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MTE e MPT: reação diante de infrações trabalhistas praticadas por empresas do setor da construção civil no Amazonas

MTE e MPT: reação diante de infrações trabalhistas praticadas por empresas do setor da construção civil no Amazonas

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A quantidade de acidentes do trabalho que atingiu o setor da construção civil no Amazonas não foi acompanhada de um comportamento repressivo por parte do MTE e do MPT, cujo comportamento incentiva o desrespeito à legislação.

Resumo: O presente texto analisa o comportamento do Ministério do Trabalho e Emprego e Ministério Público do Trabalho perante o descumprimento de normas trabalhistas por empresas do setor da construção civil no Estado do Amazonas. O padrão de comportamento destas instituições não engendrou sanções pecuniárias aos infratores. Esse modus operandi incentivou uma ampliação, por parte das construtoras, no descumprimento de normas legais que têm a finalidade de proteger os trabalhadores da construção civil. A conduta das instituições de vigilância desprezou o fato de que as empresas, no sistema capitalista, tem por finalidade o lucro: qualquer postura adotada que não condicionasse o descumprimento à legislação a perdas pecuniárias estava fadada à inefetividade. Este texto apresenta pesquisa relativa aos procedimentos internos destas instituições no período de 1996 a 2012, no setor da construção civil no Amazonas, face a condutas trabalhistas irregulares dos empregadores do setor.

Palavras-chave: MTE e MPT, infrações trabalhistas, comportamento, construção civil, Amazonas.


1. Introdução

O objetivo deste texto é discutir o padrão de atuação do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e Ministério Público do Trabalho (MPT) no Estado do Amazonas, especificamente em relação a empresas do ramo da construção civil, através da análise de procedimentos instaurados por conta de violações à lei trabalhista nas últimas décadas.

Como estas instituições reagiram ao descumprimento de normas trabalhistas praticadas pelos empregadores do setor da construção civil no estado do Amazonas? O comportamento das instituições tem conseguido frear o descumprimento da legislação ou, ao contrário, tem incentivado o descumprimento da legislação? Estas são as perguntas que este artigo tenta responder.

O tema é de suma importância, porquanto dados mais abrangentes do INSS apontam que dentre os 10 CNAEs que apresentam o maior número de mortalidade, aqueles relativos à construção civil são os que mais matam[1].

Esse cenário é corroborado pelas frequentes notícias relatando acidentes fatais ou graves que têm ocorrido na cidade de Manaus e região:

Manaus - O número de mortes de trabalhadores terceirizados nos canteiros de obras em Manaus mais do que duplicou neste ano, em relação a 2011. Até terça-feira (16), 15 operários morreram em serviço, contra sete óbitos registrados no ano passado. (disponível em <http://www.d24am.com/noticias/economia/numero-de-mortes-na-construcao-civil-ja-e-o-dobro-de-obitos-registrados-em-2011/71397> acesso em 21.06.2013)

Pedreiro morre eletrocutado em obra de padaria no Parque Dez, em Manaus

Esta é a 20ª morte de acidente de trabalho do ano, segundo o Sintracomec Presidente do sindicato informou ao G1. (disponível em <http://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2012/11/pedreiro-morre-eletrocutado-em-obra-de-padaria-no-parque-dez-em-manaus.html > acesso em 21.06.2013)

Trabalhador morre depois de cair de laje em canteiro de obras em Manaus. Segundo informações do vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil em Manaus e do Estado do Amazonas (Sintracomec), Cícero Custódio, de abril até setembro, cerca de 100 acidentes de trabalho já ocorreram em Manaus, todos envolvidos trabalhadores contratados por empresas terceirizadas (disponível em <http://acritica.uol.com.br/manaus/Trabalhador-morre-canteiro-obras-Manaus_0_565743694.html > acesso em 21.06.2013)

Imaginava-se, antes da realização deste trabalho, que a reação das instituições estatais analisadas havia sido diretamente proporcional à gravidade dos fatos acima trazidos, no sentido de responsabilizar estes infratores, afinal, a responsabilização das empreiteiras pela violação às normas trabalhistas compete, por força de dispositivos legais e constitucionais, ao MPT e ao MTE.

Violações graves e reiteradas às normas trabalhistas, causadoras de macro-lesões no tecido social (o que se intitula no meio jurídico de violação a interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos) deveriam, em tese, provocar uma atuação repressiva do MTE e MPT.

