cada vez mais a busca por práticas que possam melhorar a rentabilidade dos negócios. Portanto, a expansão da atividade empresarial através da constituição de uma sociedade offshore indica a possibilidade de crescimento através da atuação em diversos países, com o ganho em benefícios inerentes a esta sociedade, o que poderá servir como ferramenta de evolução para os empresários.


Notas

[1] LONGO, José Henrique. et al. Sucessão Familiar e Planejamento Tributário II. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 319.

[2] LONGO, José Henrique. et al. Sucessão Familiar e Planejamento Tributário II. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 319.

[3] PRADO, Roberta Nioac; COSTALUNGA, Karime; KIRSCHBAUM, Deborah. Sucessão Familiar e Planejamento Societário II. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 263.

[4] LONGO, José Henrique. et al. Sucessão Familiar e Planejamento Tributário II. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 294.

[5] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: direito de Empresa. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 2. p. 48.

[6] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: direito de Empresa. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 2. p. 36.

[7] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: direito de Empresa. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 2. p. 36.

[8] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: direito de Empresa. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 2. p. 45-48.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Aline Pardi. Utilização de offshore em planejamentos sucessório e patrimonial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3643, 22 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24743. Acesso em: 19 abr. 2024.