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A decisão judicial em face da violação aos princípios constitucionais penais pelo crime previsto no artigo 273, do Código Penal

A decisão judicial em face da violação aos princípios constitucionais penais pelo crime previsto no artigo 273, do Código Penal

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Ante a patente violação aos princípios constitucionais pelo crime previsto no art. 273, CP, deve o juiz afastar a tipicidade material do fato, por aplicação do princípio da insignificância, ou declarar a inconstitucionalidade da atual redação do delito.

Resumo: O presente trabalho, através de uma abordagem qualitativa, com objetivo explicativo e procedimento bibliográfico, analisa a questão da violação aos princípios constitucionais penais pelo crime previsto no artigo 273, do Código Penal, no intuito de, ao final, chegar à conclusão de quais as medidas mais adequadas a serem adotadas pelo juiz no caso concreto, a fim de garantir o pleno cumprimento dos princípios violados em abstrato pelo referido tipo penal. Inicialmente, traz o trabalho um breve histórico do crime que lhe é objeto, dando especial destaque ao contexto de edição da lei que majorou exorbitantemente suas penas e criou as diversas figuras típicas equiparadas, bem como da lei que o incluiu no rol dos crimes hediondos. Em um segundo momento, a fim de se criar as bases necessárias para enfrentar a questão central, introduz-se uma análise doutrinária do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, com suas mais importantes classificações e características. A seguir, o trabalho demonstra que o crime em tela viola os princípios constitucionais penais da proporcionalidade, razoabilidade, ofensividade, intervenção mínima, fragmentariedade e dignidade da pessoa humana. Finalmente, analisam-se três possíveis decisões a serem tomadas pelo órgão jurisdicional no caso concreto: o reconhecimento da atipicidade material do fato por aplicação do princípio da insignificância, a aplicação analógica de penas mais brandas cominadas a delitos semelhantes e declaração de inconstitucionalidade da inovação legislativa em controle difuso.

Palavras-chave: Falsificação de medicamentos. Princípios constitucionais. Insignificância. Analogia em Direito Penal. Controle difuso de constitucionalidade.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO I - BREVE HISTÓRICO DO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 273, DO CÓDIGO PENAL

1.1 Origem histórica do crime previsto no artigo 273, do Código Penal

1.2 Edição da Lei nº 9.677, de 2 de julho de 1998

1.3 Edição da Lei nº 9.695, de 20 de agosto de 1998

CAPÍTULO II - ANÁLISE DOUTRINÁRIA DO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 273, DO CÓDIGO PENAL

2.1 Objetividade jurídica

2.2 Sujeitos do delito

2.3 Elementos objetivos do tipo penal

2.4 Elemento subjetivo do tipo penal

2.5 Consumação e tentativa

2.6 Forma culposa

2.7 Causas de aumento de pena

2.8 Penas cominadas e ação penal

2.9 Competência para processo e julgamento

2.10 Classificações doutrinárias

CAPÍTULO III - PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS VIOLADOS PELO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 273, DO CÓDIGO PENAL

3.1 Princípios da proporcionalidade e razoabilidade

3.2 Princípio da ofensividade

3.3 Princípios da intervenção mínima e da fragmentariedade

3.4 Princípio da dignidade da pessoa humana

CAPÍTULO IV - DECISÃO JUDICIAL NO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 273, DO CÓDIGO PENAL

4.1 Reconhecimento da atipicidade material pelo princípio da insignificância

4.2 Aplicação analógica de penas mais brandas

4.3 Declaração de inconstitucionalidade em controle difuso

CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS


introdução

No contexto das penas desproporcionais em Direito Penal, muitas vezes advindas de leis editadas no intuito de satisfazer a mídia, abrandando pressões sociais, encontra-se o crime previsto no artigo 273, do Código Penal, que comina penas elevadíssimas àquele que falsifica, corrompe, adultera ou altera produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais, estando, inclusive, consignado no rol dos crimes hediondos.

A infringência aos princípios constitucionais norteadores do Direito Penal mostra-se flagrante, ainda mais nas figuras típicas equiparadas, tais como, por exemplo, importar medicamentos sem registro no órgão de vigilância sanitária competente, ou adulterar um produto cosmético, condutas estas sujeitas às mesmas penas exorbitantes.

A patente incongruência ensejaria, portanto, medidas por parte do Poder Judiciário a fim de garantir o pleno cumprimento dos princípios constitucionais no caso concreto. Resta saber qual a solução mais acertada: o reconhecimento, conforme o caso, da atipicidade material do fato pelo princípio da insignificância, a aplicação analógica de penas mais brandas, cominadas a delitos semelhantes, ou a declaração de inconstitucionalidade, em controle difuso, da inovação legislativa que majorou as penas do crime objeto do presente trabalho e criou as figuras típicas equiparadas.

Através de uma abordagem qualitativa, com objetivo explicativo e procedimento bibliográfico, o presente trabalho examinará, ao longo de seus capítulos, o histórico do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, passando por uma detida análise doutrinária do delito em tela, lançando as bases necessárias para, então, avaliar a violação aos princípios constitucionais penais por sua atual redação, culminando, finalmente, nas possíveis decisões a serem tomadas pelo juiz no caso concreto.

No item primeiro do primeiro capítulo, analisaremos os principais marcos na evolução histórica da repressão aos crimes contra a saúde publica, desde as Ordenações Filipinas até a tipificação, pelo Código Penal de 1940, das condutas de corromper, adulterar, falsificar ou alterar substâncias medicinais, bem como comercializá-las.

No item segundo do primeiro capítulo, analisaremos o contexto histórico de edição da Lei nº 9.677, de 2 de julho de 1998, trazendo, nesse intuito, exemplos da repercussão midiática que se deu à época acerca da denominada “máfia dos remédios”. Abordaremos ainda as drásticas alterações trazidas pela referida lei ao Código Penal, especialmente para o crime previsto em seu artigo 273.

No item terceiro do primeiro capítulo, analisaremos a edição da Lei nº 9.695, de 20 de agosto de 1998, que alterou o rol da Lei de Crimes Hediondos a fim de incluir o delito previsto no artigo 273, do Código Penal, sujeitando o agente que incorra em suas penas às severas imposições da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, as quais serão examinadas à luz da doutrina e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

No item primeiro do segundo capítulo, analisaremos a objetividade jurídica do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, ou seja, qual o bem jurídico tutelado pelo delito objeto do presente trabalho.

No item segundo do segundo capítulo, analisaremos as figuras do sujeito ativo e do sujeito passivo do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, bem como abordaremos sua classificação em crime comum ou crime próprio.

No item terceiro do segundo capítulo, analisaremos os elementos objetivos do tipo penal do artigo 273, do Código Penal, previstos em seu caput, parágrafos e incisos, examinando o sentido e o alcance de cada um dos verbos e objetos materiais sobre os quais recai a conduta do agente, além de mencionarmos a existência de normas penais em branco no delito em tela.

No item quarto do segundo capítulo, analisaremos o elemento subjetivo do tipo penal do artigo 273, do Código Penal, bem como abordaremos a questão da exigência de um fim especial de agir para a configuração do delito.

No item quinto do segundo capítulo, analisaremos o momento consumativo do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, além da possibilidade de responder o agente pela tentativa. Nesse contexto, traremos ainda a classificação do delito objeto do presente trabalho em crime de dano ou crime de perigo (concreto ou abstrato) e em crime material ou crime formal.

No item sexto do segundo capítulo, analisaremos a modalidade culposa do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, abordando algumas de suas hipóteses de configuração.

No item sétimo do segundo capítulo, analisaremos as causas de aumento de pena incidentes sobre o crime previsto no artigo 273, do Código Penal, abordando suas implicações tanto para a modalidade dolosa quanto para a modalidade culposa do delito.

No item oitavo do segundo capítulo, analisaremos as penas cominadas para o crime previsto no artigo 273, do Código Penal, seja na modalidade dolosa, seja na culposa, passando também pela questão do regime de cumprimento de pena e espécie de ação penal aplicável ao delito em tela.

No item nono do segundo capítulo, analisaremos a questão da competência para processo e julgamento do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, abordando os requisitos constitucionais para fixação de competência da Justiça Federal, bem como as tendências jurisprudenciais a respeito do tema.

No item décimo do segundo capítulo, analisaremos, a título de compêndio, as diversas classificações doutrinárias do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, no intuito de se evitar qualquer lacuna na compreensão do delito objeto do presente trabalho.

No item primeiro do terceiro capítulo, analisaremos a violação aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade pelo crime previsto no artigo 273, do Código Penal. Para tanto, traçaremos inicialmente uma diferenciação entre proporcionalidade e razoabilidade e, a seguir, buscando respaldo na Constituição Federal e na doutrina dominante, abordaremos a questão central através de método comparativo das penas do tipo penal objeto do presente trabalho com as de tipos penais que tutelam bem jurídico idêntico ou de maior valor.

No item segundo do terceiro capítulo, analisaremos a violação ao princípio da ofensividade pelo crime previsto no artigo 273, do Código Penal. Primeiramente identificaremos o respaldo constitucional do referido princípio. Em seguida, traremos a crítica da doutrina moderna aos tipos penais que descrevem condutas que não geram efetiva lesão, ou ao menos perigo concreto de lesão, ao bem jurídico tutelado.

No item terceiro do terceiro capítulo, analisaremos a violação aos princípios da intervenção mínima e fragmentariedade pelo crime previsto no artigo 273, do Código Penal, inicialmente buscando-os na Constituição Federal, onde podem ser aferidos de forma implícita. Após, abordaremos a questão da afronta aos referidos princípios considerando que o crime em comento tipifica certas condutas que melhor se enquadrariam como meras irregularidades administrativas.

No item quarto do terceiro capítulo, analisaremos a violação ao princípio da dignidade da pessoa humana pelo crime previsto no artigo 273, do Código Penal, princípio este do qual decorrem todos os demais abordados no presente trabalho, e com os quais guarda estreita relação.

No item primeiro do quarto capítulo, analisaremos a possibilidade de o juiz, conforme o caso, reconhecer a atipicidade material do fato praticado pelo agente, por aplicação do princípio da insignificância. Nesse intuito, traremos exemplos da jurisprudência dominante dos tribunais, bem como abordaremos recentes e inovadores julgados sobre a matéria.

No item segundo do quarto capítulo, analisaremos a possibilidade de o juiz, no caso concreto, aplicar analogicamente penas mais brandas, cominadas a delitos semelhantes, ao crime previsto no artigo 273, do Código Penal, tendo em vista a violação aos princípios constitucionais penais já mencionados, especialmente os da proporcionalidade e razoabilidade.

No item terceiro do quarto capítulo, analisaremos a possibilidade de o juiz, considerando a violação aos princípios constitucionais penais abordados no presente trabalho, exercer o controle difuso de constitucionalidade no crime previsto no artigo 273, do Código Penal. Abordaremos também quais seriam as consequências de tal medida no caso concreto, especialmente no que diz respeito ao efeito repristinatório das decisões de controle de constitucionalidade.

Finalmente, vale ressaltar que o presente trabalho tem como escopo lançar luz sobre a questão da solução prática a ser adotada pelo órgão jurisdicional quando do julgamento de ações penais que envolvam condutas tipificadas no artigo 273, do Código Penal. Com este claro objetivo, passearemos sobre diversos temas afetos ao Direito Penal e ao Direito Constitucional, sem, contudo, termos a pretensão de esgotar a matéria, mas sim apenas levantar aquilo que for necessário para a defesa das ideias aqui propostas. Para um maior aprofundamento sobre os temas a serem debatidos, remetemos o leitor às obras referenciadas ao final do trabalho.


capítulo i

breve histórico do crime previsto no ARTIGO 273, do código penal

1.1 Origem histórica do crime previsto no artigo 273, do Código Penal

A repressão à falsificação de mercadorias pelo ordenamento jurídico pátrio remonta às Ordenações Filipinas, que, em seu Livro V, Título LVII, punia com a morte aquele cujo objeto da falsificação atingisse valor igual ou superior a um marco de prata. Caso o valor fosse inferior, a punição era a de degradação permanente para o Brasil. Dispunha o texto legal:

Dos que falsificão mercadorias

Se alguma pessoa falsificar alguma mercadoria, assi como cêra, ou outra qualquer, se a falsidade, que nella fizer, valer hum marco de prata, morra por isso.

Porém não contratando a dita mercadoria, a execução se não fará, sem nol-o fazerem saber.

E se fôr de valia de hum marco para baixo, seja degradado para sempre para o Brazil. (UNIVERSIDADE DE COIMBRA, 2013)

Quanto aos crimes contra a saúde pública, assim expressamente previstos, tem-se como marco inicial o Código Penal de 1890, promulgado pelo Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890, que, em seu Título III, Capítulo III, versou especificamente sobre a matéria. (BRASIL, 2013). Cumpre consignar que o Código Penal de 1830 não trazia previsão organizada a respeito. (BRASIL, 2013)

Mais precisamente sobre medicamentos, dispunha o Código Penal de 1890, punindo o farmacêutico que os empregasse alterados ou em lugar de outro adequado:

Art. 160. Substituir, o pharmaceutico ou boticario, um medicamento por outro, alterar o receituario do facultativo, ou empregar medicamentos alterados:

Penas – de multa de 100$ a 200$ e de privação do exercicio da profissão por seis mezes a um anno.

§ 1º Si por qualquer destes actos for compromettida a saude da pessoa:

Penas – de prisão cellular por quinze dias a seis mezes, multa de 200$ a 500$ e privação do exercicio da profissão por um a dous annos.

§ 2º Si de qualquer delles resultar morte:

Penas – de prisão cellular por dous mezes a dous annos, multa de 500$ a 1:000$ e privação do exercicio da profissão.

§ 3º Si qualquer destes factos for praticado, não por imprudencia, negligencia ou impericia na propria arte, e sim com vontade criminosa;

Penas – as mesmas impostas ao crime que resultar do facto praticado. (BRASIL, 2013)

No que tange à ofensa à saúde pública por falsificação e comércio de substâncias, referido diploma legal fazia menção tão somente àquelas destinadas a fins alimentícios, conforme verificamos:

Art. 163. Alterar, ou falsificar, substancias destinadas á publica alimentação, alimentos e bebidas:

Penas – de prisão cellular por tres mezes a um anno e multa de 100$ a 200$000.

Art. 164. Expor á venda substancias alimenticias, alteradas ou falsificadas:

Penas – as mesmas do artigo antecedente.

Paragrapho unico. Si de qualquer destes factos resultar perigo para a vida, ou a morte da pessoa:

Pena – a imposta ao crime que do facto resultar. (BRASIL, 2013)

Foi o Código Penal de 1940, editado pelo Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, que pela primeira vez tipificou a conduta de corromper, adulterar, falsificar ou alterar substâncias medicinais, bem como comercializá-las. Vejamos:

Art. 272. Corromper, adulterar ou falsificar substância alimentícia ou medicinal destinada a consumo, tornando-a nociva à saúde:

Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa, de cinco a quinze contos de réis.

§ l° Está sujeito à mesma pena quem vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, entrega a consumo a substância corrompida, adulterada ou falsificada.

Modalidade culposa

§ 2° Se o crime é culposo:

Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa, de quinhentos mil réis a dois contos de réis.

Alteração de substância alimentícia ou medicinal

Art. 273. Alterar substância alimentícia ou medicinal:

I - modificando-lhe a qualidade ou reduzindo-lhe o valor nutritivo ou terapêutico;

II - suprimindo, total ou parcialmente, qualquer elemento de sua composição normal, ou substituindo-o por outro de qualidade inferior:

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa, de um a cinco contos de réis.

§ 1° Na mesma pena incorre quem vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, entrega a consumo a substância alterada nos termos deste artigo.

Modalidade culposa

§ 2° Se o crime é culposo:

Pena - detenção, de dois a seis meses, e multa, de duzentos mil réis a um conto de réis. (BRASIL, 2013)

Contudo, todo o Capítulo III, do Título VIII, do mencionado código, referente aos crimes contra a saúde pública, sofreu profundas alterações com o advento das leis que passaremos a analisar.