Os mecanismos à disposição para tanto são os autos de infração e termos de interdição (MTE), e as ações civis públicas (ACP) e Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) por parte do MPT. Estes mecanismos estão expressamente previstos em lei, e há um amplo consenso no meio jurídico acerca da validade dos mesmos.

No período de 1996 a 2013, no Estado do Amazonas, em regra, o MTE preferiu notificar, concedendo sucessivos prazos aos infratores para regularizarem suas condutas. Já o MPT normalmente assinou Termos de Ajustamento de Conduta com os infratores, sem qualquer indenização pelas violações já cometidas, ou mesmo promoveu o arquivamento dos procedimentos sob as mais diversas justificativas.

1.1.        METODOLOGIA.

O período analisado variou de acordo com a instituição observada. Assim, a análise dos procedimentos em curso no MPT contemplou o período que foi de 2002 a 2012. No caso do MTE, as ações fiscais analisadas variaram do período de 1996 a 2012.

Foram examinados procedimentos administrativos em curso no MPT, através do sistema “MPT Digital” e pelo exame do conteúdo dos procedimentos, além de relatórios de inspeção do MTE, consulta ao Sistema Federal de Inspeção do Trabalho (SFIT), bem como foram analisadas as poucas ações civis públicas ajuizadas pelo MPT no período.

O foco subjetivo desta pesquisa foram as empresas de construção civil e sua relação com as instituições de vigilância do trabalho. Por sua vez, o foco temático objetivo foi o índice de descumprimento das normas trabalhistas por parte destas mesmas empresas e o seu comportamento diante das medidas adotadas (ou não) pelas instituições.

Foram selecionadas 37 (trinta e sete) empresas que atuam no setor da construção civil. Estas empresas possuíam procedimentos junto ao MPT distribuídos para o 7o ofício[2]da Procuradoria Regional do Trabalho da 11ª Região (PRT-11), Procuradoria esta responsável pelo Estado do Amazonas. Estes procedimentos representavam a quase totalidade dos procedimentos ativos que versavam sobre construção civil naquele ofício[3].

Estes procedimentos foram selecionados para a amostra pelo fato deste pesquisador exercer um cargo público e, por conta desta função, ser responsável atualmente pelos processos que estão em curso no 7º ofício da PRT-11. O pesquisador assumiu aquelas atividades somente em janeiro de 2013, razão pela qual os procedimentos só tiveram o seu conteúdo analisado até dezembro de 2012, para evitar qualquer contaminação.

Não houve diferenciação quanto ao tipo de infração cometida na análise destes procedimentos: tanto infrações trabalhistas relacionadas à falta de registro de empregados, exploração de trabalho infantil, ou mesmo relacionadas a condições inseguras de trabalho. No entanto, a pesquisa permitiu aferir que as infrações predominantes foram mesmo aquelas relacionadas à saúde e segurança do trabalhador.

A repartição de funções na PRT-11 é feita através da distribuição aleatória de procedimentos, observando-se a proporcionalidade dos procuradores em atividade. Por este motivo, a amostra analisada representou, a priori, um exemplo de imparcialidade na coleta dos dados, porque os procedimentos analisados já estavam ali antes da chegada deste pesquisador; foram distribuídos por sorteio para o 7º ofício; e correspondiam à totalidade de procedimentos ativos envolvendo construção civil naquela unidade funcional (7º ofício/PRT-11). Pode-se dizer, ainda, que corresponde a aproximadamente 10% do total de procedimentos ativos que possuem como tema a construção civil no Amazonas[4].

A pesquisa feita junto ao sistema SFIT[5], do MTE, por sua vez, teve como base as empresas pesquisadas inicialmente no MPT. A pesquisa feita junto ao MTE excluiu, entretanto, ações fiscais que abordavam exclusivamente atributos da legislação trabalhista – exemplificativamente, registro de empregados, trabalho infantil ou recolhimentos do FGTS. Neste caso, as ações fiscais envolviam sempre normas de segurança e saúde no trabalho (SST) na construção civil. Para tanto, foi imprescindível o estudo dos itens da Norma Regulamentadora (NR) de nº 18 do MTE (Portaria GM de n. 3.214/78), entre outras NRs. Assim, foram analisados dados do SFIT exclusivamente relativos à construção civil do período de 1996 a 2012. Foi elaborada, ainda, uma Tabela Matriz para cada uma das instituições, contendo os dados agregados, para facilitar a visualização de todo o quadro de informações.

