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Sacrifícios rituais em religiões afro-brasileiras.

A proteção jurídica aos animais não humanos frente a valores religiosos e culturais

Sacrifícios rituais em religiões afro-brasileiras. A proteção jurídica aos animais não humanos frente a valores religiosos e culturais

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Os sacrifícios de animais por religiões afro-brasileiras não contrariam as leis que asseguram aos animais o direito ao bem-estar e vedam a crueldade e maus-tratos; pelo contrário, entendem os mesmos como sagrados e dignos de respeito.

Resumo: O presente trabalho aborda a realização de sacrifícios de animais nas religiões afro-brasileiras, diante da proteção constitucional à liberdade de culto e das práticas culturais afro-brasileiras, e em oposição à vedação à crueldade e maus-tratos aos animais, considerando os aspectos legais envolvidos. Para isso, utilizam-se fontes bibliográficas e artigos na internet, onde se busca examinar as religiões afro-brasileiras e destacar a sua importância enquanto manifestação cultural. Além disso, analisa-se o direito à liberdade religiosa e os aspectos envolvidos no direito animal, que tem conquistado cada vez mais adeptos, para, desse modo, chegar a uma conclusão, observando o sistema normativo brasileiro, de que a prática dos sacrifícios se reveste de legalidade.

Palavras-chave: Direito Ambiental. Direito dos Animais. Sacrifícios de animais. Religiões Afro-Brasileiras. Maus-tratos a animais.

Sumário: 1. Introdução. 2. Objetivo. 2.1. Geral. 2.2. Específicos. 3. Metodologia. 4. Referencial teórico. 5. Religiões afro-brasileiras. 5. 1. Perspectiva histórica. 5.2. Características dos cultos. 6. Proteção constitucional ao patrimônio cultural e às manifestações culturais afro-brasileiras. 6.1. Manifestações culturais. 6.2. Tutela jurídica das manifestações culturais afro-brasileiras. 6.3. Religiões afro-brasileiras enquanto parte integrante do patrimônio e manifestações culturais. 7. Proteção à liberdade de culto. 7.1. Regulamentação constitucional. 7.2. Implicações na legislação infraconstitucional. 7.3. Abrangência do direito à liberdade religiosa. 8. Direitos dos animais no ordenamento jurídico brasileiro. 8.1. Animal como sujeito de direito e direito animal. 8.2. Proteção legal aos animais. 9. Uso de animais em sacrifícios rituais nas religiões afro-brasileiras. 9.1. Finalidade dos sacrifícios. 9.2. Modo de realização. 9.3. Possibilidade legal de realização dos sacrifícios. Considerações finais. Referências.


1. INTRODUÇÃO

O presente estudo trata da utilização de animais não humanos para sacrifícios em religiões afro-brasileiras. Objetiva-se, com isso, analisar a questão sob o ponto de vista legal, abordando os direitos a liberdade de culto e a proteção conferida às manifestações culturais afro-brasileiras em confronto com o resguardo dos direitos animais presentes no ordenamento jurídico pátrio.

No Brasil, as religiões afro-brasileiras são bastante difundidas em vários estados da federação. Tratando-se, o sacrifício de animais, de prática de algumas destas religiões, tem-se que a quantidade de animais mortos sob essa justifica é significativa. A presente pesquisa se reveste de importância na medida em que, ao analisar a legalidade da morte de animais em rituais religiosos no ordenamento jurídico brasileiro, verificará se os praticantes estarão infringindo o direito à proteção jurídica que a Constituição Federal lhes conferiu.

Para isso, inicialmente, deverá ser feita uma abordagem acerca do processo de formação das religiões brasileiras de matriz africana. O tráfico de pessoas repercutiu diretamente no Brasil, país que recebeu um grande contingente de escravos originários do continente africano, que, ao se estabelecerem aqui, influenciaram, não apenas com sua cultura, mas também com suas crenças, o modo de vida do povo que aqui vivia.

Haja vista tratar-se de tema que envolve questões religiosas, é necessário adentrar no tema da liberdade de culto, direito assegurado pela Constituição Federal brasileira vigente, em seu artigo 5º, inciso VI, posto que este poderia ser uma daz razões a permitir o sacrifício de animais, do ponto de vista legal.

Diante do histórico envolvendo as religiões afro-brasileiras, enquanto pertencentes a um contexto cultural protegido também pela constituição, no artigo 215, § 1º, ao incluir a proteção às manifestações culturais afro-brasileiras, pode-se ter outro amparo legal para o livre exercício dos cultos, incluindo os sacrifícios de animais, enquanto manifestações culturais, motivo pelo qual esta questão será debatida.

Por outro lado, os animais tem assegurado, igualmente na CF/88, em seu art. 225, § 1º, VII, a sua proteção, sendo vedadas práticas cruéis contra os mesmos. Será feita, portanto, uma análise dos direitos atribuídos aos animais pela legislação pátria, com relação ao seu exercício, sua extensão e quais os direitos a eles (ou à sociedade) atribuídos.

Tem-se delineado, portanto, um conflito entre bens juridicamente protegidos. Diante do exposto, deverá ser avaliado se o sacrifício de animais em rituais religiosos poderia ou não ser caracterizado como crime, devendo ou não o direito de liberdade de culto e de manifestação cultural se sobrepor ao direito de proteção que é dado aos animais. Far-se-á, portanto, um exame aprofundado da legislação nacional e da doutrina, na medida do possível, a fim de verificar a extensão da proteção e o limite às liberdades religiosas e culturais, bem como do direito animal, inclusive à luz das concepções éticas que norteiam a legislação neste aspecto, posto que de fundamental importância para o deslinde da questão.

Por fim, deve-se identificar a forma como é tratado o sacrifício dos animais nas religiões afro-brasileiras, a sua finalidade e modo de realização, na medida em que estes elementos constituem aspectos de salutar interesse para que se chegue a uma conclusão a respeito do problema exposto.


2. OBJETIVOS

2.1. Geral

· Analisar o direito à proteção assegurado aos animais diante de seu uso para sacrifícios em rituais religiosos sob a luz do direito à liberdade de culto e o direito às manifestações culturais assegurados pelo Constituição Federal de 1988 às religiões afro-brasileiras.

2.2. Específicos

  • Compreender o direito à liberdade de culto garantido pela Constituição Federal de 1988 e suas implicações;

  • Analisar o livre exercício das práticas religiosas afro-brasileiras enquanto manifestação cultural;

  • Evidenciar a proteção jurídica conferida aos animais e sua extensão, em especial nas vedações impostas pela lei a condutas que impliquem maus-tratos e morte;

  • Verificar a forma como se dá o sacrifício de animais em religiões afro-brasileiras e identificar quais dessas religiões adotam essa prática;

  • Analisar os dispositivos legais que asseguram o exercício dos direitos em conflito na Constituição Federal de 1988 e dispositivos legais infraconstitucionais;

  • Identificar as concepções éticas que norteiam a legislação ambiental pátria a fim de interpretar as normas que tratam do assunto abordado e exercer atividade valorativa dos bens em conflito.


3. METODOLOGIA

A presente pesquisa, do tipo exploratória, utilizará o método categórico-dedutivo, pretendendo-se utilizar uma abordagem qualitativa, do tipo teórico-documental orientada para a análise da preponderância dos bens jurídicos objetos deste estudo.

Utiliza-se, com este fim, fontes bibliográficas e artigos disponíveis na internet, elaborando-se as análises a partir do entendimento que se fizer do material coletado. As fontes bibliográficas a serem utilizadas não serão somente aquelas que possuam temática específica sobre o assunto, mas todas aquelas que possuam conteúdo que se relacione com o estudo em questão.


4. REFERENCIAL TEÓRICO

Esta pesquisa se apoia em alguns autores, em especial, para seu desenvolvimento, embora muitos outros tenham contribuído para sua realização.

Inicialmente, para que se possa ter um maior entendimento sobre as religiões afro-brasileiras, utilizando-se, principalmente, da obra de Edison Carneiro, Candomblés da Bahia (5. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977), que busca estabelecer uma relação entre as religiões brasileiras de matriz africana, apontando características comuns a todas eles e demonstrando o processo de formação das mesmas.

Em seguida, ao abordar a proteção legal conferida ao patrimônio cultural afro-brasileiro e a caracterização deste patrimônio, recorreu-se ás ideia de autores como Luciano Rocha Santana e Thiago Pires Oliveira, em seu artigo “O patrimônio cultural imaterial das populações tradicionais e sua tutela pelo Direito Ambiental” (Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 750, 24 jul. 2005) e de Sérgio Luiz da Silva de Abreu, em “O afro-brasileiro e os direitos culturais face à globalização” (disponível em: http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=5021).

A obra de Fábio Dantas de Oliveira, “Aspectos da liberdade religiosa no ordenamento jurídico brasileiro” (Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2966, 15 ago. 2011), foi citada de forma recorrente ao realizar-se o exame dos aspectos legais envolvidos na proteção á liberdade religiosa, analisando-se, ainda, a extensão deste direito.

Do mesmo modo, ao tratar das complexidades envolvendo o status moral dos animais diante dos seres humanos e os direitos a eles assegurados, usou-se como fonte, autores como Edna Cardozo Dias, com as obras “Biodireito e isonomia jurídica para a natureza não humana” (Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 63, abr 2009) e “Tutela jurídica dos animais” (Tese de Doutorado apresentada ao Curso de Doutorado da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2000), bem como de Daniele Gomes, com “A legislação brasileira e a proteção aos animais” (disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/5595/A-legislacao-brasileira-e-a-protecao-aos -animais) e Roberto Medeiros da Silva Júnior, com o trabalho “A influência da filosofia ecologista no direito ambiental brasileiro” (Graduação em Direito da Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC, 2012, Barbacena).

Por fim, com o objetivo de esclarecer o modo como são realizados os sacrifícios de animais nas religiões afro-brasileiras e entender sua finalidade, o estudo de Nivaldo A. Léo Neto, Sharon E. Brooks e Rômulo R. N. Alves, “From Eshu to Obatala: animals used in sacrificial rituals at Candomblé "terreiros" in Brazil” (Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine, 2009) foi essencial, além de que os argumentos de Thiago Oliveira Catana e Sergio Tibiriçá Amaral, em “Liberdade religiosa e seus conflitos” (Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 5, nº 198, out 2006), serviram para amparar as conclusões obtidas com este estudo.


5. RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS

Exu Caveira comedor de carne crua

Espera o seu lá no meio da rua

Exu Caveira comedor de carne crua

Espera o seu lá no meio da rua.

Portão de ferro cadeado de madeira

O dono da calunga ainda é o exu caveira

Exu Caveira comedor de carne crua

Espera o seu lá no meio da rua

Pois o seu povo te chamou pra trabalhar

Exu Caveira comedor de carne crua

Espera o seu lá no meio da rua.

( Canção de Umbanda)

5.1. Perspectiva histórica

A origem das religiões de matriz africana no Brasil remete ao período em que país, sob o regime escravocrata, recebeu um grande contingente de grupos étnicos provenientes, principalmente, da costa ocidental africana (SANT’ANNA, p. 01). O Brasil recebeu escravos de diferentes nações, como Guiné Portuguesa, com pessoas das tribos fulas e mandingas, (que possuíam influência islâmica; Angola e Congo, de onde provinham os negros de língua banto; Costa de Mina, com representantes das tribos nagôs, jêjes, fantis, axantis, gás, tsis; entre muitos outros que foram forçados ao trabalho escravo. Todas as tribos africanas que forneceram escravos ao Brasil tinham suas religiões particulares (CARNEIRO, 1977, p. 16-18).

Carneiro aponta que a grande concentração de nagôs (e de jêjes, que professavam culto semelhante ao destes) na Bahia favoreceu para que sua religião fosse estabelecida como padrão para todas as religiões dos povos vizinhos:

Como reflexo do estado social que haviam atingido na África e do conceito que deles se fazia no Brasil, os nagôs da Bahia logo se constituíram numa espécie de elite e não tiveram dificuldade de impor à massa escrava, já preparada para recebê-la, a sua religião, cm que esta podia manter fidelidade com a terra de origem, reinterpretando à sua maneira a religião católica oficial. (1977, p. 19)

Além da grande concentração, Sant’Anna (p. 04-05) aponta a existência de uma número significativo de libertos e escravos de ganhos, que tinham uma mobilidade maior do que os outros escravos, tendo maior facilidade de se associarem a outros negros e propagar sua cultura. Tendo os escravos jêje-nagô chegado ao Brasil num período em que praticamente os escravos banto não eram mais trazidos, estando estes mais integrados à cultura do país, houve um momento propício – aliado à crise na sociedade escravista e ao uso da língua ioruba entre os africanos recém-chegados – para o florescimento da cultura jêje-nagô.

A influência da religião de outras tribos também se deu em outros lugares do país, como aquela praticada em Pernambuco, que se irradiou para o Nordeste ocidental e a do Maranhão, que influenciou a região amazônica. A religião dos nagôs também se misturou com as formas de expressão semirreligiosas correntes nos estados do Sudeste, além do Rio Grande do Sul, mais tardiamente, já no século XXI (CARNEIRO, 1977, p. 20).

Jensen (p. 02) afirma que as religiões afro-brasileiras – com a assimilação dos cultos africanos pela sociedade brasileira, constituindo religiões nacionais –, são um fenômeno relativamente recente na história religiosa do Brasil (datando o primeiro terreiro de Candomblé, na Bahia, do ano de 1830) e que estas novas religiões surgiram primeiramente na periferia urbana brasileira, em virtude da maior liberdade de movimento dos escravos, permitindo que pudessem se organizar em nações.

Diante de tal configuração, várias religiões afro-brasileiras, com diferentes denominações, predominam em localidades distintas no país. Na Bahia, há grande concentração de praticantes do Candomblé; no Rio de Janeiro da Macumba[1]; no Amazonas o Babaçuê e o Batuque; no Maranhão o Tambor de Mina e o Tambor de Nagô; em Pernambuco o Xangô; no Rio Grande do Sul o Batuque, termo usado por estranhos ao culto, chamado de Pará pelos crentes (CARNEIRO, 1977, p. 20-21). Carneiro (1977, p. 28-31) salienta que os cultos não apresentam uniformidade para apresentação de tipos absolutos, mas propõe uma área de identificação relativa à influência das tribos. A primeira, zona de influência dos jêjes-nagôs, seria formada pelo Rio Grande do Sul (Batuque ou Pará) e pela área estendida entre a Bahia e o Maranhão, podendo ser subdividida nas subáreas do Candomblé (leste setentrional), Xangô (Nordeste Oriental) e Tambor (Nordeste Ocidental). A segunda zona seria compreendida pelo Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, com a Macumba, de grande influência das tradições de Angola. Por último, a região da Amazônia, com influência dos grupos jêjes e nagôs – se maior influência do primeiro, chamada de babaçuê e de batuque, se do segundo –, mesclados a uma expressão religiosa típica da região, a pajelança. Tal configuração é um reflexo do movimento que as tribos tiveram no interior do país em virtude do tráfico interno de escravos.