1.2 Edição da Lei nº 9.677, de 2 de julho de 1998

Entre os anos de 1997 e 1998, o Brasil foi acometido por um dos maiores escândalos midiáticos relativos à falsificação de medicamentos de que já se teve notícia na história do país.

A revista Veja, em emblemática reportagem publicada em 8 de julho de 1998, traz uma ideia do contexto histórico em que a nação se encontrava à época, refém da denominada “máfia dos remédios”. Convém transcrever um pequeno trecho:

O paraíso dos remédios falsificados

Como opera a máfia que transformou o Brasil num dos campeões da fraude de medicamentos.

Karina Pastore

É um dos piores crimes que se podem cometer. As vítimas são homens, mulheres e crianças doentes — presas fáceis, capturadas na esperança de recuperar a saúde perdida. A máfia dos medicamentos falsos é mais cruel do que as quadrilhas de narcotraficantes.

Quando alguém decide cheirar cocaína, tem absoluta consciência do que coloca corpo adentro. Às vítimas dos que falsificam remédios não é dada oportunidade de escolha. Para o doente, o remédio é compulsório. Ou ele toma o que o médico lhe receitou ou passará a correr risco de piorar ou até morrer. Nunca como hoje os brasileiros entraram numa farmácia com tanta reserva. No passado, os falsificadores vendiam uísque feito com álcool e corante no Paraguai, empurravam relógios e canetas falsas por intermédio de camelôs, até roupas de griffes famosas eram cortadas em oficinas de fundo de quintal. Nos últimos anos, os falsificadores descobriram o filão muito mais lucrativo do medicamento. Começaram timidamente. Hoje, o Brasil é um dos campeões mundiais da falsificação de remédios. Vendem-se aqui até drogas falsas para câncer, doenças do coração e infecções graves, como a meningite. "Ninguém sabe os números exatos, mas o Brasil está entre os países mais atingidos por essa máfia dos remédios", diz o médico e professor da Universidade de São Paulo Antônio Carlos Zanini, consultor da Organização Mundial de Saúde. Quem pode estar seguro numa situação como esta, em que comprimidos, pílulas, xaropes ou injeções podem ser feitos com água, sal e algum pó sem nenhuma utilidade? "Ninguém está seguro", afirma Zanini. (PASTORE, 1998)

Dentre a extensa lista de medicamentos falsificados encontrados em circulação no país na ocasião, certamente podemos citar, como aqueles que causaram um maior impacto à população, o Androcur, droga utilizada para o tratamento do câncer de próstata (PASTORE, 1998), e o anticoncepcional Microvlar, cuja falsificação deu origem às famigeradas “pílulas de farinha” (PASTORE; CARDOSO, 1998), ambos produzidos pelo laboratório Schering do Brasil.

Com referência ao anticoncepcional Microvlar, segue trecho de reportagem publicada pela revista Veja em 1º de julho de 1998:

Na quarta-feira da semana passada, o Ministério da Saúde interditou por cinco dias o laboratório Schering do Brasil, fabricante do anticoncepcional. "Esses produtos não se destinavam à venda", defende a diretora médica do laboratório, Sandra Balieiro Abrahão. Entre janeiro e fevereiro, para experimentar uma nova máquina de embalagem, o laboratório fabricou 500.000 cartelas de pílulas de farinha. Nas cartelas dos comprimidos de mentira, o número do lote e o das datas de fabricação e validade foram trocados por uma identificação fictícia: uma seqüência de números repetidos. Terminados os testes, os lotes fajutos deveriam ser destruídos. Entre o laboratório e a empresa de incineração, diz a doutora Sandra, algumas cartelas foram roubadas. Quantas? Ela não sabe dizer.

Lançado no Brasil em 1975, o Microvlar é o sexto medicamento mais consumido. Dos anticoncepcionais, é o primeiro, com 1,7 milhão de usuárias. Tornou-se, por isso, alvo preferencial dos ladrões e falsários — uma horda de criminosos que põe em risco a saúde dos consumidores. (PASTORE; CARDOSO, 1998)

Pertinente a citação de mais um pequeno trecho de reportagem da revista Veja, de 15 de julho de 1998, noticiando a constatação de medicamentos falsificados destinados ao tratamento da AIDS:

 [...] na terça-feira passada Marcelo Fernandes, presidente do Grupo de Apoio e Prevenção à Aids de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, descobriu que de seis caixas do medicamento Epivir, específico para o tratamento de doentes de Aids, três pertenciam ao lote W0277EB. Esse lote nunca foi fabricado pelo laboratório que detém a patente do Epivir, o Glaxo Wellcome. Foi mais uma prova, depois das fraudes contra remédios quimioterápicos, antibióticos e antialérgicos, de que a ganância da máfia dos medicamentos não tem limites. (EDWARD; CARDOSO, 1998)

As consequências causadas pela onda de medicamentos falsificados que inundou o mercado consumidor, quando do escândalo, até hoje são apreciadas pelo Poder Judiciário. Além das diversas famílias que perderam seus entes em decorrência do agravamento de doenças às quais os remédios deveriam ser aptos a combater (PASTORE, 1998), não foram poucas as mães que pleitearam compensações pela gravidez indesejada oriunda da ineficácia de métodos contraceptivos, conforme verificamos em reportagem publicada pelo portal G1, datada de 10 de novembro de 2007:

Mães que tomaram pílula da farinha em 1998 ainda brigam por indenizações

Após nove anos, mulheres que tomaram anticoncepcional ineficaz ainda lutam na Justiça.

[...]

Daniel Santini

Do G1, em São Paulo

[...]

As pílulas Microvlar ineficazes foram feitas para testes da Schering e acabaram chegando aos consumidores. A empresa nega até hoje que tenha distribuído as unidades e diz que o produto foi vendido de maneira irregular. [...]

Das quatro ações, a Justiça considerou duas improcedentes e duas ainda estão sendo julgadas. Em uma delas, o Idec conseguiu que o Tribunal de Justiça de São Paulo determinasse o pagamento de indenização de R$ 100 mil para duas mulheres, decisão que a Schering ainda tenta derrubar em instâncias superiores.

"Muita gente foi afetada. Além das mulheres que engravidaram, há também as que correram risco de engravidar. Como a cartela custava R$ 4 na época, o problema afetou principalmente camadas pobres e muitos não souberam como correr atrás dos direitos", diz Mariana Ferreira Alves, advogada do Idec. "Muitas mulheres fizeram acordos e receberam indenizações irrisórias", afirma. (SANTINI, 2007)

Ainda sobre o tema, reportagem publicada pelo portal Terra, em 11 de agosto de 2010:

Juiz manda empresa indenizar grávida por 'pílula de farinha'

Rose Mary de Souza

Direto de Campinas

Após 10 anos, a Justiça determinou que a indústria farmacêutica Schering do Brasil pague uma indenização de R$ 102 mil, além de correção monetária e juros, à dona de casa Maria Lúcia da Silva, 49 anos, que engravidou mesmo tendo tomado o anticoncepcional Microvlar. Ela perdeu o bebê aos oito meses de gestação.

Na época, um lote do anticoncepcional Microvlar foi distribuído sem o principio ativo. O caso ficou conhecido como a 'pílula de farinha' e causou transtornos a outras mulheres em todo o Brasil. A dona de casa já tinha um filho e, por recomendação médica, não podia engravidar, pois apresentava um quadro de saúde debilitado.

A sentença contra a farmacêutica foi definida em 4 de agosto, pelo juiz da 2ª Vara Civil da Comarca de Campinas, Fábio Henrique Prado de Toledo. Após a publicação, a Schering tem 15 dias para recorrer da decisão. A empresa informou que examina a possibilidade de entrar com recurso. (SOUZA, 2010)

O legislador pátrio, visando abrandar as pressões sociais, reforçadas pela crescente repercussão na mídia, editou a Lei nº 9.677, de 2 de julho de 1998, que entrou em vigor na data de sua publicação, alterando substancialmente o capítulo do Código Penal referente aos crimes contra a saúde pública. (BRASIL, 2013). Atenhamo-nos ao texto do artigo 273, objeto do presente trabalho, que passou a viger com a seguinte redação:

Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais

Art. 273 - Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais:

Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa.

§ 1º - Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado.

§ 1º-A - Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico.

§ 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:

I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente;

II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior;

III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização;

IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade;

V - de procedência ignorada;

VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente.

Modalidade culposa

§ 2º - Se o crime é culposo:

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. (BRASIL, 2013)

Pela simples leitura do dispositivo transcrito, verifica-se que as penas do referido tipo penal sofreram exorbitante majoração, bem como foram incluídas diversas figuras típicas equiparadas sujeitas às mesmas penas, apesar de sua reduzida gravidade, fruto de uma verdadeira administrativização do Direito Penal. (BARATTA, 2013, p. 8-9). Tais alterações ganharão o devido destaque no decorrer do presente trabalho.

Por ora, convém ressaltar a atecnicidade do legislador já na ementa da Lei nº 9.677/98. Constou da ementa: Altera dispositivos do Capítulo III do Título VIII do Código Penal, incluindo na classificação dos delitos considerados hediondos crimes contra a saúde pública, e dá outras providências. (BRASIL, 2013). Porém, a despeito de demonstrar a intenção de incluir os crimes contra a saúde pública no rol dos crimes hediondos, o texto legislativo não foi capaz de atingir tal fim, pois não confirmou em seu corpo a referida ideia. Esse objetivo foi alcançado tão somente com a entrada em vigor da lei que se analisará na sequência.

1.3 Edição da Lei nº 9.695, de 20 de agosto de 1998

O tratamento diferenciado aos denominados crimes hediondos encontra respaldo na Constituição Federal de 1988, que, em seu artigo 5º, inciso XLIII, versou:

XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; (BRASIL, 2013)

Por hediondo, compreende-se aquilo que inspira repulsa e horror, que provoca intensa indignação moral, que é sórdido, depravado, pervertido, vil, horrível, repulsivo, repugnante, bárbaro, cruel, ignóbil. (AULETE, 2013)

Pela análise do texto constitucional, verifica-se que o constituinte originário incumbiu o legislador infraconstitucional do dever de fixar os parâmetros para definição dos crimes hediondos, crimes esses que mereceriam uma abordagem mais severa. Previamente, porém, equiparou a hediondos a prática da tortura, o tráfico de entorpecentes e o terrorismo.

Foram propostos três sistemas: o legal, o judicial e o misto. Vejamos o exposto por Fernando Capez (2007, p. 169-170) sobre o tema:

De acordo com o sistema legal, somente a lei pode indicar, em rol taxativo, quais são os crimes considerados hediondos. O juiz não pode deixar de considerar hediondo um delito que conste da relação legal, do mesmo modo que nenhum delito que não esteja enumerado pode receber essa classificação. Assim, ao juiz não resta nenhuma avaliação discriminatória.

O sistema judicial propõe exatamente o contrário, ou seja, na lei não haveria nenhuma enumeração, devendo o juiz, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, reconhecer ou não a hediondez do crime. Haveria, portanto, discricionariedade plena por parte do julgador.

O sistema misto contém proposta intermediária. Na lei haveria um rol exemplificativo, podendo o juiz reconhecer em outras hipóteses a hediondez de crime não constante da relação.

Adotando-se o critério legal (CAPEZ, 2007, p. 170) e em consonância ao preceito constitucional, cerca de dois anos depois foi editada a Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, chamada Lei de Crimes Hediondos. Originalmente, em seu artigo 1º, trazia a lei o seguinte rol dos delitos tidos por hediondos:

Art. 1º São considerados hediondos os crimes de latrocínio (art. 157, § 3º, in fine), extorsão qualificada pela morte, (art. 158, § 2º), extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada (art. 159, caput e seus §§ 1º, 2º e 3º), estupro (art. 213, caput e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único), atentado violento ao pudor (art. 214 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único), epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º), envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal, qualificado pela morte (art. 270, combinado com o art. 285), todos do Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940), e de genocídio (arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956), tentados ou consumados. (BRASIL, 2013)

Referido rol foi primeiramente alterado com a entrada em vigor da Lei nº 8.930, de 6 de setembro de 1994 (BRASIL, 2013), oriunda de projeto de iniciativa popular, tendo em vista a comoção nacional causada pelo assassinato da atriz Daniella Perez, no final do ano de 1992. (ROCHA, 2012). Sobre o tema, vale citar pequeno trecho de reportagem publicada no portal O Globo Rio:

Daniella Perez: 20 anos do assassinato que mudou a lei

A novelista Glória Perez, mãe da atriz, conseguiu transformar homicídio qualificado em crime hediondo

[...]

O crime completa 20 anos. Nesse período, após quatro anos de espera, o casal Guilherme de Pádua e Paula Thomaz foi condenado em dois júris. Os personagens principais daqueles acontecimentos tiveram as vidas marcadas para sempre e uma grande mobilização mudou a legislação penal. A novelista Glória Perez reuniu 1,3 milhão de assinaturas num abaixo-assinado que aprovou a primeira emenda popular da história do Brasil, tornando o homicídio qualificado crime hediondo. (ROCHA, 2012)

Por sua vez, a Lei nº 9.695, de 20 de agosto de 1998, novamente alterou o rol do artigo 1º, da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, acrescentando os incisos VII-A e VII-B, que fazem menção, respectivamente, aos crimes previstos nos artigos 272 e 273, do Código Penal, com todos os seus parágrafos. (BRASIL, 2013)

O acrescido inciso VII-A, contudo, foi objeto de veto presidencial, cujas razões merecem ser transcritas:

O tipo penal previsto no art. 272, ao descrever as diversas condutas passíveis de punição, contempla a adulteração de produtos alimentícios que possa causar danos à saúde ou reduzir o seu valor nutritivo.

A última situação descrita – adulteração de produtos alimentícios com redução do valor nutritivo – poderá ensejar que se considere crime hediondo qualquer alteração, ainda que insignificante, de produto alimentício que acarreta a redução de seu valor nutritivo. A abertura textual do tipo penal sob análise pode permitir sua aplicação com amplo grau de subjetividade ou discrição. Tal fato já seria suficiente per se para se não recomendar a sua inclusão no rol dos crimes considerados hediondos. É fácil ver, outrossim, que uma análise acurada das consequências indica que, em muitos casos, tal qualificação acabará por afrontar a ideia de razoabilidade ou de proporcionalidade positivada, entre nós, no art. 5º, inciso LIV, da Constituição (princípio do devido processo legal).

É certo, outrossim, que a qualificação de uma dada ação ou omissão como crime hediondo não pode ser banalizada, sob pena de se retirar o significado específico que o constituinte e o legislador pretenderam conferir a esse especialíssimo mecanismo institucional. (BRASIL, 2013)

Apesar de compatíveis, tais razões não foram aplicadas ao tipo penal do artigo 273, do Código Penal, que passou a figurar no rol dos crimes hediondos. Atualmente, o artigo 1º, da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, possui a seguinte redação:

Art. 1o São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados:

I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, I, II, III, IV e V);

II - latrocínio (art. 157, § 3o, in fine);

III - extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2o);

IV - extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ lo, 2o e 3o);

V - estupro (art. 213, caput e §§ 1o e 2o);

VI - estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1o, 2o, 3o e 4o);

VII - epidemia com resultado morte (art. 267, § 1o).

VII-A – (VETADO)

VII-B - falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1o, § 1o-A e § 1o-B, com a redação dada pela Lei no 9.677, de 2 de julho de 1998).

Parágrafo único. Considera-se também hediondo o crime de genocídio previsto nos arts. 1o, 2o e 3o da Lei no 2.889, de 1o de outubro de 1956, tentado ou consumado. (BRASIL, 2013)

Em seu artigo 2º, caput, a Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, estabelece que os crimes hediondos e os a eles equiparados são insuscetíveis de anistia, graça, indulto e fiança. (BRASIL, 2013). Parte da doutrina critica a proibição estabelecida pelo texto legal à concessão do indulto, uma vez que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XLIII, vedou expressamente somente a anistia e a graça. (CAPEZ, 2007, p. 187). Em sentido contrário, consoante o entendimento majoritário, ensina Fernando Capez (2007, p. 187):

A constituição é um texto genérico, e, por essa razão, não se exige preciosismo técnico em suas disposições. Quando o constituinte menciona o termo “graça”, o faz em seu sentido amplo (indulgência ou clemência soberana), englobando com isso a “graça em sentido estrito” e o “indulto”.