Pelo estudo feito, as infrações relacionavam-se, em sua grande maioria, com o descumprimento de itens da NR-18. Verificou-se também uma alta incidência de acidentes fatais ocorridos em canteiros de obras na cidade de Manaus.

Como dito acima, a postura geral das instituições foi indulgente com as empresas infratoras, no sentido de não implicar em sanções pecuniárias, uma vez que não houve imposição de perdas financeiras mesmo quando praticadas inúmeras irregularidades, constatadas ao longo dos anos.

Este texto é composto por mais três itens além desta introdução: o primeiro analisa o comportamento do MTE, o segundo analisa o comportamento do MPT, e ao final tem-se a conclusão. Aos estudos de casos que aqui foram apreciados agregaram-se outros trabalhos existentes na literatura.


2. O padrão conciliatório do MTE

Para que se entenda como funciona a atividade do Ministério do Trabalho e Emprego, citamos Tese de Doutorado de Vitor Filgueiras (2012):

Confrontada com uma infração ao direito do trabalho, a fiscalização do trabalho tem basicamente três alternativas de ação: autuar a irregularidade, dar um prazo para regularização, ou interditar/embargar o objeto ou situação causador do risco à saúde dos trabalhadores (a primeira e a terceira não são excludentes). A primeira opção é definida pelo artigo 628 da CLT, consistindo formalmente em obrigação vinculada do auditor fiscal; a segunda consta nas exceções previstas no artigo 627 da CLT; a terceira é medida cautelar para sanar grave e iminente risco à segurança e saúde dos trabalhadores, baseada no artigo 161 da CLT.

O padrão conciliatório do MTE (conduta que diante de uma infração trabalhista não sanciona o empregador) não é mais novidade no mundo acadêmico. Referido autor já abordou esse tema, analisando o padrão hegemonicamente conciliador do MTE, MPT e Justiça do Trabalho em nível nacional.

A presente pesquisa focou esse padrão de atuação no estado do Amazonas, como forma de confirmar ou infirmar as conclusões apresentadas pelo referido autor. No Estado do Amazonas, esse padrão conciliatório não diferiu do restante do País.

Apenas para contextualizar, há um total de 364 empresas de construção civil [(Código Nacional de Atividade Econômica (CNAE): 41.20.4)] no Amazonas segundo dados do SFIT. O setor da construção civil foi um dos setores mais fiscalizados pela SRTE/AM no ano de 2012 com 421 fiscalizações dentre 2.662 ações fiscais realizadas (15,81% do total). O CNAE 41.20.4 foi também o mais fiscalizado individualmente entre todos os CNAEs.

A grande maioria das fiscalizações no setor da construção civil no ano de 2012 se deu em empresas com até 30 empregados (245 fiscalizações). Neste período foram lavrados 1301 autos de infração para este setor, o que corresponde a 42,10% do total de autos lavrados (maior percentual de autuação entre todos os setores). Cerca de 1500 trabalhadores foram flagrados sem registro formal nesta atividade, o que representou um percentual de 45% do total de empregados encontrados pela Fiscalização.

No geral (em todos os setores, e não apenas na construção civil), em 2012 para um total 5.733 irregularidades encontradas na área de segurança e saúde no trabalho foram lavrados 3.090 autos de infração, ou uma média de 1,85 irregularidade/auto (53%). Desta forma, o índice encontrado no Amazonas apresentou-se muito superior à média nacional do ano de 2008, de 23 irregularidades/auto (4,3% autos/infração, conforme Filgueiras, 2012).

A fiscalização da NR-18 no período, na construção civil, constatou formalmente 1336 itens irregulares, no entanto, apenas 801 irregularidades foram autuadas.

A par disso, foram encontrados 122 itens da legislação que ensejaram interdições e embargos nos canteiros de obras. Este número representa menos de um décimo das irregularidades formalmente encontradas (1336). Assim, para cada 10 infrações cometidas, em média efetuava-se uma interdição ou embargo.

No estudo de casos, foi feito um levantamento envolvendo pelo menos 220 fiscalizações desde o ano de 1996 (mais de 17 anos de ações fiscais). Foram analisadas 29 empresas neste período, dentre as maiores[6]do setor de construção civil no Amazonas, selecionadas, como já dito, com base nos procedimentos em curso no 7º ofício do MPT.

