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Associação e controle abstrato de normas:

não satisfação dos pressupostos da legitimação ativa especial

Associação e controle abstrato de normas: . não satisfação dos pressupostos da legitimação ativa especial

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Parecer (pro bono) elaborado para a Associação Paranaense dos Juízes Federais - APAJUFE.

ASSOCIAÇÃO E CONTROLE ABSTRATO DE NORMAS: - NÃO SATISFAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DA LEGIMAÇÃO ATIVA ESPECIAL.                

Consulente: Associação Paranaense dos Juízes Federais – APAJUFE.

Assunto: Legitimidade da Associação Nacional dos Procuradores Federais – ANPAF para provocar, no Supremo Tribunal Federal, a fiscalização abstrata de constitucionalidade da Emenda Constitucional n.º 73, de 6 de abril de 2013.

Ementa: Supremo Tribunal Federal. Controle abstrato de constitucionalidade: ADI 5017/DF. Legitimidade ativa. Associação representativa de procuradores federais. Constituição, art. 103, inc. IX e jurisprudência correlata. Requisitos: -  representatividade de classe homogênea, abrangência nacional e pertinência temática. Não atendimento. Precedentes do Supremo Tribunal.

Índice: A Consulta. I. Apontamentos preliminares. II. Entidade de classe de âmbito nacional. II.A. Entidade de âmbito nacional. II.B. Entidade de classe. III. O requisito da pertinência temática. III.A. Configuração jurisprudencial do requisito. III.B. Pertinência do requisito. III.C. A relação de pertinência na ADI 5017/DF. IV. Síntese conclusiva. V. Resposta ao Quesito. 


A Consulta 

01. A Associação Paranaense dos Juízes Federais – APAJUFE honra-nos com a formulação de consulta a respeito da legitimidade da Associação Nacional dos Procuradores Federais – ANPAF para aforar, perante o Colendo Supremo Tribunal Federal, ação de fiscalização abstrata de constitucionalidade contra a Emenda Constitucional n.º 73, promulgada em 6 de abril de 2013, que criou os Tribunais Regionais Federais da 6ª, 7ª, 8ª e 9ª Regiões.  Como se sabe, referida Associação ajuizou a ação direta de inconstitucionalidade n.º 5017 contra o ato normativo em questão, cuja eficácia foi suspensa por incomum e temerária decisão proferida em caráter liminar pelo Presidente do Tribunal, Min. Joaquim Barbosa.

02. A consulta apresenta quesito único, formulado nos termos a seguir:

Quesito único – considerados os requisitos necessários, dispõe a Associação Nacional dos Procuradores Federais – ANPAF de legitimidade ativa para propor, perante o Supremo Tribunal Federal, ação direta de inconstitucionalidade contra a Emenda Constitucional n.º 73, de 6 de abril de 2013? 

A legitimidade de associações para a propositura de ações diretas perante o Supremo Tribunal depende do atendimento dos pressupostos que serão tratados a seguir.


I. Apontamentos preliminares

 03. Cumpre, antes de tudo, destacar um aspecto relevante para a compreensão do problema: o controle abstrato da constitucionalidade destina-se, principalmente, à proteção da ordem jurídica objetivamente considerada, cuidando da defesa do ordenamento jurídico pátrio independente de lesão ou ameaça de lesão a direitos ou interesses subjetivos desta ou daquela pessoa.

04. As organizações sindicais e as entidades de classe, assim como os partidos políticos, isto deve ser reconhecido, ostentam natureza e finalidade que os apartam dos órgãos e autoridades que os acompanham no rol de legitimados do art. 103 da Constituição. Bem por isso, certa doutrina chegou a postular, inclusive, a supressão de sua legitimação ativa para suscitar o controle abstrato de constitucionalidade.[1] Cumpre reconhecer, todavia, que, se tais entidades dispõem dessa prerrogativa, é porque o Constituinte, por razões políticas que não desafiam, neste momento, questionamento, entendeu por lhes atribuir posição privilegiada no espaço judicial de construção de sentido da nossa Constituição.

É desse pressuposto que partem as considerações colacionadas nesta manifestação opinativa.


II. Entidade de classe de âmbito nacional 

05. A Lei Fundamental, no art. 103, caput e inc. IX, estabelece que "Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade [...] entidades de classe de âmbito nacional". Ausente legislação específica cuidando do detalhamento dos pressupostos caracterizadores da legitimação, tem residido na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a tarefa de cuidar do tema.

 II.A. Entidade de âmbito nacional 

06. O reconhecimento do caráter de entidade de âmbito nacional configura questão simples em função da sólida jurisprudência da Excelsa Corte. Com efeito, o Supremo Tribunal Federal adota, como critérios de aferição da legitimidade ativa das entidades de classe, no que toca com o âmbito de abrangência de ação, por analogia, os mesmos exigidos para o registro de partidos políticos junto ao Tribunal Superior Eleitoral. Deve a associação, na hipótese, demostrar estar constituída por membros de, pelo menos, nove Estados da federação. [2]

07. O Supremo Tribunal Federal tem entendido ser insuficiente, para a comprovação do requisito de abrangência nacional, a mera declaração da parte interessada, com base no próprio ato constitutivo. De fato, conforme decisão do Tribunal, “para que a entidade de classe tenha âmbito nacional, não basta que o declare em seus estatutos. É preciso que esse âmbito se configure, de modo inequívoco.” [3] No julgamento da ADI 108, o Min. Celso de Mello reafirma a tese nos seguintes termos:

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem consignado, no que concerne ao requisito da espacialidade, que o caráter nacional da entidade de classe não decorre de mera declaração formal, consubstanciada em seus estatutos ou atos constitutivos. Essa particular característica de índole espacial pressupõe, além da atuação transregional da instituição, a existência de associados ou membros em pelo menos nove Estados da Federação. Trata-se de critério objetivo, fundado na aplicação analógica da Lei Orgânica dos Partidos Politicos, que supõe, ordinariamente atividades econômicas ou profissionais amplamente disseminadas no território nacional. Precedente: ADIN-386.[4]

08. Os documentos que acompanham a petição inicial da ANPAF na ADI 5017, mesmo os referidos pelo Presidente da Excelsa Corte ao deferir a liminar,[5] não permitem justificar, de modo inequívoco, o caráter verdadeiramente nacional da entidade. Cuida-se de pressuposto, portanto, cuja satisfação deve ser suficientemente demonstrada. A questão, entretanto, envolve juízo decorrente de mero cotejo documental, razão pela qual esta manifestação dela não cuidará.  

II.B. Entidade de classe 

09. Sobre ostentar caráter nacional, a entidade postulante deve representar determinada classe ou categoria, no singular. Também aqui a configuração do pressuposto constitucional de legitimação da postulação em sede de controle de normas em tese depende das balizas desenhadas pelo entendimento reiterado do Judiciário. Ora, a jurisprudência do Supremo tem exigido para a satisfação do pressuposto a homogeneidade da representação.[6] Deve a entidade, portanto, por disposição estatutária, para ser caracterizada como de classe, atuar na defesa dos interesses e prerrogativas dos membros de categoria bem definida.[7] A unidade material na constituição e identificação da classe funda-se na reunião de esforços destinados ao alcance de objetivos comuns (melhorias institucionais, aprimoramento de pessoal, por exemplo). Veja-se decisão do Min. Gilmar Mendes nesse sentido:

A entidade de classe considerada legítima para ajuizar ADI deve ser integrada por membros vinculados entre si por objetivos comuns. É necessária a presença de um elemento unificador que, fundado na essencial homogeneidade, comunhão e identidade de valores, constitua um necessário fator de conexão capaz de identificar os associados como membros que efetivamente pertencem a uma mesma classe ou categoria (cf. ADI 108-6/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 24.4.1992). [8]       

10. Especificando ainda mais o critério da homogeneidade, o Supremo tem afirmado que a entidade deve representar não apenas uma fração ou parcialidade de categoria, e sim a sua integralidade.[9] Todavia, aqui é importante pontuar que, em certos casos, aliás justificáveis, o Tribunal tem entendido pela legitimidade de associações representativas de parcelas de uma mesma categoria. Foi o que ocorreu, por exemplo, no julgamento de ações nas quais se afirmou a legitimidade da Associação dos Juízes Federais do Brasil - AJUFE e da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho - ANAMATRA para a propositura de ADI, nada obstante ambas as carreiras integrarem uma mesma classe (a de magistrados em nível federal).[10] A situação guarda sentido no caso porque uma mesma categoria, a dos magistrados do Poder Judiciário da União, é organizada a partir de carreiras distintas, implicando a emergência de especificidades que não só autorizam, como justificam mesmo o entendimento afirmado pela Excelsa Corte na sua jurisprudência.