Conforme já mencionado anteriormente, houve grande aproximação das religiões afro-brasileiras com a religião católica. Isso porque o catolicismo era a única religião tolerada no país, de forma que era uma maneira de os escravos e, posteriormente, os negros livres, se legitimarem socialmente. Desse modo, mesmo praticando suas religiões africanas, os negros se diziam e frequentavam os ritos católicos, estabelecendo paralelos entre suas divindades africanas e os santos católicos, adotando seu calendário de festas, valorizando seus ritos e sacramentos, de modo que adotaram um verdadeiro sincretismo religioso, característica presente nas várias denominações religiosas afro-brasileiras já citadas (PRANDI, p. 02).

Embora a religião católica fosse a única permitida e os escravos fossem proibidos, por consequência, de praticar suas religiões nativas, Jensen (p. 02-03) afirma que os escravos conseguiram transmitir e desenvolver sua cultura e tradições religiosas em virtude da continuidade do uso de suas língua materna, da presença de líderes religiosas em seu meio e da chegada constante de novos escravos. Afirma, ainda, que a interação das religiões afro-brasileiras com o Catolicismo se deveu, principalmente, a uma estratégia de sobrevivência, uma vez que os terreiros eram constantemente visitados pela polícia e a inclusão de elementos católicos fortalecia a imagem de praticantes da religião oficial perante as autoridades.

Sant’Anna (p. 03-04) assevera que a Igreja Católica se relaciona diretamente com a origem de religiões afro-brasileiras, citando o Candomblé, ao dizer que, no início, as primeiras irmandades negras se organizaram em forma de confrarias ou irmandades religiosas católicas, como forma de controle dos escravos. Estas organizações contribuíram para a preservação dos costumes tradições africanas.

Com a instauração da República, foi elaborado o Código Penal dos Estados Unidos do Brasil (instituído pelo Decreto 847, de 11 de junho de 1890) que não era favorável às práticas religiosas que não estivessem nos cânones da tradição judaico-cristã, apesar da Constituição de 1891 consagrar a liberdade de culto, tornando-se um arcabouço para que o Estado Brasileiro tangenciasse acerca do campo religioso de matriz africana (SILVA, p. 02).

A Constituição de 1934 também tinha artigo específico sobre questões do campo religioso, consagrando a liberdade de culto, mas não era favorável às religiões de matriz africana na medida em que condicionava a tal liberdade a obediência à ordem pública e bons costumes, que na verdade referiam-se aos costumes de origem burguesa, ocidentais e cristãos. Contudo, foi durante a década de trinta, sobretudo após a implantação do Estado Novo de Vargas, as perseguições aos praticantes de religiões de matriz africana se tornaram implacáveis. (SILVA, p. 02-03).

A partir da década de sessenta houve um interesse de um segmento da intelectualidade para com o universo religioso afro-brasileiro o que contribuiu para que determinadas casa fossem mais toleradas, em especial as que foram objeto de estudo da ciências, embora as perseguições continuassem. No final da década de setenta, o movimento negro brasileiro tinha como uma de suas causas a defesa da religiosidade matriz africana, enquanto que na década de oitenta, passados os anos de chumbo do regime militar, com a reorganização efetiva dos movimentos sociais, a religiosidade de matriz africana ganhou mais visibilidade, principalmente após a promulgação da Constituição de 1988 (SILVA, p. 05).

5.2. Características dos cultos

Os cultos no Brasil possuem características distintas dos cultos africanos, que “são dinásticos, familiares, tribais ou circunscritos a determinadas localidades” (SANT’ANNA, p. 03). Aqui os terreiros reúnem num mesmo lugar cultos de divindades diversas que eram dispersos no território africano, um fruto da escravidão, que reunia pessoas de vários grupos distintos.

Nos cultos religiosos afro-brasileiros não existe uma autoridade eclesiástica comum, capaz de manter uma unidade. Não existem ordens sacerdotais, hierarquia ou relação entre os cultos, mesmo dentro da mesma denominação religiosa:

cada culto se dirige por si, independentemente, sem dever obediência a nenhum outro de modo que o aprendizado da teogonia e da liturgia se faz dentro dele, para servi-lo, ao sabor das conveniências e dos conhecimentos do seu chefe. (CARNEIRO, 1977, p. 31)

Entretanto, em virtude do tráfico de escravos, houve a promoção entre o intercâmbio linguístico, sexual e religioso entre escravos e ex-escravos, provenientes das diferentes nações já citadas (CARNEIRO, 1977, p. 17). A isso se deve a observância de características que podem ser encontradas em todas as religiões afro-brasileiras. Parte dessa “unidade” se deve, ainda, como já dito, à grande concentração de jêjes e nagôs na Bahia, que acabaram por imprimir sua hegemonia cultural aos outros povos (SANT’ANNA, p. 03).

No que diz respeito às divindades, nos cultos negros de origem africana sempre se admitiu a existência de um único ser supremo, que possui todas as qualidades do Deus de religiões monoteístas universais como o cristianismo e o maometismo. Essa divindade é chamada de Ôlôrún (Senhor do Céu) pelos nagôs e de Zâmbi ou Zâmbi-ampungo (chamado de Zânia-pombo no Brasil) pelos falantes da língua banto e não possui culto organizado, altares, nem pode ser manifestado materialmente, isso porque, após criar o céu e a Terra, jamais voltou a intervir na criação, tendo sido seu filho, Oxalá, quem gerou a humanidade. Por essa razão, raramente é citado entre os adeptos de quaisquer destas religiões aqui já citadas.

Pode-se dizer, dessa forma, que são religiões monoteístas pelo que fato de que, além de possuírem um único Deus, todas as demais divindades presentes situam-se em posição hierárquica notavelmente inferior à dele, como agentes do Deus supremo e são chamados, aqui, de ôrixás ou vôdúns (vocábulos nagô e jêje, respectivamente), caboclos, santos, guias, dentre outros (CARNEIRO, p. 22-23).

As divindades cultuadas nas religiões afro-brasileiras tem origem tanto da África como do Brasil, embora apenas uma pequena parte das divindades existentes na África tenha se fixado no Brasil e tenham perdido o escalonamento hierárquico que possuíam na sua origem. Já as divindades nacionais costumam ser de dois tipos: caboclos, que são idealizações românticas, indianistas, dos antigos habitantes do país, como Pena Verde, Tupinambá e Sete Serras; e negros, geralmente velhos escravos santificados pelo sofrimento vivido, a exemplo de Pai Joaquim, Velho Lourenço e Maria Conga. Há uma certa variabilidade acerca dessas divindades entre as denominações religiosas afro-brasileiras. A esse respeito, diz Carneiro (1977, p. 23) que muitas delas assumem outros nomes e identificações dependendo do lugar, da orientação do culto, da popularidade de santos católicos ou da existência de tradições semelhantes.

Uma outra característica apontada é que as divindades africanas não tem uma representação antropomórfica ou zoomórfica, mas costumam ser representadas por sua moradia favorita ou suas insígnias. As figuras que se costuma encontrar nos cultos não representam diretamente as divindades, mas sim humanos que por elas foram possuídos. Nos cultos do Rio de Janeiro e São Paulo, entretanto, há esculturas representando diretamente as divindades caboclas e negras, nascidas no Brasil, mas continuam seguindo o costume de não representar as divindades africanas.

Para se identificar cultos brasileiros de origem africana, Carneiro (1977, p 25) afirma que é preciso identificar ainda outras características muito importantes, por ele elencadas. A primeira delas é a possessão pela divindade. Nos cultos de matriz africana, a divindade se apossa do corpo do crente, servindo-se dele como instrumento para a sua comunicação com os mortais. Destaque-se que o crente é possuído pela própria divindade, não por espíritos de mortos, como no espiritismo, e essa possessão pode se dar nos agentes em geral, diferentemente da pajelança, em que só o pajé, o líder espiritual, serve de instrumento.

A possessão se exerce sobre crentes eleitos, especialmente do sexo feminino. Há ainda o caráter pessoal da divindade. Cada pessoa tem uma divindade protetora velando por si. Na África cada divindade rege um aspecto da natureza e uma família em particular. Já no Brasil, como a escravidão acabou por separar as pessoas de suas famílias, as divindades se tornaram protetores dos indivíduos (JENSEN, p.02).

Servir de instrumento à divindade (a isso chamam cavalo) é privilégio de alguns crentes, que precisam iniciar-se (o que chamam assentar o cavalo, que prepara o crente como devoto e altar) para recebê-la. Os outros devem se submeter a determinadas cerimônias para servi-la de outra forma. Cada cavalo está preparado para receber apenas a sua divindade (ou divindades, dependendo do culto) protetora e nenhuma outra.

A dedicação a uma única divindade já não é uma característica geral, mas mantém seu caráter pessoal em todos os cultos afro-brasileiros. Mesmo que seja Ôgún, Ômòlu ou Iemanjá, é essa divindade de cada um, não igual à divindade de outro, mesmo que também seja um Ôgún, Ômòlu ou Iemanjá.

As outras duas características apontadas estão intimamente ligadas: consulta ao adivinho e despacho de Êxu. Isso porque se referem a dois personagens presentes em todos os cultos – Ifá, o oráculo, e Êxu, o mensageiro celeste, que são seres intermediários entre as divindades e os humanos e estabeleceram entre si uma associação inseparável.

Ifá se situa em posição hierárquica superior a Êxu, pois traz aos homens as palavras das divindades, enquanto Êxu transmite às divindades os desejos dos homens.

As cerimônias religiosas se iniciam com momentos dedicados a Êxu para que ele transmita às divindades os desejos daqueles que as celebram, sempre com sua homenagem obrigatória, o despacho ou ébó. O despacho pode ter várias formas – entre elas sacrifícios de animais. No Brasil, o despacho deve ser depositado numa encruzilhada, que é domínio de Êxu.

Ifá chegou ao Brasil na sua forma mais modesta: interpretação de búzios, dispostos em rosários ou soltos. Essa forma de consulta foi corrompida, com a consulta às divindades sendo feita não mais por um sacerdote especial, mas por chefes de culto, como mais uma de suas atribuições. Essa consulta, no Brasil, pode ser realizada diante de outras formas, como um copo d’água ou vela acesa, uma influência da cultura europeia, com o espiritismo e o ocultismo, onde se vê o futuro do consulente, estando o adivinho possuído por uma divindade.

Assim funcionam as relações entre as duas entidades: o consulente pergunta ao adivinho, Êxu manda a mensagem e Ifá transmite a resposta das divindades ao sacerdote, que interpreta. Carneiro, a respeito de ambos, comenta:

Se a consulta às divindades nem sempre se faz sob a invocação de Ifá, a sua associação ao despacho de Êxu dar-nos-á a confirmação de que se trata de uma das facetas mais importantes do modelo nagô. (1977, p. 28)

E conclui:

“Em suma, estas características, comuns a todos eles – a possessão pela divindade, o caráter pessoal desta, a consulta ao adivinho e o despacho de Êxu – demonstram que esses cultos constituem realmente uma unidade, que assume formas diversas em cada lugar” (1977, p. 28)

Assim, embora não sejam cultos uniformes, com características e influências distintas, pode-se encontrar traços comuns, que fornecem uma identidade às religiões brasileiras de matriz africana.

Antes de adentrar no tema do uso de animais em sacrifícios nas religiões afro-brasileiras, necessário analisar o tratamento conferido ao exercício de práticas religiosas pelos adeptos, enquanto manifestação de sua religiosidade, pelo ordenamento jurídico brasileiro.


6. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL AO PATRIMÔNIO CULTURAL E ÀS MANIFESTAÇÕES CULTURAIS AFRO-BRASILEIRAS

Tratando-se de religiões cujas origens e formação compõem importante passagem da história do país e constituição da identidade de um povo, necessário analisar a legislação no sentido de verificar a proteção dada às manifestações culturais afro-brasileiras.

6.1. Manifestações culturais

O direito a manifestações culturais está ligado ao resguardo do patrimônio cultural, que expressa a identidade de um povo e revela o modo de ser de uma sociedade, sendo sua proteção imprescindível à medida que tem profunda relevância para a preservação dos valores históricos. É necessária a conscientização da sociedade sobre seu significado e a finalidade de conservar os bens que contam a sua história, já que contar com a participação da coletividade na tutela dos bens é vital para a efetividade da lei (GUERRA, p. 01-03).

A Constituição Federal do Brasil, em seu artigo 216, aponta que o patrimônio cultural é o constituído dos bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, desde que portadores de referência à identidade. A proteção dos valores culturais de um dado grupamento étnico assegura o direito à diferença e à diversidade cultural (ABREU, p. 04).

Piancó (p. 01-02) afirma que o legislador não expressou quais são os princípios constitucionais culturais, mas, citando Santos, classifica-os como princípio do pluralismo cultural, da participação popular na concepção e gestão das políticas culturais, do suporte logístico estatal na atuação no setor cultural, do respeito à memória coletiva e da universalidade.

Santana (2005, p. 02-04), por sua vez, aponta que a palavra cultura possui vários significados, o que contribui para que os diversos campos do conhecimento tenham dificuldade para conceituá-la, destacando duas dimensões que interferem em sua conceituação, que são a histórico-etimológica e a cognitiva.

No que se refere à dimensão histórico-etimológica, a palavra cultura tem origem com o verbo latino colere, que significa cultivar, cuidar, semear a terra, que remete ao trabalho agrícola, associação que foi enfraquecendo, quando o termo passou a ser relacionado à habitação da terra onde o homem cultiva seu sustento ou ao hábito de prestar honras e homenagens aos deuses e aos amigos, até que se desvirtuou, quando o senador romano Cícero, através da locução cultura animi (cultivo do espírito), emprega a palavra no sentido de "trato e aprimoramento do espírito", ligada à ideia de refinamento pessoal, orientação que repercutiu, junto com a ideia de civilização, posteriormente, na própria definição de patrimônio cultural como objeto de tutela pelo Direito.

Quanto à dimensão cognitiva, o conceito de cultura varia de acordo com o campo do saber que a define. Não se pode obter um conceito homogêneo, para todos os ramos do conhecimento humano, sem que haja distorções. Desse modo, o autor se ampara no conceito antropológico de cultura – por entender que, para o Direito, interessa o conceito de bem cultural e não o conceito de cultura em si –, que fornece esse embasamento para que determinado bem adquira um valor cultural e, assim, possa receber especial proteção. Citando Edward Tylor, o autor apresenta cultura, em seu conceito antropológico, como "todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade".