Entre os anos de 1996 a 2012, foram encontradas 3.396 irregularidades praticadas por essas 29 empresas, o que representa uma média de 117,1 irregularidades por empresa analisada, ou ainda, uma média de 6,89 irregularidades por empresa/ano.

Em que pese o elevado número de irregularidades encontradas, a quantidade de autos de infrações lavrados foi ínfima. Neste período, foram lavrados ao todo 572 autos de infração, o que representa uma média de 19,72 autos de infração por empresa ao longo de 17 anos (pouco mais de um auto por ano = 1,16)[7][8].

Foram flagradas 3.396 infrações trabalhistas na construção civil amazonense para um total de 572 autos de infração lavrados, o que representa uma média de 5,94 infrações de SST por auto de infração. Observa-se, portanto, que a chance de sofrer perdas pecuniárias foi bem pequena.

Pelo estudo de casos foi fácil perceber que as empreiteiras costumam descumprir com mais frequência dispositivos constantes da NR-18, NR-06 (referentes aos equipamentos de proteção individual) e NR-07 (PCMSO).[9]

No que tange aos acidentes graves ou fatais, no período analisado houve um total de 24 ocorrências formalmente constatadas pela Fiscalização. O quantitativo de acidentes graves ou fatais neste período certamente foi muito maior, mas aqui estamos analisando apenas aqueles que foram formalmente constatados pela auditoria-fiscal. Obteve-se uma média de 0,83 acidentes de natureza grave ou fatal ocorridos por empresa no periodo abarcado.

A conduta da fiscalização do trabalho foi hegemonicamente orientadora (sem qualquer tipo de sanção) mesmo quando constatada a irregularidade na primeira ação fiscal (visita ao canteiro de obras).

O procedimento de orientação (sem qualquer sanção) na primeira fiscalização realizada atingiu 24 empresas - valendo lembrar que as primeiras fiscalizações remontam a 1997. Equivale a dizer que em 88% dos casos a primeira fiscalização foi somente orientadora, sem a imposição de qualquer penalidade[10]. Em apenas 3 ações fiscais, houve imposição de multas na primeira inspeção do canteiro de obras, o que equivale a 12% da amostra analisada. Assim, quase 90 % das empresas fiscalizadas não foi multada na primeira inspeção, mesmo quando formalmente constatadas violações às normas de segurança e saúde no trabalho[11].

Este dado é bastante revelador: a Fiscalização do Trabalho em quase todas as situações em que constatou uma irregularidade concedeu um prazo à empresa de construção civil para se adequar, sem aplicar qualquer sanção.

Esse dado desfaz o mito, muito presente no discurso de empresas e agentes públicos, de que a atuação do MTE é sempre punitiva e que, por tal motivo, não goza de efetividade para o cumprimento da lei[12].

Veja-se por exemplo, o que diz o documento elaborado pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI) intitulado “101 Propostas para Modernização Trabalhista”:

“A fiscalização do trabalho pode ser meramente punitiva ou educativa. As empresas hoje sofrem, em geral, fiscalização estritamente punitiva, o que não lhes proporciona a possibilidade de corrigirem possíveis irregularidades. A dupla visita somente é usada em casos específicos. Ocorre que, em muitos casos, o descumprimento da legislação não decorre de má-fé, mas da incapacidade de interpretar a complexa legislação trabalhista brasileira”

(...)

“•A fiscalização do trabalho educativa possibilita a adequação da empresa às normas trabalhistas sem que seja punida economicamente.” (disponível em http://arquivos.portaldaindustria.com.br/app/conteudo_18/2012/12/04/2728/20121204160144687771i.pdf> acesso em 17.07.2013)

Ou ainda, trecho citado por Filgueiras (2012) obtido em entrevista com um AFT:

Embora seja sabedor do comando legal de que a cada infração deve corresponder o respectivo auto de infração, costumo notificar a empresa, garantindo a ela um prazo razoável para que regularize a situação. Acredito que seja a melhor solução para a parte prejudicada (o empregado, que terá a situação resolvida de maneira mais célere). Somente autuo sem dar prazo em casos de reincidência, uma vez que fica demonstrada a má vontade em cumprir a legislação trabalhista por parte dos empregadores. (grifos nossos)

A conduta do MTE foi exclusivamente orientadora em praticamente todas as primeiras visitas aos canteiros de obras no Amazonas, o que indica que não foi por falta de orientação, a princípio, que os empregadores deixaram de cumprir a legislação trabalhista. Não faltou assessoria técnica estatal, realizada por auditores-fiscais do trabalho, para os empregadores da construção civil no Amazonas.