Luiz Vicente Cernicchiaro (1991, p. 172), por sua vez, ressalta:

[...] em se analisando, finalisticamente, o art. 5º, XLIII, percebe-se, a proibição constitucional significa excluir da clementia principis os autores de crimes hediondos. Não faz sentido, pela Constituição, afastar o favor do Presidente da República, individualmente concedido, mas, autorizar o benefício só porque, no mesmo decreto, foram contempladas outras pessoas. Sufragar-se-ia conclusão meramente formal, em dado simplesmente numérico. Realça aqui, o significado altamente negativo do crime hediondo, incompatível com a tradicional clemência.

Desse modo, superada a controvérsia, temos por consequência o entendimento de que também é inadmissível, no caso de crimes hediondos ou equiparados, a comutação de penas. Prossegue Luiz Vicente Cernicchiaro (1991, p. 172-173):

A comutação (art. 84, XII) é espécie de clementia principis, ou, como também se diz, subespécie do indulto, Neste, cessa o cumprimento da pena. A comutação ameniza o cumprimento, reduzindo a pena, ou substituindo-a por outra que enseja execução mais branda. Mutatis mutandis, as considerações são válidas para a graça. Logicamente, vedada a comutação de penas ao condenado por crimes hediondos.

Já em seu artigo 2º, parágrafo 1º, a Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, determina que a pena por crime hediondo ou equiparado a hediondo seja cumprida inicialmente em regime fechado. (BRASIL, 2013)

Aqui convém salientar que, originalmente, o texto da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, determinava o cumprimento da pena em regime integralmente fechado. (BRASIL, 2013). Referido preceito foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, que editou a Súmula Vinculante nº 26, com o seguinte teor:

Súmula Vinculante 26

Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico. (BRASIL, 2013)

Recentemente, inclusive a imposição legal de que a pena dos crimes hediondos ou equiparados se inicie em regime inicialmente fechado foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do habeas corpus nº 111.840-ES. (BRASIL, 2012). Entendeu o Excelso Tribunal que tal preceito fere o princípio da individualização da pena, previsto no artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal.

Retomando a análise da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, temos em seu artigo 2º, parágrafo 2º, que a progressão de regime, no caso dos condenados a crimes hediondos ou equiparados, se dará após o cumprimento de dois quintos da pena, em caso de primariedade, ou de três quintos, se reincidente o apenado. (BRASIL, 2013). Tal requisito objetivo para progressão de regime destoa grandemente daquele previsto para os demais crimes no artigo 112, da Lei de Execução Penal, qual seja, o cumprimento de apenas um sexto da pena. (BRASIL, 2013)

A Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, também acrescentou o inciso V ao artigo 83, do Código Penal, determinando que o livramento condicional, no caso de crimes hediondos ou equiparados, se dará tão somente se o apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza e após o cumprimento de dois terços da pena. (BRASIL, 2013)

Destarte, conclui-se que, apesar da pouco elevada reprovabilidade de certas figuras previstas no artigo 273, do Código Penal, sujeitam-se os seus autores, além das exorbitantes penas previstas no preceito secundário do tipo penal, às graves imposições instituídas pela Lei de Crimes Hediondos, o que, conforme se esmiuçará no decorrer do trabalho, de modo algum se apresenta razoável.


capítulo ii

análise doutrinária do crime previsto no artigo 273, do código penal

2.1 Objetividade jurídica

Na lição de Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 188):

Bem jurídico protegido é a incolumidade pública, especialmente em relação à saúde pública. As ações incriminadas apresentam-se, freqüentemente, como fraude ou lesão patrimonial em atos de comércio, embora sua gravidade decorra do perigo comum que produzem.

Segundo o entendimento de Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini (2007, p. 125):

Tutela-se, ainda, a saúde pública, tentando-se evitar a produção, comércio ou entrega de produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais com nocividade positiva, pela inadequação do produto ao tratamento ou com reduzido valor medicinal.

Rogério Greco (2011, p. 787), no mesmo sentido, ensina que o bem juridicamente protegido é a incolumidade pública, consubstanciada, no caso, especificamente na saúde pública.

Por incólume compreende-se aquilo que não sofreu nenhum dano físico ou moral, que é ileso, intato; aquilo que se manteve sem alteração, que se conservou. (AULETE, 2013)

Desse modo, como se percebe, o tipo penal do artigo 273, do Código Penal, visa garantir que a população em geral se veja livre do perigo de eventuais danos, especialmente relacionados à saúde, causados pela prática de alguma das condutas previstas no preceito incriminador, conforme se estudará logo adiante.

2.2 Sujeitos do delito

Leciona Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 188):

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa que pratique uma das ações descritas no dispositivo em exame, independentemente da qualidade de produtor ou comerciante.

Sujeito passivo é a coletividade cuja saúde seja lesada ou colocada em perigo pela ação do sujeito ativo.

Sob a influência das ideias de Heleno Cláudio Fragoso e Magalhães Noronha, extraímos da obra de Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini (2007, p. 126):

Sujeito ativo é quem pratica uma das condutas incriminadas, independentemente da qualidade de produtor ou comerciante. Tratando-se de empregado, pode haver erro de tipo, ou, se forçado a praticar o ilícito sob ameaça de dispensa, a inexigibilidade de conduta diversa.

Sujeito passivo é a coletividade, cuja saúde é posta em risco, presumidamente, pela nocividade positiva ou negativa, como já foi exposto.

Rogério Greco (2011, p. 787), por sua vez, explica que qualquer pessoa pode ser sujeito ativo. O sujeito passivo é a sociedade, de forma geral, bem como aquelas pessoas que sofreram imediatamente com a conduta praticada pelo agente.

Nesse contexto, Damásio Evangelista de Jesus (2009, p. 184) traz-nos a seguinte classificação:

Crime comum é o que pode ser praticado por qualquer pessoa, Exs.: homicídio, furto, estelionato etc.

Crime próprio é o que só pode ser cometido por determinada categoria de pessoas, pois pressupõe no agente uma particular condição ou qualidade pessoal [...].

Conclui-se, portanto, tratar de hipótese de crime comum, uma vez que não é exigida do sujeito ativo do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, qualquer condição particular ou qualidade pessoal. Autor do delito será todo aquele que pratique alguma das condutas a seguir discriminadas, enquanto que sujeito passivo é a coletividade, que presumidamente é colocada em perigo, bem como, eventualmente, os indivíduos sujeitos diretamente a danos decorrentes da conduta do agente.

2.3 Elementos objetivos do tipo penal

Dispõe o preceito primário do caput, do artigo 273, do Código Penal: Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais. (BRASIL, 2013)

Aqui vale transcrever a explanação trazida por Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 942) sobre os elementos do tipo:

Falsificar (reproduzir, por meio de imitação, ou contrafazer), corromper (estragar ou alterar para pior), adulterar (deformar ou deturpar) ou alterar (transformar ou modificar) produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (é a substância voltada ao alívio ou à cura de doenças – fins terapêuticos –, bem como ao combate de males e enfermidades – fins medicinais).

Prossegue o ilustre doutrinador: Trata-se de tipo misto alternativo, ou seja, a prática de uma ou mais condutas implica sempre num único delito, quando no mesmo contexto. (NUCCI, 2011, p. 942)

O parágrafo 1º-A, do artigo 273, do Código Penal, norma de caráter explicativo, por sua vez amplia o rol de objetos materiais sobre os quais pode recair a conduta do autor do delito. Preceitua: Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico. (BRASIL, 2013)

Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini (2007, p. 126-127) esclarecem o significado de cada um deles:

A lei inclui expressamente, no § 1º-A, todos os medicamentos (substâncias ou preparados que se utilizam como remédios), as matérias-primas (substâncias brutas principais com que são fabricados os medicamentos), os insumos farmacêuticos (componentes da produção), cosméticos (produtos utilizados para a limpeza, conservação ou maquiagem da pele), saneantes (produtos de limpeza) e os de uso em diagnóstico (conhecimento ou determinação de doença).

Já o parágrafo 1º, do artigo 273, do Código Penal, acrescenta novos verbos ao tipo penal objeto do presente trabalho, largamente ampliando seu alcance. Determina: Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado. (BRASIL, 2013)

Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 942) elucida a abrangência das citadas condutas:

Nas mesmas penas incorre quem importa (traz algo de fora para dentro do país), vende (aliena por certo preço), expõe à venda (coloca à vista com o fim de alienar a certo preço), tem em depósito para vender (mantém algo guardado com o fim de alienar a certo preço) ou, de qualquer forma, distribui (dá para várias pessoas em várias direções ou espalha) ou entrega a consumo (passa algo às mãos de terceiros para que seja ingerido ou gasto) o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado.

O parágrafo 1º-B, do artigo 273, do Código Penal, a seu turno, dispõe:

§ 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:

I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente;

II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior;

III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização;

IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade;

V - de procedência ignorada;

VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente. (BRASIL, 2013)

 Como se nota, todo aquele que pratica alguma das condutas previstas no parágrafo 1º, do artigo 273, do Código Penal, ou seja, que importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender, distribui ou entrega a consumo produtos, em qualquer das condições previstas nos incisos supracitados, fica sujeito às severas sanções do crime em comento.

Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 942-943) dá o significado de cada uma das hipóteses. Vejamos:

a) sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente (é o produto que, embora não adulterado de qualquer forma, deixou de ser devidamente inscrito no órgão governamental de controle da saúde e da higiene pública. É preciso ser exigível tal registro, de modo que é norma penal em branco);

b) em desacordo com a fórmula constante do registro no órgão competente (faz-se a inscrição do produto no órgão competente, embora seja este alienado, por exemplo, com conteúdo diverso do que consta no registro. Não deixa de ser, nesse caso, uma modalidade específica de alteração do produto, além de norma penal em branco);

c) sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização (é o produto que não corresponde exatamente àquele que consta com autorização governamental para ser vendido ao público, seja porque mudou sua forma de apresentação, seja por que não preenche, na essência, o objetivo da vigilância sanitária. Trata-se de norma penal em branco);

d) com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade (o produto, tal como é conhecido, deveria apresentar certa eficácia para o combate a determinados males e doenças, deixando de manifestá-la porque foi alterado, perdendo capacidade terapêutica ou diminuindo-se o tempo de duração de seus efeitos);

e) de procedência ignorada (é o produto sem origem, sem nota e sem controle, podendo ser verdadeiro ou falso, mas dificultando, sobremaneira, a fiscalização da autoridade sanitária);

f) adquiridos de estabelecimentos sem licença da autoridade sanitária competente (compõem o universo dos produtos originários de comércio clandestino de substâncias medicinais ou terapêuticas. Tendo em vista o perigo abstrato existente na comercialização de produtos sem o controle sanitário, é natural que não se possa adquiri-los de lugares não licenciados), conforme o § 1.º-B.

Da lição de Damásio Evangelista de Jesus (2009, p. 21-22), extraímos o conceito de normas penais em branco:

 Normas penais em branco são as disposições cuja sanção é determinada, permanecendo indeterminado o seu conteúdo.

[...]

Depende, pois, a exequibilidade da norma penal em branco (ou “cega” ou “aberta”) do complemento de outras normas jurídicas ou da futura expedição de certos atos administrativos (regulamentos, portarias, editais). A sanção é imposta à transgressão (desobediência, inobservância) de uma norma (legal ou administrativa) a emitir-se no futuro.

[...]

Normas penais em branco em sentido estrito são aquelas cujo complemento está contido em norma procedente de outra instância legislativa. As fontes formais são heterogêneas, havendo diversificação quanto ao órgão de elaboração legislativa.

Vê-se, portanto, que os incisos I, II e III, do parágrafo 1º-B, do artigo 273, do Código Penal, veiculam normas penais em branco em sentido estrito, pois necessitam do complemento de atos administrativos emanados do órgão governamental de controle da saúde e higiene pública a fim de que se configure a tipicidade do fato.

No Brasil, o órgão de vigilância sanitária competente para a regulamentação, controle e fiscalização de produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública é a ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA, 2012), criada pela Medida Provisória nº 1.791, de 30 de dezembro de 1998 (BRASIL, 2013), convertida na Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999 (BRASIL, 2013), incumbindo-lhe a concessão de registros de produtos, segundo as competentes normas de sua área de atuação. (ANVISA, 2012)

Dentre os medicamentos encontrados no Brasil desprovidos de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária, podemos citar o Pramil (sildenafil) (ANVISA, 2006), cuja importação, comércio e uso foram proibidos em todo o território nacional por força da Resolução nº 2.997, de 12 de setembro de 2006 (BRASIL, 2013), bem como o Desobesi-M (cloridrato de femproporex) (ACHÉ, 2013), cujo registro está cancelado desde 11 de dezembro de 2011 (ANVISA, 2012), por determinação da Resolução da Diretoria Colegiada nº 52, de 6 de outubro de 2011. (BRASIL, 2013)

Por fim, conclui-se que o nomem juris do crime do artigo 273, do Código Penal, qual seja, falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (BRASIL, 2013), reflete apenas as condutas previstas no caput do artigo, mas não em seus parágrafos (GRECO, 2011, p. 787), que contemplam diversas outras figuras típicas, conforme exposto acima.

Vale também ressaltar que, diversamente do que dispunha o primitivo artigo 272, do Código Penal, que incriminava a corrupção, adulteração e falsificação de substâncias alimentícias ou medicinais destinadas a consumo (BRASIL, 2013), o tipo penal do artigo 273, do Código Penal, não exige, para sua configuração, que o produto se torne nocivo à saúde humana.

2.4 Elemento subjetivo do tipo penal

Segundo o entendimento de Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 189):

Elemento subjetivo é o dolo, representado pela vontade consciente de praticar qualquer das condutas descritas no artigo em exame. Na hipótese do caput, não há exigência de elemento subjetivo especial do tipo; nas demais hipóteses, porém, exige-se esse elemento subjetivo, consistente no especial fim de agir – “para vender” – do § 1º.

Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini (2007, p. 127), quanto ao caput, lecionam:

O dolo é a vontade de praticar qualquer das condutas inscritas no dispositivo, desde que o agente saiba que se trata de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais. Não se exige, porém, qualquer fim especial da conduta.

Em relação às figuras equiparadas, os ilustres doutrinadores têm uma visão restritiva quanto à exigência do especial fim de agir para tipificação do delito. Referindo-se ao parágrafo 1º, lecionam: Na conduta de ter em depósito, a lei exige que o comportamento tenha como finalidade a venda. (MIRABETE; FABBRINI, 2007, p. 128)

Prosseguem:

O dolo, tanto nas condutas previstas nos §§ 1º e 1º-B, exige que o agente, além da vontade de praticar a ação, tenha ciência da falsificação, corrupção, adulteração ou alteração do produto incriminado ou de que esteja ele em uma das situações previstas no último parágrafo citado. (MIRABETE; FABBRINI, 2007, p. 128)

Rogério Greco (2011, p. 788), em consonância, expõe que o dolo é o elemento subjetivo exigido pelo caput, bem como pelo § 1º do art. 273, do Código Penal.

Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 944), de modo mais específico, aduz que o elemento subjetivo do tipo é o dolo de perigo ou a culpa, conforme a situação.

2.5 Consumação e tentativa

Na lição de Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 189):

Consuma-se o crime com a falsificação, corrupção, adulteração ou alteração do produto destinado a fins terapêuticos os medicinais (caput); ou com a efetiva importação, venda, exposição à venda, depósito, distribuição ou entrega a consumo de produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado, nas condições descritas no § 1ª-B (§ 1º-A). O perigo para a saúde pública é presumido pela lei. A tentativa é, teoricamente, admissível.

Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini (2007, p. 127), por sua vez, ensinam:

Consuma-se o crime quando praticada a ação típica, independentemente de qualquer outro resultado. O perigo para a saúde pública é presumido por lei, não se exigindo, pois, sua comprovação.

Tratando-se de crime plurissubsistente, nada impede a tentativa, Esta existe quando não ocorre a falsificação, corrupção, adulteração ou alteração por circunstâncias alheias à vontade do agente, tendo este já iniciado a execução da conduta típica.

Nas palavras de Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 945), o momento consumativo ocorre da seguinte forma:

Quando as condutas descritas no caput do tipo forem praticadas em relação a produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, ainda que não haja dano à saúde de alguém. Pode dar-se, no caso do § 1.º, quando as condutas ali descritas envolverem o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado, também sem dependência a lesão à saúde de terceiro.

Quanto à tentativa, o ilustre doutrinador entende que é admissível na forma dolosa. (NUCCI, 2011, p. 945)

Finalmente, Rogério Greco (2011, p. 787) expõe:

O delito se consuma quando o agente pratica quaisquer dos comportamentos previstos pelo tipo penal do art. 273 do Código Penal, criando a situação concreta de risco à incolumidade pública, ou, mais especificamente, à saúde pública.

A tentativa é admissível.

Como se percebe, apesar da pequena divergência doutrinária, prevalece que, para a consumação do delito previsto no artigo 273, do Código Penal, não é necessário que ocorra efetivo dano à saúde de alguém, nem tampouco que se comprove o real risco à saúde pública.

Para melhor classificarmos o delito em tela, convém transcrever os ensinamentos de Damásio Evangelista de Jesus (2009, p. 185) sobre o tema:

Crimes de dano são os que só se consumam com a efetiva lesão do bem jurídico. Exs.: homicídio, lesões corporais etc.

Crimes de perigo são os que se consumam tão-só com a possibilidade de dano. Exs.: perigo de contágio venéreo (art. 130, caput); rixa (art. 137); incêndio (art. 250) etc.

[...]

Perigo presumido (ou abstrato) é o considerado pela lei em face de determinado comportamento positivo ou negativo. É a lei que o presume juris et de jure. Não precisa ser provado. Resulta da própria ação ou omissão.

Verifica-se, portanto, ser o crime do artigo 273, do Código Penal, de perigo abstrato, uma vez que, em todas as suas modalidades, se consuma com a mera possibilidade de dano, possibilidade esta presumida pela lei, sem que seja necessária a sua prova, em face de condutas previstas pelo legislador no tipo penal incriminador.

Ainda, verifica-se tratar de crime formal, conforme extraímos da lição de Damásio Evangelista de Jesus (2009, p. 187):

No crime formal o tipo menciona o comportamento e o resultado, mas não exige a sua produção para a consumação. Exs.: crimes contra a honra, ameaça, divulgação de segrego, violação de segredo profissional etc.

[...]

São delitos formais aqueles que, não obstante reclame a lei que a vontade do agente se dirija à produção de um resultado que constituiria uma lesão do bem, não exigem para a consumação que esse resultado se verifique.

Nesse sentido encontram-se Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 189) – Trata-se de crime [...] formal (crime que não causa transformação no mundo exterior); [...] de perigo abstrato e coletivo –, Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 945) – [...] formal; [...] de perigo comum abstrato – e Victor Eduardo Rios Gonçalves (2011, p. 634) – Como a antiga redação exigia que a conduta tornasse o produto nocivo à saúde, requisito não repetido na atual legislação, pode-se concluir que o delito atualmente é de perigo presumido.

Em sentido contrário, porém reconhecendo a corrente majoritária, podemos citar Rogério Greco (2011, p. 787): Crime [...] de perigo comum e concreto (embora haja divergência doutrinária nesse sentido, pois que se tem entendido, majoritariamente, tratar-se de um crime de perigo abstrato, presumido).

No que tange ao entendimento de o crime do artigo 273, do Código Penal, é de perigo presumido ou abstrato, convém, por fim, citar a ressalva feita por Victor Eduardo Rios Gonçalves (2011, p. 634): É evidente, entretanto, que essa faceta é questionada pela doutrina em face do princípio da lesividade quando se trata, por exemplo, de mera falsificação de frasco de vitamina C ou de um batom.

A violação de tal princípio, dentre outros, ganhará destaque no capítulo seguinte.

2.6 Forma culposa

Dispõe o artigo 273, do Código Penal, em seu parágrafo 2º:

[...]

Modalidade culposa

§ 2º - Se o crime é culposo:

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. (BRASIL, 2013)

Sob a influência das ideias de Flamínio Fávero, extraímos da obra de Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini (2007, p. 128):

Agindo o sujeito ativo sem dolo, mas também sem tomar as cautelas necessárias na espécie, comete o crime culposo ao corromper, adulterar, alterar, importar, vender etc. a substância incriminada. É dever do fabricante e do comerciante verificar as condições com que se apresentam os produtos referidos no artigo 273, além de obedecer as normas jurídicas específicas que regulam suas atividades. Quando o comerciante, porém, entrega ao consumo mercadoria contida em recipiente fechado como a recebeu do fabricante, não cabe condená-lo pelo delito, pois não podia saber se estava, ou não, adulterada.

Rogério Greco (2011, p. 787), por sua vez: Comete o crime previsto no art. 273, § 2º, do CP quem distribui e entrega a consumo, bem como quem tem em depósito para venda medicamento falsificado e adulterado, sem verificar as condições do produto.

De modo mais sucinto, Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 189) expõe: Quando qualquer das condutas perpetradas decorre da desatenção às regras de cuidado objetivo pelo agente (§ 2º), configura-se a modalidade culposa.

2.7 Causas de aumento de pena

Dispõem, respectivamente, os artigos 285 e 258, do Código Penal:

Forma qualificada

Art. 285 - Aplica-se o disposto no art. 258 aos crimes previstos neste Capítulo, salvo quanto ao definido no art. 267. (BRASIL, 2013)

Formas qualificadas de crime de perigo comum

Art. 258 - Se do crime doloso de perigo comum resulta lesão corporal de natureza grave, a pena privativa de liberdade é aumentada de metade; se resulta morte, é aplicada em dobro. No caso de culpa, se do fato resulta lesão corporal, a pena aumenta-se de metade; se resulta morte, aplica-se a pena cominada ao homicídio culposo, aumentada de um terço. (BRASIL, 2013)

Como se nota, por força do artigo 285, do Código Penal, aplicam-se a todos os crimes previstos no Capítulo III, do Título VIII, do Código Penal, com exceção de um, as causas de aumento de pena previstas no artigo 258, do Código Penal.

Apesar de o texto legal usar a expressão “forma qualificada”, prevalece na doutrina tratar-se de causa de aumento de pena, principalmente pelo fato de a lei não prever expressamente o mínimo e o máximo da pena privativa de liberdade a ser cumprida. (JESUS, 2009, p. 575-577)

Assim, quanto ao crime previsto no artigo 273, do Código Penal, vale citar a lição de Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini (2007, p. 129):

Em qualquer das condutas típicas, se, do fato, resultar lesão corporal de natureza grave ou morte, há crime qualificado pelo resultado. Pode o produto não conter a nocividade positiva mas ocorrer um desses resultados. Suponha-se, por exemplo, a substituição de insulina por água destilada que não remove a hiperglicemia. Aplica-se, pois, ao artigo 273 o disposto no artigo 258 por força do artigo 285.

Em complemento, cumpre transcrever o exposto por Victor Eduardo Rios Gonçalves (2011, p. 635):

Nos termos do art. 285, em combinação com o art. 258, se em decorrência do crime culposo resultar lesão corporal, ainda que leve, a pena será aumentada em metade e, se resultar morte, será aplicada a pena do crime de homicídio culposo aumentada em um terço.

Consigne-se, também, que, nos termos do artigo 19, do Código Penal, pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o houver causado ao menos culposamente. (BRASIL, 2013)

2.8 Penas cominadas e ação penal

Em que pese já haver constado neste trabalho, citemos o constatado por Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 190) quanto às penas previstas para o crime do artigo 273, do Código Penal: As penas cominadas, cumulativamente, para o caput e os §§ 1ª-A e 1º-B são reclusão, de dez a quinze anos, e multa. Para a hipótese de crime culposo (§ 2º), as penas são de detenção, de um a três anos, e multa.

Pela análise do que consta no artigo 33, caput, do Código Penal, verifica-se que a pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado. (BRASIL, 2013)

Nos termos do artigo 33, parágrafo 2º, alínea “a”, do Código Penal, o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado. (BRASIL, 2013)

Já o artigo 33, parágrafo 1º, alínea “a”, do Código Penal, esclarece que se considera regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média. (BRASIL, 2013)

Portanto, sendo de dez a quinze anos de reclusão, e multa, a pena da forma dolosa do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, os condenados por tal delito obrigatoriamente deverão iniciar o cumprimento da pena no regime fechado. Na forma culposa, salvo circunstância que justifique regime mais gravoso, o condenado iniciará o cumprimento da pena no regime aberto, conforme artigo 33, parágrafo 2º, alínea “c”, do Código Penal. (BRASIL, 2013)

Em se tratando da forma culposa, como a pena mínima é igual a um ano, caberá a suspensão condicional do processo, desde que preenchidos os requisitos legais, nos termos do artigo 89, da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995 (BRASIL, 2013).

A ação penal é pública incondicionada, tendo em vista que não há disposição em contrário no texto legal.

Com efeito, determina o artigo 100, caput, do Código Penal, que a ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido. (BRASIL, 2013). O artigo 100, parágrafo 1º, do Código Penal, por sua vez, dita que a ação penal é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça. (BRASIL, 2013)

Em correspondência encontra-se o artigo 24, do Código de Processo Penal, que dispõe:

Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo. (BRASIL, 2013)

2.9 Competência para processo e julgamento

O artigo 109, da Constituição Federal, estabelece as hipóteses de competência da Justiça Federal. Vejamos, mais precisamente, os incisos IV e V:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

[...]

IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;

V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente; (BRASIL, 2013)

Como se vê, dentre as hipóteses abarcadas pela jurisdição da Justiça Federal, encontram-se os crimes que ofendem interesses da União, bem como aqueles que estejam previstos em tratado internacional e desde que ocorra transnacionalidade da conduta.

A dúvida reside em saber se, pelo fato de o crime do artigo 273, do Código Penal, tutelar a saúde pública, sua prática atentaria contra interesse da União, ensejando a competência da Justiça Federal (hipótese do artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal), ou se, para tanto, seria necessário que tal crime encontrasse previsão em tratado internacional e que sua prática transbordasse o território nacional (hipótese do artigo 109, inciso V, da Constituição Federal).

Apesar de controvertido, pela análise dos julgados abaixo, verifica-se que tem prevalecido o entendimento de que, no caso do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, a competência será da Justiça Federal desde que haja indícios da importação de qualquer dos produtos descritos no caput e no parágrafo 1º-A, em qualquer das situações previstas nos incisos do parágrafo 1º-B. Nos demais casos, a competência será da Justiça Estadual.

Vejamos trecho de acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, quando do julgamento do recurso em sentido estrito nº 0005944-38.2009.404.7107-RS:

[...] 5. O crime do artigo 273, § 1º-B do Código Penal não tem o condão de atrair a competência federal unicamente por atentar contra a saúde pública, sendo necessários para tal a existência de indícios da ocorrência de importação de medicamento sem o devido registro no órgão de vigilância sanitária competente, porquanto tal conduta pode ser entendida como contrabando sob forma especializada que, por opção legislativa (Lei 9.677/98), passou a ser prevista em tipo penal próprio (artigo 273 do CP), providência que não alterou, todavia, a competência federal para seu processamento e julgamento. (BRASIL, 2010)

Nesse sentido também se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do habeas corpus nº 58.613-DF:

[...] 1. A competência da Justiça Federal será atraída, tão-somente, naqueles casos em que se evidenciar a existência de eventual lesão a bens, serviços ou interesses da União, de suas autarquias ou empresas pública, ex vi do art. 109 da Constituição Federal, o que não ocorre no caso em tela. 2. Tendo sido imputada ao paciente a conduta de entregar a consumo produto medicamentoso, de procedência ignorada, e sem registro no órgão competente, nos termos insertos nos incisos V e VI do § 1º-B do art. 273 do Código Penal, e não havendo acusação no sentido de tenha trazido, de qualquer forma, para o território nacional o medicamento, incabível o deslocamento do feito para a Justiça Federal, porque ausente eventual lesão a bens, serviços ou interesses da União. (BRASIL, 2008)

Vê-se que, em se tratando a figura exposta no primeiro acórdão de forma especializada de contrabando, a competência será da Justiça Federal, independentemente da previsão do crime do artigo 273, do Código Penal, em tratados ou convenções internacionais, aplicando-se analogicamente a Súmula nº 151, do Superior Tribunal de Justiça, que dispõe: A competência para o processo e julgamento por crime de contrabando ou descaminho define-se pela prevenção do Juízo Federal do lugar da apreensão dos bens. (BRASIL, 2013)

2.10 Classificações doutrinárias

A fim de se concluir a análise do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, evitando-se brechas em sua compreensão, citemos agora as diversas classificações trazidas pela doutrina a respeito do delito em tela. Algumas delas, mais pertinentes ao propósito desse trabalho, já foram mencionadas alhures, mas aqui serão repetidas a título de compêndio.

Segundo Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 189):

Trata-se de crime comum (não exige qualquer qualidade ou condição especial do sujeito ativo); formal (crime que não causa transformação no mundo exterior); [...] instantâneo (a consumação não se alonga no tempo); crime comum, de perigo abstrato e coletivo, plurissubsistente, permanente (nas modalidades “ter em depósito” e “expor à venda”) e de forma vinculada.

Rogério Greco (2011, p. 787), de forma mais analítica:

Crime comum, tanto no que diz respeito ao sujeito ativo quanto ao sujeito passivo; doloso e culposo (tendo em vista a previsão expressa constante do § 2º do art. 273 do Código Penal); comissivo (podendo, também, nos termos do art. 13, § 2º, do Código Penal, ser praticado via omissão imprópria, na hipótese de o agente gozar do status de garantidor); de perigo comum concreto (embora haja divergência doutrinária nesse sentido, pois que se tem entendido, majoritariamente, tratar-se de um crime de perigo abstrato, presumido); de forma livre; instantâneo (no que diz respeito às condutas de falsificar, corromper, adulterar, alterar, vender, importar, distribuir, entregar) e permanente (quanto às condutas de expor à venda e ter em depósito); monossubjetivo; plurissubsistente; não transeunte.

Por fim, para Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 945), trata-se de crime comum; formal; de forma livre; comissivo; instantâneo (permanente nas formas “expor à venda” e “ter em depósito”); de perigo comum abstrato; unissubjetivo; plurissubsistente.


capítulo iii

princípios constitucionais penais violados pelo crime previsto no artigo 273, do código penal

3.1 Princípios da proporcionalidade e razoabilidade

Embora comumente sejam utilizados como sinônimos, primeiramente convém estabelecer uma diferenciação entre os denominados princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Conforme leciona Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 27):

Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade não se confundem, embora estejam intimamente ligados e, em determinados aspectos, completamente identificados. Na verdade, há que se admitir que se trata de princípios fungíveis e que, por vezes, utiliza-se o termo “razoabilidade” para identificar o princípio da proporcionalidade, a despeito de possuírem origens completamente distintas: o princípio da proporcionalidade tem origem germânica, enquanto a razoabilidade resulta da construção jurisprudencial da Suprema Corte norte-americana.