11. O Supremo Tribunal Federal tem procurado desenhar critérios cada vez mais precisos para definir o conceito de classe em sede de controle abstrato de constitucionalidade. Diante da exigência de homogeneidade, o Tribunal tem entendido que entidades de caráter abrangente não dispõem de legitimidade para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade. São entidades de caráter abrangente aquelas congregadoras de distintas classes, carrreiras ou categorias, mesmo supondo exercício de labor análogo.

Foi por essa razão que o Min. Gilmar Mendes, na decisão apontada anteriormente (ADI 3787), entendeu pela ilegitimidade da UNAFE - União dos Advogados Públicos Federais para suscitar o controle abstrato. Em decisão que reconheceu a ilegitimidade ativa, o Ministro registrou ser a UNAFE representativa de carreiras distintas: "além dos advogados da União também os Procuradores Federais, Procuradores do Banco Central, Procuradores da Fazenda, Procuradores da Previdência Social e outros Advogados Federais de Estado". [11]

Mais do que isso, o Ministro deixou claro que as carreiras mencionadas já contam com suas próprias entidades representativas. Esse fato, é preciso lembrar, não impede, por si só, a constituição de novas entidades. Aliás, com essa finalidade é que a Constituição de 88 assegura o direito fundamental à liberdade de associação (art. 5.º, incs. VII e XX). Nada obsta, além disso, que mais de uma entidade representativa possa vir a atuar perante o Supremo em sede de controle abstrato de constitucionalidade.[12] Todavia, a meio caminho entre a liberdade fundamental de associação e a legitimidade ativa para propositura de ações diretas existem requisitos constitucionais que precisam ser cumpridos. Além disso, é importante lembrar o risco de que entidades de classe busquem no Supremo espaço para a discussão de interesses meramente corporativos. É o que foi, certa feita, expressamente observado pela Min. Ellen Gracie:

Evidencia-se, da decisão agravada, uma legítima preocupação quanto à proliferação de entidades associativas no âmbito de uma mesma classe profissional, circunstância que, muitas vezes, tem como causa disputas político-corporativas estéreis e que retiram a força da categoria como unidade. [13]

        12. Como antes mencionado, a decisão do Supremo pela legitimidade de associação representativa de apenas uma parcialidade da classe não exclui, de todo, a potencial legitimidade de associação representativa da sua totalidade. A afirmação é possível por se observar que, até o presente, ambas as dimensões representativas têm sido admitidas como postulantes de fiscalização abstrata da constitucionalidade. Essas duas vertentes da jurisprudência levam a crer que a preferência do Supremo por uma ou outra associação (seja a que congrega todas as carreiras de uma mesma classe, seja a que congrega apenas uma parcialidade desta) depende, para além do requisito da homogeneidade, da norma objeto de impugnação. Em outras palavras, o conteúdo material da norma cuja constitucionalidade se discute define se a entidade de classe dispõe de legitimidade ou não para a propositura da ação. Daí que a legitimidade da entidade de classe, uma vez superado o teste da homogeneidade, deva ser apurada em particular, caso por caso, pelo Supremo Tribunal Federal. Ora, no caso em estudo, observa-se claramente que a autora pretende representar carreiras, classes ou categorias que estão longe de ser homogêneas. Entre os seus associados estão Advogados da União, Procuradores Federais, Procuradores da Previdência Social, Procuradores da Fazenda e do Banco Central, representados também por outras associações de classe. É difícil dizer que as classes em questão possam ser reduzidas à homogênea condição. Ao contrário, todas apresentam as suas especificidades. Daí porque o requisito da homogeneidade da representação não está suficientemente configurado.


III. O requisito da pertinência temática

 III.A. Configuração jurisprudencial do requisito 

13. O art. 103 da Constituição Federal especifica os legitimados ativos para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade:[14] o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. Nas Constituições anteriores apenas o Procurador-Geral da República dispunha de legitimidade para a propositura da ação de inconstitucionalidade. [15] O Constituinte de 1988 ampliou consideravelmente o número de legitimados. Não chegou, porém, ao ponto de fazer da ação direta de inconstitucionalidade uma actio popularis.[16]

14. Após a promulgação da Constituição de 1988 o número de ações diretas de inconstitucionalidade cresceu de modo significativo. Com efeito, de 1934, quando foi instituída a ação interventiva, até 1988, o número de ações diretas ajuizadas perante o Excelso Pretório (apenas interventivas até 1965; interventivas e genéricas após 1965) não chegou a 1700 (um mil e setecentas). [17] De 1988 (outubro) a setembro de 2013, ou seja, em um período de praticamente vinte e cinco anos, foram ajuizadas 5073 (cinco mil e setenta e três) ações, muitas delas impugnando mais de um dispositivo, às vezes mais de uma dezena deles, no caso das ações voltadas contra normas das Constituições estaduais que foram promulgadas a partir de outubro de 1989.

15. É evidente que o momento jurídico-político pelo qual passa o país desde a promulgação da Constituição de 1988 é, em parte, determinante do grande número de ações ajuizadas. Mas a “inflação legislativa”, [18] presente em quase todos os Estados contemporâneos, e especialmente nos países recém-industrializados, parece constituir outro fator que precisa ser levado em conta. Some-se ao momento referido e à “inflação legislativa” apontada, a extensão, a outros órgãos e pessoas, da legitimação ativa, antes monopolizada pelo Procurador-Geral da República, e estará explicada a multiplicação das ações diretas de inconstitucionalidade, designadamente quando se trata de uma Constituição analítica, como a de 1988. Não é de estranhar, portanto, que o Supremo Tribunal Federal, por meio de seus julgados, venha procurando restringir o seu manejo. O Supremo Tribunal Federal reconhece que alguns legitimados ativos – o Presidente da República, o Procurador-Geral da República, as Mesas do Senado e da Câmara dos Deputados, os partidos políticos [19] e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – têm interesse em preservar a supremacia da Constituição por força de suas próprias atribuições institucionais. Quanto aos demais legitimados, inclina-se a estabelecer restrições. O Excelso Pretório caminha para “só admitir a ação direta por parte de Governadores e Mesas das Assembléias Legislativas, se a lei impugnada disser respeito, de algum modo, às respectivas unidades federadas; e por parte de confederações sindicais ou entidades de classe, se a norma em causa ferir os interesses dos respectivos filiados ou associados”. [20] Após a promulgação da Emenda Constitucional n.º 45, de 30 de dezembro de 2004, a restrição foi estendida, também, ao Governador e à Câmara Legislativa do Distrito Federal. [21]