Neste passo, a Fiscalização do Trabalho foi massivamente orientadora em suas ações fiscais e o seu discurso coincidiu com aquele utilizado por empregadores, concedendo prazos aos empregadores, ainda que violando a literalidade do artigo 628 da CLT[13].

Neste período, houve ainda um total de 295 orientações já na primeira fiscalização, o que representou uma média de 10,17 itens legais que foram objeto de mera orientação (sem autuação) por parte da SRTE/AM[14]. Assim, a assessoria técnica estatal nos canteiros de obras se deu de forma relativamente detalhada, porque pelo menos 10 itens de segurança e saúde no trabalho foram objeto de orientação (ensinou-se ao infrator a como agir em conformidade com a lei).

Essa informação somente corrobora a conclusão anterior. Além de não ser verdadeira a informação de que a Fiscalização do Trabalho tem um viés punitivo, observa-se também que a Inspeção do Trabalho costuma ser bastante detalhista no que diz respeito a essa atividade orientadora.

A pesquisa sugere, ainda, que o procedimento não-sancionador foi extremamente prejudicial para a efetividade das normas que tutelam a segurança do trabalhador amazonense na construção civil, uma vez que o índice de reincidência foi muito elevado.

A reincidência foi constatada em pelo menos 19 empresas, dentre 25 empresas fiscalizadas (nestas 25 empresas houve novas inspeções[15]). Isso significa um percentual mínimo de 76% de reincidência, em pelo menos um item em que houve orientação prévia, mas não houve autuação.

Isso não quer dizer que, para as outras seis empresas fiscalizadas, houve regularização de conduta. Longe disso. O que ocorreu é que esta pesquisa não permitiu aferir as consequências posteriores à primeira fiscalização uma vez que os itens que foram objeto da primeira orientação não voltaram a ser fiscalizados (ou até foram fiscalizados, mas não houve o lançamento formal no SFIT). Mas é seguro afirmar que, em pelo menos 76% dos casos em que houve meramente orientação por parte da SRTE/AM, houve novo descumprimento das normas de SST.

Os dados apontaram que o procedimento de orientação sem a necessária perda pecuniária não teve, portanto, a eficácia esperada de adequar a conduta do infrator.

Mostra-se frágil, ainda, o argumento de que os empregadores da construção civil descumpriam a legislação relativa à SST por sua complexidade técnica[16]. Mesmo quando formalmente advertidos pela Fiscalização do Trabalho, os empregadores da construção civil, independentemente do porte empresarial (pequenas, médias ou grandes empresas) voltaram a reincidir no descumprimento das normas de SST, o que se verificou em pelo menos 76% das hipóteses, logo, não é correto afirmar que o empreiteiro não cumpria a lei porque a desconhecia.

Outro dado importante que a pesquisa permitiu revelar é que o período de tempo para que essa reincidência voltasse a ocorrer não foi longo. Em média, logo após 5 meses (5,14 meses), com o retorno da Fiscalização ao canteiro de obras, já era possível aferir o descumprimento dos mesmos itens anteriormente orientados sem a respectiva autuação.

O menor tempo entre a primeira e a segunda fiscalização orientadora não teve relevância para o cumprimento da legislação, justamente porque estas fiscalizações foram majoritariamente orientadoras. Com mais ou menos visitas periódicas dos auditores, se havia orientação sem a consequente imposição de multas, as infrações voltavam a ocorrer.

Uma segunda reincidência também foi objeto de análise. Verificou-se que, dentre 19 empresas (em que houve um segundo retorno da auditoria) houve uma segunda reincidência em pelo menos 16 situações.

Vimos acima que a primeira reincidência se deu em 19 hipóteses envolvendo as empresas de construção civil. Dentre essas 19 empresas, a reincidência esteve presente, novamente, para 16 empresas, o que significa uma taxa de 84% para uma segunda reincidência. Ou seja, uma segunda ação fiscal, também orientadora, não conseguiu efetivar o cumprimento da norma para a quase totalidade das empresas fiscalizadas. Somente 16% das empresas fiscalizadas se adequaram após uma segunda ação fiscal meramente orientadora[17].