O princípio da proporcionalidade infere-se de uma interpretação sistemática do texto constitucional. Por interpretação sistemática tem-se aquela que considera o sistema em que se insere a norma, relacionando-a com outras normas concernentes ao mesmo objeto. (DINIZ, 2009, p. 440). Trata-se de uma técnica de apresentação de atos normativos, em que o hermeneuta relaciona umas normas a outras até vislumbrar-lhes o sentido e o alcance. (DINIZ, 2009, p. 440)

Sob a influência de Edilson Mougenot Bonfim e Fernando Capez, extraímos da obra de Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 24):

[...] o princípio da proporcionalidade é uma consagração do constitucionalismo moderno (embora já fosse reclamado por Beccaria), sendo recepcionado [...] pela Constituição Federal brasileira, em vários dispositivos, tais como: exigência da individualização da pena (art. 5º, XLVI), proibição de determinadas modalidades de sanções penais (art. 5º, XLVII), admissão de maior rigor para infrações mais graves (art. 5º, XLII, XLIII e XLIV). Exige-se moderação, contudo, como destacam Edilson Bonfim e Fernando Capez, para infrações de menor potencial ofensivo (art. 98, I).

Nota-se, portanto, que a Constituição Federal de 1988, de modo implícito, consagra em nosso ordenamento o princípio da proporcionalidade, cuja definição, de modo claro e objetivo, é trazida por Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 89). Vejamos:

Significa que as penas devem ser harmônicas com a gravidade da infração penal cometida, não tendo cabimento o exagero, nem tampouco a extrema liberalidade na cominação das penas nos tipos penais incriminadores. Não teria sentido punir um furto simples com elevada pena privativa de liberdade, como também não seria admissível punir um homicídio qualificado com pena de multa.

A abrangência do princípio da proporcionalidade extrapola a análise das consequências da aplicação da lei no caso concreto. Modernamente, compreende-se que referido princípio abarca, inclusive, o Poder Legislativo no ato de legislar. (BITENCOURT, 2008, p. 25)

Nesse contexto, é pertinente ao tema do presente trabalho transcrever o exposto por Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 25):

[...] a evolução dos tempos tem nos permitido constatar, com grande freqüência, o uso abusivo do “poder de fazer leis had hocs”, revelando, muitas vezes, contradições, ambigüidades, incongruências e falta de razoabilidade, que contaminam esses diplomas legais com o vício da inconstitucionalidade.

Rogério Greco (2011, p. 77), por sua vez, ensina:

Por meio do raciocínio da proibição do excesso, dirigido tanto ao legislador quanto ao julgador, procura-se proteger o direito de liberdade dos cidadãos, evitando a punição desnecessária de comportamentos que não possuem a relevância exigida pelo Direito Penal, ou mesmo comportamentos que são penalmente relevantes, mas que foram excessivamente valorados, fazendo com que o legislador cominasse, em abstrato, pena desproporcional à conduta praticada, lesiva a determinado bem jurídico.

O exemplo mais antigo do princípio da proporcionalidade reside na chamada “lei do talião”, famosa pelo adágio “olho por olho, dente por dente”. (BITENCOURT, 2008, p. 27; GRECO, 2011, p. 76). Contudo, tal sanção não se mostra de modo algum razoável, e é exatamente aqui que deve ter lugar o princípio da razoabilidade, que exerce função controladora na aplicação do princípio da proporcionalidade. (BITENCOURT, 2008, p. 27)

Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 27) conceitua o termo “razoável” como aquilo que tem aptidão para atingir os objetivos a que se propõe, sem, contudo, representar excesso algum.

Com efeito, as penas cominadas ao crime previsto no artigo 273, do Código Penal, de modo algum se apresentam proporcionais, muito menos razoáveis.

Conforme constou no capítulo anterior, trata-se o delito objeto do presente trabalho de crime de perigo abstrato, que se consuma sem a necessária ocorrência de efetivo dano à saúde de alguém, ou comprovação de real risco à saúde pública. Desse modo, não há justificativa plausível para que tal delito seja apenado com penas muito mais severas do que as de crimes de dano que atingem diretamente a vida ou a incolumidade física do indivíduo, como, por exemplo, o homicídio simples, do artigo 121, caput, do Código Penal – pena de reclusão de seis a vinte anos (BRASIL, 2013) –, o aborto provocado por terceiro, do artigo 125, do Código Penal – pena de reclusão de três a dez anos (BRASIL, 2013) – e a lesão corporal gravíssima, do artigo 129, parágrafo 2º, do Código Penal – pena de reclusão de dois a oito anos. (BRASIL, 2013)

Vale notar que o crime do artigo 273, do Código Penal, também possui penas mais elevadas que as do tráfico de drogas, do artigo 33, caput, da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006 – pena de reclusão e cinco a quinze anos (BRASIL, 2013) –, crime este que versa sobre idêntico bem jurídico, qual seja, a saúde pública, e que, comparado a certas modalidades do crime do artigo 273, do Código Penal, apresenta grau de reprovabilidade muito superior.

Aqui convém transcrever a crítica feita por Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 944):

É inviável acolher como razoável a pena mínima de dez anos de reclusão, em regime inicial fechado, considerado como hediondo, para condutas de perigo, quando nem mesmo potencial concreto de dano se exige. Vender um remédio sem registro no órgão de vigilância sanitária não tem, minimamente, o padrão necessário para se comparar a graves delitos de dano, como, por exemplo, o homicídio. No entanto, a pena mínima do homicídio simples é de seis anos de reclusão, enquanto a mínima do crime contra a saúde pública atinge dez anos de reclusão.

Alberto Silva Franco (2000, p. 256-257), desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e membro fundador do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (TV JUSTIÇA, 2013), também segue nesse sentido:

O desatino do legislador penal não se resumiu apenas ao processo tipificador do art. 273 do código penal. Era ainda muito pouco. Foi muito além: cominou para as condutas descritas no caput e nos parágrafos dele derivados, pena reclusiva variável entre dez e quinze anos, além de multa. Não é necessário nenhum esforço concentrado para concluir que o legislador penal, ao atribuir esse quantum punitivo aos autores das ações enumeradas no art. 273 e seus parágrafos lesionou, de forma inquestionável, os princípios constitucionais da proporcionalidade e da ofensibilidade.

Finalmente, Miguel Reale Júnior (1999, p. 426), comentando a chamada “lei dos remédios”, expõe:

Não há interpretação que possa ser feita para conformar a norma aos valores e princípios constitucionais. A interpretação congruente com a Constituição tem limites, pois deve-se neste esforço, para salvar a norma, analisar as possibilidades de ambos os textos, o constitucional e o a ser conservado, de acordo com o tê-los de ambos. Com relação à norma do inc. I do §1º-B do art. 273, bem como referentemente aos demais incisos, frustra-se a tentativa de conservação dos dispositivos, porque para tanto seria necessário impedir a realização absoluta dos valores e princípios constitucionais.

Dando maior atenção ao princípio em tela, o anteprojeto do novo Código Penal, no histórico dos trabalhos de sua comissão, expõe o método utilizado para escolha das condutas a serem tipificadas e fixação de suas penas, citando como exemplo o crime objeto do presente trabalho. Vê-se que a intenção é de uma drástica redução das penas cominadas:

Cada crime previsto na parte especial do Código Penal atual ou na legislação extravagante foi submetido, portanto, a um triplo escrutínio: i) se permanece necessário e atual; ii) se há figuras assemelhadas previstas noutra sede normativa; iii) se as penas indicadas são adequadas à gravidade relativa do delito.

Esta tarefa resultou em forte descriminalização de condutas, em regra por serem consideradas desnecessárias para a sociedade brasileira atual, insuscetíveis de tratamento penal ou incompatíveis com a Constituição Brasileira de 1988. As penas foram redesenhadas para coibir excessos ou insuficiências. A exagerada pena do artigo 273 do atual Código Penal (falsificação de medicamentos), por exemplo, foi reduzida dos atuais dez a quinze anos para quatro a doze anos. Por outro lado, as penas do homicídio culposo, hoje com máximo de três anos, foram aumentadas para quatro, além da previsão da “culpa gravíssima”, capaz de elevar as penas desta conduta para o intervalo de quatro a oito anos. (CONJUR, 2013)

Constata-se, portanto, a patente violação aos princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade pelo crime previsto no artigo 273, do Código Penal, restando inviável qualquer raciocínio no sentido de se entender cabível uma pena privativa de liberdade de dez a quinze anos de reclusão, além de multa, cominada a um crime de perigo abstrato.

3.2 Princípio da ofensividade

O princípio da ofensividade, também denominado princípio da lesividade, encontra-se previsto de forma implícita na Constituição Federal de 1988, conforme convém a doutrina, a exemplo de Guilherme de Souza Nucci. (2011, p. 86)

Sobre o respaldo constitucional, bem como sobre a definição de referido princípio, leciona Damásio Evangelista de Jesus (2009, p. 10):

O Direito Penal só deve ser aplicado quando a conduta ofende um bem jurídico, não sendo suficiente que seja imoral ou pecaminosa. Entre nós, esse princípio pode ser extraído do art. 98, I, da Const. Federal, que disciplina as infrações de menor potencial “ofensivo”. Para um setor da doutrina, o princípio da ofensividade (nullum crimen sine injuria) requer, para a existência (material) do crime, que a conduta produza uma lesão efetiva ou um perigo concreto ao bem juridicamente tutelado.

Paulo Queiroz (2008, p. 59), por sua vez, extrai o princípio da ofensividade do texto constitucional através do seguinte raciocínio:

[...] se é objetivo fundamental da República, como declarado no art. 3º, construir uma sociedade livre, se são invioláveis a liberdade, a intimidade (art. 5º) e a vida privada, e se é explícita a sua vocação libertária, segue-se que nenhum ato de constrição à liberdade pode ser tolerado, salvo quando em virtude do abuso no seu exercício resultar dano/lesão à liberdade de outrem. Conseqüentemente, condutas meramente imorais, por mais escandalosas, não autorizam a intervenção penal, nem tampouco podem vingar em caráter absoluto presunções legais de violência ou de perigo, como ainda prevê o Código Penal, sob pena de absolutizar o que é relativo.

No entender de Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 22), o princípio da ofensividade assume duas facetas. Vejamos:

O princípio da ofensividade no Direito Penal tem a pretensão de que seus efeitos tenham reflexos em dois planos: no primeiro, servir de orientação à atividade legiferante, fornecendo substratos político-jurídicos para que o legislador adote, na elaboração do tipo penal, a exigência indeclinável de que a conduta proibida represente ou contenha verdadeiro conteúdo ofensivo a bens jurídicos socialmente relevantes; no segundo plano, servir de critério interpretativo, constrangendo o intérprete legal a encontrar em cada caso concreto indispensável lesividade ao bem jurídico protegido.

Como se nota, o princípio da ofensividade vincula tanto o legislador no ato da elaboração dos tipos penais incriminadores, quanto o intérprete que busca a correta aplicação da lei penal no caso concreto, obrigando-os à verificação de efetiva lesão, ou ao menos perigo concreto de lesão, ao bem jurídico tutelado.

Nesse sentido, conclui Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 22):

Para que se tipifique algum crime, em sentido material, é indispensável que haja, pelo menos, um perigo concreto, real e efetivo de dano a um bem jurídico penalmente protegido. Somente se justifica a intervenção estatal em termos de repressão penal se houver efetivo e concreto ataque a um interesse socialmente relevante, que represente, no mínimo, perigo concreto ao bem jurídico tutelado. Por essa razão, são inconstitucionais todos os chamados crimes de perigo abstrato, pois, no âmbito do Direito Penal de um Estado Democrático de Direito, somente se admite a existência de infração penal quando há efetivo, real e concreto perigo de lesão a um bem jurídico determinado. Em outros termos, o legislador deve abster-se de tipificar como crime ações incapazes de lesar ou, no mínimo, colocar em perigo concreto o bem jurídico protegido pela norma penal. Sem afetar o bem jurídico, no mínimo colocando-o em risco efetivo, não há infração penal.

Corroborando o entendimento acima exposto, Luiz Flávio Gomes (2008) entende que a admissão, nos dias atuais, do perigo abstrato no Direito Penal constitui uma heresia sem tamanho, quando se estuda o princípio (constitucional implícito) da ofensividade, que não permite nenhum delito de perigo abstrato. Prossegue o ilustre doutrinador: Todo tipo legal que descreve um perigo abstrato deve ser interpretado na forma de perigo concreto (ainda que indeterminado, que é o limite mínimo para se admitir um delito, ou seja, a intervenção do Direito penal). (GOMES, 2008)

Desse modo:

É preciso sempre verificar o que está detrás do texto legal (do enunciado legal). Urge que se descubra sempre a antijuricidade material (lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico), interpretando-se os tipos penais teleologicamente. (GOMES, 2002, p. 103)

É com base no princípio da ofensividade que não se pune o denominado crime impossível, previsto no artigo 17, do Código Penal (QUEIROZ; PINHO, 2013, p. 1), que ocorre quando não há qualquer possibilidade de lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico protegido, seja por ineficácia absoluta do meio, seja por absoluta impropriedade do objeto. (BRASIL, 2013). Também não se pune, com base em tal princípio, a cogitação e os atos preparatórios, fases do iter criminis que não atacam, efetivamente, o bem jurídico tutelado pela norma. (QUEIROZ; PINHO, 2013, p. 1-2)

Assim, entende Luiz Flávio Gomes (2002, p. 62) que não há delito sem desvalor do resultado (afetação a bens de terceiras pessoas), não bastando o mero desvalor da ação, incapaz de trazer, ao menos, perigo concreto de dano ao objeto jurídico protegido.

Destarte, percebe-se que o crime previsto no artigo 273, do Código Penal, viola frontalmente o princípio da ofensividade, uma vez que tipifica condutas das quais não se exige qualquer comprovação de real dano ou perigo à saúde pública, tratando-se, conforme se analisou no capítulo anterior, de crime de perigo abstrato, amplamente criticado, como se viu, pela doutrina moderna.

Com efeito, não representa risco de dano à saúde pública, por exemplo, a conduta daquele que importa medicamento sem registro no órgão de vigilância sanitária competente, sendo tal medicamento de composição idêntica à de outro legalmente comercializado no Brasil. Exemplo claro é o do medicamento Pramil, utilizado no tratamento da disfunção erétil (PRAMIL, 2013), cuja importação, comércio e uso foram proibidos em todo o território nacional por força da Resolução nº 2.997, de 12 de setembro de 2006, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (BRASIL, 2013), mas que possui o mesmo princípio ativo do medicamento Viagra (CONSELHO REGIONAL DE QUÍMICA - IV REGIÃO, 2013), este regularmente vendido no país.

Ainda a título exemplificativo, não acarreta perigo algum à saúde pública a conduta daquele que adultera um frasco de xampu acrescentando-lhe água, ou daquele que falsifica um produto de limpeza qualquer, de modo que este, sem qualquer anormalidade, continue atingindo seus fins.

Nesse contexto, Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 944) conclui, quanto ao crime previsto no artigo 273, do Código Penal, que, se houver exagero punitivo, fere-se o princípio da proporcionalidade e, por via de consequência, o próprio sentido da ofensividade.

Miguel Reale Júnior (1999, p. 415), a propósito, convém:

Ora, o princípio da legalidade, decorrente do mandado da proibição de excessos, e o princípio da ofensividade foram claramente afrontados na Lei 9.677, de 02.07.1998, bem como pela Lei 9.695, de 20.08.1998. Regras aí contidas concretizam grave distorção entre os fatos inócuos descritos e a sua criminalização. Isto porque não se exige, no modelo de conduta típica, a ocorrência de resultado consistente em perigo ou lesão ao bem jurídico que se pretende tutelar, vale dizer, à saúde pública.

Assim, observa-se que a subsunção de condutas ao tipo previsto no artigo 273, do Código Penal, na forma de crime de perigo abstrato, de modo algum se coaduna com o princípio constitucional penal da ofensividade, que, em sua concepção moderna, abomina qualquer forma de incriminação por fatos não causadores de dano efetivo, ou ao menos perigo concreto de dano, ao bem jurídico tutelado pela norma. Deve-se, portanto, encarar o delito em tela na forma de crime de perigo concreto, buscando o aplicador do Direito, em cada caso, o real risco à saúde pública. Do contrário, o fato deve ser reputado atípico.