16. Assim é que, ao lado dos requisitos constitucionais da representatividade de classe e da abrangência nacional, o Supremo Tribunal Federal construiu a tese da pertinência temática. De acordo com a tese, para que a entidade de classe possa legitimamente suscitar o juízo da Corte sobre a constitucionalidade de lei ou ato normativo, é necessário que suas finalidades estatutárias estejam em sintonia com o conteúdo material da norma impugnada. [22] O requisito da pertinência temática, inicialmente exigido, apenas, das entidades de classe, foi posteriormente estendido, também, às confederações sindicais. Segundo o Ministro Celso de Mello, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,       

[...] tem ressaltado que a exigência em causa – tratando-se de confederações sindicais – qualifica-se como critério objetivo definidor da própria legitimidade ativa ad causam de tais entidades para a instauração do processo de controle normativo abstrato. [...]  A jurisprudência do STF, ao interpretar o alcance da cláusula inscrita no art. 103, IX, da Carta Política, erigiu o vínculo de pertinência temática à condição objetiva de requisito qualificador da própria legitimidade ativa ad causam das confederações sindicais para o ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade. Inicialmente exigida apenas quanto às entidades de classe de âmbito nacional (ADin 396-DF, Rel. Min. Paulo Brossard; ADin 839-Pr, Rel. Min. Carlos Velloso, RTJ 133/1011, Rel. Min. Sidney Sanches), a pertinência temática a partir do julgamento da ADin 1114-DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, passou a ser considerada requisito de observância indispensável também no que concerne às Confederações Sindicais. [23]

17. A pertinência temática, portanto, conforme ressaltado pelo Ministro, é critério definidor de legitimidade da entidade de classe para propositura de ação direta de controle de constitucionalidade. A relação de pertinência que sustenta o requisito ocorre entre os objetivos perseguidos pela entidade de classe e o conteúdo da norma impugnada. Não por outra razão, colhe-se da jurisprudência do Supremo que a (i) legitimidade da parte para propositura da ação direta depende do conteúdo da norma impugnada:       

A legitimidade ativa da confederação sindical, entidade de classe de âmbito nacional, Mesas das Assembleias Legislativas e governadores, para a ação direta de inconstitucionalidade, vincula-se ao objeto da ação, pelo que deve haver pertinência da norma impugnada com os objetivos do autor da ação. Precedentes do STF: ADI 305/RN (RTJ 153/428); ADI 1.151/MG (DJ de 19-5-1995); ADI 1.096/RS (Lex-JSTF, 211/54); ADI 1.519/AL, julgamento em 6-11-1996; ADI 1.464/RJ, DJ de 13-12-1996. Inocorrência, no caso, de pertinência das normas impugnadas com os objetivos da entidade de classe autora da ação direta). [24]

18. A relação de pertinência que vem sendo exigida ao longo destes mais de vinte anos de jurisprudência do Tribunal, contudo, não se opera de maneira genérica. Como antes mencionado, para a noção de entidade de classe o Supremo construiu a tese de que deve ser homogênea e representar interesses convergentes e bem definidos. Entendimento semelhante tem sido desenvolvido para a noção de pertinência temática. Por esse motivo, o Supremo tem afirmado ser necessário que a norma impugnada trate, estrita e especificamente, de matéria correlata aos fins perseguidos pela associação institucionalizada:

Com efeito, esta Corte tem sido firme na compreensão de que as entidades de classe e as confederações sindicais somente podem lançar mão das ações de controle concentrado quando mirarem normas jurídicas que digam respeito aos interesses típicos da classe representada (cf. ADI 3.906-AgR/DF, Relator o Ministro Menezes Direito, DJE de 5-9-2008). A exigência da pertinência temática é verdadeira projeção do interesse de agir no processo objetivo, que se traduz na necessidade de que exista uma estreita relação entre o objeto do controle e os direitos da classe representada pela entidade requerente. [25]

19. Assim é que, por exemplo, o Supremo entendeu pela legitimidade da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público para ingressar com ADI no intuito de discutir a constitucionalidade de dispositivo do novel Código Civil cuidando das atribuições de seus órgãos; [26] também, foi reconhecida a legitimidade da Associação Nacional dos Defensores Públicos para questionar, por via de ação direta de inconstitucionalidade, lei complementar estadual que dispunha, especificamente, sobre a organização da carreira.[27]         O Supremo  decidiu, entretanto, que uma entidade de classe de âmbito nacional não pode ajuizar ação direta de inconstitucionalidade em face de um diploma se este não cuida da classe que ela representa.[28]

20. Indo mais a fundo, da jurisprudência do Supremo colhe-se decisão que, inclusive, entendeu ser imprescindível à legitimação ativa para a propositura de ação direta a existência de disposição estatutária específica contemplando como objetivo a defesa de determinado tema, conforme segue:

O art. 2º do Estatuto da FEBRABAN conduz à conclusão de não estar incluída entre as suas a finalidade de defender a constitucionalidade de normas que disciplinem as atribuições de instituições essenciais à prestação da jurisdição pelo Estado, como se dá relativamente à Defensoria Pública. Mesmo que se considere respeitar a matéria dos autos a 'tema de interesse da opinião pública', a natureza de associação de instituições financeiras bancárias da FEBRABAN limita a sua atuação à defesa de interesses diretos da categoria que representa. [29]

21. Convém advertir, por fim, que a relação de pertinência temática supõe que o conteúdo material da norma impugnada incida de modo direto sobre a atividade profissional ou econômica da classe representada:

ADIn: pertinência temática. Presença da relação de pertinência temática, pois o pagamento da contribuição criada pela norma impugnada incide sobre as empresas cujos interesses, a teor do seu ato constitutivo, a requerente se destina a defender. [30]

22. Embora pacificado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a doutrina não é unânime em relação ao requisito da pertinência temática. Para a construção de juízo seguro a propósito da existência de relação de pertinência entre o teor da EC 73/13 e as finalidades estatutárias da ANPAF, objeto da presente consulta, é preciso enfrentar duas importantes críticas ao instituto: - a que incide sobre a legitimidade de sua construção pretoriana e a que cuida da compatibilidade com a finalidade objetiva do controle abstrato de constitucionalidade.

 III.B. Pertinência do requisito 

23. Uma primeira crítica sustenta substanciar, a relação de pertinência, restrição que deveria decorrer da vontade expressa do Legislador (Constituinte ou infraconstitucional) e não de entendimento jurisprudencial.

24. Embora seja possível discutir a propósito do propalado déficit de legitimidade democrática do Supremo Tribunal Federal para a adoção de restrições a direitos e garantias fundamentais, não é possível esquecer que o Direito não se resume à lei, sendo certo, ademais, que construções pretorianas são admitidas, enquanto fontes de direito, não apenas entre nós. Também é igualmente verdade que, entendendo em contrário o órgão detendor, por excelência, da legitimidade democrática, nada impede que, a qualquer tempo, cuide da matéria. O fato de ter sido antes decidida pelo Supremo, não a exclui, em princípio, do âmbito de apreciação política do Congresso.

 Nesse ponto, um dado relevante deve ser observado. O requisito da pertinência temática foi previsto pelo próprio legislador, quando da elaboração da lei regulamentadora do processo e julgamento da ADI e da ADC (Lei Federal n.º 9.868/99), em parágrafo único do art. 2.º. Com efeito, referido parágrafo único assim dispunha:

Parágrafo único. As entidades referidas no inciso IX, inclusive as federações sindicais de âmbito nacional, deverão demonstrar que a pretensão por elas deduzida tem pertinência direta com os seus objetivos institucionais.

O dispositivo, todavia, sofreu veto presidencial. Entendeu o Presidente da República, nas razões que sustentaram o veto, que a inclusão das confederações sindicais em sua redação iria de encontro à jurisprudência então consolidada do Supremo em sentido contrário. Nada obstante, a mensagem presidencial apresntanto os motivos do veto registrou o seguinte: - ainda que a exigência de pertinência temática resultasse também vetada por uma espécie de arrastamento, nada obstaria a que o Supremo promovesse a construção jurisprudencial de tal requisito. [31]

Ou seja, os representantes democraticamente eleitos (tanto o Presidente da República quanto os membros do Congresso Nacional) caminharam, igualmente, no sentido de afirmar a competência da Excelsa Corte para exigir a demonstração, por certos legitimados, da relação de pertinência entre os seus objetivos institucionais e o teor da norma impugnada.