Esta segunda recalcitrância foi verificada, em média, 13 meses depois da primeira recalcitrância. A pesquisa sugere que a recalcitrância não teve relação com o maior tempo de visita da SRTE. Quando a fiscalização demorou pouco tempo para retornar ao canteiro de obras (5 meses) houve reincidência. Quando a inspeção do trabalho demorou mais tempo para retornar aos canteiros de obra (13 meses) também houve violação às normas de SST.

Apresenta-se como falacioso, portanto, o argumento de que os empregadores descumprem a legislação por conta da ausência do Estado promovendo fiscalizações (e orientações). A pesquisa sugere que quando o Estado se fez mais ou menos presente nos canteiros de obras – sem impor perdas financeiras - não houve qualquer diminuição no índice de reincidência. A qualidade da atuação, com perdas pecuniárias, é que poderia em tese permitir uma maior adequação da conduta empresarial à lei. Neste caso, a periodicidade de retorno com a imposição de sanções pecuniárias poderia ser variável fundamental para incentivo do empregador.

Neste sentido, a pesquisa corrobora a afirmação de Cardoso e Lage (2007). Os autores analisaram o cumprimento ou não do direito do trabalho no Brasil a partir da relação entre a possibilidade de o empregador ser identificado como infrator e o montante da perda financeira prevista pela evasão da norma. Assim, por maior que seja a chance de ser apanhado na irregularidade, se não há repercussão financeira, não há razão para o empregador cumprir a norma.

Entretanto, nos padrões atuais, com uma atuação meramente conciliadora e orientadora, sem perdas pecuniárias, a maior ou menor presença dos agentes estatais nos canteiros de obras não serviu de estímulo para as empreiteiras cumprirem as normas de SST. Em síntese, o fato do auditor-fiscal comparecer mais ou menos ao canteiro de obras, orientando o empregador quanto a itens técnico-legais, mas sem puní-lo, não teve o condão de melhorar a segurança e saúde no trabalho no estado do Amazonas.

Ao contrário, o caráter não-punitivo das ações dos agentes estatais nos canteiros de obras inspecionados estimulou o descumprimento da legislação.

A pesquisa sugestiona que o caráter exclusivamente orientador da ação fiscal permitiu que 45% das empresas fiscalizadas tivessem uma ampliação no quadro de infrações às normas de SST na construção civil[18]. Assim, 13 empresas tiveram um incremento nas infrações de SST apuradas pela SRTE, para um total de 29 pesquisadas.

Quanto às demais hipóteses (10 empresas) não foi possível chegar-se à conclusão de que houve uma estabilização ou maior adequação no cumprimento da lei, porque não houve fiscalização posterior para aferir esta informação. Em apenas 6 empresas posteriormente fiscalizadas, porém, houve melhoria ou estabilização na adequação às normas de SST. Logo, a situação mais comum encontrada foi a de ampliação no quadro de infrações às normas de segurança e saúde no trabalho.

Finalmente, as interdições e embargos motivados por situações de grave e iminente risco foram ainda mais tímidas do que as autuações efetuadas. Durante os 17 anos pesquisados, nos estudos de caso, houve apenas 64 itens que foram objeto de interdição, o que não significa que houve 64 interdições no período estudado. Isto porque uma interdição ou embargo pode envolver uma série de itens legais. É comum, por exemplo, que quando se chegue ao ponto de embargar uma obra, sejam elencados muitos itens irregulares para aquele canteiro de obras. Assim, apesar de 64 itens terem sido objeto de interdição, a suspensão de atividades ocorreu em apenas 7 (sete) empresas (24% do total)[19].

Os itens que ensejaram o embargo de uma obra foram, exemplificativamente, trabalho em altura sem proteção, andaimes inseguros, partes elétricas expostas, ou a não concessão de EPIs. De forma contraditória, estas irregularidades também foram encontradas em outras empresas fiscalizadas, mas nestas não houve embargo por parte da SRTE/AM. Mesmo quando constatadas essas infrações, que demandariam a suspensão imediata das atividades, a auditoria-fiscal do trabalho não efetivou este procedimento[20].

Mesmo ações fiscais que foram motivadas pela ocorrência de acidentes fatais – portanto, com risco grave já materializado -, não houve embargo da obra.

Assim, a quantidade de termos de interdição em itens legais de segurança e saúde no trabalho que gozam de um amplo consenso por parte de profissionais que trabalham no ramo, foi praticamente irrisória.