3.3 Princípios da intervenção mínima e da fragmentariedade

O princípio da intervenção mínima encontra respaldo na Constituição Federal de 1988, podendo ser aferido implicitamente, uma vez que nossa Lei Maior garante direitos invioláveis como a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade, além de estabelecer como fundamento do Estado a dignidade da pessoa humana. (NUCCI, 2011, p. 87)

Desse modo, é natural que a restrição ou privação desses direitos invioláveis somente se torne possível, caso seja estritamente necessária a imposição da sanção penal, para garantir bens essenciais ao homem. (NUCCI, 2011, p. 87)

O conceito e o alcance do denominado princípio da intervenção mínima podem ser extraídos da lição de Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 13):

O princípio da intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada e não recomendável. Se para o restabelecimento da ordem jurídica violada forem suficientes medidas civis ou administrativas, são estas que devem ser empregadas e não as penais. Por isso, o Direito Penal deve ser a ultima ratio, isto é, deve atuar somente quando os demais ramos do Direito revelarem-se incapazes de dar a tutela devida a bens relevantes na vida do indivíduo e da própria sociedade.

Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 86-87), sobre o princípio da intervenção mínima, por sua vez ensina:

Significa que o direito penal não deve interferir em demasia na vida do indivíduo, retirando-lhe autonomia e liberdade. Afinal, a lei penal não deve ser vista como a primeira opção (prima ratio) do legislador para compor conflitos existentes em sociedade, os quais, pelo atual estágio de desenvolvimento moral e ético da humanidade, sempre estarão presentes.

Há outros ramos do Direito preparados a solucionar as desavenças e lides surgidas na comunidade, compondo-as sem maiores traumas. O direito penal é considerado a última ratio, isto é, a última cartada do sistema legislativo, quando se entende que outra solução não pode haver senão a criação de lei penal incriminadora, impondo sanção penal ao infrator.

Damásio Evangelista de Jesus (2009, p. 10), a seu turno, expõe:

Procurando restringir ou impedir o arbítrio do legislador, no sentido de evitar a definição desnecessária de crimes e a imposição de penas injustas, desumanas ou cruéis, a criação de tipos delituosos deve obedecer à imprescindibilidade, só devendo intervir o Estado, por intermédio do Direito Penal, quando os outros ramos do Direito não conseguirem prevenir a conduta ilícita.

Como corolário dos princípios da intervenção mínima e da reserva legal temos o intitulado princípio da fragmentariedade, de onde se extrai o caráter fragmentário do Direito Penal, pelo qual este ramo do Direito deve restringir-se a punir somente as ações mais graves praticadas contra os bens jurídicos mais importantes. (BITENCOURT, 2008, p. 14)

Para Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 88), fragmentariedade significa que nem todas as lesões a bens jurídicos protegidos devem ser tuteladas e punidas pelo direito penal que, por sua vez, constitui somente parcela do ordenamento jurídico.

De modo resumido, conclui Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 15):

[...] “caráter fragmentário” do Direito Penal significa que o Direito Penal não deve sancionar todas as condutas lesivas dos bens jurídicos, mas tão-somente aquelas condutas mais graves e mais perigosas praticadas contra bens mais relevantes.

Ante o exposto, torna-se claro que o crime previsto no artigo 273, do Código Penal, viola o princípio da intervenção mínima, bem como vai contra o caráter fragmentário do Direito Penal, uma vez que tipifica condutas que poderiam enquadrar-se como meras irregularidades administrativas ou sanitárias, sendo desnecessária a imposição, como ocorre, de severas sanções criminais.

A título exemplificativo, podemos citar as condutas de falsificar, corromper, adulterar ou alterar produtos cosméticos ou saneantes – artigo 273, caput e parágrafo 1º-A, do Código Penal (BRASIL, 2013) –, importar matérias-primas sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização – artigo 273, parágrafos 1º, 1º-A e 1º-B, inciso III, do Código Penal (BRASIL, 2013) – e vender ou expor à venda insumos farmacêuticos adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente – artigo 273, parágrafos 1º, 1º-A e 1º-B, inciso VI, do Código Penal. (BRASIL, 2013). Tais condutas, ainda que analisadas na forma de crime de perigo concreto, não chegam a causar um sério risco de dano à saúde pública, razão pela qual torna-se descabida a intervenção do Direito Penal, que deve preocupar-se somente com as lesões mais graves aos bens jurídicos mais importantes.

Comentando a atual tendência a uma administrativização do Direito Penal, vale citar a lição do eminente jurista italiano Alessandro Baratta (2013, p. 8-9):

A lei penal [...] não pode ser uma resposta imediata da natureza administrativa, como, em troca, freqüentemente, é na prática. Os problemas que se devem enfrentar têm que estar suficientemente decantados antes de se pôr em prática uma resposta penal. Essa, geralmente, não pode contemplar situações atípicas ou excepcionais. Os requisitos que caracterizam o direito moderno, ou seja, a abstração e a generalidade da norma, não deveriam ser jamais derrogados pela lei penal. A experiência da legislação penal de emergência (como é o caso de boa parte da legislação antiterrorista) na Europa e seu efeito negativo, ao corromper a lógica dos códigos, deveria proporcionar, nesse sentido, um ensinamento válido para todo Estado de direito.

Nessa ordem se inscreve, também, uma drástica contenção da tendência a si chamada administrativização do direito penal. Com esse conceito se indica a proliferação descontrolada e não planejada de normas penais que somente constituem elementos secundários e complementares no âmbito das leis penais. O critério geral é o da autonomia da resposta penal; essa, por regra, deve constituir o conteúdo principal do ato legislativo, e não, como amiúde ocorre, representar somente uma linha secundária de reforço a respeito da disciplina jurídica de matérias não penais e das formas específicas de responsabilidade das partes interessadas que dessa disciplina geralmente derivam.

Nesse mesmo sentido, mais precisamente sobre os abusos na criminalização e penalização promovidos pelos legisladores contemporâneos, salienta Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 14):

[...] antes de se recorrer ao Direito Penal deve-se esgotar todos os meios extrapenais de controle social, e somente quando tais meios se mostrarem insuficientes à tutela de determinado bem jurídico justificar-se-á a utilização daquele meio repressivo de controle social.

[...] Os legisladores contemporâneos – tanto de primeiro como de terceiro mundo – têm abusado da criminalização e da penalização, em franca contradição com o princípio em exame, levando ao descrédito não apenas o Direito Penal, mas a sanção criminal, que acaba perdendo sua força intimidativa diante da “inflação legislativa” reinante nos ordenamentos positivos.

Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 944), discorrendo sobre o crime previsto no artigo 273, do Código Penal, conclui que a afronta direta ao princípio da proporcionalidade, bem como, indiretamente, à intervenção mínima, é patente.

Verifica-se, portanto, que o crime em comento viola os princípios da intervenção mínima e da fragmentariedade do Direito Penal, pois tipifica certas condutas que, por sua própria natureza, são incapazes, ainda que analisadas na forma de crime de perigo concreto, de causar risco ensejador da intervenção do Direito Penal ao bem jurídico tutelado pela norma, no caso, a saúde pública. Referidas condutas melhor se enquadrariam como meras irregularidades administrativas ou sanitárias, sendo passíveis de outras formas mais brandas e não menos eficazes de sanção, diversas das duras penas cominadas ao crime previsto no artigo 273, do Código Penal.

3.4 Princípio da dignidade da pessoa humana

Por fim, cumpre ressaltar as implicâncias do crime em tela ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Referido princípio encontra-se expressamente previsto na Constituição Federal de 1988, que, em seu artigo 1º, o enquadra dentre o rol dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Vejamos:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...]

III - a dignidade da pessoa humana; (BRASIL, 2013)

Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2011, p. 94), de modo claro e sucinto, demonstram o sentido do princípio da dignidade da pessoa humana em nosso ordenamento jurídico:

A dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil consagra, desde logo, nosso Estado como uma organização centrada no ser humano, e não em qualquer outro referencial. A razão de ser do Estado brasileiro não se funda na propriedade, em classes, em corporações, em organizações religiosas, tampouco no próprio Estado (como ocorre nos regimes totalitários), mas sim na pessoa humana. [...] São vários os valores constitucionais que decorrem diretamente da dignidade humana, tais como, dentre outros, o direito à vida, à intimidade, à honra e à imagem.

Apesar de se tratar de um princípio de difícil delimitação, tendo em vista a multiplicidade de valores que abarca, Alexandre de Moraes (2006, p. 48) leciona o seguinte conceito:

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

Como se vê, em se tratando a dignidade de um princípio natural, inerente à pessoa humana, considerado de valor pré-constituinte e de hierarquia supraconstitucional (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 172), compete ao Estado, em todas as suas esferas de poder, reconhecer e assegurar o seu efetivo cumprimento, tendo no indivíduo o seu fundamento e o seu fim último.

Nesse sentido, Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2011, p. 94) destacam o duplo aspecto que o princípio da dignidade da pessoa humana assume em nossa sociedade:

A dignidade da pessoa humana assenta-se no reconhecimento de duas posições jurídicas ao indivíduo. De um lado, apresenta-se como um direito de proteção individual, não só em relação ao Estado, mas, também, frente aos demais indivíduos. De outro modo, constitui dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes.

Pelo que se expôs em todo o presente capítulo, torna-se evidente que o crime previsto no artigo 273, do Código Penal, viola o princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que, da forma como se encontra tipificado, não expressa adequadamente o imprescindível caráter de proteção do indivíduo em face do Estado. Ao contrário, desrespeita princípios constitucionais penais básicos, que emanam da própria dignidade humana, sujeitando o indivíduo a severa pena privativa de liberdade, sem falar das restrições impostas pela Lei de Crimes Hediondos, em contrapartida a condutas que muitas vezes não chegam sequer a colocar em risco o bem jurídico protegido, qual seja, a saúde pública, ou que, em certos casos, nem mereceriam ser abarcadas pelo Direito Penal.

Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 944), comentando o crime previsto no artigo 273, do Código Penal, e corroborando o entendimento acima apresentado, conclui: Desintegra-se, em última análise, a dignidade da pessoa humana, conturbando-se o princípio da humanidade. Afinal, constitui crueldade aplicar sanção penal desproporcional a qualquer ser humano.

Desse modo, considerando que legislador pátrio não se ateve ao princípio da dignidade da pessoa humana quando da edição do tipo penal previsto no artigo 273, do Código Penal, princípio este que se encontra positivado em nosso ordenamento jurídico e do qual decorrem, direta ou indiretamente, diversos outros, tais como os já debatidos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade, da ofensividade, da intervenção mínima e da fragmentariedade, compete ao Poder Judiciário tomar as medidas cabíveis com o escopo de propiciar o pleno cumprimento dos princípios constitucionais no caso concreto. E são exatamente essas medidas que serão analisadas no capítulo seguinte.


capítulo iv

decisão judicial no crime previsto no artigo 273, do Código Penal

4.1 Reconhecimento da atipicidade material pelo princípio da insignificância

Tendo em vista a violação aos princípios constitucionais penais, conforme exposto no capítulo anterior, convém agora analisarmos, dentre as medidas a serem adotadas pelo juiz no caso concreto, a fim de evitar as injustiças do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, a possibilidade de reconhecimento da atipicidade material do fato por aplicação do princípio da insignificância.

Sobre o denominado princípio da insignificância, leciona Damásio Evangelista de Jesus (2009, p. 10-11):

Ligado aos chamados “crimes de bagatela” (ou “delitos de lesão mínima”), recomenda que o Direito Penal, pela adequação típica, somente intervenha nos casos de lesão jurídica de certa gravidade, reconhecendo a atipicidade do fato nas hipóteses de perturbações jurídicas mais leves (pequeníssima relevância material). Esse princípio tem sido adotado pela nossa jurisprudência nos casos de furto de objeto material insignificante, lesão insignificante ao Fisco, maus-tratos de importância mínima, descaminho e dano de pequena monta, lesão corporal de extrema singeleza etc.

Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 232), discorrendo, em síntese, sobre a insignificância, aduz tratar-se de excludente supralegal de tipicidade, demonstrando que lesões ínfimas ao bem jurídico tutelado não são suficientes para, rompendo o caráter subsidiário do Direito Penal, tipificar a conduta.

Paulo Queiroz (2008, p. 59), por sua vez, salienta:

[...] em razão do princípio da proporcionalidade, não se justifica que o direito penal possa incidir sobre comportamentos insignificantes. Ocorre que, ainda quando o legislador pretenda reprimir apenas condutas graves, isso não impede que a norma penal, em face de seu caráter geral e abstrato, alcance fatos concretamente irrelevantes.

Por meio do princípio da insignificância, cuja sistematização coube a Claus Roxin, o juiz, à vista da desproporção entre a ação (crime) e a reação (castigo), fará um juízo (inevitavelmente valorativo) sobre a tipicidade material da conduta, recusando curso a comportamentos que, embora formalmente típicos, não o sejam materialmente, dada a sua irrelevância.

Como sabemos, segundo o conceito analítico, crime é todo fato típico, ilícito e culpável. O fato típico, a seu turno, possui como elementos a conduta humana, o resultado, o nexo de causalidade e a tipicidade. (GRECO, 2011, p. 62). A tipicidade, em seu aspecto objetivo, pode ainda ser classificada em tipicidade formal e tipicidade material. (GOMES, 2011). Enquanto que por tipicidade formal compreende-se a adequação perfeita da conduta do agente ao modelo abstrato (tipo) previsto na lei penal (GRECO, 2011, p. 63), a tipicidade material representa o tipo legal adequado à lesividade, que possa causar a bens jurídicos protegidos, bem como socialmente reprovável. (NUCCI, 2011, p. 202). Segundo Fernando Capez (2011, p. 297), para que se fale em tipicidade material, a conduta não deve ter apenas forma, mas conteúdo de crime.

Uma vez que a lesividade da conduta do agente seja ínfima, insignificante, não se mostra capaz de causar dano, ou perigo concreto de dano, ao bem jurídico tutelado pela norma. E se não há dano ou perigo concreto de dano ao bem jurídico, não há tipicidade material. Inexistindo tipicidade material, não há fato típico e, por conseguinte, não há crime.

O Supremo Tribunal Federal vem firmando sua jurisprudência no sentido de exigir, para a aplicação do princípio da insignificância, a presença de quatro requisitos, o que se depreende do acórdão proferido no julgamento do habeas corpus nº 110.840-MS: (a) mínima ofensividade da conduta do agente; (b) ausência de periculosidade social da ação; (c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. (BRASIL, 2012). Contudo, a elevada abstração de tais requisitos torna nebulosa sua aplicação no caso concreto, principalmente por se tratarem de conceitos próximos, de difícil diferenciação. Nesse sentido encontra-se a crítica de Paulo Queiroz (2008, p. 53):

Parece-nos [...] que tais requisitos são tautológicos. Sim, porque se mínima é a ofensa, então a ação não é socialmente perigosa; se a ofensa é mínima e a ação não é perigosa, em consequência, mínima ou nenhuma é a reprovação; e, pois, inexpressiva a lesão jurídica. Enfim, os supostos requisitos apenas repetem a mesma idéia por meio de palavras diferentes, argumentando em círculo.

Quanto ao crime previsto no artigo 273, do Código Penal, examinar a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância importa, necessariamente, na análise sobre o reconhecimento da insignificância a qualquer crime que ofenda a saúde pública.

Apesar de amplamente utilizado, como se viu, por exemplo, nos crimes de descaminho e furto de pequena monta, a jurisprudência dominante dos tribunais superiores mostra-se relutante quanto à aplicação do princípio da insignificância aos crimes cujo objeto jurídico é a saúde pública. Aqui convém transcrever pequeno trecho do voto proferido pelo relator ministro Gilmar Mendes, quando do julgamento do habeas corpus nº 110.964-SC, pelo Supremo Tribunal Federal, versando sobre a impossibilidade do reconhecimento da insignificância no crime de contrabando de cigarros:

[...] Levando-se em conta a jurisprudência firmada pelo STF no sentido da possibilidade de aplicação do princípio da insignificância ao crime de descaminho, quando o valor sonegado não ultrapassar o montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais), poder-se-ia aplicá-lo também aos casos a envolver o delito de contrabando?