 25. A outra crítica, conforme apontado, diz respeito à conformidade do requisito da pertinência temática com o caráter singular da fiscalização abstrata da constitucionalidade, haja vista a natureza objetiva do processo constitucional não comportar a defesa estrita de interesses subjetivos (no caso, os interesses de uma classe específica).

 26. Já foi afirmado que, inaugurando a ação direta genérica um “processo objetivo”, nela não há, propriamente, partes. Não há, afinal, aqui, um processo, “no qual as partes litigam pela defesa de direitos subjetivos ou pela aplicação de direito subjetivamente relevante. [32] Há, pois, partes meramente formais. Embora seja possível falar-se em legitimidade ativa e passiva (como se tem feito ao longo desta manifestação opinativa), é preciso fazer uso dessas categorias processuais com certa dose de reserva.[33] É que a ação direta de inconstitucionalidade não será proposta contra alguém, mas antes em face de um ato normativo apontado como ilegítimo do ponto de vista constitucional.[34]

 27. Com a exigência da demonstração da “adequação temática entre as finalidades estatutárias e o conteúdo da norma impugnada” – lembrando-se que a pertinência temática é um sucedâneo do interesse de agir do processo subjetivo –, o Supremo, de fato, não pode chegar ao ponto de transformar a ação direta em processo subjetivo de tutela de interesse concreto (ainda que coletivo). Essa é uma preocupação presente logo nos primeiros debates havidos no Tribunal com relação ao tema.

  28. A ADI 138-8/RJ pode ser tomada como um dos precedentes inaugurais na discussão sobre a compatibilidade da relação de pertinência com o processo objetivo. No julgamento, por ocasião do exame de legitimidade da Associação dos Magistrados Brasileiros para impugnar, por via de ação direta, a constitucionalidade de dispositivos da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, o Min. Paulo Brossard observou que o Presidente da República, as Mesas da Câmara e do Senado, e o Procurador-Geral da República, por exemplo, enquanto legitimados, "falam como autoridades e não na defesa de tal ou qual interesse, porque têm, de certa forma, responsabilidade na defesa da ordem constitucional, indiferentemente a este ou àquele interesse." [35]Na mesma assentada, o Min. Sepúlveda Pertence consignou que "essa relação de pertinência [...] não se há de equiparar à estrita relação subjetiva, que dá o substrato da legitimatio ad causam no processo comum", sendo que "Do contrário, ter-se-ia convertido o processo objetivo de controle de constitucionalidade [...] num processo jurisdicional [...] de postulação de interesses coletivos ou difusos."[36]

29. A fiscalização abstrata de constitucionalidade nada mais é do que um processo especial de revogação de lei sob o fundamento de inconstitucionalidade. [37] O Constituinte de 88 previu, para a deflagração deste processo, que entidades representativas de categorias profissionais ou econômicas buscassem, por via de ação direta, a proteção judicial dos interesses econômicos e profissionais de seus associados, sob o fundamento de proteção da higidez da ordem jurídico-constitucional.

30. Em síntese, sendo o processo de fiscalização abstrata objetivo, cumpre exigir, para efeito de aferição da legitimidade, porquanto estes órgãos não dispõem de interesse genérico na preservação da supremacia constitucional, a demonstração do interesse de seus filiados e associados na questão constitucional para o fim de evitar a multiplicação de ações propostas nem sempre com os melhores propósitos. Tratando-se, por exemplo, de autoridade e órgão estaduais e não federais, a legitimidade de que dispõem, por força de dispositivo constitucional, para a propositura de ação direta, só guarda sentido em relação às respectivas leis locais e às federais que, de algum modo, repercutam na esfera de autonomia estadual. Não seria demais admitir-se, também, a legitimidade do Governador e da Mesa de Assembléia Legislativa ou Câmara Legislativa do Distrito Federal para a propositura de ação direta contra lei ou ato normativo de outra coletividade política federada (Estado-Membro ou Distrito Federal). Basta que a lei ou o ato impugnados atinjam, de modo negativo, o âmbito estadual. [38]

31. A jurisprudência do Supremo vai, portanto, estabelecendo diferença de tratamento entre os (i) legitimados universais (Presidente da República, as Mesas do Senado e da Câmara, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e partido político com representação no Congresso Nacional) [39] e os (ii) legitimados especiais (Governadores, Mesas de Assembléia Legislativa e da Câmara Legislativa do Distrito Federal, confederação sindical e entidade de classe de âmbito nacional). Os primeiros não precisam demonstrar interesse (relação de pertinência entre o ato impugnado e as funções exercitadas pelo órgão ou entidade; adequação da causa às finalidades estatuárias); os segundos, inevitavelmente, sim. [40] Trata-se, pois, o requisito da pertinência temática, de uma restrição racionalizadora, concebida pelo Tribunal, fundando-se em sua legitimidade político-institucional para a construção do sentido do Direito através de sua jurisprudência.

III.C. A relação de pertinência na ADI 5017/DF 

32. Na petição inicial da ADI 5017/DF, a ANPAF sustenta que a relação de pertinência entre a EC 73/13 e as suas finalidades institucionais deriva do fato de que a criação dos Tribunais Regionais Federais produzirá impacto sobre as atividades profissionais e sobre a esfera econômica de seus membros. O argumento não resiste a uma análise mais apurada.

33. De início, confiram-se o teor da EC 73/73 e o rol de finalidades institucionais da ANPAF, nos termos do que dispõe o seu Estatuto no art. 4.º.  É o seguinte o teor da norma impugnada:

Art. 1º O art. 27 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar acrescido do seguinte § 11:

"Art. 27. ...........................................

§ 11. São criados, ainda, os seguintes Tribunais Regionais Federais: o da 6ª Região, com sede em Curitiba, Estado do Paraná, e jurisdição nos Estados do Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul; o da 7ª Região, com sede em Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, e jurisdição no Estado de Minas Gerais; o da 8ª Região, com sede em Salvador, Estado da Bahia, e jurisdição nos Estados da Bahia e Sergipe; e o da 9ª Região, com sede em Manaus, Estado do Amazonas, e jurisdição nos Estados do Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima.”

Art. 2º Os Tribunais Regionais Federais da 6ª, 7ª, 8ª e 9ª Regiões deverão ser instalados no prazo de 6 (seis) meses, a contar da promulgação desta Emenda Constitucional.

Art. 3º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.       

