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O cabimento de prisão preventiva nos crimes de homicídio no trânsito em caso de embriaguez

O cabimento de prisão preventiva nos crimes de homicídio no trânsito em caso de embriaguez

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Até que se defina se o caso é de culpa (regra geral) ou de dolo (exceção), embora haja clamor público, não há como decretar preliminarmente a prisão preventiva.

RESUMO: O artigo a seguir abordará a necessidade da decretação da prisão preventiva nos homicídios de trânsito em caso de embriaguez. Os dados acerca da violência no trânsito são incontestáveis e a indignação da sociedade diante dessa violência faz com que a população cobre do judiciário uma resposta imediata. Durante o artigo abordarei através de uma análise doutrinária a nova sistemática das medidas cautelares e a prisão preventiva, com a mudança trazida pela Lei 12.403/2011, como última ratio. Por fim, o presente artigo enfatizará a posição do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, entre os anos de 2010 e 2011 sobre o assunto. 

SUMÁRIO: Introdução. 1 A nova disciplina das medidas cautelares e a prisão preventiva. 1.1 A nova sistemática das medidas cautelares segundo a Lei 12.403/2011. 1.2 A prisão preventiva como última ratio. 2 Cabimento da prisão preventiva nos homicídios de trânsito nos casos de embriaguez. 2.1 Culpa e dolo eventual nos crimes de trânsito. 2.2 A possibilidade da decretação da prisão preventiva nos homicídios de trânsito causados pela embriaguez segundo a jurisprudência e a doutrina. Considerações finais. Referências.


INTRODUÇÃO

Os dados acerca da violência no trânsito são incontestáveis. Nesse contexto, há grande repercussão na mídia dos inúmeros casos de morte no trânsito envolvendo motoristas embriagados ou com suspeita de embriaguez. Esse problema tem se tornado cada vez mais comum. 

A indignação gerada pela violência no trânsito, decorrente da combinação embriaguez e volante, faz com que a sociedade cobre do judiciário uma resposta imediata. Nesta percepção, não raras vezes, a prisão preventiva se apresenta como a resposta imediata que a sociedade espera.

Em 2011, a Lei 12.403 trouxe ampliação no rol de medidas cautelares como alternativas à prisão. Sendo assim, o art. 319 da referida lei traz nove medidas cautelares diversas da prisão, para serem aplicadas com prioridade, antes do juiz decretar a prisão preventiva que, como será visto, com a reforma introduzida pela Lei 12.403/2011, passou a ser a última alternativa.

Sendo assim, a prisão preventiva deve ser tratada como última ratio, pois primeiramente deve-se aplicar as medidas cautelares restritivas de liberdade e, por último, a prisão, por expressa previsão legal. Nesse sentido, serão analisados os requisitos para a decretação da preventiva.      

Conjugando a violência no trânsito causada pela embriaguez, a resposta imediata cobrada pela sociedade e as regras que orientam a prisão preventiva, o presente artigo tem a seguinte problemática: é possível a decretação da prisão preventiva em homicídios no trânsito em caso de embriaguez?

Para tal resposta, fez-se necessário a divisão do trabalho do seguinte modo: primeiramente, buscou-se analisar a mudança trazida pela Lei 12.403/2011 em relação a nova sistemática das Medidas Cautelares. Diante das possibilidades da decretação de tais medidas cautelares, após analisados os requisitos para a sua decretação, fez-se necessário também analisar a prisão preventiva como última ratio, ou seja, analisou-se a possibilidade de decretação de medidas alternativas à pena privativa de liberdade. Ainda, foi realizado no presente trabalho uma pesquisa de jurisprudência no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, com o fim de analisar entre os anos de 2010 e 2011, o posicionamento de tal tribunal sobre o assunto. Desse mondo, tendo o resultado da pesquisa de jurisprudência, utilizou-se deste e do posicionamento doutrinário para se deduzir a conclusão. Por fim, fez-se necessário questionar algumas situações surgidas com o assunto, como em que momento a decretação da preventiva seria cabível e também mostrou-se no presente trabalho a atualidade do assunto, como o Projeto de Lei 2.788/2011  que visa o endurecimento do tratamento dado aos motoristas que forem surpreendidos em estado de embriaguez, levando em consideração as consequências provocadas, como o homicídio.

No desenvolvimento do tema de pesquisa, ao qual se propõe o projeto, foram utilizados os métodos dedutivo, históricos e monográficos, pois além de considerar a contribuição pretérita para o pensamento atual da questão, este trabalho tenciona investigar o assunto sob certa profundidade, a fim de responder devidamente a problemática proposta.


1 A NOVA DISCIPLINA DAS MEDIDAS CAUTELARES E A PRISÃO PREVENTIVA

A Lei 12.403/2011 alterou substancialmente o Processo Penal Brasileiro. Com ela, novas medidas cautelares surgiram. Assim, faz-se necessário saber quando elas devem ser utilizadas e em que momento elas podem substituir a prisão preventiva, tornando esta como ultima ratio.   

1.1 A NOVA SISTEMÁTICA DAS MEDIDAS CAUTELARES SEGUNDO A LEI 12.403/2011.        

O processo penal pode ser de conhecimento ou de execução, ou seja, não há um processo cautelar. No entanto, embora a doutrina entenda que não existe um processo cautelar, assim como não existe uma ação cautelar no processo penal, jamais se poderá negar a existência de medidas cautelares no processo penal, as quais servem para “instrumentalizar, quando necessário, o exercício da jurisdição” (LIMA, 2005, p. 94).