Entendo que não. Explico.

 [...]

Na espécie, saliento tratar-se de mercadorias submetidas a uma proibição relativa (cigarros de origem estrangeira desacompanhados de regular documentação), tendo em vista as restrições promovidas por órgãos de saúde do Brasil.

Assim, não se cuida, tão somente, de sopesar o caráter pecuniário do imposto sonegado, mas, principalmente, de tutelar, entre outros bens jurídicos, a saúde pública. (BRASIL, 2012)

Mais especificamente sobre o crime previsto no artigo 273, do Código Penal, vale citar trecho de acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça no ano de 2009, quando do julgamento do habeas corpus nº 93.870-RJ:

No caso em apreço, nada obstante a pequena quantidade do produto apreendida, mostra-se de todo inaplicável o princípio da insignificância, visto que evidenciado o alto grau de reprovabilidade do comportamento e a expressividade da lesão jurídica ocasionada, pois os pacientes, tal como narrado na peça acusatória, tinham em depósito, para venda a terceiros, produto farmacêutico sem o necessário registro no órgão de vigilância competente, fabricado por empresa com sede da cidade de Assunção, Paraguai. (BRASIL, 2009)

Contudo, em recente decisão, datada de 23 de abril de 2013, a quinta turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso especial nº 1.346.413-PR, entendeu afastada a tipicidade material da conduta, por aplicação do princípio da insignificância, daquele que importou pequena quantidade de medicamentos desprovidos de registro (Pramil), para uso pessoal. Vejamos trecho do voto proferido pela ministra Marilza Maynard (BRASIL, 2013):

[...] diante das peculiaridades do caso em concreto – pequena quantidade de medicamentos (5 cartelas contendo 20 comprimidos cada) para uso próprio, avaliados em R$ 30,00 (trinta reais), segundo a sentença de primeiro grau –, e sendo o paciente primário, entendo ser aplicável o princípio da insignificância, tendo em vista a inexpressiva lesão ao bem jurídico tutelado, afastando, assim, a tipicidade material da conduta.

De fato, mostra-se intrincada a aplicação do princípio da insignificância ao crime previsto no artigo 273, do Código Penal, justamente por carecermos de parâmetros concretos a nos informar que espécie de ofensa pode ser considerada insignificante para a saúde pública. Contudo, compreendendo-se o referido crime na forma de perigo concreto, em conformidade com o princípio da ofensividade, da análise da conduta do agente, especialmente levando-se em conta a quantidade dos produtos em tese nocivos à saúde pública, bem como sua composição química, torna-se possível o reconhecimento da insignificância, tendo como critério o prudente arbítrio do juiz. A consequência é a absolvição do réu, uma vez que o fato deixa de ser reputado típico por ausência de tipicidade material.

4.2 Aplicação analógica de penas mais brandas

A fim de afastar a desproporcional e nada razoável pena prevista no preceito secundário do tipo penal do artigo 273, do Código Penal, é comum que o juiz, no caso concreto, aplique analogicamente penas mais brandas, cominadas a delitos semelhantes, tendo em vista, principalmente, a identidade do objeto jurídico tutelado. Como exemplo, vale citar trecho da ementa de acórdão proferido pela sexta turma do Superior Tribunal de Justiça no final do ano de 2010, quando do julgamento do recurso especial nº 915.442-SC:

2. A Lei 9.677/98, ao alterar a pena prevista para os delitos descritos no artigo 273 do Código Penal, mostrou-se excessivamente desproporcional, cabendo, portanto, ao Judiciário promover o ajuste principiológico da norma.

3. Tratando-se de crime hediondo, de perigo abstrato, que tem como bem jurídico tutelado a saúde pública, mostra-se razoável a aplicação do preceito secundário do delito de tráfico de drogas ao crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais. (BRASIL, 2010)

Nesse sentido, convém ainda citar acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, proferido quando do julgamento da apelação criminal nº 6.218-BA. Vejamos: Em razão do princípio da proporcionalidade, correta a aplicação da analogia para se utilizar no caso do delito tipificado no art. 273 do CP a pena prevista para os crimes previstos no art. 33 da Lei 11.343/2006 (Lei de Tóxicos). (BRASIL, 2013)

Nos casos acima transcritos, verifica-se a aplicação analógica das penas previstas para o crime de tráfico de drogas, do artigo 33, caput, da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, quais sejam, reclusão de 5 a 15 anos e multa de 500 a 1500 dias-multa. (BRASIL, 2013)

Há também precedentes no sentido de se enquadrar a conduta de importar clandestinamente medicamentos em pequena quantidade ao crime de contrabando, do artigo 334, caput, do Código Penal, a despeito do perfeito amoldamento de tal conduta ao tipo penal previsto no artigo 273, parágrafos 1º-A e 1º-B, inciso I, do Código Penal. Vejamos trecho da ementa de acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região quando do julgamento da apelação criminal nº 7.102-RS:

O agente que importa clandestinamente medicamentos em pequenas quantidades - não representando a conduta, portanto, especial potencial lesivo à saúde pública - incide na pena do crime definido no art. 334 do CP, em detrimento do delito do artigo 273, § 1º-B, do CP, destinado à internalização irregular de fármacos em larga escala. (BRASIL, 2012)

Ainda, convém mencionar a proximidade do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, com aquele tipificado no artigo 56, da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que poderia ensejar a aplicação analógica de suas penas ao delito objeto do presente trabalho. Segue o referido dispositivo legal:

Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem abandona os produtos ou substâncias referidos no caput, ou os utiliza em desacordo com as normas de segurança.

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:

I - abandona os produtos ou substâncias referidos no caput ou os utiliza em desacordo com as normas ambientais ou de segurança;

II - manipula, acondiciona, armazena, coleta, transporta, reutiliza, recicla ou dá destinação final a resíduos perigosos de forma diversa da estabelecida em lei ou regulamento.

§ 2º Se o produto ou a substância for nuclear ou radioativa, a pena é aumentada de um sexto a um terço.

§ 3º Se o crime é culposo:

Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa. (BRASIL, 2013)

Contudo, dentre as inúmeras decisões em sentido contrário, já se manifestou a quinta turma do Superior Tribunal de Justiça, em acórdão proferido no final do ano de 2011, quando do julgamento do recurso especial nº 1.050.890-PR, entendendo ser descabida a aplicação de penas diversas daquela legalmente prevista no preceito secundário do tipo penal do artigo 273, do Código Penal:

1. Não é dado ao juiz, em razão do princípio da proporcionalidade, aplicar ao réu condenado a determinado tipo penal sanção diversa daquela legalmente prevista (preceito secundário da norma).

2. In casu, a aplicação, pelo Juiz sentenciante, da reprimenda prevista para o delito de contrabando (art. 334, caput, do CP) ao réu condenado pelo crime tipificado art. 273, § 1º-B, incs. I, V e VI, do CP) foi incorreta, do mesmo modo a aplicação da pena do tráfico de drogas realizado pelo Tribunal a quo. (BRASIL, 2011)

Sobre a aplicação da analogia no Direito Penal, atenhamo-nos ao ensinamento da doutrina, primeiramente analisando o exposto por Rogério Greco (2011, p. 43) a respeito do tema:

Defini-se analogia como uma forma de autointegração da norma, consistente em aplicar a uma hipótese não prevista em lei a disposição legal relativa a um caso semelhante, atendendo-se, assim, ao brocardo ubi eadem ratio, ubi eadem legis dispositio.

Damásio Evangelista de Jesus (2009, p. 50), a seu turno, leciona:

A analogia consiste em aplicar a uma hipótese não prevista em lei a disposição relativa a um caso semelhante.

[...]

É, pois, forma de auto-integração da lei para suprir lacunas porventura existentes. Em seu emprego, o intérprete parte da própria lei para elaborar a regra concernente ao caso não previsto pela legislação.

Por fim, Fernando Capez (2011, p. 53), conceituando a analogia em Direito Penal, ensina: [...] consiste em aplicar-se a uma hipótese não regulada por lei disposição relativa a um caso semelhante. Na analogia, o fato não é regido por qualquer norma e, por essa razão, aplica-se uma de caso análogo.

Ora, como se nota, para que se utilize a analogia em Direito Penal, assim como em qualquer ramo do Direito, mostra-se imprescindível a existência de uma lacuna na lei, a ocorrência de um fato não previamente descrito na norma. Assim, não obstante seja adequada a imposição de penas mais justas ao crime previsto no artigo 273, do Código Penal, impróprio se cogitar, uma vez que se encontra em plena vigência, a aplicação analógica de penas mais brandas, previstas a delitos semelhantes, que tutelam idêntico bem jurídico.

Com efeito, ainda que se trate de analogia in bonam partem, que visa beneficiar o réu, esta versaria sobre norma penal incriminadora, o que é vedado em nosso ordenamento jurídico em razão do princípio da reserva legal, que se aplica tanto ao preceito primário quanto ao preceito secundário das normas que definem condutas puníveis. (JESUS, 2009, p. 55). Isso porque se estaria realizando o enquadramento da conduta do agente a tipo penal que, apesar de menos severo, traz a definição legal de fatos criminosos distintos. Estaríamos diante de verdadeira analogia in bonam partem de norma penal incriminadora. (CAPEZ, 2011, p. 56)

Ante o impasse sobre a possibilidade se mitigar o princípio da reserva legal em favor do réu e tendo em vista a divergência jurisprudencial acima exposta, inclusive sobre qual seria o paradigma adequado para se aplicar a analogia, apresenta-se mais técnica e adequada a adoção da medida a ser explicitada no item seguinte.

4.3 Declaração de inconstitucionalidade em controle difuso

Sem que haja a pretensão de nos alongarmos por demais no tema, necessária uma breve análise sobre o instituto do controle de constitucionalidade no ordenamento jurídico brasileiro.

Ensina a doutrina que a ideia de controle de constitucionalidade implica na presença de uma série de pressupostos. Vejamos o exposto por Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2011, p. 763) sobre o tema:

a) a noção contemporânea de controle de constitucionalidade das leis tem como pressuposto a existência de uma Constituição do tipo rígida;

b) a rigidez da Constituição tem como consequência imediata o princípio da supremacia formal da Constituição;

c) o princípio da supremacia formal da Constituição exige que todas as demais normas do ordenamento jurídico estejam de acordo com o texto constitucional;

d) aquelas normas que não estiverem de acordo com a Constituição serão inválidas, inconstitucionais e deverão, por isso, ser retiradas do ordenamento jurídico;

e) há necessidade, então, de que a Constituição outorgue competência para que algum órgão (ou órgãos), independente do órgão encarregado da produção normativa, fiscalize se a norma inferior está (ou não) contrariando o seu texto, para o fim de retirá-la do mundo jurídico e restabelecer a harmonia do ordenamento;

f) sempre que o órgão competente realizar esse confronto entre a lei e a Constituição, estará ele efetivando o denominado “controle de constitucionalidade”.

Quanto ao momento, podemos classificar o controle de constitucionalidade em prévio (preventivo) e posterior (repressivo). Enquanto a primeira espécie pode ser exercida tanto pelo Poder Legislativo – através do próprio parlamentar, bem como das Comissões de Constituição e Justiça – quanto pelo Poder Executivo – através do veto jurídico – e pelo Poder Judiciário – hipótese de impetração de mandado de segurança por parlamentar –, o controle repressivo é, em regra, desempenhado pelo Poder Judiciário, tanto por meio de um único órgão (controle concentrado) quanto por qualquer juiz ou tribunal (controle difuso). (LENZA, 2012, p. 255-266)

Atenhamos-nos ao controle difuso. Também denominado controle aberto ou controle pela via de defesa ou exceção, esta forma de controle verifica-se em um caso concreto, e a declaração de inconstitucionalidade dá-se de forma incidental (incidenter tantum), prejudicialmente ao exame do mérito. (LENZA, 2012, p. 269). Ainda nas palavras de Pedro Lenza (2012, p. 269): Pede-se algo ao juízo, fundamentando-se na inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, ou seja, a alegação de inconstitucionalidade será a causa de pedir processual.

Sobre os efeitos da declaração de inconstitucionalidade em controle difuso, vale transcrever os ensinamentos de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2011, p. 812):

[...] qualquer que tenha sido o órgão prolator, a decisão no controle de constitucionalidade incidental só alcança as partes do processo (eficácia inter partes), não dispõe de efeito vinculante e, em regra, produz efeitos retroativos (ex tunc).

Pedro Lenza (2012, p. 274), por sua vez, salienta:

No momento que a sentença declara que a lei é inconstitucional (controle difuso realizado incidentalmente), produz efeitos pretéritos, atingindo a lei desde a sua edição, tornando-a nula de pleno direito. Produz, portanto, efeitos retroativos.

Assim, no controle difuso, para as partes os efeitos serão: a) inter partes e b) ex tunc.

A inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo pode se dar tanto sob o aspecto formal quanto sob o aspecto material. Por inconstitucionalidade formal compreende-se a desconformidade entre o processo de elaboração da norma previsto na Constituição e aquele adotado no caso concreto. Inconstitucionalidade material, a seu turno, representa a desarmonia existente entre o conteúdo da norma infraconstitucional com aquele presente na Constituição. (PAULO; ALEXANDRINO, 2011, p. 768)

Em se tratando de inconstitucionalidade material, importante consignar que esta pode ser aferida tanto em relação aos princípios e regras expressamente previstos no texto constitucional quanto àqueles previstos de forma implícita. Nesse sentido encontra-se a lição de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2011, p. 766):

[...] se a Constituição representa o fundamento de validade de toda e qualquer manifestação dos órgãos constituídos do Estado, o desrespeito aos seus termos implica nulidade do ato ou conduta destoantes de seus comandos. Nenhum comportamento estatal poderá afrontar os princípios e regras da Constituição, estejam esses expressos ou implícitos em seu texto.

Conforme o exposto, podemos concluir que o crime previsto no artigo 273, do Código Penal, em sua redação determinada pela Lei nº 9.677, de 2 de julho de 1998 (BRASIL, 2013), é materialmente inconstitucional, uma vez que, conforme exposto ao longo do presente trabalho, viola frontalmente princípios constitucionais penais constantes implícita ou explicitamente em nossa Constituição. É também inconstitucional, especialmente pela violação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, a inclusão do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, no rol de crimes hediondos da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, inclusão esta trazida pela Lei nº 9.695, de 20 de agosto de 1998. (BRASIL, 2013)

Corroborando o entendimento acima exposto encontra-se o voto proferido pelo desembargador Nuevo Campos, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, onde, observada a cláusula de reserva de plenário, do artigo 97, da Constituição Federal (BRASIL, 2013), suscita a arguição de inconstitucionalidade do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, quando do julgamento da apelação nº 990.09.152620-7. Vejamos:

Impõe-se [...] o reconhecimento incidental da inconstitucionalidade da inovação legislativa instituída pela Lei 9.677/98, no que tange às penas cominadas.

A atividade legislativa, no âmbito do Estado Democrático de Direito, possui limites definidos pelo princípio da legalidade, de cuja vertente material é corolário do princípio da proporcionalidade.

[...]

Reconhecida a inconstitucionalidade da inovação legislativa, em relação às penas cominadas, impõe-se a consideração das penas originariamente prevista pelo tipo penal, quais sejam, reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.

Impõe-se, em conseqüência, o reconhecimento da inconstitucionalidade da inovação legislativa introduzida pela Lei 9.695/98 na Lei 8.072/90, que definiu o crime em tela como hediondo.