Para Abreu (p. 04), “a expansão do termo patrimônio cultural acolhe as diversas formas de manifestações culturais pertencentes ao acervo remanescente dos diversos grupos formadores do processo civilizatório nacional”, o que elimina as restrições à terminologia tradicional, que se limitava a patrimônio histórico, artístico e paisagístico.

Assim, seguindo as ideias apresentada pelos autores, o que tornaria uma comunidade portadora de um patrimônio cultural que necessita, como a cultura afro-brasileira, ser protegida é o fato de que possuiriam um conjunto de regras sociais, decorrentes de seu passado histórico, que particularizam o grupo e os distinguem das características gerais portadas pelos demais membros da sociedade.

6.2. Tutela jurídica das manifestações culturais afro-brasileiras

Os Direitos Culturais estão previstos expressamente na Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, enquanto direitos fundamentais, e, no Brasil, encontram-se devidamente protegidos pela Constituição Federal de 1988, diante de sua relevância como fator de singularizarão da pessoa humana (PIANCÓ, p. 01).

Segundo ABREU (p. 05), “a eficácia social dos direitos culturais deve ser entendida como instrumento de conservação dos grupos formadores da sociedade, bem como instrumento de transformação social”. A concretização dos direitos culturais, assim, é direito de todos os cidadãos e um dever do Estado, sendo a cultura um valor filosófico, político e, por isso, transformado em valor jurídico protegido pela ordem constitucional brasileira. Interessa-nos aqui particularmente a cultura afro-brasileira que, conforme já dito anteriormente, se reveste de importância que necessita de proteção legal.

Neste contexto, a Constituição Federal brasileira defende, em seu artigo 215, parágrafo 1º, o patrimônio cultural e as manifestações das culturas afro-brasileiras (além de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional), garantindo os direitos culturais como direitos inerentes à pessoa humana. (ABREU, p. 04).

Silva (2001, p. 51-52) explicita quais são os direitos culturais reconhecidos na Constituição Federal de 1988, quais sejam:

(a) liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica; (b) direito de criação cultural, compreendidas as criações artísticas, científicas e tecnológicas; (c) direito de acesso às fontes de da cultura nacional; (d) direito de difusão das manifestações culturais; (e) direito de proteção às manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras e de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional; (f) direito-dever estatal de formação do patrimônio cultural brasileiro e de proteção dos bens de cultura.

Segundo Santana (2005, p. 11), apesar de a Constituição Federal ter um amplo conceito de patrimônio cultural, este rol não está esgotado, pois a própria Constituição possibilita que sejam inseridos novos elementos na seara da tutela jurídica do ambiente cultural.

Tais direito contemplam os bens materiais e imateriais, conforme previsto no artigo 216 da Constituição. Embora de mais difícil promoção, a proteção constitucional dos bens imateriais evidencia a importância que os legisladores, e a sociedade, tem feito acerca desse patrimônio e a necessidade que a mesma tem de querer assegurar que esses bens culturais imateriais sejam transmitidos para as presentes e futuras gerações (SANTANA, 2005, p. 08).

A dimensão material é, sem dúvida, a parte mais notória do patrimônio cultural, protegido por meio de instrumentos como o tombamento e a desapropriação. Com relação à proteção dos bens imateriais, cuja dificuldade de sua proteção reside em uma de suas características, a intangibilidade (TELLES, 2007, p. 07), o Decreto Federal nº 3.551/2000 é um marco no Direito Ambiental, por tornar aplicável o artigo 216 da Constituição Federal de 1988 no que se refere ao patrimônio cultural imaterial brasileiro, por meio de registro dos bens culturais imateriais pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), autarquia ligada ao Ministério de Estado da Cultura, os quais serão considerados Patrimônio Cultural do Brasil (SANTANA, 2005, p. 13-14).

O citado decreto regulamenta o registro dos bens, sendo o único instrumento previsto no parágrafo 1º, do artigo 216, da CF a ter regulamentação (TELLES, 2007, p. 08). De acordo com o artigo 1º do decreto, o registro do patrimônio imaterial poderá ser efetuado em quatro livros de registro: o dos saberes, o das celebrações, o das formas de expressão e o dos lugares.

Dos livros de registro previstos, o que mais tem relevância, dado o tema desta pesquisa, é o Livro das Celebrações, que visa assegurar o registro dos rituais e festejos que promovem a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras manifestações coletivas existentes na vida em sociedade. Para as comunidades tradicionais este livro se reveste de grande importância, pois boa parte de suas práticas ainda são coletivas, havendo uma forte interação dos membros da comunidade nesses eventos, como é o caso, por exemplo, do candomblé nos quilombos ou das festas em homenagem a Iemanjá, praticadas pelas populações pesqueiras tradicionais da Bahia (SANTANA, 2005, p. 14). Houve grande acerto ao utilizar-se o termo “celebrações, pois se podem incluir nesse livro as manifestações religiosas que integram o patrimônio cultural imaterial e que não poderiam se enquadrar em outros termos considerados profanos como, por exemplo, “festas” (TELLES, 2007, p. 25).

6.3. Religiões afro-brasileiras enquanto parte integrante do patrimônio e manifestações culturais

Ao incluir rituais e festejos que promovam a religiosidade como integrantes do patrimônio cultural imaterial passíveis de registro, o legislador pátrio quis, claramente, indicar que as manifestações religiosas fazem parte do patrimônio cultural a ser protegido.

Machado Neto (2008, p. 06), argumenta que identidade cultural significa a capacidade de reconhecer a si próprio ou de construir sua própria realidade autônoma e única, baseada em uma tradição cultural herdada de seus antepassados; nesse caso em estudo, a herança cultural dos povos africanos trazidos pela escravidão, que aqui firmaram raízes e influenciaram a formação da cultura nacional com a disseminação e mescla de sua cultura com a de outros povos, embora existam núcleos culturais de forte predomínio africano. Cidadania, nesse contexto, significa o direito da coletividade de partilhar de distintas opiniões e posturas culturais, dadas as particularidades de cada região e povo.

Citando Guimaraens, Machado Neto (2008, p. 07) aponta que devido à existência de um verdadeiro apartheid cultural no Brasil:

a visualidade das camadas populares, dos indígenas e dos afrodescendentes não é devidamente enfatizada nas escolas nem nas universidades, já que ocorre uma rejeição, pelas camadas dominantes da sociedade nas quais se inclui a maioria dos professores, de códigos da cultura popular identificados com o candomblé, a cultura indígena, os rituais e as danças como o bumba-meu-boi e o carnaval, todos estes constituindo importantes elementos de identificação étnico-cultural brasileiros.

Desse modo, conclui-se que a cultura refletindo o modo de vida de uma sociedade, além de interferir em seu modo de pensar e agir, é um fator de fortalecimento da identidade de um povo e de desenvolvimento humano (PIANCÓ, p. 01), podendo-se e devendo-se incluir as práticas religiosas, aqui analisadas apenas as brasileiras de matriz africana, na medida em que estas são a exteriorização pública da liberdade de crença, bem como são o suporte para manifestação da liberdade de cultuar a religião escolhida, anteriormente, pela pessoa humana (SILVA JUNIOR, p. 15), transmitindo todo um conjunto de valores espirituais, sociais e históricos de fundamental importância para a formação da identidade nacional.


7. PROTEÇÃO À LIBERDADE DE CULTO

Tratando-se de práticas que envolvem religião, necessário se faz uma análise dos preceitos legais a respeito da liberdade religiosa e sua extensão, de forma a verificar se o ordenamento jurídico pátrio confere proteção a estas práticas e seus limites de exercício.

7.1. Regulamentação constitucional

A noção de religiosidade acompanha a história da humanidade, na medida em que a crença em divindades é um fenômeno observado em culturas que viveram em tempos remotos e em diferentes localidades ao redor de todo o mundo. É, dessa forma, um direito inerente à condição humana, ganhando importância jurídica, graças aos princípios constitucionais de liberdade. Pode-se dizer, dessa forma, que "a Liberdade Religiosa é o direito que tem o homem de adorar a seu Deus, de acordo com sua crença e seu culto" (PINTO FERREIRA apud OLIVEIRA, 2011, p. 01).

A liberdade de religião é consagrada pela Constituição Federal como direito fundamental, prescrevendo que o Brasil é um país laico. Dessa forma, o Estado deve se preocupar em proporcionar a seus cidadãos um clima de perfeita compreensão religiosa, prestando proteção e garantia ao livre exercício de todas as religiões, devendo, contudo, existir uma divisão muito acentuada entre o Estado e as religiões em geral, não podendo existir nenhuma religião oficial, nem permissividade a intolerância e a fanatismos (SCHERKERKEWITZ, p. 01).

SILVA JUNIOR (p. 02) destaca que a liberdade de crença foi introduzida na esfera jurídica através da Declaração de Direitos da Virgínia (1776), que ditava que “todos os homens têm igual direito ao livre exercício da religião, segundo os ditames da consciência”.

Através do Decreto nº 119-A, de 07/01/1890, de autoria de Ruy Barbosa, o Brasil tornou-se um Estado laico. Até então havia liberdade de crença no Brasil, mas não havia liberdade de culto, ou seja, da prática das religiões, haja vista só ser permitido o culto da religião adotada como oficial. Os cultos das outras religiões só podiam ser realizados no âmbito doméstico, dentro dos lares. Com o Decreto nº 119-A, o Brasil deixou de ter uma religião oficial, instituindo a separação Estado-Igreja, o que acabou por ampliar a extensão do direito à liberdade religiosa (RACHEL, 2012, p. 05). Santos (p. 08), porém, afirma que somente com a entrada em vigor da nossa atual Constituição Federal de 1988, foi que houve uma efetiva ampliação do direito de Liberdade Religiosa no Brasil, abrangendo todos aqueles que possuem uma religião e até mesmo aqueles que preferem abster-se de qualquer forma de exteriorização da fé ou não crerem, como os ateus. Isiliane (p. 03) aduz que a liberdade de crença diz respeito a possibilidade de escolher uma crença ou religião e de mudar de crença ou religião, sendo o culto resultado da exteriorização dessa crença, que pode manifestar-se através de ritos, cerimônias, reuniões, variando de acordo o credo escolhido. O direito à liberdade de crença possibilita, inclusive, a formação de novos grupos religiosos, de forma que o indivíduo tem o direito assegurado de construir sua identidade religiosa como entender melhor, questão importante para que se entenda o sincretismo religioso no Brasil (OLIVEIRA, 2011, p. 07).

O Estado tem o dever, portanto, de proteger o pluralismo religioso dentro de seu território, criar as condições materiais para um bom exercício dos atos religiosos das diferentes religiões e zelar pela efetividade do princípio de igualdade religiosa, mas devendo manter-se à margem do fato religioso, sem incorporá-lo em sua ideologia (SORIANO apud SCHERKERKEWITZ, p. 01).

Tavares (2010, p. 630) afirma que essa proteção à liberdade religiosa abrange vários aspectos, quais sejam:

i) de opção em valores transcedentais (ou não); ii) de crença nesse sistema de valores; iii) de seguir dogmas baseados na fé e não na racionalidade estrita; iv) da liturgia (cerimonial), o que pressupõe a dimensão coletiva da liberdade; v) do culto propriamente dito, o que inclui um aspecto individual; vi) dos locais de prática do culto; vii) de não ser o indivíduo inquirido pelo Estado sobre suas convicções; viii) de não ser o indivíduo prejudicado, de qualquer forma, nas suas relações com o Estado, em virtude de sua crença declarada.

Conforme já anteriormente afirmado, o Estado deve adotar uma postura de neutralidade na escolha da religião, permitindo que o indivíduo possa livremente escolher ou não, rejeitar, mudar ou aderir à religião que lhe for mais conveniente (SILVA JUNIOR, p. 04).

O direito a liberdade religiosa está em consonância com os valores supremos e os objetivos fundamentais da Republica Federativa do Brasil dispostos em seus artigos 1º e 3º, ao consagrar a dignidade da pessoa humana e a construção de uma sociedade livre, justa e sem qualquer forma de discriminação. As vedações constitucionais do art. 19, inciso I, refletem o caráter laico do Estado brasileiro e seus contornos, de modo que o Estado não pode favorecer uma religião em detrimento de outras, repita-se. O Estado também deve se abster de legislar sobre matéria religiosa. Todavia, isto não impede que a Igreja e o Estado possam estabelecer parcerias em obras sociais e de interesse público (ISILIANE, p. 05).

Verifica-se, dessa forma, que a separação entre o Estado e a Igreja não é absoluta. Ela é limitada pelo exercício do poder de polícia do Estado e outros poderes que lhe são constitucionalmente atribuídos, bem como pelas práticas amplamente aceitas como símbolos ou tradições nacionais e que não seriam abolidas pela população mesmo que não gozassem de apoio estatal (SCHERKERKEWITZ, p. 08).

Ao tratar da proteção da liberdade religiosa, BREGA FILHO (p. 08) aponta que existe “uma união indissociável entre consciência e crença, crença e conduta, conduta e culto, e culto e consciência”. Assim, a liberdade religiosa é composta por fatores que se implicam de forma dialética e se pressupõem de modo que, quando qualquer deles deixa de ser protegido, vê-se violado o preceito constitucional. O autor afirma ainda que alguns tribunais têm realizado uma verdadeira redução do direito à liberdade religiosa ao restringir a proteção constitucional apenas ao que chama de culto objetivo ou aos lugares de culto, que devem organizar-se conforme as normas legais aplicáveis, sem considerarem a existência de práticas de culto que transcendem materialmente o espaço físico dos templos, principalmente as normas de conduta e a moral fundamental, que são próprias a todas as organizações religiosas.

No Brasil, as liberdades de crença e de culto são qualificadas como cláusulas pétreas, o que significa dizer que tornaram-se dispositivos imutáveis na atual Constituição, onde somente o advento de uma nova Constituição poderá modificar tal condição de liberdade, o que demonstra o grau de importância de tais direitos para a sociedade.

O direito à liberdade religiosa está presente também em diversas Convenções e Tratados internacionais, alguns dos quais o Brasil ratificou, como a Declaração Universal dos Direitos dos Homens e o Pacto de São José da Costa Rica, em que há uma ampla proteção às liberdades do homem, incluindo a religiosa (OLIVEIRA, 2011, p. 05).