Nesse sentido, Aury Lopes Jr entende que:

A sistemática do Código de Processo Penal não contempla a existência de “ação cautelar”, até porque, no processo penal, inexiste um processo cautelar. Daí por que não concordamos com essa categorização (de ação cautelar penal) dada por alguma doutrina (LOPES, 2012, p. 15).

Portanto, sabendo que jamais se poderá negar a existência de medidas cautelares, esta no processo penal ao mesmo tempo que é uma garantia da efetivação do direito penal, também é “o cunho assecuratório da mais ampla liberdade possível para quem se vê sob o manto da presunção da não culpabilidade” (OG FERNANDES, 2012, p. 57).

No entanto, as cautelares penais tem características peculiares, além das gerais estudadas no processo civil. São elas, a acessorialidade, preventividade, instrumentalidade hipotética, provisoriedade, revogabilidade, não definitividade, referibilidade, jurisdicionalidade e adequação e proporcionalidade (LIMA, 2005, p. 108,109).

Sendo assim, diante das característica citadas acima, é possível que se extraiam os objetivos da medida cautelar no processo penal, qual seja, ajudar as autoridades a terem mais controle sobre aqueles que aguardam um julgamento, e que não oferecem grandes riscos para a sociedade, mas que ao mesmo tempo não podem permanecer sem qualquer vigilância (LIMA, 2005, p. 108,109).

Ou ainda, as medidas cautelares visam “assegurar o resultado do processo (cautela final) ou a sua realização (cautela instrumental, que também se estende à fase de investigação criminal)” (GOMES FILHO, 2012, p.41).

Ainda, faz-se a necessidade de saber para que servem as medidas cautelares, principalmente a partir do final do século XX, já que vem crescendo a tendência mundial de se adotar formas alternativas de punição, não mais restritas somente a pena privativa de liberdade. Nesse sentido, concluiu Machado Cruz, ao tratar das penas, que “os malefícios causados pelo encarceramento penal forçaram a adoção de alternativas punitivas, principalmente por meio de medidas restritivas de direitos que não o da liberdade humana.” Nesse sentido, o mesmo raciocínio pode ser transplantado para as cautelares (MACHADO CRUZ, 129).

A doutrina tradicional ao analisar o requisito e o fundamento das medidas cautelares, identifica-os com o fumus boni iuris e o periculum in mora, os quais estão presentes no art. 312 do CPP.

Em relação ao fumus boni iuris , para que se possa decretar uma medida cautelar prisional é necessário que tenha sido praticado um crime, ou mais precisamente, deve estar presente a prova de existência do crime e indícios da autoria (LIMA, 2005, p. 253).

Portanto, “em primeiro lugar, aquele que irá sofrer medida cautelar prisional deverá ter contra si sérios indícios de que cometeu crime cuja existência deve ser provada.” Sendo assim, não deve haver dúvida quanto a existência do crime, mas quanto à autoria é possível haver apenas indícios suficientes, ou seja, deve haver probabilidade e não mera possibilidade (LIMA, 2005, p. 254).

Entretanto, autores mais modernos, como Aury Lopes Jr, entendem que “constitui uma improbidade jurídica (e semântica) afirmar que para a decretação de uma prisão cautelar é necessária a existência de fumus boni iuris.” Ou seja, para Aury Lopes Jr, o correto é afirmar que o requisito para decretação de uma prisão cautelar é “a existência do fumus commissi delicti”. Signifca dizer que no processo penal, o requisito para se decretar uma medida cautelar coercitiva não é a probabilidade de existência do direito de acusação alegado, mas sim um fato aparentemente punível, ou seja, a probabilidade da ocorrência de um delito e não de um direito (LOPES JR, 2012, p. 14).

Já no que se refere ao periculum in mora, em relação a prisão preventiva, faz-se necessário identificar um dos motivos presentes no art. 312 do CPP, a saber: garantia da ordem pública; garantia da ordem econômica; conveniência da instrução criminal; assegurar a aplicação da lei penal. No entanto, para as outras cautelares, a periculum é simplesmente o “risco”, que deve ser identificado pelo juiz na fundamentação.

Desse modo, em relação ao periculum in mora, a doutrina tradicional o considera como outro requisito para decretação de uma medida cautelar. Entretanto, Aury Lopes Jr faz uma crítica afirmando que “periculum não é requisito das medidas cautelares, mas sim seu fundamento.” Logo, para o autor, “o fundamento é um periculum libertatis”. Significa dizer que, “periculum in mora é visto como o risco derivado do atraso inerente ao tempo que deve transcorrer até que recaia uma sentença definitiva no processo.” No entanto, o fundamento aqui não tem o tempo como fator determinante, mas a situação de perigo que decorre do estado de liberdade do imputado, ou seja, da situação de perigo criada pela conduta do imputado (LOPES JR, 2012, p.14).

Logo, deve-se falar em periculum libertatis, ou seja, o fundamento da decretação da medida cautelar coercitiva deve ter como razão “o risco de frustação da função punitiva (fuga) ou graves prejuízos ao processo, em virtude da ausência do acusado, ou no risco ao normal desenvolvimento do processo criado por sua conduta (em relação à coleta da prova)” (LOPES JR, 2012, p.14).

Ainda, no mesmo sentido de Aury Lopes Jr., para Geraldo Prado, fumus boni iuris e periculum in mora são “claramente insuficientes e não refletem os fenômenos atinentes aos pressupostos das cautelares penais incidentes sobre a liberdade do imputado” (PRADO, 2012, p. 104).

Ademais, quanto a aplicação das medidas cautelares no processo penal, o artigo 282, CPP elenca o que deve ser observado para a sua aplicação.