Não se vislumbra, pelas razões já expostas, proporcionalidade em sua qualificação como crime hediondo. (BRASIL, 2010)

Nota-se que o eminente desembargador, ao reconhecer a inconstitucionalidade da majoração das penas do artigo 273, do Código Penal, trazida pela Lei nº 9.677, de 2 de julho de 1998, entendeu ser aplicável a pena de reclusão de um a três anos e multa, pena esta que vigia anteriormente à alteração legislativa. (BRASIL, 2013)

Tal posicionamento encontra respaldo no denominado efeito repristinatório do controle de constitucionalidade, pelo qual o Poder Judiciário deverá proferir sua decisão de mérito como se jamais tivesse existido a norma declarada inconstitucional. Explica Pedro Lenza (2012, p. 341-342):

[...] se a lei é nula, ela nunca teve eficácia. Se nunca teve eficácia, nunca revogou nenhuma norma. Se nunca revogou nenhuma norma, aquela que teria sido supostamente “revogada” continua tendo eficácia. Eis o efeito repristinatório da decisão.

O presente trabalho, contudo, não critica somente a majoração das penas do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, mas também a criação das diversas figuras típicas equipadas, já analisadas. Surge, então, o dilema de se saber qual seria a situação daquele que pratica conduta atualmente prevista, por exemplo, no parágrafo 1º-B, do artigo 273, do Código Penal, que não se encontrava descrita nos primitivos artigos 272 e 273, do Código Penal, anteriores às mudanças trazidas pela Lei nº 9.677, de 2 de julho de 1998.

A solução pode ser encontrada no raciocínio exposto por Ricardo Rachid Oliveira (2013), Juiz Federal e doutor em Direito Penal pela Universidade Federal do Paraná:

Quando se desconsidera a pena desproporcional cominada a um tipo, o resultado que daí se obtém é um tipo sem pena, o que equivale à inexistência de tipo, já que o artigo 5º, XXXIX, da CR/88, ao definir o princípio da legalidade penal, estabeleceu [...] que “não haverá crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal”.

Um tipo penal que tenha o preceito secundário considerado inconstitucional perde, igualmente, como consequência inarredável, a força normativa do preceito primário. O princípio da legalidade não permite a criação, nem o empréstimo por analogia, da pena cominada a outro tipo.

Conclui-se, portanto, que, apesar de as figuras típicas equiparadas do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, violarem diversos princípios constitucionais penais, como a ofensividade, a intervenção mínima e a fragmentariedade, a simples declaração de inconstitucionalidade do preceito secundário do tipo em razão da violação aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade é suficiente para anular toda a eficácia normativa do tipo penal do artigo 273, do Código Penal, em sua redação determinada pela Lei nº 9.677, de 2 de julho de 1998, tornando-o como que inexistente em nosso ordenamento jurídico.

Uma vez tornada como que inexistente a redação determinada pela Lei nº 9.677, de 2 de julho de 1998, aos artigos 272 e 273, do Código Penal, prevalece o primitivo texto, tendo em vista o já mencionado efeito repristinatório da decisão de controle de constitucionalidade. A partir daí, deve o juiz, observados os princípios constitucionais penais abordados neste trabalho, buscar, caso existente, o tipo penal ao qual melhor se adéqua a conduta praticada pelo agente. Aquele que, por exemplo, falsifica um medicamento, tornando-o nocivo à saúde humana, poderá ver-se enquadrado no primitivo artigo 272, do Código Penal. (BRASIL, 2013). Já a conduta daquele que importa medicamento sem registro no órgão de vigilância sanitária competente poderá tranquilamente ser reputada típica como contrabando, do artigo 334, caput, do Código Penal (BRASIL, 2013), uma vez que se trata de produto proibido.


CONCLUSÃO

Ao longo dos quatro capítulos do presente trabalho, visando abordar a problemática do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, analisamos as origens históricas de sua atual redação e inclusão no rol dos crimes hediondos, a seguir trazendo um compêndio daquilo que de mais importante ensina a doutrina a seu respeito, terminando por demonstrar a violação aos princípios constitucionais penais pela inovação legislativa que majorou as penas do crime em tela e criou as diversas figuras típicas equiparadas, enfim debatendo cada uma das principais soluções a serem adotadas pelo juiz no caso concreto, no intuito de garantir o pleno cumprimento dos princípios constitucionais penais violados em abstrato pelo referido tipo penal.

No item primeiro do primeiro capítulo, verificamos que a conduta típica de falsificar mercadorias encontra-se prevista desde as Ordenações Filipinas, mas que os crimes contra a saúde pública, assim expressamente previstos, tiveram sua origem no Código Penal de 1890. A conduta de corromper, adulterar, falsificar ou alterar substâncias medicinais, bem como comercializá-las, por sua vez, foi pela primeira vez tipificada pelo Código Penal de 1940, mais precisamente em seus artigos 272 e 273.

No item segundo do primeiro capítulo, verificamos que todo o Capítulo III, do Título VIII, do Código Penal de 1940, foi profundamente alterado com a entrada em vigor da Lei nº 9.677, de 2 de julho de 1998, editada no contexto histórico da denominada “máfia dos remédios”, que afligia o país introduzindo no mercado medicamentos falsificados das mais diversas espécies. Referida lei gerou uma exorbitante majoração das penas do crime objeto do presente trabalho, bem como incluiu diversas figuras típicas equiparadas, sujeitas às mesmas penas.

No item terceiro do primeiro capítulo, verificamos que o crime previsto no artigo 273, do Código Penal, foi incluído no rol dos crimes hediondos pela Lei nº 9.695, de 20 de agosto de 1998, que alterou o artigo 1º, da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990. Com o advento da alteração legislativa, aquele que incorrer nas penas do crime objeto do presente trabalho fica sujeito às severas imposições da Lei de Crimes Hediondos, tais como a insuscetibilidade de anistia, graça, indulto e fiança, a necessidade do cumprimento de dois quintos da pena, se primário, ou de três quintos, se reincidente, para progressão de regime e a obrigatoriedade do cumprimento de dois terços da pena para a concessão de livramento condicional, desde que não reincidente.

No item primeiro do segundo capítulo, verificamos que o objeto jurídico, ou seja, o bem jurídico tutelado pelo crime previsto no artigo 273, do Código Penal, é a incolumidade pública, mais especificamente, a saúde pública.

No item segundo do segundo capítulo, verificamos que o sujeito ativo do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, pode ser qualquer pessoa, enquanto que o sujeito passivo é a própria coletividade, bem como as pessoas que sofrerem diretamente danos decorrentes da conduta do agente. Trata-se, portanto, de crime comum.

No item terceiro do segundo capítulo, verificamos que as condutas incriminadas pelo crime previsto no artigo 273, do Código Penal, não são somente aquelas descritas em seu nomem juris e previstas em seu caput, quais sejam, falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, mas também importar, vender, expor à venda, ter em depósito para vender, distribuir ou entregar a consumo produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado, ou, ainda, sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente, em desacordo com a fórmula constante do registro, sem as características de identidade e qualidade admitidas para sua comercialização, com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade, de procedência ignorada, ou adquirido de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente. Se não bastasse, os objetos materiais sobre os quais recai a conduta do agente passaram a incluir os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os produtos de uso diagnóstico. Trata-se de tipo penal misto alternativo.

No item quarto do segundo capítulo, verificamos que o elemento subjetivo do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, é o dolo ou a culpa, conforme o caso. Para o caput, não há a exigência de um especial fim de agir para a tipificação do delito. Quanto às demais condutas, existe divergência na doutrina: há quem sustente que a finalidade de venda é exigida tão somente para a conduta de ter em depósito, enquanto outros entendem que tal finalidade é necessária para todas as hipóteses restantes.

No item quinto do segundo capítulo, verificamos que o crime previsto no artigo 273, do Código Penal, se consuma com a simples prática das condutas típicas nele previstas, sendo desnecessária a ocorrência de efetivo dano à saúde pública ou a comprovação do perigo concreto de tal dano. O risco à saúde pública é presumido pela lei. Trata-se, portanto, conforme entende majoritariamente a doutrina, de crime formal, de perigo abstrato. A tentativa é, em tese, admissível.

No item sexto do segundo capítulo, verificamos que há a previsão da modalidade culposa para o crime previsto no artigo 273, do Código Penal, por ela respondendo aquele que, em desatenção às regras de cuidado objetivo, pratica qualquer das condutas previstas no referido tipo penal.

No item sétimo do segundo capítulo, verificamos que o artigo 285, combinado com o artigo 258, ambos do Código Penal, veiculam causa de aumento de pena ao crime previsto no artigo 273, do Código Penal: na modalidade dolosa, se resultar lesão corporal de natureza grave, a pena privativa de liberdade é aumentada da metade, e se resultar morte, é aplicada em dobro; na modalidade culposa, se resultar lesão corporal, a pena aumenta-se da metade, e se resultar morte, aplica-se a pena cominada ao homicídio culposo, aumentada de um terço.

No item oitavo do segundo capítulo, verificamos que a pena cominada para o caput e parágrafos 1º-A e 1º-B, do artigo 273, do Código Penal, é de reclusão de dez a quinze anos, e multa, enquanto que para a forma culposa, do parágrafo 2º, a pena é de detenção de um a três anos, e multa. Na forma dolosa, o cumprimento da pena, tendo em vista sua quantidade, inicia-se obrigatoriamente em regime fechado. Na forma culposa, salvo circunstância que justifique regime mais gravoso, o cumprimento inicia-se em regime aberto. Em todos os casos, a ação penal é pública incondicionada.

No item nono do segundo capítulo, verificamos que tem prevalecido na jurisprudência que a competência para processo e julgamento do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, será da Justiça Federal desde que haja indícios da importação de qualquer dos produtos descritos no caput e no parágrafo 1º-A, em qualquer das situações previstas nos incisos do parágrafo 1º-B. Nos demais casos, a competência será da Justiça Estadual.

No item décimo do segundo capítulo, verificamos, a fim de finalizar o assunto e evitar brechas em sua compreensão, que predomina na doutrina tratar-se o crime previsto no artigo 273, do Código Penal, de crime comum, doloso ou culposo, comissivo, formal, de perigo abstrato, unissubjetivo e plurissubsistente.

No item primeiro do terceiro capítulo, verificamos que o crime previsto no artigo 273, do Código Penal, viola os princípios constitucionais penais da proporcionalidade e razoabilidade, uma vez que, em se tratando de crime de perigo abstrato, comina penas que em muito superam as de crimes de dano a bem jurídico idêntico ou de maior valor, como, por exemplo, o homicídio simples, o aborto provocado por terceiro, a lesão corporal gravíssima e o tráfico de drogas.

No item segundo do terceiro capítulo, verificamos que o crime previsto no artigo 273, do Código Penal, viola o princípio constitucional penal da ofensividade, uma vez que, em se tratando de crime de perigo abstrato, incrimina condutas das quais não se exige comprovação de efetiva lesão, ou ao menos perigo concreto de lesão, ao bem jurídico tutelado pela norma, o que se mostra inadmissível em uma moderna concepção do Direito Penal. De fato, certas condutas previstas no tipo penal em comento apresentam-se totalmente inócuas, como é o caso, por exemplo, da adulteração de um frasco de xampu por acréscimo de água, ou da falsificação de um produto de limpeza.

No item terceiro do terceiro capítulo, verificamos que o crime previsto no artigo 273, do Código Penal, viola os princípios constitucionais penais da intervenção mínima e da fragmentariedade, uma vez que outras formas de sanção poderiam ser suficientes para a tutela do bem jurídico protegido. Assim, referido tipo penal não obedece à regra de punir somente as lesões mais graves contra os bem jurídicos mais relevantes. Certo é que determinadas condutas previstas no crime do artigo 273, do Código Penal, melhor se enquadrariam como meras irregularidades administrativas, o que denota uma verdadeira administrativização do Direito Penal.

No item quarto do terceiro capítulo, verificamos que o crime previsto no artigo 273, do Código Penal, viola o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil. Com efeito, da forma como se encontra tipificado, o crime objeto do presente trabalho não expressa adequadamente o imprescindível caráter de proteção do indivíduo em face do Estado. Ao contrário, desrespeita princípios constitucionais penais básicos, que emanam da própria dignidade humana, sujeitando o indivíduo a severa pena privativa de liberdade, sem falar das restrições impostas pela Lei de Crimes Hediondos.

No item primeiro do quarto capítulo, verificamos que a jurisprudência majoritária dos tribunais entende ser descabido o afastamento da tipicidade material do fato por aplicação do princípio da insignificância no crime previsto no artigo 273, do Código Penal, assim como em todos os crimes cujo bem jurídico tutelado é a saúde pública. Contudo, recente acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça abriu precedente em sentido contrário, possibilitando a aplicação do referido princípio. De fato, apesar carecermos de parâmetros concretos a nos informar que espécie de ofensa pode ser considerada insignificante para a saúde pública, desde que se compreenda o crime objeto do presente trabalho na forma de perigo concreto, em conformidade com princípio da ofensividade, da análise da conduta do agente, especialmente levando-se em conta a quantidade dos produtos em tese nocivos à saúde pública, bem como sua composição química, torna-se possível o reconhecimento da insignificância, tendo como critério o prudente arbítrio do juiz.

No item segundo do quarto capítulo, verificamos que, ante a desproporcionalidade e falta de razoabilidade das penas previstas para o crime do artigo 273, do Código Penal, é comum que o juiz, no caso concreto, aplique analogicamente penas mais brandas, cominadas a delitos que tutelam idêntico bem jurídico, dentre eles, especialmente, o contrabando e o tráfico de drogas. Contudo, conforme convém a doutrina, a analogia em Direito Penal somente tem lugar em favor do réu e em relação a normas penais não incriminadoras. No presente caso, estaríamos diante de verdadeira analogia in bonam partem de norma penal incriminadora, o que ensejaria uma flexibilização do princípio da reserva legal a fim de tornar possível a aplicação de penas previstas para condutas diversas daquelas praticadas pelo agente. Ante o impasse, apresenta-se mais técnica e adequada a adoção da medida explicitada no item seguinte.

No item terceiro do quarto capítulo, verificamos que, ante a violação aos princípios constitucionais expostos no presente trabalho, o crime previsto no artigo 273, do Código Penal, em sua atual redação determinada pela Lei nº 9.677, de 2 de julho de 1998, está eivado de inconstitucionalidade material, assim como a sua inclusão no rol de crimes hediondos pela Lei nº 9.695, de 20 de agosto de 1998, devendo o juiz, no caso concreto, exercer o controle difuso de constitucionalidade. Apesar de o presente trabalho não criticar somente a majoração das penas do crime em tela, mas também a criação das diversas figuras típicas equiparadas, o simples reconhecimento da inconstitucionalidade do preceito secundário do tipo penal afasta a força normativa de todo o preceito primário, já que um tipo sem pena não pode subsistir. Uma vez tornada como que inexistente a atual redação dos artigos 272 e 273, do Código Penal, prevalece o primitivo texto, tendo em vista o efeito repristinatório da decisão de controle de constitucionalidade. A partir daí, deve o juiz buscar, caso existente, o tipo penal ao qual melhor se adéqua a conduta praticada pelo agente.

Conclui-se, portanto, que ante a patente violação aos princípios constitucionais penais pelo crime previsto no artigo 273, do Código Penal, deve o juiz, conforme o caso, afastar a tipicidade material do fato por aplicação do princípio da insignificância. Caso se mostre inadequada tal medida, mais correto é o juiz exercer o controle difuso de constitucionalidade, reconhecendo a inconstitucionalidade da atual redação do crime objeto do presente trabalho, bem como de sua inclusão no rol dos crimes hediondos, aplicando o ordenamento jurídico vigente, desconsideradas as alterações legislativas.


 

referências

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Autor

  • Daniel Bombarda Andraus

    Graduado pela Faculdade de Direito do Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium - UniSALESIANO Araçatuba. Aprovado no X Exame de Ordem Unificado. Pós-graduado em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Ex-assessor junto ao Ministério Público Federal. Ex-analista do Ministério Público do Estado de São Paulo. Defensor Público do Estado de Goiás.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRAUS, Daniel Bombarda. A decisão judicial em face da violação aos princípios constitucionais penais pelo crime previsto no artigo 273, do Código Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4042, 26 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30496. Acesso em: 24 abr. 2024.