Eis, por outro lado,  o que prevê o art. 4.º do Estatuto da entidade:

Art. 4º – A ANPAF tem por objetivos:

a) unir, integrar e congregar seus sócios efetivos e as associações de classe que os representem;

b) representar e defender os interesses e direitos profissionais de seus associados, judicial e extrajudicialmente;

c) defender o cumprimento da Constituição e das leis junto aos poderes públicos, argüindo eventuais inconstitucionalidade e ilegalidades;

d) lutar pela melhoria das condições de trabalho e sociais dos seus membros;

e) zelar pelo respeito, obediência e atenção às prerrogativas de seus associados;

f) incentivar o espírito associativo da classe;

g) promover o aprimoramento jurídico, técnico e profissional dos membros associados, diretamente ou mediante convênio com órgãos públicos e entidades privadas;

h) divulgar matérias do interesse da classe que representa;

i) editar a “Revista da ANPAF – “Revista do Procurador Federal” e/ou outras publicações;

j) fomentar a criação de Representações Estaduais;

l) colaborar com os poderes constituídos nas iniciativas de interesse da sociedade e da classe;

m) propor e acompanhar a realização de concursos públicos para provimento de cargos de procurador federal; ou assemelhados;

n)  empenhar – se junto às autoridades objetivando a doação de áreas destinadas à instalação da entidade e suas filiadas;

o)  credenciar – se, na forma da lei, aos estímulos e benefícios de natureza sócio – cultural – educativa e de interesse de seus associados.

p) editar publicações de cunho jurídico.[41]

34. Viu-se anteriormente (subitem 3.1) a progressão da jurisprudência do Supremo no sentido de não aceitar como suficiente, para a caracterização da pertinência temática, a mera incidência da norma impugnada sobre a esfera individual dos membros da entidade de classe.  É necessário, mais do que isso, que a norma guarde estreita relação com as finalidades institucionais do requerente, daí porque a norma objeto da ação direta deve versar, especificamente, sobre matéria que envolva direitos e obrigações correlatos às atividades desenvolvidas pelos membros associados. Do contrário, não faria qualquer sentido a construção jurisprudencial do requisito da relação de pertinência, pois os legitimados especiais seriam equiparados aos legitimados universais (lembrando que a pertinência temática é exigida, apenas, dos legitimados especiais). Ora, é justamente a finalidade institucional direta de guarda da ordem política ou de defesa de interesses setorizados que levou o Tribunal, conforme apontado, a divisar ambas as qualidades de legitimação, entre órgãos de natureza política e instituições privadas.

35. O conteúdo genérico da EC 73/13 não guarda relação direta com nenhuma das finalidades institucionais a que se destina a entidade de classe em referência. A ANPAF aponta como finalidade institucional correlata à norma impugnada a luta pela "melhoria nas condições de trabalho e sociais" de seus afiliados e o objetivo de “zelar pelo respeito, obediência e atenção à prerrogativa de seus associados” (art. 4.º, al. d e e). Tais objetivos são demasiadamente genéricos para autorizarem a satisfação do requisito da pertinência temática. Além disso, a EC 73/13 cuida de tema que não guarda relação direta com a entidade de classe. Os interesses da classe, enquanto classe ou categoria, não foram de nenhuma maneira feridos com a promulgação da Emenda Constitucional.

 36. No caso em tela, é necessário ter sempre presente o entendimento que vem sendo construído pelo Supremo no que concerne à configuração da relação de pertinência temática: - que a norma impugnada verse sobre interesses típicos da classe representada (ADI 4426, e demais precedentes, citados). Rememorem-se, a título de exemplo, o julgado em que foi reconhecida a legitimidade ativa da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público para discutir a constitucionalidade de norma que dispunha, especificamente, sobre atribuições de seus órgãos (ADI 2794, citada), e o julgado em que se reconheceu a legitimidade da Associação Nacional dos Defensores Públicos para questionar norma que versava sobre a organização da carreira de seus membros (ADI 2903, citada). Cuidando a EC 73/12 única e exclusivamente da criação de novos tribunais regionais, claro está que não trata, direta, estrita e especificamente, de matéria correlata às finalidades estatutárias da Associação autora.

37. É claro que a criação de novos tribunais gera reflexos sobre as atribuições institucionais e a organização da carreira dos membros representados pela entidade em questão. Gera reflexos, todavia, e exatamente na mesma proporção, sobre as atividades de membros de inúmeras outras carreiras, atuantes no labor judiciário ou não. Apanhe-se, como exemplo, o pedido da Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN para ingresso como amicus curiae em ação direta de inconstitucionalidade proposta contra dispositivo de lei que alterava competência da Defensoria Pública para ajuizamento de ação civil pública (ADI 3943, citada). Embora pudesse a Federação sustentar ser diretamente afetada pela norma em questão por quaisquer razões que fossem, ainda assim lhe faltaria a condição de conter, dentre seus objetivos institucionais, “a finalidade de defender a constitucionalidade de normas que disciplinem as atribuições de instituições essenciais à prestação da jurisdição pelo Estado, como se dá relativamente à Defensoria Pública.” [42]

38. Percebe-se, assim, que a pertinência temática poderia, em tese, decorrer de relação entre quaisquer efeitos decorrentes da criação dos tribunais e o exercício de quaisquer atividades profissionais. Ocorre que a abrangência dessa relação tem levado o Supremo a tornar cada vez mais estrito o acesso de entidades de classe ao controle concentrado de constitucionalidade. Por esse motivo, tem o Tribunal ressaltado ser, a mera e normal incidência de efeitos sobre as atividades da associação, insuficiente para caracterização da relação de pertinência. É preciso mais, que os objetivos institucionais da entidade sejam claros e específicos quanto ao tema objeto da norma impugnada e, além disso, os interesses contrariados não sejam gerais, mas, antes, específicos da categoria ou classe.

39.  O mero interesse genérico, indireto, incidente sobre todos e não apenas sobre a classe ou categoria, não justifica a relação de pertinência. Além disso, o interesse genérico na proteção de questões de interesse público também não legitima as entidades de classe para a provocação da fiscalização abstrata de constitucionalidade na Excelsa Corte. As despesas públicas decorrentes da Emenda Constitucional, a adequação da medida legislativa, a prognose feita pelo Legislador Constituinte, a escolha política concretizada pela normativa constante de Emenda Constitucional, a racionalidade ou irracionalidade da solução adotada, a necessidade da adequação da advocacia pública, enquanto órgão do Estado, para atuar nos novos Tribunais, tudo isso não justifica a pertinência autorizadora da legitimação da associação. Ainda que a ANPAF pretenda discutir a exigibilidade de prévia dotação orçamentária para a implementação da EC 73/13, trata-se de argumento de ordem econômico-financeira geral, incabível para justificar o interesse de agir subjacente à relação de pertinência. Essa é, inclusive, outra razão pela qual o Supremo tem reservado às entidades de classe a discussão constitucional de determinadas questões, apenas. Daí que tais entidades integrem o grupo de legitimados especiais (e não universais) para propositura de ações diretas.

No julgamento da ADI 1157, o Min. Marco Aurélio deixou consignado que a preservação do erário seria um interesse de todos os cidadãos em geral, sendo que "Agasalhá-lo implicaria, em última análise, pulverizar o instituto da pertinência temática". Eis a ementa do julgado:

Ação direta de inconstitucionalidade -Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB) - ausência de legitimidade ativa ad causam por falta de pertinência temática -insuficiência, para tal efeito, da mera existência de interesse de caráter econômico-financeiro - hipótese de incognoscibilidade - ação direta não conhecida. [43]

40. Em síntese, e tal qual exposto anteriormente, os precedentes do Supremo Tribunal Federal firmam-se no sentido de que a legitimidade da entidade de classe para a propositura de ação direta de controle de constitucionalidade "vincula-se ao objeto da ação", de modo que, sendo este abrangente, conclui-se serem ilegítimos para discuti-lo os sujeitos de que se exige o cumprimento do requisito adicional da relação de pertinência (legitimados especiais), dentre os quais se incluem as entidades de classe como a ANPAF.


IV. Síntese conclusiva

As considerações até aqui apresentadas permitem condensar as seguintes conclusões:

01.        A comprovação da abrangência nacional da entidade depende de simples prova documental a ser examinada pelo próprio Supremo Tribunal;

02.        A ANPAF não se apresenta como entidade representativa de classe bem definida, nos termos do que exige a Excelsa Corte (ADI 1.988). Entre seus associados estão Advogados da União, Procuradores Federais, Procuradores da Previdência Social, Procuradores da Fazenda e do Banco Central, sendo certo que as citadas carreiras são representadas por outras associações (de classe definidas), como por exemplo, a Associação Nacional dos Membros das Carreiras da Advocacia-Geral da União – ANAJUR, a Associação Nacional dos Advogados da União – ANAUNI e a Associação Nacional dos Procuradores da Previdência Social – ANPPREV. Não há que se falar, portanto, em homogeneidade de representação. Ora, o Supremo Tribunal Federal na ADI 3381 manifestou-se no sentido de que a heterogeneidade da composição da autora implica a ilegitimidade ativa para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade. É o que ocorre com a ANPAF.