Sendo assim, ao dizer, no art. 282, I, do CPP, que:

As medidas cautelares poderão ser aplicadas quando houver  necessidade, “nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais”, a nova lei delimitou o conceito indeterminado de “garantia da ordem pública”, que permitia interpretações muito mais abertas, a ponto de ser determinada a prisão como apelo ao “clamor público”, a “pronta reação ao delito” etc., situações em que a prisão era imposta como forma de justiça sumária (GOMES FILHO, 2012, p.41).

Ainda quanto aos fundamentos da medida cautelar, é importante observar os elementos - gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado- que eles, isoladamente ou cumulativamente, não servem de fundamento para impor uma medida cautelar. Ou seja, esses elementos somente serão analisados depois de verificada a admissibilidade da medida e de sua necessidade (GOMES FILHO, 2012, p.43).

Com relação a esses elementos acima, os quais não servem de fundamento para impor uma medida cautelar, o autor Antônio Magalhães Gomes Filho, entende que:

Embora sempre com a necessária ressalva de que o exame desses elementos, na fase de investigação ou durante o processo, não pode ser confundido com a antecipação do juízo de culpabilidade- incompatível com a presunção de inocência-, a gravidade do crime e as circunstâncias do caso podem fornecer um prognóstico sobre a pena no caso concreto, afastando o risco de que a medida imposta em caráter cautelar venha a ser mais gravosa do que a própria sanção esperada como resultado do processo (GOMES FILHO, 2012, p. 43).

Ainda, deve-se tratar aqui das reformas trazidas no Processo Penal Brasileiro com a Lei 12.403/2011. Portanto, é de suma importância que se diga que todas as medidas cautelares implicam restrições ao imputado quando se fala de direitos fundamentais. Ou seja, quanto a isso nada mudou com a Lei 12.403/2011. Devido a isso, elas também exigem severa observância ao princípio da legalidade e da tipicidade do ato processual. Ou seja, não há possibilidade alguma de se tolerar restrições de direitos fundamentais através de analogias (LOPES, 2012,  p.17).

Ademais, antes da Lei 12.403/2011 só havia no sistema brasileiro apenas duas cautelares: a prisão cautelar ou liberdade provisória.

Sendo assim, o novo sistema de medidas cautelares introduzido pela Lei 12.403/2011, ao prever medidas alternativas ou substitutivas à prisão colocou à disposição do juiz uma série de medidas capazes de assegurar a efetiva realização do processo, assim como os seus resultados, sem sujeitar o indivíduo a prisão provisória (GOMES FILHO, 2012, p.40).

O presente artigo visa tratar da necessidade da decretação da prisão preventiva diante das medidas cautelares que estão previstas no artigo 319, bem como no artigo 320, introduzidas pela Lei 12.403/2011, ou seja, medidas estas alternativas à pena privativa de liberdade.

As medidas alternativas não se confudem com as substitutivas. No caso das medidas cautelares substitutivas, a prisão preventiva também é cabível, ou seja, poderia aplicar tanto uma como a outra. No entanto, nesse caso o juiz pode deixar de aplicar a prisão preventiva, substituindo-a por outra medida, que não seja a privativa de liberdade (BADARÓ, 2012, p. 210).

Já no caso de aplicação de medidas cautelares alternativas, significa que se está diante de um caso em que ou se admite a prisão preventiva, ou se admite uma das medidas cautelares previstas no art. 319 e 320 da Lei 12.403/2011.

1.2 A PRISÃO PREVENTIVA COMO ÚLTIMA RATIO

Nos últimos tempos, está havendo grande repercussão na mídia dos inúmeros casos de morte no trânsito envolvendo motoristas embriagados ou com suspeita de embriaguez. Esse problema tem se tornado cada vez mais comum. No entanto, a indignação pode estar causando equívoco na aplicação de dispositivos legais, com base constitucional, especialmente aqueles que tratam das medidas cautelares pessoais.

É compreensível que a população se sinta desprotegida em razão da diferença de tratamento pela norma quanto à capitulação de um delito como doloso ou culposo. Nos dias atuais, há grande discussão nos meios de comunicação, nas ruas e nos tribunais diante de o homicídio no trânsito, em caso de embriaguez, ser considerado doloso ou culposo. No entanto, como já dito acima, parece que o assunto está verdadeiramente “decidido” na cabeça de muitos aplicadores do direito, os quais, ao que parece, esqueceram as bases teóricas do direito processual penal.

Desse modo, a Lei 12.403/2011 trouxe ampliação no rol de medidas cautelares como alternativas à prisão. Sendo assim, o art. 319 da referida lei traz nove medidas cautelares diversas da prisão, para serem aplicadas com prioridade, antes do juiz decretar a prisão preventiva.

Com a reforma da Lei 12.403/2011, ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva, o juiz deverá conceder liberdade provisória, se o condutor for preso em flagrante, impondo, se for o caso, as medidas cautelares previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal e observados os critérios constantes do artigo 282, conforme a necessidade e adequação.

Sendo assim, a prisão preventiva deve ser tratada como última ratio, pois primeiramente deve-se aplicar as medidas cautelares restritivas de liberdade e, por último, a prisão, por expressa previsão legal.

Nesse sentindo, é o entendimento de Rogério Cruz que diz que:

É preciso que os profissionais do Direito, notadamente os que representam o Estado na persecução-penal, quer investigando as infrações penais (o Delegado de Polícia), quer coletando provas e promovendo a ação penal (o Ministério Público), quer, ainda, assegurando as liberdades públicas do acusado e julgando o mérito da pretensão punitiva (o Juiz de Direito), estejam cientes dos males que qualquer encarceramento, em em especial o provisório, produzem no sujeito passivo da medida (CRUZ, 2006, p.13).