7.2. Implicações na legislação infraconstitucional

Além da previsão constitucional, outras leis tratam da liberdade religiosa. Oliveira (2011, p. 07-08) afirma que “sejam as leis antiblasfêmia, produto de um resquício e de uma valorização da religião, ou uma espécie de compensação diante de medidas secularizantes” se pode identificar dois tipos de normas que tenham relação com a religião, que são, primeiramente, as que possibilitam ao Estado a regulamentação das relações dos grupos religiosos entre si e da sociedade para com eles, e, segundo, as que delimitam e estipulam o que seria definido por religioso, ao considerá-lo como elemento capaz de discriminar disposições jurídicas e tratando-o, desse modo, como uma esfera específica da sociedade.

O Código Civil Brasileiro, em seu artigo 44, ao tratar das pessoas jurídicos de direito privado, disciplina a criação de associações religiosas em seu parágrafo 1º, que dispõe:

§1° - São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento.

Da leitura do preceito legal citado acima, Oliveira (2011, p. 08) observa tratar de preocupação do legislador em “explicitar os lineamentos gerais da liberdade de organização religiosa”, pelo que deflui da redação do dispositivo, a seu ver, o entendimento de que a liberdade de organização religiosa engloba, portanto, a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas.

Pode-se concluir, desse modo, que é livre a organização religiosa na forma da lei, e que essa organização depende da aprovação estatal, que, além disso, estimula a atividade religiosa com a existência das imunidades tributarias previstas em lei (ISILIANE, p. 04).

Na esfera penal o direito de liberdade religiosa também repercute e vários artigos podem ser citados em que esta é o bem jurídico protegido. O artigo 208 do Código Penal tipifica o ato de escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso (OLIVEIRA, 2011, p. 07). Este dispositivo legal protege o sentimento religioso em si, qualquer que seja a religião, e assegura a própria liberdade de culto, abrangendo três figuras típicas em seu bojo (JESUS apud RACHEL, 2012, p. 43).

Rachel (2012, p. 41-42) cita ainda o artigo 140, §3º, que trata da injúria e coloca o motivo religioso como qualificador do crime ao dispor que “se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”; e o artigo 149, §2º, inciso II, em que o crime de redução à condição análoga de escravo tem a pena aumentada se o crime é cometido “por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem”.

Rachel, citando Teraoka (2012, p. 43-44), aponta ainda dispositivos na legislação penal especial que se referem à proteção da liberdade religiosa, como a Lei 4.898/65, que considera abuso de autoridade qualquer atentado ao “livre exercício de culto religioso”; a Lei nº 7.716/89, que criminaliza condutas que manifestem preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional; a Lei nº 2.889/56, que tipifica como genocídio algumas condutas praticadas com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso; a Lei nº 6.001/73 (Estatuto do Índio), em seu artigo 58, I, que tipifica penalmente a conduta de quem escarneça de ritos religiosos indígenas; e a Lei nº 11.343/2006, que dispõe acerca da proibição da plantação, cultivo e comercialização de plantas que podem ser utilizadas na produção de plantas psicotrópicas, mas que estabelece como exceção as plantas de uso ritualístico-religioso, protegendo o exercício das práticas religiosas que as utilizam.

7.3. Abrangência do direito à liberdade religiosa

Mattos, citado por Scherkerkewitz (p. 03), define religião como a "crença na (ou sentimento de) dependência em relação a um ser superior que influi no nosso ser — ou ainda — a instituição social de uma comunidade unida pela crença e pelos ritos". Ao falar-se em liberdade de religião, necessário que se analise o conceito do termo, haja vista tratar-se de uma noção relativa para as pessoas. Todavia, não existe definição legal do que vem a ser religião. Desse modo, a proteção à liberdade de religião não se restringe às religiões tradicionais, já que a Constituição não faz qualquer diferença entre religiões e seitas.

Como consequência da proteção conferida, a liberdade de culto prevê que a exteriorização da crença espiritual necessita de um local físico para sua manifestação, de modo que, a exteriorização da liberdade de crença e a proteção quanto à realização do culto, assegura os locais destinados a essa finalidade, que são os templos (SILVA JUNIOR, p. 15).

Conclui-se, desse modo, que a liberdade de crença abrange não apenas o direito de escolher a religião que mais interessa ao indivíduo – ou não escolher nenhuma, mas também externar essa crença, seja na manutenção de locais apropriados para essas práticas, seja praticando os ritos e cerimônias típicos ao culto, com suas particularidades, não devendo o Estado intervir, inadvertidamente, nas questões religiosas.


8. DIREITOS DOS ANIMAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Antes de analisar a questão da participação dos animais em sacrifícios religiosos afro-brasileiros, deve-se esclarecer o entendimento que a legislação pátria adota acerca dos direitos dos animais enquanto sujeitos ou não de direitos e a proteção jurídica a eles conferida.

8.1. Animal como sujeito de direito e direito animal

No ordenamento jurídico brasileiro, tradicionalmente, os animais são entendidos como coisas, o que quer dizer que “estão disciplinados como propriedade dos humanos e que estes podem usar, gozar e dispor, inclusive doá-los e vendê-los” (GOMES, p. 03).

Silva Júnior (2012, p. 31) esclarece que a Lei n° 5.197/67 (Lei de Proteção à Fauna, mais conhecida como Código de Caça), em seu artigo 1º, considera que os animais componentes da fauna silvestre são propriedade da União. Já os animais domésticos, ou domesticados, são de propriedade de particulares, classificados pela legislação como bens móveis, que se movem por sua própria natureza, chamados de semoventes (GOMES, 2010, p. 172).

Sendo entendidos como coisas, os animais não são considerados sujeitos de direito, mas objetos do direito pertencente à coletividade.

Essa é uma visão influenciada pela noção de superioridade dada ao homem pelo catolicismo com a disseminação da ideia de que o homem foi feito à “imagem e semelhança de Deus”, que teria lhe dado o domínio sobre os outros animais (GOMES, p. 04).

Medeiros (p. 01) aponta que as relações do homem para com os animais e a natureza sempre foram caracterizadas pelo domínio, pela exploração, arbitrariedade, irresponsabilidade e pela noção de superioridade, a quem ele atribui a legitimação de tais condutas primeiro a Sócrates e, posteriormente, pelo Direito. As ideias de Sócrates dão azo ao antropocentrismo, que surgiria posteriormente, com a máxima “conhece-te a ti mesmo”. Aristóteles, aperfeiçoando a ideia lançada pelos socráticos, acreditava na superioridade do homem em razão deste possuir o dom das palavras, e é quando os animais passam a ser vistos como escravos do homem.

Embora houvesse essas ideias, outros filósofos Greco-romanos, como Plutarco e Porfírio, defendiam que os animais tinham capacidade racional, e Ovídio e Sêneca defendiam que os animais podiam sentir dor. Desse modo, reconheciam aos animais a capacidade de sentir dor e sofrer, de se comunicar. (GOMES, p. 02)

Com o racionalismo, de Descartes, para quem o animal era como uma máquina, incapaz de falar, pensar e sentir, há uma segregação entre o homem e a natureza e demais seres vivos, dando ensejo à vivissecção, uma prática que se difundiu pela Europa rapidamente. Neste contexto, Thomas Hobbes, em sua obra “O Leviatã” (1651), lança as bases da teoria do contrato social, o que viria a influenciar o pensamento acerca dos animais:

Para Hobbes, a linguagem é o elemento que forma as relações políticas e sociais. Com isso, os animais, desprovidos de linguagem, ficam fora do contrato social, sendo reduzidos, posteriormente, a propriedade privada por Locke (1632–1704), que acreditava que tudo que não fosse natureza humana não tem vontades ou direitos, impingindo aos animais não-humanos a condição de recursos disponíveis para toda a humanidade. (MEDEIROS, p. 02)

Este entendimento é amparado por Kant, para quem os animais não são seres autoconscientes, e, por essa razão, existiriam apenas como instrumento destinado a um fim, que é satisfazer o homem. Deste modo, os humanos possuiriam apenas deveres indiretos para com eles, pois o seu verdadeiro fim é a humanidade (SILVA, p. 04), concepção.

Há ainda o especismo, que consiste em considerar que os fatores biológicos da espécie humana têm um valor moral maior do que das outras, razão pela qual a vida e os interesses do individuo pertencentes a ela teriam mais valor do que a vida e os interesses dos outros seres. O especismo reproduz um pensamento construído por uma ideologia, antropocêntrica, que se fundamenta na ideia de que o ser humano é superior, elegendo as características do uso da razão e da espiritualidade como critérios de exclusão dos animais não humanos da esfera moral (ARGOLO, p. 03-04).

Houve, porém, uma mudança na postura com relação aos animais, com o surgimento de algumas correntes. A primeira corrente a ser citada é a do “bem-estarismo”, defendida por Bentham, Linzey, entre outros teóricos. Os defensores dessa corrente tinham o objetivo de libertar os animais do tratamento desumano e cruel a que eram submetidos, lutando para que fossem criadas leis que coibissem sofrimento desnecessário e que promovessem um tratamento humanitário aos animais. Para esta teoria, os animais continuam a ser visto e tratados como coisas, propriedade dos humanos, permanecendo sujeitos ao entendimento que os humanos tem do que seja sofrimento desnecessário e tratamento humanitário. O bem-estarismo é uma teoria com ânimo jurídico, pois busca a promoção destas ideias à condição de leis, tendo se iniciado no século XIX, e continua influenciando os sistemas jurídicos, inclusive o brasileiro, como se demonstrará adiante (GOMES, p. 04).

Foi com o surgimento de correntes que defendiam que os animais seriam dignos de maior consideração que começou a batalha em prol da proteção ao animais. Humphry Primatt, em sua tese de doutorado “A dissertation on the duty of mercy and the sinn of cruelty against brute animals”, defendeu a igualdade de direitos entre os animais, argumentando que a igualdade não conseguiria ser alcançada enquanto o critério de configuração biológica continuasse a ser utilizado, pois agia mais como uma forma de discriminação do que de igualdade ao diferir os animais pela sua configuração física. Para Primatt, o homem é um animal igual a todos os demais animais, e devem-se levar em conta os interesses em comum, pois o animal humano e o animal não humano são capazes de sentir dor e de sofrer. Porém, para Primatt a superioridade conferida aos animais humanos desaparece quando estes utilizam suas habilidades para maltratar, humilhar, torturar e desprezar aqueles que não possuem esta superioridade, ou seja, os outros animais, de modo que não atribuía direitos aos animais não humanos, apenas entendia que os humanos deveriam ter compaixão pelos animais não humanos, em razão de seu maior grau de inteligência e de raciocínio, o que implicaria maior responsabilidade de suas ações sobre a vida, o bem-estar e a felicidade dos outros seres (GOMES, p. 02).

Jeremy Bentham, em 1789 e durante a revolução francesa, influenciado pelos textos do Primatt, em sua obra “uma introdução aos princípios morais e da legislação”, exige uma redefinição da comunidade moral, com a inclusão de todos os animais que tivessem a capacidade de sentir dor e de sofrer, com igualdade de tratamento para seres semelhantes independente da diferença biológica (GOMES, p. 03).

Destaque-se que Primatt lamentava não existir leis para impedir a crueldade contra os animais enquanto Bentham, ao contrário, não defendia a criação de leis, pois não conseguia perceber os animais como sujeitos de direitos. As ideias de ambos, contudo, foram de fundamental importância para a transformação do entendimento acerca dos animais não humanos como seres dotados de capacidades semelhantes ao dos animais humanos.

Além deles, Henry Salt, em 1892, ao publicar o livro Animal Rights, estabeleceu um marco, ao, pela primeira vez, relacionar direito e animais, por defender a inclusão de todos os animais no âmbito da comunidade moral, utilizando-se do argumento inaugurado por Primatt em defesa dos interesses sencientes, e estabelecer deveres positivos (de beneficência) e negativos (de não-maleficência) dos seres humanos em relação aos demais seres (SILVA, p. 08).

Outra importante corrente é a “abolicionista”, que defende que os animais devem ser deixados livres para que possam desfrutar de sua liberdade e natureza. Para esta corrente, os animais devem se liberar da condição de escravo, de propriedade, de objeto e de submissão ao desejo e vontade do homem.

É uma corrente ousada, pois para os seus seguidores não basta “minimizar o sofrimento”, é preciso “oferecer e assegurar justiça” para todos os animais, abolindo o poder do animal humano sobre os animais não humanos, acabar com o instituto da propriedade dada ao homem em virtude de uma superioridade baseada em fatores biológicos e por fim, garantir aos animais direitos de autonomia prática, direitos de não ser morto, aprisionado, expropriado e forçados a viver de forma não apropriada a sua espécie. (GOMES, p. 04-05)

Um de seus principais defensores é Tom Regan, para quem os animais têm direitos por que os humanos têm direitos. Ele assevera que uma teoria moral adequada para seres humanos deve incluir direitos morais, onde se incluiriam os animais, de sorte que não considerar estes direitos pode os indivíduos possuam valor apenas pelos benefícios que podem propiciar para outrem, ignorando-se o valor inerente de um indivíduo. Dessa forma, sua teoria tece objeção a teorias como o contratualismo e o utilitarismo, considerando que estas produzem resultados morais inaceitáveis não só para os animais, mas também para seres humanos (OLIVEIRA, 2004, p. 02).

Deve-se aqui fazer uma ressalva sobre o utilitarismo, que, para Ferry (2009, p. 76), é compreendido de forma equivocada, não devendo ser entendido como uma forma de egoísmo, mas como um universalismo/altruísmo, onde uma ação é considerada boa quando trouxer felicidade para o maior número possível de pessoas, e é má se for o contrário. O principal problema desta teoria seria, portanto, o fato de que há casos em que seria aceitável exigir o sacrifício pessoal em nome da felicidade da coletividade.

A perspectiva de Regan é influenciada por Kant, para quem apenas indivíduos racionais, autônomos, possuem valor inerente ou valor moral, mas com uma visão mais abrangente, diante do fato de que Kant parece não poder explicar por que crianças ou deficientes mentais, por exemplo, seguindo sua lógica, não devem ser explorados por seu valor instrumental – uma ideia que causaria repulsa nas pessoas. Regan alega, ainda, que alguns animais possuem uma complexidade psicológica que os torna sujeitos de uma vida, possuindo, desse modo, valor inerente e tendo, por isso, direito de serem tratados com respeito da mesma forma que humanos não paradigmáticos, que são os que não possuem autonomia/racionalidade.