03.        O requisito da pertinência temática, por outro lado, claramente, não foi atendido em razão da evidente distância entre o teor (genérico) da norma impugnada e os objetivos institucionais da entidade de classe em questão. A configuração da pertinência, segundo a jurisprudência da Excelsa Corte, depende da repercussão direta da norma impugnada sobre a esfera jurídica dos interesses específicos da Associação ou de seus filiados. Ora, não há no estatuto objetivo específico, e na hipótese nem faria sentido a sua previsão, que justifique a atuação da autora. A criação de novos Tribunais ou de qualquer novo órgão público sempre implicará reflexo na atividade dos demais órgãos públicos e, claro, dos cidadãos. Mas nem por isso estão referidos órgãos  autorizados a exigir a sua aquiescência à manifestação do Poder Constituinte Derivado ou, mesmo, do Legislador. Este é o ônus imposto a todos no Estado Democrático de Direito. Não impressiona, portanto, eventual argumentação no sentido de condicionar a atividade legislativa do Estado à prévia consulta, enquanto condição de validade das normas, dos órgãos do próprio Estado reflexamente afetados. Por fim, importa lembrar que o fato da criação de novos tribunais implicar readequação dos quadros das carreiras de advogados e procuradores não é suficiente para conferir legitimidade à autora no processo de controle abstrato da constitucionalidade. O fato decorre da incidência genérica da Emenda questionada, não importando, de nenhum modo, agressão direta e específica a interesse de classe dos filiados da Autora.


V. Resposta ao Quesito

 Frente ao exposto, respondo ao quesito único formulado por ocasião da Consulta da seguinte forma:

Resposta ao quesito:

 Não, à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a Associação Nacional dos Procuradores Federais – ANPAF, claramente, não dispõe de legitimidade para aforar ação direta de inconstitucionalidade contra a Emenda Constitucional n. 73/2013.

É o que me parece, s.m.j.

Curitiba, 3 de outubro de 2013.

Prof. Dr. Tit. Clèmerson Merlin Clève


Notas

[1]Para Arthur de Castilho Neto (Reflexões críticas sobre a ação direta de constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, RPGR 2:11-39, Brasília, 1993, p. 39), “[...] merece reparos o dispositivo constitucional que define o elenco de entidades ou pessoas legitimadas para ajuizar a ação direta. Creio – diz ele – que se deva restringir seu uso ao Procurador-Geral da República e aos Poderes de Estado, evitando-se, com isso, a sobrecarga do Judiciário com excessivas ações, intentadas algumas vezes – faço aqui as honrosas ressalvas – por espírito de emulação ou por razões políticas”. Gilmar Ferreira Mendes também teve ocasião de postular a supressão da legitimidade ativa destas entidades (Jurisdição constitucional:o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1998, p. 142 e 145).

[2] A analogia é com o art. 7º da Lei 9.096/95, verbis: “Art. 7º O partido político, após adquirir personalidade jurídica na forma da lei civil, registra seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral. § 1º Só é admitido o registro do estatuto de partido político que tenha caráter nacional, considerando-se como tal aquele que comprove o apoiamento de eleitores correspondente a, pelo menos, meio por cento dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não computados os votos em branco e os nulos, distribuídos por um terço, ou mais, dos Estados, com um mínimo de um décimo por cento do eleitorado que haja votado em cada um deles.” Confira-se decisão do STF nesse sentido: "Carece de legitimação para propor ação direta de inconstitucionalidade, a entidade de classe que, embora de âmbito estatutário nacional, não tenha representação em, pelo menos, nove estados da federação, nem represente toda a categorial profissional, cujos interesses pretenda tutelar." (ADI 3.617-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 25-5-2011, Plenário, DJE de 1º-7-2011.) Também: ADI 4.149, Rel. Min. Menezes Direito, decisão monocrática, julgamento em 23-9-2008, DJE de 30-9-2008;

[3] ADI 386, Rel. Min. Sydney Sanches, julgamento em 4-4-1991, DJ 28-6-1991 (sem grifo no original); ADI 3617 AgR/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 25-5-2011, Plenário, DJE de 1º-7-2011.

[4]ADI 108 QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-4-1992, DJ 5-6-1992, sem grifo no original.

[5]A decisão do Ministro Presidente sobre o pedido cautelar deixa consignado o seguinte: "Para comprovar sua regularidade, a entidade-requerente junta procuração com outorga expressa de poderes para o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade contra a EC 73/2013 (Doc. 03), comprobante de inscrição e de situação cadastral no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (Doc. 04), cópia de ‘Retificação Parcial de Ata de Assembleia – Ata de Posse da Diretoria da Anpaf para o Biênio 2013-2014 (Doc. 05), termo de posse no cargo de Presidente (Doc. 06), cópia da Carteira de Inscrição do Presidente na Ordem dos Advogados do Brasil (Doc. 07)." ADI 5017 MC/DF, decisão monocrática, Pres. Min. Joaquim Barbosa, decisão em 17-07-2013, DJE de 31-7-2013. p. 4-5.

[6]"Ilegitimidade ativa da autora, entidade que não reúne a qualificação constitucional prevista no art. 103, IX, da CF. A heterogeneidade da composição da autora, conforme expressa disposição estatutária, descaracteriza a condição de representatividade de classe de âmbito nacional: Precedentes do STF." (ADI 3.381, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 6-6-2007, Plenário, DJ de 29-6-2007.) No mesmo sentido: ADI 3.900, rel. p/ o ac. min. Joaquim Barbosa, julgamento em 2-12-2010, Plenário, DJE de 8-11-2011; ADI 3.805-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 22-4-2009, Plenário, DJE de 14-8-2009.

[7] O Supremo superou jurisprudência anterior para admitir como membros da entidade de classe também outras associações, reconhecendo, agora, a possibilidade de "associações de associações" serem partes legítimas para a instauração de fiscalização abstrata perante o Tribunal: "Ação direta de inconstitucionalidade. Legitimação ativa. Entidade de classe de âmbito nacional. Compreensão da 'associação de associações' de classe. Revisão da jurisprudência do Supremo Tribunal. O conceito de entidade de classe é dado pelo objetivo institucional classista, pouco importando que a eles diretamente se filiem os membros da respectiva categoria social ou agremiações que os congreguem, com a mesma finalidade, em âmbito territorial mais restrito. É entidade de classe de âmbito nacional -- como tal legitimada à propositura da ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 103, IX) -- aquela na qual se congregam associações regionais correspondentes a cada unidade da Federação, a fim de perseguirem, em todo o País, o mesmo objetivo institucional de defesa dos interesses de uma determinada classe. Nesse sentido, altera o Supremo Tribunal sua jurisprudência, de modo a admitir a legitimação das 'associações de associações de classe', de âmbito nacional, para a ação direta de inconstitucionalidade." (ADI 3.153-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 12-8-04,  DJ de 9-9-05). No mesmo sentido: ADI 2.797 e ADI 2.860, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 15-9-05, DJ de 19-12-06.

[8]ADI 3787, decisão monocrática em 3-10-2006, DJ de 9-10-2006, sem grifo no original.