Ainda, em 1990, foram estabelecidas diretrizes nas Regras das Nações Unidas, que ficaram conhecidas como Regras de Tóquio, que trataram sobre Medidas não-privativas de liberdade. Quanto ao encarceramento provisório, as Regras de Tóquio firmaram o entendimento que tal medida só deve ser aplicada como último recurso a ser adotado nos procedimentos penais, no qual se propôs que se deve adotar outras medidas sempre que fosse possível (CRUZ, 2006, p.129).

Desse modo, a partir desse entendimento adotado nas Regras de Tóquio, muitos países passaram a adotar a prisão como medida de excepcionalidade, as quais devem ser utilizadas apenas quando não for possível a adoção de outra medida menos gravosa, mas não menos eficaz (CRUZ, 2006, p.130).

Rogério Cruz, faz uma crítica, ainda, em relação ao artigo 319 da nova Lei, dizendo que:

As medidas alternativas à prisão preventiva não pressupõem, ou não deveriam pressupor, a inexistência de motivos ou de requisitos, como indica o texto legal, que autorizam a decretação da prisão preventiva, mas sim a existência de uma providência igualmente eficaz para o fim colimado com a medida cautelar principal, porém com menor grau de lesividade à esfera de liberdade do indivíduo.

A prisão preventiva, para Marcellus Lima, tem dois momentos: em um primeiro momento, visa a restrição da liberdade e, em segundo momento, tem como objetivo evitar qualquer fuga do indivíduo, assim como facilitar o andamento do processo, com a presença do réu, de modo a evitar que a pena não seja aplicada (LIMA, 2005, p.259).

Sendo assim, a prisão preventiva deve ser aplicada para garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, conveniência da instrução criminal, assegurar a aplicação da lei penal, conforme elenca o artigo 312 do CPP, desde que presente o fumus comissi delicti.

Ademais, o artigo 313 do Código de Processo Penal dispõe dos requisitos complementares para a decretação da prisão preventiva, ou seja, além da existência do fumus commisi delicti e do periculum libertatis, o juiz deverá observar os limites de incidência da prisão preventiva, como a decretação da prisão preventiva somente nos crimes dolosos.

Sendo assim, explica Aury Lopes Jr que “não existe possibilidade de prisão preventiva em crime culposo, ainda que se argumente em torno da existência de quaisquer dos requisitos do art. 312” (LOPES JR, 2012, p.80).

Nesse sentido, a Lei 12.403/2011 trouxe inovações e limitações, pois no art. 313, inciso I, limita a decretação da preventiva aos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade com pena máxima superior a 4 (quatro) anos.

Desse modo, “viola qualquer senso mínimo de proporcionalidade ou necessidade, além do caráter excepcional da medida, a imposição de prisão preventiva em crime culposo” (LOPES JR, 2012, p.80).

No entanto, para o autor Marcellus Lima, este entende que “o legislador poderia ter optado pela possibilidade de prisão preventiva nos crimes culposos, mormente nos homicídios no trânsito, aliado a requisitos que justificassem tal medida” (LIMA, 2005, p.267).

Ainda, o autor Marcellus Lima faz referência em sua obra ao posicionamento do doutrinador José Barcelos de Souza, o qual defende a mesma posição, no sentido de que para eles seria um erro supor o crime culposo como mais leve que o crime doloso, em todos os casos. Defende o autor José Souza que: “Não raramente, certos crimes culposos praticados com veículos provocam clamor público e pertubam a ordem pública. E, no entanto, seus autores não podem ser presos preventivamente, ainda que a prisão seja necessária a bem da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal” (LIMA, 2005, p.267).

Para alguns autores, como Geraldo Prado, a prisão preventiva deve ser excepcional, pois é como se fosse uma antecipação da pena (PRADO, 2012, p.121).

Por outro lado, devido ao fato da prisão preventiva ser excepcional, não é autorizado o seu emprego nos casos em que não se tem possibilidade de aplicação de pena privativa de liberdade (PRADO, 2012, p.121).

Ademais, a prisão preventiva como ultima ratio pode decorrer da lei ou do exame pelo juiz, dependendo do caso concreto (PRADO, 2012, p.121).

Há ainda outro aspecto da excepcionalidade a ser considerado, no qual está previsto pela Comissão Interamericana, que diz respeito a obtenção de outras medidas menos invasoras aos direitos do indivíduo, que sob esse fundamento é que se alterou o artigo 319 do CPP.

Há por fim um último aspecto a ser abordado sobre a excepcionalidade da prisão preventiva, que se refere ao tempo de duração da prisão preventiva, no qual há confronto entre a necessidade da prisão cautelar, com os limites fixados a partir de um juízo de valor da acusação e entre a garantia de um processo que garanta um prazo razoável (PRADO, 2012, p. 122).

Portanto, deve ser decretada a “prisão preventiva somente quando inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão, aplicadas de forma isolada ou cumulativa” (LOPES JR, 2012, p. 29).

Assim, é de se concluir que excepcionalidade, necessidade e proporcionalidade devem ser vistas de uma forma conjunta nesse contexto. Ainda, e excepcionalidade deve ser vista em conjunto com o princípio da presunção de inocência, fazendo com que a prisão privativa de liberdade seja efetivamente vista como ultima ratio do sistema (LOPES JR, 2012, p.29).