Argolo (p. 05), afirma que vários são os fatores que determinam e dão a um ser vivo o status de sujeito de uma vida e irão diferenciar as plantas dos animais, que são o senso comum, a linguagem, o comportamento, corpos, sistemas e origens comuns, destacando que o critério da senciência, que seria a capacidade de sofrer ou sentir prazer ou felicidade e dor, não é suficiente para definir quem deve ou não entrar na esfera de consideração moral dos seres humanos.

Assim, critérios como inteligência, autonomia e racionalidade são critérios que excluem não só os animais como uma porção de seres humanos e, se os seres humanos não paradigmáticos fazem parte da comunidade moral, o mesmo deve ser atribuído aos animais com capacidades psicológicas similares, que passariam a estar envolvidos nas relações morais (OLIVEIRA, 2004, p. 02-03).

Considerando que nem todos os sujeitos de uma vida compartilham a habilidade de aplicar princípios morais, Regan faz uma diferenciação entre agentes, os capazes de deliberar sobre seus atos, e pacientes morais, que tem capacidade de sofrer dano. Assim, fundamenta a responsabilidade moral de, por exemplo, adultos em relação a crianças e adultos mentalmente enfermos, assim como em relação a animais. Para Regan, desse modo, tratar os animais com respeito passa a ser questão de justiça, não ato de mera benevolência (OLIVEIRA, 2004, p. 05).

Por outro lado, Silva Junior (2012, p. 28) aponta que há filósofos que se opõem à Libertação Animal (termo cunhado por Peter Singer, um abolicionista, em obra de mesmo nome), como Jan Naverson e Carl Cohen, para quem “direito é um conceito propriamente humano e, por isso, não deve ser aplicado aos animais que não compreendem esse conceito”. Aponta ainda que Ferry (2009, p. 96-97) apresenta duas críticas teóricas ao direito dos animais em oposição aos argumentos de Bentham, Singer e Regan, ao aduzir que, primeiramente, não é o sofrimento ou o prazer que concede ao ser humano o caráter de pessoa moral, capaz de direitos, mas a sua liberdade e indeterminação, possuindo a capacidade de se desfazer dos próprios interesses para considerar a coletividade, uma característica que não está presente nos animais, e, segundo, os animais não possuiriam capacidade evolutiva, ou seja, não tem cultura, somente modos de vida.

Argolo (p. 10) esclarece que ao se querer atribuir aos animais não humanos a qualidade de sujeito de direitos, não se pretende que eles tenham todos os direitos estabelecidos no ordenamento jurídico, apenas defender a sua titularidade de direitos fundamentais básicos. Destaca, ainda, que a dificuldade em se conseguir uma mudança de postura com relação aos animais como portadores de direitos se deve ao modelo econômico adotado pela sociedade:

É necessário que se considere que o problema envolvendo a exploração dos animais, na tradição da sociedade ocidental, está diretamente ligado ao uso e consumo, ou seja, a concretização da pseudo-viabilidade dos negócios humanos. O saber jurídico tende a excluir a possibilidade do animal ser considerado um sujeito dos direitos fundamentais à vida, à liberdade e à integridade física, pois seria essa inclusão responsável por mudar modelos enraizados e basilares do capitalismo, como é o caso do conceito de objeto de propriedade.

Defende-se que não há necessidade de mudança das leis já existentes no país para que os animais fossem incluídos na proteção jurídica de forma mais ampla, com seus direitos fundamentais resguardados, bastaria uma alteração no modo de interpretação do direito, desvinculado do atual viés dogmático (ARGOLO, p. 12). Como exemplo, cita-se o título I da Constituição Federal, que trata dos princípios fundamentais, ao estabelecer, em seu artigo 3º, inciso IV, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, em que bastaria entender que a palavra “todos” pode ser estendida aos seres não humanos sem que, para isso, tenha sido demandado grande esforço interpretativo. Assim, a promoção do bem de seres de todas as espécies constituiria um dos objetivos da nação brasileira. Essa mudança, porém, só será possível se houver uma mudança também na mente de toda a sociedade (ARGOLO, p. 13).

Isso importaria, portanto, em uma acentuada virada paradigmática da percepção do Direito, no sentido de superar obstáculos e noções correntes e arraigadas, inclusive no âmbito do Direito Ambiental brasileiro, que, em relação à natureza jurídica dos animais não humanos, vive um dilema, pois se os animais não são considerados sujeitos de direitos, não podem ser considerados tampouco meros objetos.

Se a lei dispõe direitos aos animais, se objetos não possuem direitos, então os animais não são objetos e sim sujeitos de direitos. Caso se queira evitar esta conclusão, uma dogmática, a rigor, insustentável: os animais não-humanos são objetos que ostentam direitos. Nesta linha, a teoria jurídica se acha na complicada ou mesmo inviável tarefa de estabelecer um terceiro conjunto para, então, abarcar os animais. E, através deste modelo que exige reformulação a bem da lógica, os animais são postos como que em um limbo (OLIVEIRA, 2008, p. 02-03).

Prado (2005, p. 248) esclarece que, na verdade, os animais são, na verdade, objeto material das condutas típicas, cujos titulares do direito são a coletividade.

Como já dito, a nossa legislação tem bastante influência do bem-estarismo, concepção muito utilizada em termos de bioética, o que fez surgir o ramo do biodireito, a princípio discutido apenas no âmbito da saúde e medicina. A bioética fundamenta-se em alguns princípios, que são: a) não maleficência, que significa não fazer mal ou prejudicar; b) beneficência, em que se deve agir em benefício de outrem; c) autonomia, que se refere ao livre arbítrio das pessoas, cada uma possuindo soberania sobre seu corpo; d) justiça, em que todos devem ser tratados de forma equitativa, dando a cada um o que lhe corresponde. Estes princípios devem ser aplicados também aos animais, pois as novas teorias dos direitos dos animais recusam a ideia de que o animal só tem interesse em não sofrer, e reconhecem que eles têm o interesse também em continuar vivendo (DIAS, 2009, p. 04-05).

A bioética, como já dito, está ligada à noção de bem-estar animal, que é considerado quando garantidas liberdades como: liberdade nutricional, liberdade sanitária, liberdade comportamental, liberdade psicológica, liberdade ambiental (DIAS, 2009, p. 06). Dias cita ainda Peter Singer, ao afirmar que, por se tratarem de seres dotados de sensibilidade e consciência, os animais devem ser tratados com o mesmo respeito que os seres humanos. Deste modo, fica claro o entendimento mais moderno que direitos não devem ser conferidos com base na aparência do organismo, mas sim com base na necessidade do movimento e na semelhança da sensibilidade e da consciência (SILVA, p. 09). Ferry (2009, p. 77) entende que o único critério moral significativo para atribuição de direito é a capacidade de sentir prazer e sofrimento.

Este movimento resultou na promulgação da Declaração Universal dos Direitos do Animal (Anexo A), em 1978, que reconhece que o direito à vida é extensivo aos animais, quando afirma, constituindo uma tomada de posição filosófica no sentido de estabelecer diretrizes para o relacionamento do homem com o animal, buscando uma postura igualitária diante da vida. O reconhecimento, por parte da espécie humana, do direito à existência das outras espécies, constitui o fundamento para o reconhecimento, aos animais, do direito ao respeito, ao não sofrimento ou submissão a maus tratos, à liberdade em seu habitat, à proteção humana e legal. Isso implica no direito que tem todo ser de dispor dos meios e condições apropriados de subsistência e uma vida digna de acordo com sua espécie, sua natureza biológica e sua sensibilidade (DIAS, 2009, p. 02-03). Silva (2006, p. 396) reforça que, segundo o artigo 14 desta declaração, os direitos dos animais devem ser defendidos por leis, assim como o direito dos homens.

8.2. Proteção legal aos animais

Como visto, as concepções éticas que permeiam a legislação influenciaram na adoção de uma política de garantia ao bem-estar animal. Isso fica claro pela redação do artigo 225, parágrafo 1º, inciso VII, da Constituição Federal, que dispõe ser incumbência do Poder Público “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”.

Peter Singer, citado por Silva (p. 18), destaca que o fato dos animais não poderem, eles mesmos, protestar contra o tratamento que recebem, os deixa em desvantagem, necessitando de que outros defendam sua causa (SILVA, p. 18). Nesse contexto, para defesa do direito dos animais, o Ministério Público foi designado o seu representante, já que não podem se manifestar juridicamente. Há que se fazer uma observação: o legislador pátrio preocupou-se com a proteção contra a extinção da fauna e da flora, como também com a preservação de um sistema ecologicamente equilibrado, interesses do homem, não propriamente com os animais (GOMES, p. 05).

Milaré (2009, p. 174) acrescenta que, ao dar ao Poder Público a incumbência de proteger a fauna, a constituição ampara todos os animais, indistintamente, “vez que todos os seres vivos tem valor, função e importância ecológica, seja como indivíduo”, destacando que as leis existentes no país visam manter o equilíbrio ecológico em prol do homem.

Ora, pode-se dizer que a Constituição Brasileira de 1988 atribui aos animais um mínimo direito: o de não os submeter à crueldade, reconhecendo que os animais são dotados de sensibilidade, sendo a principal lei de proteção aos animais. Cada Estado brasileiro é livre para criar mecanismos de ajustes desta proteção, adequando a sua realidade social, e as constituições estaduais tem seguido o preceito federal (SILVA, p. 12-13).

No Brasil, o processo de constitucionalização dos direitos dos animais foi demorado, sendo que o primeiro registro de uma norma a proteger animais de quaisquer abusos ou crueldade foi o Código de Posturas do Município de São Paulo, de 1886, em que o artigo 220 dizia que os cocheiros, condutores de carroça estavam proibidos de maltratar animais com castigos bárbaros e imoderados, prevendo multa. No início do século XX, em 1924, foi elaborado o Decreto Federal 16.590 que regulamentava o funcionamento das casas de diversões públicas, que trazia como proibições uma série de maus tratos aos animais (SILVA, p. 13), como proibição às corridas de touros, garraios e novilhos, brigas de galos e canários, dentre outras (DIAS, 2000, p. 65).

A primeira lei federal com intuito de proteger os animais foi editada no Governo de Getulio Vargas, chefe do Governo Provisório, por inspiração do então ministro da Agricultura, Juarez Távora (DIAS, 2000, p. 66), o Decreto 24.645/34, que conferiu aos animais não humanos a garantia de serem protegidos pelo Estado Maior (GOMES, p. 07). Tinha força de lei, uma vez que o Governo Central avocou a si a atividade legiferante, por isso, embora conste como revogado no Serviço de Legislação Brasileira do Senado Federal, o Decreto-lei nº 24.645/34 continua em vigor, uma vez que sua expressa revogação foi estabelecida por instrumento que não era apto para tanto, já que, se surgiu com força de lei, não pode ser revogado por um decreto (MASCHIO, p. 14-15). Sua vigência, entretanto, está acobertada pela polêmica e nunca teve a força necessária para coibir os delitos (DIAS, 2000, p. 72).

Em 1941, foi editado o Decreto-lei nº 3.888 - a Lei das Contravenções Penais, em que foi inserido o artigo 64, com a finalidade de proteger os animais (MASCHIO, p. 14), com penas leves para o transgressor. Dias (2000, p. 72) afirma que pesquisas comprovadas mostravam que, na prática, não havia providências do Judiciário e nem da Polícia para a apuração das figuras típicas previstas na legislação contravencional.

O artigo 64 foi considerado revogado, todavia, com a edição de lei federal de grande importância para a defesa dos animais, na esteira do disposto pela constituição, que é a Lei 9605/98, a Lei dos Crimes Ambientais (GOMES, p. 07), que, em seu Capítulo V, dispõe de toda uma seção para tratar dos crimes contra a fauna, com destaque para o artigo 32:

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.

Deve-se citar ainda a Lei 11.974/08, que estabelece procedimentos para o uso científico de animais, ou seja, em experimentos e pesquisa, criando órgãos destinados ao controle das pesquisas e estabelece alguns procedimentos e penalidades no caso de descumprimento.

Apesar de ainda ser considerado como bem, como se lê no artigo. 82, do Código Civil de 2002, ocorreram mudanças expressivas na situação do animal, haja vista o direito à propriedade dever ser exercido de modo que a fauna seja preservada e em consonância ao princípio da função socioambiental da propriedade (SILVA JÚNIOR, 2012, p. 30).

Estas transformações são fruto da Constituição de 1988 e não se restringem aos aspectos estritamente jurídicos, mas se entrelaçam com as dimensões ética, biológica e econômica dos problemas ambientais vividos. Nesse sentido, a vedação de práticas que submetam os animais a crueldade e maus-tratos, torna os animais não humanos titulares ou beneficiários do sistema constitucional, de modo que o Poder Público e a coletividade devem buscar a implementação de políticas públicas que visem à concretização deste preceito (SILVA, p. 14), com a prevenção à mortalidade das espécies e proteção aos animais contra o sofrimento e toda e qualquer agressão, que significa dar-lhes garantias de que possam viver em segurança, livre da violência humana, e de acordo com seus instintos básicos e interesses de sua espécie (DIAS, p. 03).

Conclui-se, desse modo, que resta ao legislador a obrigação de promover a proteção dos animais da maneira mais eficaz possível, se abstendo de suprimir ou reduzir padrões já comprovados de proteção aos animais, uma vez que há uma proibição do retrocesso ecológico, devendo o Estado buscar alcançar um patamar mínimo de proteção à dignidade animal (SILVA, p. 14).

Indaga-se, por outro lado, dadas as concepções que ainda permeiam o ordenamento jurídico acerca do status dos animais, e a existência, ainda, de uma visão utilitarista dos mesmos, quais os limites para essa proteção a que o Estado deve oferecer, diante de um conflito de interesses.


9. USO DE ANIMAIS EM SACRIFÍCIOS RITUAIS NAS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS

Após o exame das questões que envolvem o tema proposto, analisar-se-á, a seguir, os sacrifícios de animais nas religiões afro-brasileiras, posto que apenas estas são objeto de estudo desta pesquisa, com o fim de compreender as motivações para sua prática, sua essência e o modo como são realizados, a fim de se discutir os possíveis argumentos para sua legitimação. Destaque-se as dificuldades em obter esses dados, tendo sido encontrado referências, em sua maioria, ao que ocorre no Candomblé, que será aqui utilizado como um paradigma

9.1. Finalidade dos sacrifícios

Inicialmente, deve-se esclarecer que o sacrifício ritual de animais não é uma prática exclusiva das religiões brasileiras de matriz africana, prática essa adotada por, por exemplo, parte dos muçulmanos quando termina o período chamado de Ramadã, em que um cordeiro é degolado, e na religião judaica existe o abate kosher, um ritual de abate para a preparação de alimentos. Encontram-se ainda noticias de sacrifício de animais por toda a Bíblia, embora os cristãos não se utilizem mais dessa prática, depois da morte de Jesus Cristo (ROBERT, p. 02). Os incas e os astecas, em honra ao Deus sol, sacrificavam humanos no topo de pirâmides, como forma de oferendas, pois pensavam que, assim, aplacariam sua ira e evitariam calamidades. Atualmente, encontra-se o sacrifício de animais no Hinduísmo, no Islamismo, como já dito, e nas religiões afro-brasileiras, como o Candomblé, Xangô, Batuque e Umbanda, que interessam a este estudo (ISILIANE, p. 06-07).