[9] "Ação direta de inconstitucionalidade. Legitimidade ativa ad causam. CF/1988, art. 103. Rol taxativo. Entidade de classe. Representação institucional de mera fração de determinada categoria funcional. Descaracterização da autora como entidade de classe. Ação direta não conhecida. (...) A CR, ao disciplinar o tema concernente a quem pode ativar, mediante ação direta, a jurisdição constitucional concentrada do STF, ampliou, significativamente, o rol – sempre taxativo – dos que dispõem da titularidade de agir em sede de controle normativo abstrato. Não se qualificam como entidades de classe, para fins de ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade, aquelas que são constituídas por mera fração de determinada categoria funcional. Precedentes." (ADI 1.875-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 20-6-2001, Plenário, DJE de 12-12-2008.) No mesmo sentido: ADI 4.473-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 20-6-2012, Plenário, DJE de 1º-8-2012; ADI 4.057, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, decisão monocrática, julgamento em 26-3-2008, DJE de 2-4-2008; ADI 1.788, rel. p/ o ac. min. Nelson Jobim, julgamento em 5-3-1998, Plenário, DJ de 17-3-2006; ADI 1486-MC, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 12-9-96, Plenário, DJ de 13-12-96,  ADI 846-MC, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 8-9-1993, Plenário, DJ de 17-12-1993.

[10]De fato, a exigência de homogeneidade poderia, conforme observa Barroso, produzir efeito inverso, pelo risco de admitir a legitimidade de entidades constituídas por vínculos associativos bastante genéricos, prejudicando uma adequada defesa dos interesses de seus membros. (BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 5. ed.. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 188)

[11]ADI 3787, citada.

[12]O Supremo já decidiu que a pertinência temática não é dependente de ser, a categoria respectiva, o único segmento social compreendido no âmbito normativo do diploma impugnado (ADI 1590 MC/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 19-6-1997, DJU 15-8-1997).

[13] ADI 3787, citada.

[14]Algumas considerações feitas nesta manifestação opinativa, especialmente sobre o tema da pertinência temática (configuração jurisprudencial e juridicidade do requisito), já foram trabalhadas no nosso Fiscalização abstrata da constitucionalidade, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000. p. 63-70; 138-151.

[15]Sustentava, todavia, Victor Nunes Leal (Representação de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal: um aspecto inexplorado,Anais da VII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Curitiba, Ordem dos Advogados do Brasil, Conselho Federal, 1978,p. 501) que “[...] a inclusão da representação oferecida pelo Procurador-Geral na competência do STF não exclui (ressalvada, como se disse antes, a representação interventiva) que ele se tenha por competente para processar e julgar representações da demais modalidades e que não provenham do Procurador-Geral. Tais outras representações – desde que oriundas de pessoas, autoridades ou entidades que, no contexto do nosso sistema constitucional, e a juízo da Alta Corte, tenham em grau elevado o dever de velar pela supremacia da Constituição – poderão ser incluídas, por interpretação construtiva, na competência do Supremo Tribunal Federal”. Bastava, segundo o emérito jurista, alteração no Regimento Interno da Excelsa Corte.

[16]“A Constituição Federal, ao indicar os órgãos, entidades e agentes ativamente legitimados para o exercício da ação direta de inconstitucionalidade, fê-lo em rol taxativo, inscrito em seu art. 103, consubstanciador de hipóteses definidas em numerus clausus” (PET 640-RJ, Rel. Min. Celso de Mello).

[17]Segundo Arthur de Castilho Neto (op. cit., p. 13), “em apenas 4 anos, de 1988 até o final de 1992, foram ajuizadas cerca de 850 ADinconst (abreviatura de ação direta de inconstitucionalidade), um número bastante eloqüente, sobretudo se comparado com as 1.050 representações formuladas perante a Suprema Corte em 25 (!) anos, ou seja, de 1965, quando se admitiu o exame, em tese, da constitucionalidade, até 1988, ano da promulgação da Nova Constituição Federal”.

[18]Segundo Eros Roberto Grau (A ordem econômica na Constituição de 1988, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1990, p. 35), a expressão “inflação legislativa” (...) é de Carnelutti (La morte del diritto: la crisi del diritto, G. Baladore Pallieri et al.,p. 180): “l’analogia, sotto questo aspetto, tra l’inflazione legislativa e l’inflazione monetaria, usata piú volte, è decisiva. La funzione legislativa straripa ormai dell’alveo, nel quale dovrebbe contenersi secondo i principi costituzionali”. A locução foi utilizada por Carnelutti também no artigo La crise della legge, Rivista di Diritto Pubblico, 1930, I, p. 424. A expressão, ainda, foi utilizada por René Savatier (L’inflation juridique et ses consequences, Les dérèglementations, Institut Français de Sciences Administratives, Paris, Economica, 1988), Didier Maus (Inflation juridique et développement des normes, Droit constitutionnel et droit de l’homme, Paris, Economica, 1987) e Rogério Soares (Direito público e sociedade técnica, Coimbra, Atlântida, 1969). No Brasil, a expressão já foi utilizada, entre outros, por Eros Roberto Grau (A ordem...; na verdade, ele prefere utilizar a expressão “inflação normativa”), por este autor (Atividade legislativa do poder executivo no Estado contemporâneo e na Constituição de 1988, São Paulo, RT, 1993, p. 54) e por Luis Roberto Barroso (O direito constitucional e a efetividade de suas normas, Rio de Janeiro, Renovar, 1990).

[19]ADI 1096 MC/RS, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 16-03-1995, DJU 22-09-1995; ADI 1250 MC/DF, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 22-03-1995, DJU 30-06-1995; ADI 1626 MC/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 14-08-1997, DJU 26-09-1997.

[20]Milton Flaks, Instrumentos processuais de defesa coletiva, BDA 1:13. Conferir, igualmente, ADI 138, RTJ 133:1.011; ADI 305-RN, RTJ 153:428; ADI 1151-MG, DJU 19-05-1995; ADI 1096-RS, LEX-JSTF 211:54; ADI 1519-AL, julgamento em 06-11-1996; ADin 1464-RJ, DJU 13-12-1996; ADI 1507 MC- AgR /RJ, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 03-02-1997, DJU 06-06-1997.

[21] STF, ADI 3312, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 16-06-2006, DJ 09-03-2007.

[22]Note-se que a jurisprudência da Corte tem sido construída majoritariamente sobre a legitimidade de ato comissivo dos poderes constituídos. Nada obsta, porém, que o mesmo seja válido para a discussão de constitucionalidade da omissão inconstitucional. Por outro lado, é bem verdade que a ação direta de inconstitucionalidade por omissão não tem tido o mesmo uso da ação direta de inconstitucionalidade genérica, por exemplo. De qualquer maneira, a similitude no tratamento jurídico das ações de controle abstrato, à parte seu objeto de impugnação, é prática do Supremo Tribunal Federal que foi consolidada, em grande parte, na Lei n.º 12.063/2009 (lei que regulamenta o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade por omissão). Veja-se, a título de exemplo, decisão do Supremo onde se afirmou a legitimidade de entidade associativa para impugnar omissão legislativa, haja vista as suas finalidades institucionais: "O Tribunal iniciou julgamento de duas ações diretas de inconstitucionalidade parcial omissiva e positiva ajuizadas pela Confederação Nacional das Profissões Liberais-CNPL e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil-OAB contra dispositivos da Lei 9.868/99, que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade-ADI e da ação declaratória de constitucionalidade-ADC perante o Supremo Tribunal Federal. Preliminarmente, o Tribunal rejeitou a alegação de ilegitimidade ativa da CNPL, por entender que a legitimação em tese para a ação direta conferida às confederações sindicais e entidades nacionais de classe, na medida em que as inclui no rol dos sujeitos do processo de controle abstrato de constitucionalidade, constitui prerrogativa, cujo exercício e cuja defesa se inserem, por si mesmos, no âmbito dos fins institucionais da corporação, não havendo, assim, como negar a relação de pertinência entre estes fins e o questionamento da higidez constitucional da lei que dispõe sobre o processo de ação direta e, por conseguinte, o exercício da prerrogativa constitucional de sua instauração." (ADI 2.154 e ADI 2.258, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 14-2-2007, Informativo 456.)