Nesse sendido, para Aury Lopes Jr, o questionamento da excepcionalidade da prisão preventiva não é um problema legislativo, mas sim cultural, pois a população só vê justiça quando a pessoa esta presa (LOPES JR, 2012, p.31).

Por fim, a visão de Aury Lopes Jr a respeito do assunto da excepcionalidade da prisão preventiva é:

No Brasil, as prisãos cautelares estão excessivamente banalizadas, a ponto de primeiro se prender, para depois ir atrás do suporte probatório que legitime a medida. Ademais, está consagrado o absurdo primado das hipóteses sobre os fatos, pois prende-se para investigar, quando, na verdade, primeiro se deveria investigar, diligenciar, para somente após prender, uma vez suficientemente demonstrados o fumus commissi delicti e o periculum libertatis (LOPES JR, 2012, p.30).

    Portanto, a prisão preventiva somente é legítima quando descartada expressamente a aplicabilidade das medidas cautelares diversas da prisão, vide artigo 319, com redação dada pela Lei 12.403/2011.


2 CABIMENTO DA PRISÃO PREVENTIVA NOS HOMICÍDIOS DE TRÂNSITO NOS CASOS DE EMBRIAGUEZ

Diante da alteração do Código de Processo Penal com a Lei 12.403/2011, verifica-se que os requisitos da prisão preventiva previstos no artigo 312 tornaram-se ainda mais utilizados em face do novo dispositivo. Entretanto, o presente trabalho buscou pesquisar se há aplicação da prisão preventiva nos homicídios de trânsito nos casos de embriaguez ao volante, diante dos novos requisitos estabelecidos pela Lei 12.403/2011.

2.1 CULPA E DOLO EVENTUAL NOS CRIMES DE TRÂNSITO

Foi realizado no presente trabalho uma pesquisa de jurisprudência no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul com o fim de analisar entre os anos 2010 e 2011 qual o posicionamento de tal tribunal sobre o tema.

No período pesquisado, vinte e seis jurisprudências trataram sobre homicídio praticado na direção de veículo automotor, especificamente nos casos de embriaguez ao volante.

Constatou-se que o Tribunal não diverge quanto ao fato de que em se tratando de delitos de trânsito, a regra é a de que o acusado responda por culpa.

No entanto, a divergência surge quando a questão trata dos delitos de trânsito envolvendo embriaguez ao volante, ou seja, se nesses casos seria utilizada a regra, culpa, ou a exceção, dolo. No final da pesquisa constatou-se que dentre as vinte e seis jurisprudências analisadas, treze consideram o crime de homicídio no trânsito em caso de embriaguez como doloso e treze consideram como culposo.

Desse modo, primeiramente constatou-se uma divergência quando no caso concreto além do réu dirigir embriagado, ele estava em alta velocidade, na contramão, com faróis apagados. Ou seja, quando o caso trazia acúmulo de circunstâncias excepcionais, além da embriaguez, cinco jurisprudências entenderam tratar-se de dolo e dez jurisprudências tiveram posicionamento afirmando tratar-se de culpa.

Sendo assim, analisou-se cada uma das cinco jurisprudências que entenderam que, quando envolvesse além da embriaguez, circunstâncias excepcionais, seria crime doloso. Dentre estas jurisprudências, as justificativas foram duas. Concluiu-se que em alguns casos como havia indícios suficientes de que o réu estava embriagado e conduzia o veículo com acúmulo de circunstâncias excepcionais, estes dados, por si só, autorizam concluir que o réu assumiu o risco de produzir o resultado morte. Assim como os outros julgados justificaram que o acúmulo dessas circunstâncias excepcionais, no caso concreto, autoriza a pronúncia do acusado para que o júri decida entre culpa, dolo ou absolvição.

Quanto à análise das dez jurisprudências que firmaram posicionamento afirmando ser crime culposo, embora envolvesse além da embriaguez, outras circunstâncias, constatou-se que este acúmulo de circunstâncias excepcionais são vistas como imprudência e imperícia.

Desse modo, a justificativa das dez jurisprudências sobre culpa entenderam que pratica o delito previsto no art. 302 da Lei 9.503/97 o agente que, de forma, imprudente, dirige embriagado veículo automotor. Ou seja, para os que afirmam este posicionamento, eles entendem que não é suficiente, para a configuração do dolo eventual, o fato de o réu ter ingerido bebida alcoólica, sendo que o eventual excesso de velocidade ou outra circunstância excepcional, deve ser analisado como imprudência, no âmbito da culpa.

Nesse sentido, é de suma importância que se exponha as palavras do Relator Manuel José Martinez Lucas, no julgamento do Recurso em Sentido Estrito n. 70042008029, da Primeira Câmara Criminal do TJRS:

Em se tratando de delitos de trânsito, a regra geral é a denúncia por crime culposo. O dolo eventual, de outra parte, só se caracteriza quando o agente demonstra objetivamente a assunção do risco de produzir o resultado lesivo, o que não se verifica no caso vertente. Ademais, para a embriaguez configurar o dolo eventual, a mesma tem que ser manifesta e determinante para a ocorrência do evento danoso, ou seja, é preciso que se tenha certeza de que o réu realmente estava embriagado e que o acidente de trânsito tenha se dado em razão da embriaguez. 