A prática de sacrifícios tem fundamentos milenares e mágicos, representando, para estas religiões, um dogma e são realizados em diferentes situações. Nas religiões afro-brasileiras, o sacrifício de animal é entendido como uma troca de energias entre o fiel e o animal imolado, quando este tem a finalidade de tirar as energias negativas do adepto (chamado descarrego). Existe outro tipo de sacrifício, em que o animal é sacrificado para o Orixá (divindade), como uma oferenda. Cada Orixá tem um animal específico de sua preferência, e é este que lhe é ofertado. Esta oferenda, em geral, é realizada uma vez por ano na festa do Orixá, que costuma receber também outros tipos de oferenda, composta por flores e frutos, assim como existem outros meios de descarregar uma pessoa. Dessa forma, o sacrifício pode ser substituído por uma outra prática, se não for confortável ao fiel, mas existem situações em que o sacrifício se faz necessário e insubstituível, caso em que cabe ao fiel, se entender preciso, recusar-se, aceitando que não obterá os favores do orixá (ROBERT, p. 02).

Através dos sacrifícios, os espíritos são fortificados e alimentados, e como resultado, os pedidos e desejos dos fiéis podem ser atendidos, como a cura de doenças, solução de problemas financeiros e pessoais. Dessa forma, a energia conduzida em forma de sacrifício, volta como um presente para quem realiza o sacrifício (LÉO NETO, 2009, p. 04).

Existe uma noção de manutenção do equilíbrio das forças, que permeia toda a relação dos adeptos com a natureza. Nesse sentido, ao se realizar uma oferenda, entende-se como um pagamento a algo que o orixá deu e precisa ser devolvida (BRAGA, 2000, p.195).

Cumpre esclarecer que o animal não é sacrificado por qualquer pessoa. Apenas quem pode sacrificar um animal é o sacerdote que tem o que chamam a “mão de faca”, que é a permissão que os Orixás dão para sacrificar um animal. Em alguns casos, outra pessoa pertencente ao terreiro, pode auxiliar o sacerdote. Ao imolar um animal, o sacerdote não está matando-o mais entregando uma oferenda ao sagrado, à divindade (ROBERT, p. 03).

É utilizada a expressão "comer" para dizer que uma entidade espiritual irá alimentar-se da oferenda, como um simbolismo. Obviamente, os Orixás não irão sair do plano espiritual para comer, literalmente, o animal que está sendo oferecido, mas se alimentam da energia da oferta, energia que os adeptos do Candomblé denominam 'Axé', uma palavra nagô. Axé é caracterizado como uma força mística que está presente em alguns lugares, objetos ou determinadas partes do corpo do animal, como o coração, o fígado, os pulmões, os órgãos genitais, leitos de rios, pedras, sementes e frutos sagrados. O sangue é um componente vital, por ser considerado o transportador do Axé presente nos animais. É, por isso, coletado e utilizado separadamente para renovar os objetos rituais de Axé (LÉO NETO, 2009, p. 04).

As partes dos animais, uma vez preparados, são colocadas em recipientes de madeira ou cerâmica e, posteriormente, envolvidas com o tecido do estômago da cabra, o que chamam Axó, que significa Axé de roupas. O Axó impede que energia negativa de outras entidades indesejáveis entrem na oferta e drenem sua vitalidade. A oferta é depois colocada no “pé do santo", que significa dizer o lugar dedicado a cada orixá, chamado “assentamento” ou “iba”.

Poucos dias após o ritual de sacrifício, ocorre uma festa comunitária onde as outras partes do animal, que não são oferecidas, são usadas ??para preparar vários pratos, dados às pessoas presentes no festival. O consumo da carne de um animal que foi oferecido tem Axé, e é uma maneira de começar uma comunhão com os deuses, em que os seguidores estariam compartilhando a mesma comida que seus próprios deuses gostam. No entanto, a carne de alguns animais não pode ser consumida, como a de porco, que tem o que chamam de “quizila”, uma energia negativa, razão pela qual o seguidor é proibido de comer a carne, que é então doado a comunidades carentes (LÉO NETO, 2009, p. 05).

O tipo de animal usado depende do orixá a quem a oferta é feita. Enquanto algumas espécies podem ser sacrificadas em honra de mais de um orixá, outras espécies são de preferência de orixás específicos, e considerados grandes guloseimas. Algumas espécies têm funções específicas, como de limpeza, quando são oferecidas aos orixás como parte de um ritual de cura, ou são usados ??para executar o Bori, um tipo de ritual de iniciação (LÉO NETO, 2009, p. 05).

Cada orixá tem uma morada específica, um reino que ele ou ela governa e em que ele ou ela reside. Oxossi, por exemplo, é considerado um caçador que reina sobre as florestas selvagens. Como este orixá é considerado como um protetor dos animais selvagens, animais silvestres não são usados ??em rituais de sacrifício em sua honra. Quando solicitado pela divindade um animal que é difícil de encontrar, o sacerdote ou a sacerdotisa estabelece um canal de comunicação com a divindade que fez a solicitação. Esta consulta consiste em explicações para não fornecer determinadas ofertas e negociações sobre alternativas. É realizado por meio de quatro búzios, que são jogados ao chão pelo sacerdote ou sacerdotisa, que então interpreta a vontade das divindades pela forma como os búzios caem.

Animais que são usados ??como oferendas em sacrifícios devem ser necessariamente saudáveis, justos, fortes e sem problemas físicos. O sexo do animal também é relevante e é relacionado ao gênero dos orixás. Orixás femininos (IABAS) "comem" os animais do sexo feminino, enquanto Orixás masculinos (Boros) "comem" os animais machos.

A cor é também um critério importante para oferenda aos orixás. Cada orixá tem uma cor que o simboliza, e essa cor está presente nos colares, conhecidos como guias, usados ??pelo "povo-de-santo". A cor de preferência do orixá determina a cor do animal que vai ser sacrificado em sua honra.

Características comportamentais do animal a ser sacrificado também estão, muitas vezes, relacionados com a personalidade do orixá a quem são oferecidos. Exemplos são o estilo de natação graciosa do pato que é oferecido a Oxum, que é considerado justo e sedutor, e da força e resistência da tartaruga, que é oferecido a Xangô, que é considerado de ser forte e potente. Os animais oferecidos, assim, transportam a simbologia da deidade sobrenatural a quem são oferecidos, permitindo a recuperação da energia, elementos e função representada por cada Orixá (LÉO NETO, 2009, p. 06).

9.2. Modo de realização

Antes de o animal ser sacrificado, ele entra em uma espécie de transe (pode-se dizer que é uma espécie de hipnose), de modo que, quando é imolado, o animal não agoniza gritando. Atualmente, se utiliza apenas animais domésticos ou domesticados criados em cativeiros para este fim e, enquanto o animal permanece vivo na casa de santo, não pode ser mal tratado, pois é considerado sagrado, já que servirá de oferenda ao Orixá (ROBERT, p. 03).

A pessoa responsável pelo sacrifício de animais, como já dito anteriormente, que tem a permissão dos Orixás para realizar os sacrifícios, é conhecida por Axogum, e está sempre em uma posição específica dentro do terreiro. Ele deve ser um homem e ser iniciado ao culto de Ogum, o orixá patrono do aço, ferro e minérios. Só os homens podem exercer a função de sacrifício, já que as mulheres são as doadoras, e não as tomadoras de vida (LÉO NETO, 2009, p. 07).

Segundo Carneiro (1977, p. 59), as festas de Candomblé geralmente começam com o sacrifício dos animais, ao som de cânticos e em meio a danças sagradas, em que ficam presentes apenas o sacrificador (Axogum), assistido pela mãe de santo e por algumas filhas mais velhas, coadministradoras da comunidade. O sangue dos animais é utilizado para regar as pedras (itas) dos orixás, em uma cerimônia secreta.

Da obra de Braga (2000, p. 154-156), pode-se inferir, ao explicitar outro uso do termo Axé, que os animais sacrificados tem seu corpo separado em diferentes porções, que são preparadas e cozidas para serem ofertadas aos orixás, junto com parte das vísceras. Ao Axogum cabe apresentar a carne do animal, sendo o oficiante exclusivo, e é ele quem sabe qual técnica sacrificial adotada para cada caso e quais partes devem ser separadas. As outras partes do animal, que também são sagradas, apenas não devem compor o alimento dos deuses e por isso não são oferecidas, são preparadas para ser servidas numa refeição aos membros da comunidade, durante as cerimônias.

Os métodos de abate dependem tanto do tipo de animal que é utilizado quanto do orixá ao qual o animal é oferecido. Animais considerados sagrados, como pombos (um mensageiro dos deuses) não são mortos pela faca. Neste caso, as folhas de saião são usadas para estrangular e decapitar a ave. Esses animais também são utilizados nas cerimônias de iniciação no Candomblé conhecidas como Bori, que ocorre quando um indivíduo aceita a religião e se compromete a seguir as tradições associadas, tais como participar de rituais de sacrifício, de acordo com as preferências do orixá escolhido.

Com relação ao Bori, Lody (1987, p. 28-29) conta que o noviço se submete a rituais, em que, em um certo momento, é oferecida comida à sua cabeça, em que os alimentos a tangem e o sangue de animais imolados é derramado, para selar a aliança. O iniciado recebe, ainda, parte do sacrifício, relacionando o seu corpo com os símbolos do orixá, o que une os elementos dessa realidade. O iniciado deve ainda beber o sangue do animal sacrificado para concluir a primeira etapa do ritual de iniciação.

No âmbito das práticas de sacrifício, como já citado, existem certos rituais que são utilizadas para curar doenças, onde se acredita que a doença do ser humano é trocada pela saúde do animal, geralmente um galo ou uma galinha. O animal vivo é passado sobre o corpo do doente, permitindo que a doença humana possa passar para o animal. O animal é posteriormente morto para exterminar o mal causado ao ser humano. Há entendimento diverso, no sentido de que a doença não é transmitida para o animal, mas que o sacrifício é uma oferenda ao orixá conhecido como Omulu, que é responsável por curas e que, em troca, iria cumprir com os pedidos de cura feitos durante o ritual (LÉO NETO, 2009, p. 08).

Há grande consumo de alimentos durante os rituais religiosos do terreiro. Os iniciados de Ògún, que levam os ritos da puberdade masculina, tomam um papel ativo na preparação da refeição cerimonial. Apesar das imagens negativas associadas ao sacrifício animal, os adeptos acreditam que aqueles que preparam a carne para consumo humano estão executando um rito sagrado. Dessa forma, cada vez que um animal é abatido como alimento torna-se uma oferta ao Orixá, considerada uma aliança entre ele o ser humano. O acordo é uma oração de gratidão pelas bênçãos de nutrição, e uma oração de respeito para as forças da natureza, que continuam a fornecer alimentos para a saúde e bem-estar da comunidade (FATUNMBI, p. 81).

Assim, os sacrifícios de animais para os praticantes de religiões afro-brasileiras são considerados práticas sagradas e são realizadas com muito respeito ao animal alvo do sacrifício, nunca de forma a causar sofrimento aos animais e apenas quando consideram ser necessário para que os Orixás atendam as necessidades dos fiéis.

9.3. Possibilidade legal de realização dos sacrifícios

Sem dúvida há dificuldade em sopesar os interesses conflitantes no caso em questão, havendo grande divergência entre os doutrinadores a respeito, em que alguns rejeitam fortemente a possibilidade de que os sacrifícios ocorram de acordo com as normas enquanto outros não enxergam qualquer impedimento legal para sua realização.

Martel (2007, p. 05) sustenta que, embora o sacrifício de animais não humanos seja considerado parte essencial do culto às divindades, a crescente proteção dos animais não humanos, especialmente com a proibição de atos cruéis e de maus-tratos, inclusive prevista na Constituição Federal brasileira restringe o direito fundamental à liberdade de culto, pois a legislação proíbe atos cruéis e abate desnecessário de animais.

Oliveira (2008, p. 04) afirma a impossibilidade legal do sacrifício de animais em ritos religiosos, por se considerar que a liberdade religiosa não inclui a lesão ou a matança de animais, o que afrontaria o disposto na Carta Magna. Dessa forma, o direito do animal de permanecer vivo, tendo a sua integridade corporal a salvo, superaria o direito à praticar os ritos de uma religião. Pensar o contrário significaria a adoção de um posicionamento especista, o que explicaria a não se admissão de realização de sacrifício de seres humanos, mas sim de animais. Acrescenta-se a isso que o direito da minoria não pode ser invocado, primeiramente porque nem toda minoria tem direito, estes interesses devem ser amparados pela legislação, o que não se entende acontece neste caso e, segundo o direito da minoria visa proteger os mais fracos, que, neste são os animais, não os humanos adeptos destas religiões. Este autor aduz, ainda, não ser crível pensar que a morte ou a dor de um animal, inocente, possa de algum modo contribuir para a felicidade humana ou para a ligação com Deus, de modo que não é um ato tolerável, considerando o sentimento ou a razão. Deve-se discordar deste posicionamento do autor, pois este invoca suas crenças pessoais acerca dos dogmas religiosos discutidos. Os adeptos destas religiões acreditam que estão realizando uma prática necessária para obter seus objetivos, e não cabe discutir se a religião tem preceitos corretos ou não, uma vez que não existem parâmetros objetivos para avaliação, reduzindo-se sempre esta análise a convicções pessoais dos envolvidos.

Neste contexto, urge destacar o pensamento de Perelman (1996, p. 315), para quem, numa sociedade pluralista deve haver uma tolerância recíproca a fim de garantir a liberdade de religião, assegurando aos membros da comunidade uma coexistência pacífica, quaisquer que sejam suas concepções religiosas.