[23]ADI 1184/DF, julgamento em 22-10-1996, sem grifo no original.

[24]ADI 1.507-MC-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 3-2-1997, Plenário, DJ de 6-6-1997, sem grifo no original.

[25]ADI 4.426-MC, Rel. Min. Dias Toffoli, decisão monocrática, julgamento em 17-1-2010, DJE de 1°-2-2011, sem grifo no original. No mesmo sentido: "ADIn: pertinência temática. Presença da relação de pertinência temática entre a finalidade institucional da entidade requerente e a questão constitucional objeto da ação direta, que diz com a demarcação entre as atribuições de segmentos do Ministério Público da União -- o Federal e o do Distrito Federal." (ADI 2.794, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 14-12-2006, DJ de 30-3-2007.)

[26]ADI 2.794, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 14-12-2006, Plenário, DJ de 30-3-2007, sem grifo no original.

[27]ADI 2.903, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 1º-12-2005, Plenário, DJE de 19-9-2008.

[28] ADI 1464/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, DJU 13-12-1996.

[29]ADI 3.943, Rel. Min. Carmen Lúcia, decisão monocrática, julgamento em 18-2-2010, DJE de 1º-3-2010, sem grifo no original.

[30]ADI 15, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 14-6-2007, DJ de 31-8-2007.

[31] Confira-se trecho da mensagem: “Duas razões básicas justificam o veto ao parágrafo único do art. 2º, ambas decorrentes da jurisprudência do Supremo Tribunal em relação ao inciso IX do art. 103 da Constituição. Em primeiro lugar, ao incluir as federações sindicais entre os legitimados para a propositura da ação direta, o dispositivo contraria frontalmente a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no sentido da ilegitimidade daquelas entidades para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade (cf., entre outros, ADIn-MC 689, rel. min. Néri da Silveira; ADIn-MC 772, rel. min. Moreira Alves; ADIn-MC 1.003, rel. min. Celso de Mello). É verdade que a oposição do veto à disposição contida no parágrafo único importará na eliminação do texto na parte em que determina que a confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional (art. 2º, IX) deverá demonstrar que a pretensão por elas deduzidas tem pertinência direta com os seus objetivos institucionais. Essa eventual lacuna será, certamente, colmatada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, haja vista que tal restrição já foi estabelecida em precedentes daquela Corte (cf., entre outros, ADIn-MC 1.464, rel. min. Moreira Alves; ADIn-MC 1.103, rel. min. Néri da Silveira, Rel. Acórdão Min. Maurício Corrêa; ADIn-MC 1.519, rel. min. Carlos Velloso).” Mensagem de Veto n.º 1.674, de 10 de novembro de 1999, sem grifo no original.

[32] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 5. ed.. Coimbra: Almedina, 199. p. 812.

[33]A objetividade do processo é compatível, segundo a jurisprudência do Supremo, com a aplicação parcial das normas do processo subjetivo sobre condições da ação, mais especificamente, possibilidade jurídica do pedido e legitimidade ativa ou passiva. Na ADI 209/DF (Rel. Min. Sydney Sanches, DJU 11-09-1998), em que se impugnava Lei do Distrito Federal que regulava parcelamento e aproveitamento do solo urbano, o Supremo afirmou: “Falta possibilidade jurídica à ação proposta, matéria não examinada no referido aresto. E o exame dessa condição da ação deve preceder o da relativa à legitimidade ativa ad causam. Se a ação é juridicamente impossível, não há necessidade de se perquirir quem pode propô-la. Em outras palavras, se a ação não pode ser proposta por ninguém, exatamente porque inadmissível, torna-se dispensável a verificação de sua titularidade”.

[34]“O interesse de agir, se é categoria a que se queira atribuir pertinência ao processo objetivo de controle abstrato de normas, nele há de reduzir-se à existência e à vigência ou subsistência de efeitos da lei questionada, bastante a caracterizar a necessidade da declaração de sua inconstitucionalidade” (ADI 733/MG, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 17-06-1992, DJU 30-06-1995).

[35] STF, ADI 138-8/RJ, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 26-5-1993, DJ 21-6-1996.

[36]STF, ADI 138-8/RJ, citada.

[37]KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 4. ed.. Coimbra: Arménio Amado, 1969. p. 367. Também: KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo/Brasília: Martins Fontes/UnB, 1990. p. 157.

[38]Na Itália, a jurisprudência pacífica da Corte Constitucional (entre outras, Sentença 111, de 1972, 13 e 151 de 1974, 307 de 1983, 151 de 1986, ord. 81 de 1984, 164 de 1988) é no sentido de que, no juízo de legitimidade constitucional em via principal, as regiões, agindo na tutela de sua própria competência que se afirma violada, podem impugnar as leis do Estado (ou de outras regiões) quando deduzam que são lesivas a sua própria esfera de competência constitucionalmente garantida (Corte Costituzionale, Sentenza 10 marzo 1988 n. 302, Rivista Mensile di Giurisprudenza Giustizia Civile, Milano, a. XXXVIII, p. 1.392, 1988).

[39]ADI 1096-RS, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 22-09-1995; ADI 1396 MC/SC, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 07-02-1996, DJU 22-03-1996.

[40]ADI 305-RN (RTJ 153:428); ADI1096/RS MC (Rel. Min. Celso de Mello, DJU 22-09-1995); ADI 1151/MG (DJU 19-05-1995); ADI 1996-RS (LEX-JSTF 211:54); ADI 1519 MC/AL (Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 06-11-1996, DJU 13-12-1996).

[41] Conforme disponível no site da Associação: http://www.anpaf.org.br/portal/estatuto/. 

[42] ADI 3943, decisão monocrática, citada.

[43]ADI 1.157-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 1º-12-1994, DJ de 17-11-2006.


Autor

  • Clèmerson Merlin Clève

    Professor Titular de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná. Professor Titular de Direito Constitucional do Centro Universitário Autônomo do Brasil - UniBrasil. Professor Visitante dos Programas Máster Universitario en Derechos Humanos, Interculturalidad y Desarrollo e Doctorado en Ciencias Jurídicas y Políticas da Universidad Pablo de Olavide, em Sevilha, Espanha. Pós-graduado em Direito Público pela Université Catholique de Louvain – Bélgica. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Doutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Líder do NINC – Núcleo de Investigações Constitucionais em Teorias da Justiça, Democracia e Intervenção da UFPR. Autor de diversas obras, entre as quais se destacam: Doutrinas Essenciais - Direito Constitucional, Vols. VII - XI, RT (2015); Doutrina, Processos e Procedimentos: Direito Constitucional, RT (Coord., 2015); Direitos Fundamentais e Jurisdição Constitucional, RT (Co-coord., 2014) - Finalista do Prêmio Jabuti 2015; Direito Constitucional Brasileiro, RT (Coord., 3 volumes, 2014); Temas de Direito Constitucional, Fórum (2.ed., 2014); Fidelidade partidária, Juruá (2012); Para uma dogmática constitucional emancipatória, Fórum (2012); Atividade legislativa do poder executivo, RT (3. ed. 2011); Doutrinas essenciais – Direito Constitucional, RT (2011, com Luís Roberto Barroso, Coords.); O direito e os direitos, Fórum (3. ed. 2011); Medidas provisórias, RT (3. ed. 2010); A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, RT (2. ed. 2000). Foi Procurador do Estado do Paraná e Procurador da República. Advogado e Consultor na área de Direito Público.

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CLÈVE, Clèmerson Merlin. Associação e controle abstrato de normas: . não satisfação dos pressupostos da legitimação ativa especial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3771, 28 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/25594. Acesso em: 19 abr. 2024.