Não é suficiente, portanto, para a configuração do dolo eventual, o fato de o réu ter ingerido bebida alcoólica, sendo que o eventual excesso de velocidade deve ser analisado como imprudência, no âmbito da culpa. Impõe-se, portanto, a despronúncia do réu, com a consequente desclassificação do delito de homicídio doloso. (Recurso em Sentido Estrito Nº 70042008029, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Manuel José Martinez Lucas, Julgado em 20/07/2011)

Ainda, dentre as jurisprudências analisadas sobre culpa, constatou-se outro posicionamento a favor de tal tese, qual seja: para que incida o art. 121 do Código Penal, ou seja, para que o crime de homicídio no trânsito em caso de embriaguez seja doloso, é preciso que as peculiaridades do caso concreto divulguem, em tese, a aceitação do resultado pelo autor, uma conduta que, de tão grave, revele intensa reprovabilidade social-jurídica e indiferença quanto a isso:

Para que incida o art. 121 do Código Penal é preciso que as peculiaridades do caso concreto divulguem, em tese, a aceitação do resultado pelo autor, uma conduta que, de tão grave, revela intensa reprovabilidade social-jurídica e indiferença quanto a isso. Na hipótese, porém, isso não ocorreu. Assim, por reputar inexistente crime doloso contra a vida, nos termos do art. 410 do Código de Processo Penal, fica desclassificada a infração para outra fora da competência do Tribunal do Júri, determinando-se a remessa dos autos ao juízo de primeira instância competente, cabendo ao Ministério Público dar a nova capitulação jurídica ao fato e devendo o processo prosseguir conforme preconiza o artigo antes referido. Recurso parcialmente provido. (Recurso em Sentido Estrito Nº 70041461211, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antônio Ribeiro de Oliveira, Julgado em 01/06/2011)

Além disso, a questão sobre repercussão social do caso concreto é analisada na fundamentação para decretação ou não da prisão preventiva. No entanto, esta polêmica será tratada no próximo tópico.

Por fim, uma outra justificativa utilizada, junto com os demais critérios, para classificar o crime de homicídio no trânsito em caso de embriaguez como culposo ou doloso foi o critério de competência do Tribunal do Júri ou do juiz do primeiro grau para classificação ou desclassificação de tal situação. Ou seja, alguns julgados entenderam que por se tratar de recurso em sentindo estrito, após decisão de pronúncia, caberá ao Júri decidir pela desclassificação para crime culposo, mantendo o juiz de primeiro grau a classificação como doloso.

Sendo assim, sete jurisprudências firmaram o posicionamento de que prevalece o princípio do in dubio pro societate nesses casos e que, portanto, devem as possibilidades de ser considerado culposo ou doloso no presente caso serem levadas à apreciação do Conselho de Sentença, constitucionalmente competente para o julgamento.

Portanto, os defensores da tese acima defendem que se tratando a pronúncia como mero juízo de admissibilidade e viabilidade da pretensão deduzida na denúncia, prevalece, nessa primeira fase procedimental, o posicionamento que tais casos devem ser levados à apreciação do Tribunal do Júri, para que este decida se o delito será classificado como culposo ou doloso.

Nesse sentido é o entendimento do Relator Odone Sanguiné:

HOMICÍDIO NO TRÂNSITO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ. DOLO EVENTUAL. PRONÚNCIA. Admissível a pronúncia de acusado que dirigia uma motocicleta em alta velocidade em avenida, em acentuado estado de embriaguez, constatado por exame de sangue, tanto que estava "trocando as pernas", assumindo o risco de atropelar criança que atravessava a avenida em companhia de sua avó, atropelando a criança e produzindo-lhe a morte, fugindo imediatamente do local. Prova oral que indica que possivelmente também ingerira o acusado, ademais do álcool, outra droga, situação percebida pelo policial militar. Nesse contexto, é possível afirmar que o motorista, em princípio, assume o risco, age com indiferença para com a eventual lesão do bem jurídico vida da pequena vítima indefesa pela tenra idade, tanto que era conduzida pela mão pela avó. A elevada probabilidade do resultado morte e a indiferença indicam uma decisão de lesionar o bem jurídico protegido pela norma penal incriminadora do homicídio. Destarte, tratando-se a pronúncia de mero juízo de admissibilidade e viabilidade da pretensão deduzida na denúncia, prevalece, nessa primeira fase procedimental, o princípio in dubio pro societate, devendo as possibilidades serem levadas à apreciação do Conselho de Sentença, constitucionalmente competente para o julgamento. (Recurso em Sentido Estrito Nº 70034360891, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 25/03/2010)         

No entanto, cinco jurisprudências dentre as pesquisadas tem posicionamento contrário ao do tratado acima. Ou seja, para os defendem que o crime de homicídio no trânsito em caso de embriaguez é culposo entendem que cabe ao juiz de primeiro grau desclassificar o crime para culposo, impondo a despronúncia do réu.

Nesse sentido é o entendimento do Relator Manuel José Martinez Lucas: 

AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE CIRCUNSTÂNCIA EXCEPCIONAL A CONFIGURAR A HIPÓTESE DE DOLO EVENTUAL, AUTORIZADORA DA SUBMISSÃO DA CAUSA A JÚRI POPULAR. DESPRONÚNCIA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DO ART. 302 DO CTB. Em se tratando de delitos de trânsito, a regra geral é a denúncia por crime culposo. O dolo eventual, de outra parte, só se caracteriza quando o agente demonstra objetivamente a assunção do risco de produzir o resultado lesivo, o que não se verifica no caso vertente.  Ademais, para a embriaguez configurar o dolo eventual, a mesma tem que ser manifesta e determinante para a ocorrência do evento danoso, ou seja, é preciso que se tenha certeza de que o réu realmente estava embriagado e que o acidente de trânsito tenha se dado em razão da embriaguez. Não é suficiente, portanto, para a configuração do dolo eventual, o fato de o réu ter ingerido bebida alcoólica, sendo que o eventual excesso de velocidade deve ser analisado como imprudência, no âmbito da culpa. Impõe-se, portanto, a despronúncia do réu, com a consequente desclassificação do delito de homicídio doloso. Recurso provido. (Recurso em Sentido Estrito Nº 70042008029, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Manuel José Martinez Lucas, Julgado em 20/07/2011)