A Constituição de 1988 protege a liberdade de crença e culto, bem como às organizações religiosas, como já explorado anteriormente, cabendo a cada um decidir a religião que mais satisfaz suas necessidades espirituais. A liberdade de culto é a exteriorização da liberdade de crença e a sua manifestação também está assegurada, todavia, Silva Junior (p. 15) coloca que a externação dessa liberdade não é absoluta, pois a prática de suas liturgias não pode afrontar valores e regras sociais já impostas pela sociedade. Dessa forma, entende que o culto deve ser exercido em harmonia com os demais direitos fundamentais, evitando-se a colisão com outros direitos fundamentais, não se podendo sobrepor a liberdade de culto a outros valores também protegidos pelo Sistema Constitucional, como a proteção à vida e à dignidade da pessoa humana.

Já Catana (2006, p. 03), enfrenta a questão considerando as concepções éticas envolvidas. Observando uma concepção biocêntrica, que não distingue os direitos humanos e direitos animais, os animais como seres integrantes da natureza, assim como o homem, deveriam ter o seu direito à vida preservado, mesmo sob o pretexto de proteção da religião ou da cultura do homem, uma vez que seu direito seria intrínseco e independente da finalidade de se atender as necessidades ou a cultura humana, pois o homem não é o centro do universo ou senhor absoluto do ambiente (ISILIANE, p. 07).

Considerando a visão antropocêntrica, no entanto, o homem poderia realizar os sacrifícios, pois assim ele preservaria sua religião e cultura, considerando ainda que o sacrifício deve ser feito com o consentimento da vítima, como afirmam os praticantes destas religiões, este não se constituiria um ato de crueldade, que Machado (2009, p. 807) conceitua como insensibilidade que faz com que se tenha indiferença ou prazer com o sofrimento alheio. Para Cadavez (2008, p. 113), a crueldade a que se refere a constituição deve ser entendida como um mal que ultrapasse o absolutamente necessário para garantir ao homem qualidade de vida, segurança e bem-estar.

Ainda a respeito da crueldade, Milaré (2009, p. 177-178) afirma que não há crueldade sem a imposição de sofrimento ao animal, de forma que os animais merecem respeito contra molestações ou ameaças físicas. Por outro lado, aponta que é possível sua utilização, devendo o homem assumir o papel de gestor meio ambiente, mas sem que, com isso, acoberte perversidades ou violência em prol de valores culturais ou recreativos, como touradas e brigas de galo.

Sob a visão antropocêntrica, portanto, o homem é um ser diferenciado dentro da natureza, portando direitos e deveres não conferidos aos animais. E é sob essa visão que se encontra moldado o nosso ordenamento jurídico (CATANA, 2006, p. 03), de modo que é sob esse aspecto que deve ser encarado as questões envolvendo os animais.

A expressão da religiosidade, manifestada através de sacrifícios de animais, não violaria o direito ambiental. Admitida essa visão doutrinária, não haveria colisão de direitos. Prevaleceria a preservação da cultura, em detrimento do direito dos animais (ISILIANE, p. 07).

Poder-se-ia considerar que o sacrifício de animais se adequaria à conduta tipificada no artigo 29, da Lei nº 9.605/98, que prevê uma pena para quem matar animais silvestres ou ainda no artigo 32, que incrimina a prática de quem pratica ato de abuso, maus tratos, mutilação ou morte de animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. Deve-se destacar que não há, no artigo 37 da lei, que trata das causas de exclusão da ilicitude, menção ao sacrifício ritual de animais (ROBERT, p. 03).

Embora os animais tenham seus direitos, como já visto, o sacrifício é um sacramento essencial das religiões afro-brasileiras e há casos em que não pode ser substituído. Não pode o Estado, sob pena de ferir o preceito constitucional que assegura a liberdade de culto, interferindo nos dogmas religiosos, querer extinguir essas práticas. Destaque-se que vários animais morrem para o consumo diário dos seres humanos, o que é permitido pela legislação pátria e os animais sacrificados são mortos com a preocupação de que eles não sofram, não se podendo dizer que são vítimas de crueldade ou maus-tratos, sendo que estes, com muita frequência, são também consumidos, não havendo grande diferenciação entre sua morte e aquela destinada ao abate para consumo. Portanto, deve prevalecer o direito de livre culto (CATANA, 2006, p. 04).

Machado (2009, p. 807) afirma que os animais devem ter sua vida respeitada e, mesmo o texto da constituição não dizendo, expressamente, que eles tenham direito à vida, considera lógico que os animais protegidos da crueldade devem estar vivos, não mortos, devendo sua morte ocorrer diante de uma justificativa aceitável. Obviamente, para os adeptos das religiões analisadas, o sacrifício dos animais é justificativa aceitável, ultrapassando a mera questão cultura, mas alçado ao sagrado, uma vez que consideram essencial para obter os favores das entidades.

Rachel (2012, p. 31), de modo diverso do exposto anteriormente, entende que, havendo ausência de exceção na regra ambiental, o sacrifício de animais em cultos religiosos enquadra-se na descrição legal do artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais. Todavia, em razão da proteção constitucional à liberdade de culto, há uma exclusão da tipicidade da conduta, não havendo prática de crime e conclui, citando Teraoka, afirmando não ser razoável impedir o sacrifício de animais, pois isto significaria impedir a própria prática da religião.

Uma vez que não há norma expressa que proíba a morte de animais em sacrifícios e, considerando uma interpretação das normas que protegem os animais pela concepção ética que norteia o ordenamento jurídico nacional não há qualquer impedimento legal para que estas práticas sejam realizadas, de acordo com o artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal de 1988, pois “ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (ROBERT, p. 06).

Silva Neto (2009, p. 670) complementa este entendimento, afirmando que não se pode opor restrição à liberdade de culto com aparo apenas na ideia de bons costumes, estando condicionada à existência de lei, ou seja, enquanto não houver lei restringindo este direito, ele deve ser exercido de forma plena.

Por fim, cabe citar que foi publicada a Instrução Normativa nº 3, de 17 de janeiro de 2000, visando:

padronizar os Métodos de Insensibilização para o Abate Humanitário estabelecer os requisitos mínimos para a proteção dos animais de açougue e aves domésticas, bem como os animais silvestres criados em cativeiro, antes e durante o abate, a fim de evitar a dor e o sofrimento (...)

Esta Instrução Normativa, que procurou atender aos critérios de bem-estar animal, aprovou o Regulamento Técnico de Métodos de Insensibilização para o Abate Humanitário de Animais de Açougue (Anexo B), que, em seu item 11.3, prevê que:

é facultado o sacrifício de animais de acordo com preceitos religiosos, desde que sejam destinados ao consumo por comunidade religiosa que os requeira ou ao comércio internacional com países que façam essa exigência, sempre atendidos os métodos de contenção dos animais.

Há, portanto, um permissivo normativo ao sacrifício de animais segundo preceitos religiosos. Embora o legislador não tenha sido claro em suas disposições sobre a questão, percebe-se que, considerando o sistema normativo como um todo, a prática não é tida, no ordenamento jurídico brasileiro, como uma afronta aos dispositivos constitucionais que vedam a crueldade com os animais.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A liberdade de religião, que implica na liberdade de escolha da crença e na externalização dessa crença com as práticas dos rituais inerentes à religião, é um direito fundamental do ser humano assegurado pela Constituição Federal de 1988. Nem por isso este direito é absoluto, sendo limitado o seu exercício quando em conflito com outros bens jurídicos protegidos.

Diante do que representam para a formação da identidade nacional, como integrante de um processo histórico-sociológico formador da sociedade brasileira, as religiões afro-brasileiras são igualmente protegidas pelo mandamento constitucional que assegura ser livre o exercício das práticas e manifestações culturais afro-brasileiras.

Cabe destacar, por conseguinte, que não se deve avaliar a questão dos sacrifícios de animais em atos religiosos sob a luz da validade ou não dos mesmos, haja vista tratar-se de convicção pessoal dos adeptos destas religiões. A formação religiosa, e mesmo cultural, de cada indivíduo é particular, e não se pode querer sujeitar o outro à adoção de crenças que não condizem com sua realidade.

Neste sentido, a realização de sacrifícios de animais pelos adeptos destas religiões, não contrariando os dispositivos legais que asseguram aos animais o direito ao bem-estar, vedando condutas que lhe inflijam crueldade e maus-tratos, pelo contrário, entendendo-os como sagrados e dignos de respeito, é recepcionada pelo sistema jurídico brasileiro.

Ademais, deve-se considerar que os direitos conferidos aos animais são relativos, na medida em que não se reconhece a eles a titularidade de direitos e, embora existam avanços na postura ética em relação aos mesmos, são tidos como meros instrumentos para a satisfação das necessidades humanas.


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ANEXOS

Anexo A – DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO ANIMAL

Preâmbulo:

Considerando que todo o animal possui direitos;

Considerando que o desconhecimento e o desprezo desses direitos têm levado e continuam a levar o homem a cometer crimes contra os animais e contra a natureza;

Considerando que o reconhecimento pela espécie humana do direito à existência das outras espécies animais constitui o fundamento da coexistência das outras espécies no mundo;

Considerando que os genocídios são perpetrados pelo homem e há o perigo de continuar a perpetrar outros;

Considerando que o respeito dos homens pelos animais está ligado ao respeito dos homens pelo seu semelhante;

Considerando que a educação deve ensinar desde a infância a observar, a compreender, a respeitar e a amar os animais,

Proclama-se o seguinte

Artigo 1º

Todos os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência.

Artigo 2º

1.Todo o animal tem o direito a ser respeitado.

2.O homem, como espécie animal, não pode exterminar os outros animais ou explorá-los violando esse direito; tem o dever de pôr os seus conhecimentos ao serviço dos animais

3.Todo o animal tem o direito à atenção, aos cuidados e à proteção do homem.

Artigo 3º

1.Nenhum animal será submetido nem a maus tratos nem a atos cruéis. 2.Se for necessário matar um animal, ele deve de ser morto instantaneamente, sem dor e de modo a não provocar-lhe angústia.

Artigo 4º

1.Todo o animal pertencente a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu próprio ambiente natural, terrestre, aéreo ou aquático e tem o direito de se reproduzir.

2.toda a privação de liberdade, mesmo que tenha fins educativos, é contrária a este direito.

Artigo 5º

1.Todo o animal pertencente a uma espécie que viva tradicionalmente no meio ambiente do homem tem o direito de viver e de crescer ao ritmo e nas condições de vida e de liberdade que são próprias da sua espécie.

2.Toda a modificação deste ritmo ou destas condições que forem impostas pelo homem com fins mercantis é contrária a este direito.

Artigo 6º

1.Todo o animal que o homem escolheu para seu companheiro tem direito a uma duração de vida conforme a sua longevidade natural.

2.O abandono de um animal é um ato cruel e degradante.

Artigo 7º

Todo o animal de trabalho tem direito a uma limitação razoável de duração e de intensidade de trabalho, a uma alimentação reparadora e ao repouso.

Artigo 8º

1.A experimentação animal que implique sofrimento físico ou psicológico é incompatível com os direitos do animal, quer se trate de uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer que seja a forma de experimentação.

2.As técnicas de substituição devem de ser utilizadas e desenvolvidas.

Artigo 9º

Quando o animal é criado para alimentação, ele deve de ser alimentado, alojado, transportado e morto sem que disso resulte para ele nem ansiedade nem dor.

Artigo 10º

1.Nenhum animal deve de ser explorado para divertimento do homem.

2.As exibições de animais e os espetáculos que utilizem animais são incompatíveis com a dignidade do animal.

Artigo 11º

Todo o ato que implique a morte de um animal sem necessidade é um biocídio, isto é um crime contra a vida.

Artigo 12º

1.Todo o ato que implique a morte de grande um número de animais selvagens é um genocídio, isto é, um crime contra a espécie.

2.A poluição e a destruição do ambiente natural conduzem ao genocídio.

Artigo 13º

1.O animal morto deve de ser tratado com respeito.

2.As cenas de violência de que os animais são vítimas devem de ser interditas no cinema e na televisão, salvo se elas tiverem por fim demonstrar um atentado aos direitos do animal.

Artigo 14º

1.Os organismos de proteção e de salvaguarda dos animais devem estar representados a nível governamental.

2.Os direitos do animal devem ser defendidos pela lei como os direitos do homem.

Anexo B – REGULAMENTO TÉCNICO DE MÉTODOS DE INSENSIBILIZAÇÃO PARA O ABATE HUMANITÁRIO DE ANIMAIS DE AÇOUGUE

1. Alcance

1.1. Objetivo: Estabelecer, padronizar e modernizar os métodos humanitários de insensibilização dos animais de açougue para o abate, assim como o manejo destes nas instalações dos estabelecimentos aprovados para esta finalidade.

1.2. Âmbito de Aplicação - Em todos os estabelecimentos industriais que realizam o abate dos animais de açougue.

2. Definições

2.1. Procedimentos de abate humanitário: É o conjunto de diretrizes técnicas e científicas que garantam o bem-estar dos animais desde a recepção até a operação de sangria

2.2. Animais de açougue: são os mamíferos (bovídeos, equídeos, suínos, ovinos, caprinos e coelhos) e aves domésticas, bem como os animais silvestres criados em cativeiro, sacrificados em estabelecimentos sob inspeção veterinária.

2.3. Recepção e encaminhamento ao abate: é o recebimento e toda a movimentação dos animais que antecedem o abate;

2.4. Manejo: é o conjunto de operações de movimentação que deve ser realizada com o mínimo de excitação e desconforto, proibindo-se qualquer ato ou uso de instrumentos agressivos a integridade física dos animais ou provoque reações de aflição;

2.5. Contenção: é a aplicação de um determinado meio físico a um animal, ou de qualquer processo destinado a limitar os seus movimentos, para uma insensibilização eficaz;

2.6. Atordoamento ou Insensibilização: é o processo aplicado ao animal, para proporcionar rapidamente um estado de insensibilidade, mantendo as funções vitais até a sangria;

2.7. Sensibilidade: é o termo usado para expressar as reações indicativas da capacidade de responder a estímulos externos;

2.8. Abate: é a morte de um animal por sangria.

3. Requisitos aplicáveis aos estabelecimentos de abate

3.1. A construção, instalações e os equipamentos dos estabelecimentos de abate, bem como o seu funcionamento devem poupar aos animais qualquer excitação, dor ou sofrimento;

3.2. Os estabelecimentos de abate devem dispor de instalações e equipamentos apropriados ao desembarque dos animais dos meios de transporte;

3.3. Os animais devem ser descarregados o mais rapidamente possível após a chegada; se for inevitável uma espera, os animais devem ser protegidos contra condições climáticas extremas e beneficiar-se de uma ventilação adequada;

3.4. Os animais que corram o risco de se ferirem mutuamente devido à sua espécie, sexo, idade ou origem devem ser mantidos em locais adequados e separados;

3.5. Os animais acidentados ou em estado de sofrimento durante o transporte ou à chegada no estabelecimento de abate devem ser submetidos à matança de emergência. Para tal, os animais não devem ser arrastados e sim transportados para o local do abate de emergência por meio apropriado, meio este que não acarrete qualquer sofrimento inútil;

3.6. A recepção deve assegurar que os animais não sejam acuados, excitados ou maltratados;

3.7. Não será permitido espancar os animais ou agredi-los, erguê-los pelas patas, chifres, pelos, orelhas ou cauda, ocasionando dores ou sofrimento;

3.8. Os animais devem ser movimentados com cuidado. Os bretes e corredores por onde os animais são encaminhados devem ser concebidos de modo a reduzir ao mínimo os riscos de ferimentos e estresse. Os instrumentos destinados a conduzir os animais devem ser utilizados apenas para esse fim e unicamente por instantes. Os dispositivos produtores de descargas elétricas apenas poderão ser utilizados, em caráter excepcional, nos animais que se recusem mover, desde que essas descargas não durem mais de dois segundos e haja espaço suficiente para que os animais avancem. As descargas elétricas, com voltagem estabelecidas nas normas técnicas que regulam o abate de diferentes espécies, quando utilizadas serão aplicadas somente nos membros;

3.9. Os animais mantidos nos currais, pocilgas ou apriscos devem ter livre acesso a água limpa e abundante e, se mantidos por mais de 24 (vinte e quatro) horas, devem ser alimentados em quantidades moderadas e a intervalos adequados.