2.2 A POSSIBILIDADE DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA NOS HOMICÍDIOS DE TRÂNSITO CAUSADOS PELA EMBRIAGUEZ SEGUNDO A JURISPRUDÊNCIA E A DOUTRINA

Segundo a Lei 12.403/2011, conforme dispõe em seu art. 312, a prisão preventiva deve ser aplicada para garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, conveniência da instrução criminal, assegurar a aplicação da lei penal. Ademais, o artigo 313 do Código de Processo Penal dispõe dos requisitos complementares para a decretação da prisão preventiva, ou seja, além da existência do fumus commisi delicti e do periculum libertatis, o juiz deverá observar os limites de incidência da prisão preventiva, como a decretação da prisão preventiva somente nos crimes dolosos.

Sendo assim, conforme já exposto anteriormente, explica Aury Lopes Jr (2012, p.80) que “não existe possibilidade de prisão preventiva em crime culposo, ainda que se argumente em torno da existência de quaisquer dos requisitos do art. 312”.

Ainda, segundo os autores Távora e Alencar (2012, p.584), torna-se necessário identificar quais as infrações que comportam a decretação da prisão preventiva: “a preventiva só tem cabimento na persecução penal para apuração de crime doloso, cuja pena, via de regra, seja superior a quatro anos (artigo 313, I, do Código de Processo Penal com redação determinada pela Lei nº 12.403/2011)”.

Os autores também afirmam (2012, p. 584) que está é a regra, mas que excepcionalmente, a preventiva também terá cabimento, nas demais hipóteses do artigo 313 do CPP:

“Tratando-se de infrator reincidente, ou seja, já condenado em sentença transitada em julgado por crime doloso, vindo a praticar um novo crime doloso, antes de passados cinco anos do cumprimento ou extinção da pena aplicada na primeira infração; quando exista dúvida sobre a identidade civil da pessoa, e o agente não fornece elementos suficientes para esclarecê-la; se o crime envolver violência doméstica e familiar, no objetivo de garantir a execução de medidas protetivas de urgência”.

Sendo assim, a preventiva só tem cabimento para apuração de crime doloso, cuja pena, via de regra, seja superior a quatro anos; se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do artigo 64, do Código Penal e se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. Portanto, deve-se deixar claro no presente estudo que os crimes culposos não admitem a prisão preventiva.

Nesse sentido, ao dizer, no art. 282, I, do CPP, que: “as medidas cautelares poderão ser aplicadas quando houver necessidade, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais, a nova lei delimitou o conceito indeterminado de garantia de ordem pública”. Ou seja, antes, a prisão era determinado como apelo ao “clamor público”, a imediata resposta ao delito ou como uma forma de justiça. No entanto, após a Lei 12.403/2011, a aplicação das medidas cautelares dar-se-á em casos que estejam expressamente previstos (GOMES FILHO, 2012, p. 41).

Sendo assim, sabendo que a decretação das medidas cautelares devem ocorrer quando os casos estiverem expressamente previstos, somente em crimes dolosos, e não quando há  repercussão na mídia, vejamos o entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:        

Ementa: HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO E LESÃO CORPORAL NO TRÂNSITO. EMBRIAGUEZ. CRIME CULPOSO. DOLO EVENTUAL. Nos delitos cometidos, contra a pessoa, na direção de veículo automotor, mesmo que constatada a influência de álcool sobre o motorista, não é possível, preliminar e objetivamente, definir a conduta como dolosa (dolo eventual), sendo, como regra, a culpa o elemento subjetivo do tipo. A instrução criminal poderá demonstrar que o agente previu o resultado e assumiu o risco de produzi-lo revelando uma conduta dolosa. Assim, não se compatibiliza a segregação cautelar e os delitos - em tese - cometidos pelo paciente (arts. 302 e 303 do CTB), tanto pela quantidade como pela qualidade da pena. ORDEM PÚBLICA. ABALO NÃO EVIDENCIADO. Não há, nos autos, comprovação de que o crime tenha abalado a ordem pública de forma especial a fundamentar uma prisão preventiva, mormente quando o paciente encontra-se hospitalizado em virtude dos ferimentos que sofreu na colisão entre os veículos. LIMINAR RATIFICADA. ORDEM CONCEDIDA. (Habeas Corpus Nº 70036820090, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Leomar Bruxel, Julgado em 24/06/2010)

Ementa: HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO NO TRÂNSITO. NÃO DEMONSTRADA AMEAÇA À ORDEM PÚBLICA. PRISÃO QUE NÃO SE MOSTRA NECESSÁRIA ANTES DE EVENTUAL SENTENÇA CONDENATÓRIA. Ordem concedida. (Habeas Corpus Nº 70043671999, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Manuel José Martinez Lucas, Julgado em 20/07/2011)

    Ainda, mais uma questão deve-se analisar sobre o assunto, qual seja, durante o Inquérito Policial ainda não se define se o delito é culposo ou doloso e o Ministério Público apenas firma opinio delicti, acerca de ser doloso ou culposo, quando oferece a denúncia.

Sendo assim, sabendo-se que a Lei 12.403/2011 tem como requisito para a decretação da prisão preventiva somente em crime doloso, com que embasamento o juiz decretaria a preventiva na fase do inquérito policial, uma vez que até aquele momento o Ministério Público ainda não firmou a opinio deliciti?

Conforme já demonstrado no presente trabalho, constatou-se que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul não diverge quanto ao fato de se tratando de delitos de trânsito, a regra é a de que o acusado responda por culpa. Nesse sentido, mesmo que constatada a influência de álcool sobre o motorista, não é possível, preliminarmente e objetivamente, definir a conduta como dolosa, para decretação de uma preventiva, já que como regra, a culpa é o elemento subjetivo do tipo e que portanto, como regra e preliminarmente, não cabe prisão preventiva.

Sendo assim, até que se defina se o caso concreto é caso de regra geral, culpa, ou caso de exceção, dolo, embora haja ou não clamor público, não há como haver uma decretação de uma prisão preventiva, pelo menos, preliminarmente.

Por fim, é de suma importância que se trate de mais um ponto relevante e atual sobre o tema, qual sela, o Projeto de Lei 2.788/2011, o qual traz modificações ao artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, que define o crime de embriaguez ao volante. Tal projeto endurece o tratamento dado aos motoristas que forem surpreendidos em estado de embriaguez, levando em consideração as consequências provocadas. Nesse sentido, o projeto quer que se o condutor, que conduzir veículo automotor sob influência de álcool e causar morte à alguém, a pena será de 08 (oito) a 16 (dezesseis) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

No entanto, diante de uma possível mudança, o que não se sabe ainda é qual será o posicionamento dos tribunais em relação a decretação da prisão preventiva já que se levará em consideração o resultado provocado pela conduta e como se vê, a mudança do artigo propiciona uma subjetividade maior na análise do caso concreto.           

Assim, resta aguardar a aprovação da Câmara dos Deputados e Sanção Presidencial, para então analisar alguma mudança no posicionamento dos Tribunais com relação à necessidade da decretação da prisão preventiva em casos de homicídio no trânsito causados por embriaguez, diante de uma visão mais severa do caso. Até porque clamor público não deve embasar a preventiva! Não é requisito de decretação!


CONSIDERAÇÕES FINAIS           

Considerando o novo tratamento das medidas cautelares dado pela Lei 12.403/2011, surgiu o questionamento de se seria possível a decretação da prisão preventiva nos crimes de homicídio no trânsito em caso de embriaguez. Sendo assim, pretendeu-se no decorrer deste trabalho averiguar qual é o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, assim como o posicionamento da doutrina quanto a divergência do homicídio no trânsito ser doloso ou culposo. O trabalho também buscou concluir qual a necessedidade da prisão preventiva e se existe medidas cautelares diversas da prisão, em casos que envolvem essa situação.

Sendo assim, passou-se a analisar quais as infrações que comportam a decretação da prisão preventiva. Chegou-se  a conclusão, com o estudo, que a preventiva só tem cabimento na persecução penal para apuração de crime doloso. Portanto, deve-se deixar claro no presente estudo que os crimes culposos não admitem a prisão preventiva.

Ainda, como o estudo se delimita a tratar da possibilidade da decretação de medidas cautelares diversas da prisão no crime de homicídio no trânsito em caso de embriaguez, pelo fato de haver divergência doutrinária de ser crime doloso ou culposo, no qual se for culposo não cabe prisão preventiva, é de suma importância que se conclua que a prisão preventiva deve ser tratada como última ratio. Primeiramente, portanto, deve-se aplicar as medidas cautelares restritivas de liberdade e, por último, a prisão, por expressa previsão legal. Sendo assim, além do caráter excepcional da medida, a imposição da preventiva em crime culposo, viola qualquer senso mínimo de proporcionalidade ou necessidade. Por outro lado, além da excepcionalidade da prisão preventiva, esta somente deve ser autorizada nos casos em que tem possibilidade de aplicação, conforme a lei.

Ademais, constatou-se no presente trabalho que entre os anos de 2010 e 2011 o Tribunal não diverge quanto ao fato de que em se tratando de delitos de trânsito, a regra é de que o acusado responsa por culpa. No entanto, a divergência surge quando a questão trata dos delitos de trânsito envolvendo embriaguez ao volante, ou seja, se seria utilizada a regra culpa, ou a exceção, dolo. Desse modo, conclui-se com a pesquisa que dentre as vinte e seis jurisprudências pesquisadas, treze consideraram o crime de homicídio no trânsito em caso de embriaguez como doloso e treze consideraram como culposo. No entanto, dentre essas jurisprudências, concluiu-se que há dificuldade de preencher requisitos para decretação de medidas alternativas. Entretanto, embora a posição jurisprudencial seja bem dividida, concluiu-se que mesmo que constatada a influência de álcool sobre o motorista, não é possível, preliminarmente e objetivamente, definir a conduta como dolosa, para decretação de uma preventiva, já que como regra, a culpa é o elemento subjetivo do tipo e que portanto, preliminarmente, não cabe prisão preventiva. Sendo assim, até que se defina se o caso concreto é caso de regra geral, culpa, ou caso de exceção, dolo, embora haja ou não clamor público, não há como haver uma decretação de uma prisão preventiva, pelo menos, preliminarmente.


REFERÊNCIAS

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Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Recurso em Sentido Estrito Nº 70042008029. Julgado pela Primeira Câmara Criminal. Relator: Manuel José Martinez Lucas, em 20/07/2011. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br>. Acesso em 08 de novembro de 2012.  



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PILLON, Andressa Goebel. O cabimento de prisão preventiva nos crimes de homicídio no trânsito em caso de embriaguez. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4264, 5 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32205. Acesso em: 23 abr. 2024.