3.10. Nas espécies que apresentarem acentuada natureza gregária, não deve haver reagrupamento ou mistura de lotes animais de diferentes origens, evitando assim que corram o risco de ferirem-se mutuamente.

4. Contenção

4.1. Os animais devem ser imediatamente conduzidos ao equipamento de insensibilização, logo após a contenção que deverá ser feita conforme o disposto na regulamentação de abate de cada espécie animal;

4.2. Os animais não serão colocados no recinto de insensibilização se o responsável pela operação não puder proceder essa ação imediatamente após a introdução do animal no recinto.

5. Os métodos de insensibilização para o abate humanitário dos animais classificam-se em:

5.1. Método mecânico

5.1.1. Percussivo Penetrativo: Pistola com dardo cativo

5.1.1.1. A pistola deve ser posicionada de modo a assegurar que o dardo penetre no córtex cerebral, através da região frontal.

5.1.1.2 Os animais não serão colocados no recinto de insensibilização se o operador responsável pelo atordoamento não puder proceder a essa ação imediatamente após a introdução do animal nesse recinto; não se deve proceder a imobilização da cabeça do animal até que o magarefe possa efetuar a insensibilização.

5.1.2. Percussivo não penetrativo

5.1.2.1. Este processo só é permitido se for utilizada a pistola que provoque um golpe no crânio. O equipamento deve ser posicionado na cabeça, nas regiões indicadas pelo fabricante e mencionadas em 5.1.1.1;

5.2. Método elétrico

5.2.1. Método elétrico – eletronarcose

5.2.1.1. Os eletrodos devem ser colocados de modo a permitir que a corrente elétrica atravesse o cérebro. Os eletrodos devem ter um firme contato com a pele e, caso necessário, devem ser adotadas medidas que garantam um bom contato dos mesmos com a pele, tais como molhar a região e eliminar o excesso de pelos;

5.2.1.2. O equipamento deverá possuir um dispositivo de segurança que o controle, a fim de garantir a indução e a manutenção dos animais em estado de inconsciência até a operação de sangria;

5.2.1.3. O equipamento deverá dispor de um dispositivo sonoro ou visual que indique o período de tempo de sua aplicação;

5.2.1.4. O equipamento deverá dispor de um dispositivo de segurança, posicionado de modo visível, indicando a tensão e a intensidade da corrente, para o seu controle, a fim de garantir a indução e a manutenção dos animais em estado de inconsciência;

5.2.1.5. O equipamento deverá dispor de sensores para verificação da resistência, a corrente elétrica que o corpo do animal oferece, a fim de garantir que a voltagem e a amperagem empregadas na insensibilização sejam proporcionais ao porte do animal, evitando lesões e sofrimento inútil.

5.2.1.6. Caso seja utilizado equipamento de imersão de aves em grupo, deve ser mantida uma tensão suficiente para produzir uma intensidade de corrente eficaz para garantir a insensibilização das aves;

5.2.1.7. Medidas apropriadas devem ser tomadas a fim de assegurar uma passagem satisfatória da corrente elétrica, mediante um bom contato, conseguido, molhando-se as patas das aves e os ganchos de suspensão.

5.3. Método da exposição à atmosfera controlada

5.3.1. A atmosfera com dióxido de carbono ou com mistura de dióxido de carbono e gases do ar onde os animais são expostos para insensibilização deve ser controlada para induzir e manter os animais em estado de inconsciência até a sangria, sem submetê-los a lesões e sofrimento físico;

5.3.2. Os equipamentos onde os animais são expostos à atmosfera controlada devem ser concebidos, construídos e mantidos de forma a conter o animal adequadamente, eliminando a possibilidade de compressão sobre o corpo do animal, de forma que não provoque lesões e sofrimento físico;

5.3.3. O equipamento deve dispor de aparelhos para medir a concentração de gás no ponto de exposição máxima. Esses aparelhos devem emitir um sinal de alerta, visível e/ou audível pelo operador, caso a concentração de dióxido de carbono esteja fora dos limites recomendáveis pelo fabricante;

5.3.4. A concentração de dióxido de carbono, em seu nível máximo, em volume, deve ser de, pelo menos, 70% para suínos e 30% para aves.

6. Sangria dos animais

6.1. A operação de sangria deve ser iniciada logo após a insensibilização do animal, de modo a provocar um rápido, profuso e mais completo possível escoamento do sangue, antes de que o animal recupere a sensibilidade;

6.2. A operação de sangria é realizada pela seção dos grandes vasos do pescoço, no máximo 1 minuto após a insensibilização;

6.3. Após a seção dos grandes vasos do pescoço, não serão permitidas, na calha de sangria, operações que envolvam mutilações, até que o sangue escoe ao máximo possível, tolerando-se a estimulação elétrica com o objetivo de acelerar as modificações post-mortem;

6.4 . Na sangria automatizada (aves), torna-se necessária a supervisão de um operador, visando proceder manualmente o processo, em caso de falha do equipamento, impedindo que o animal alcance a escaldagem sem a devida morte pela

sangria.

7. Requisitos para a aprovação dos métodos de insensibilização para o abate humanitário

7.1. Métodos de insensibilização consagrados

7.1.1. Os procedimentos de insensibilização já de pleno uso dos estabelecimentos referidos neste regulamento, estão dispensados de aprovação; no entanto, no prazo de 60 (sessenta dias) após a publicação deste regulamento, os estabelecimentos devem apresentar ao Serviço de Inspeção Federal local, a descrição detalhada dos procedimentos adotados, em conformidade com os itens a seguir deste Regulamento Técnico, sem prejuízo de, mais tarde, vir a ser incluída nos programas estabelecidos pela Portaria nº 046, de 10.02.98, publicada no D.O.U. em 16.03.98, que instituem o Sistema de Análise de Perigo e Pontos Críticos de Controle - APPCC:

7.1.2. Especificações do método de insensibilização

A descrição do método de insensibilização referido no item 7.1. deve contemplar, no mínimo, os seguintes aspectos:

7.1.2.1. Razão social do estabelecimento;

7.1.2.2. Endereço do estabelecimento;

7.1.2.3. Número de registro do estabelecimento no Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal – DIPOA;

7.1.2.4. Espécie animal;

7.1.2.5. Método de insensibilização;

7.1.2.6. Equipamentos utilizados;

7.1.2.7. Princípio da ação;

7.1.2.8. Especificações do equipamento de insensibilização, enfatizando sobretudo os seguintes aspectos: energia cinética necessária à insensibilização, concentração de CO2, tensão, corrente, duração da insensibilidade, dependendo do método utilizado;

7.1.2.9. Forma de emprego do equipamento, indicando a região do corpo do animal e tempo;

7.1.2.10. O fabricante do equipamento de insensibilização deve fornecer treinamento com instalações apropriadas e pessoal capacitado para :

7.1.2.10.1. Operadores de insensibilizador: manuseio correto torna mais seguro para o operador e evita o sofrimento inútil para o animal.

7.1.2.10.2. Responsáveis pela manutenção: manutenção correta evita acidentes e quebras constantes do equipamento.

7.1.2.11. Limites críticos;

No abate em escala, é inevitável que ocorram variações biológicas relacionadas com o início, tempo de duração da insensibilidade e defeitos da sangria. Esta é razão pela qual, as especificações do processo de insensibilização devem incluir também os limites críticos baseados em observações práticas, com a finalidade de monitorar e acompanhar o andamento do processo;

7.1.2.12. Tempos máximos do intervalo compreendido entre: contenção/início da insensibilização e insensibilização/operação de sangria;

7.1.2.13. Tipo e freqüência da inspeção do equipamento de insensibilização;

7.1.2.14. Responsável técnico do estabelecimento;

7.2. Controle do método de insensibilização e da operação de sangria Os estabelecimentos de abate devem incluir, no detalhamento dos seus procedimentos apresentados ao Serviço de Inspeção Federal local, um Programa de Controle do Processo direcionado aos seguintes aspectos:

7.2.1. Fatores relacionados com o equipamento de insensibilização

São fatores que descritos possibilitarão ações de manutenção preventiva e corretiva, visando a eficácia do equipamento ao longo de sua vida útil. Mesmo quando o equipamento é adequadamente instalado e submetido a uma manutenção periódica, o seu desempenho pode ser insuficiente em termos de abate humanitário, se este não for operado corretamente. Assim, o Programa de Controle do Processo deve prever:

7.2.1.1. Sistema de contenção dos animais submetidos à insensibilização;

7.2.1.2. Possibilidade de ajuste do equipamento de contenção para cada situação, em função de variações de peso e tamanho dos animais de uma mesma espécie;

7.2.2. Fator que interfere na insensibilização através dos métodos mecânicos;

7.2.2.1. Limpeza e lubrificação diária da pistola;

7.2.2.2. Energia Cinética (de impacto), suficiente para insensibilizar o animal.

7.2.3. Fatores que interferem na insensibilização através do método elétrico

7.2.3.1. Corrente e tensão aplicadas, proporcionais ao porte de cada animal;

7.2.3.2. Tempo de aplicação da corrente;

7.2.3.3. Checagem do circuito elétrico;

7.2.3.4. Condições físicas dos eletrodos;

7.2.3.5. Limpeza dos eletrodos;

7.2.4. Fatores que interferem na insensibilização relacionados com a atmosfera controlada

7.2.4.1. Controle da concentração do dióxido de carbono e dos gases do ar, quando também utilizados, no seu ponto máximo de concentração;

7.2.4.2. Tamanho e peso dos animais de uma mesma espécie;

7.2.4.3. Tempo de permanência do animal no equipamento;

7.2.4.4. Intervalo de tempo entre a saída do equipamento de insensibilização até a sangria.

7.3. Fatores relacionados com a operação de sangria

7.3.1. Descrição da operação de sangria;

7.3.2. Limites críticos.

8. Monitoramento do programa

Cabe ao estabelecimento, realizar, pelo menos uma vez ao dia, o monitoramento do processo de insensibilização e sangria. Este monitoramento será realizado, no mínimo, através da checagem dos seguintes aspectos:

8.1. velocidade do fluxo do abate, fluxo mínimo de corrente e tensão para animais de mesma espécie, de acordo com o tamanho e peso;

8.2. posição dos eletrodos no caso de insensibilização elétrica;

8.3.contrações musculares, tônicas e clônicas após a insensibilização;

8.4. intervalos de tempo entre a contenção e o início da insensibilização e entre a insensibilização e a sangria.

8.5. da seção das artérias carótidas e/ou do tronco bicarótico;

8.6. do cérebro, para identificar o efeito da ação mecânica.

8.7. outras técnicas para avaliação do método de abate poderão ser incorporadas, desde que se enquadrem nos métodos estabelecidos em legislação específica.

9. Verificação do processo a ser efetuada pela Inspeção Federal junto ao estabelecimento

O Serviço de Inspeção Federal junto ao estabelecimento é responsável pela fiscalização do cumprimento deste Regulamento Técnico, devendo proceder à verificação do processo de insensibilização e sangria, mediante:

9.1. observação, em caráter aleatório, das operações de insensibilização e sangria e inspeção dos equipamentos respectivos;

9.2. revisão dos registros de monitoramento levados a efeito pelo estabelecimento;

9.3. comparação do resultado das observações e da inspeção efetuadas com os registros correspondentes ao monitoramento realizado pelo Controle de Qualidade do estabelecimento.

10. Aprovação de outros métodos de insensibilização

Admite-se a adoção de outros métodos de insensibilização. Torna-se necessário, para tanto, que a parte interessada adote os seguintes procedimentos:

10.1. Requerer ao Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal – DIPOA – da Secretária de Defesa Agropecuária, do Ministério da Agricultura e do Abastecimento, a aprovação do método. Anexar ao requerimento literatura especializada ou trabalho técnico-científico, avalizado por instituição de pesquisa, pública ou privada, registrada e/ou certificada pelo órgão competente.

11. Disposições gerais e transitórias

11.1. No abate de coelhos permitir-se-á a insensibilização através de pequeno golpe no crânio, efetuado com eficácia, de modo a resultar num estado de inconsciência imediata, até o desenvolvimento de um sistema de abate humanitário baseado em princípios científicos, devidamente comprovados por intermédio de literatura especializada.

11.2. A insensibilização dos animais silvestres, criados em cativeiro, deverá ser disciplinada por ocasião da emissão dos Regulamentos Técnicos que regerão os abates dos mesmos.

11.3. É facultado o sacrifício de animais de acordo com preceitos religiosos, desde que sejam destinados ao consumo por comunidade religiosa que os requeira ou ao comércio internacional com países que façam essa exigência, sempre atendidos os métodos de contenção dos animais.


Notas

[1] CARNEIRO esclarece que o termo macumba se refere a reunião de cumbas, que significa jongueiro ruim, que faz feitiçaria. Por esse motivo, nos cultos modernos, com influência do espiritismo, os praticantes chamam-na de Umbanda, em contraste com a chamada Quimbanda, a Macumba propriamente dita, uma magia negra, enquanto que a Umbanda seria magia branca (1977, p.22).


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMORIM, Malú Flávia Pôrto. Sacrifícios rituais em religiões afro-brasileiras. A proteção jurídica aos animais não humanos frente a valores religiosos e culturais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4082, 4 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31559. Acesso em: 19 abr. 2024.