Em síntese, este foi o padrão encontrado junto aos procedimentos analisados no MTE. A título de arremate, deve ser dito que foram realizadas 211 ações fiscais[21]no período sem imposição de multas (com simples notificação). O procedimento não-punitivo foi amplamente adotado; a cultura da instituição correspondeu à concessão de prazos para adequação da conduta pelos empregadores (orientação sem sanção), ainda que essa pesquisa sugira objetivamente que esse procedimento permitiu a reincidência em larga escala. O descumprimento reiterado - após a notificação - não foi levado em conta pelos agentes estatais[22]. A ação fiscal sem qualquer penalidade pecuniária foi amplamente adotada no período[23], o que repercutiu no alto índice de reincidência e mesmo ampliação das infrações cometidas.


3. MPT: a flexibilização como princípio.

O Ministério Público do Trabalho integra um dos ramos do Ministério Público da União, no entanto, trata-se do único ramo que não tem atribuição para promover ações penais. O seu papel restringia-se à emissão de pareceres na Justiça do Trabalho até 1988, mas a partir da nova Constituição Federal e especialmente com o surgimento das Leis n. 7347/85, 8.078/90 e Lei Complementar n. 75/93, passou a ter atribuição para promover ações na esfera da Justiça do Trabalho em face de empregadores que descumprissem a legislação trabalhista.

O seu plano de atuação, todavia, difere daquele que envolve demandas individuais: por força de normas constitucionais e legais sua atuação se dá quando há violação a direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, ou seja, quando se configuram macrolesões à ordem jurídica. O grande diferencial da atuação ministerial é, pois, que ela permite em tese a resolução de conflitos entre empregadores e empregados de forma coletiva, abrangendo uma gama de trabalhadores de determinado estabelecimento ou mesmo de toda uma categoria. O MPT seria, assim, um advogado do coletivo de trabalhadores (Filgueiras, 2012).

Casagrande (2008), assim trata da questão:

Como novo operador das ações coletivas, o Ministério Público do Trabalho, atuando com base nas Leis 7347/85 e 8079/90 provocou de algum modo a revisão da jurisprudência, pois a Justiça do Trabalho se viu obrigada a reavaliar o fenômeno das ações coletivas sob o prisma da Lei da Ação Civil Pública e dos dispositivos processuais do Código de Defesa do Consumidor. De início, houve grande rejeição da jurisprudência do TST a este tipo de atuação, que tendeu a ver sempre as ações do Ministério Público sob o enfoque individualista, de modo a não reconhecer sua legitimação quando houvesse repercussões para os contratos individuais de trabalho, ainda que se tratasse em tese de defesa de interesses difusos.

Tal como o MTE, a missão institucional do MPT é fazer com que a legislação trabalhista seja respeitada. Para tanto, age por intermédio dos procuradores do trabalho, que são agentes estatais que gozam de prerrogativas a fim de promoverem a responsabilização de empregadores infratores da legislação trabalhista.

O MPT pode ser impulsionado a agir por terceiros (sindicatos, trabalhadores, SRTE etc) ou mesmo por iniciativa própria.

Os instrumentos básicos de sua atuação são o termo de ajustamento de conduta (TAC) e a ação civil pública (ACP). Há inúmeras outras formas de atuação (e com o passar do tempo, essas formas tëm se multiplicado), no entanto, pode-se dizer que, em essência, as investigações realizadas deveriam culminar numa das duas hipóteses.

Ainda dentro desta abordagem introdutória, as ACPs são demandas levadas ao Poder Judiciário Trabalhista pleiteando indenizações pecuniárias e/ou obrigações a serem impostas aos empregadores infratores da legislação.

Esses valores postulados judicialmente pelo MPT não estão preestabelecidos em lei: são fixados de forma discricionária pela instituição, ainda que levem em conta inúmeros fatores como: a) repercussão da lesão, b) capacidade financeira do ofensor, c) gravidade da lesão, d) culpa ou dolo do ofensor, e) natureza do bem jurídico violado, entre outros elementos.

O TAC, por sua vez, é um instrumento formal que prevê obrigações para o compromissário (empregador flagrado descumprindo a legislação trabalhista) que, se não cumpridas, deveriam ensejar o pagamento de multas pecuniárias. É possível, em tese, a fixação, no TAC, de indenização a ser paga pelo infrator por infrações cometidas no passado. As multas pecuniárias previstas nos TACs, intituladas de astreintes no meio jurídico, não se confundem com as multas administrativas do MTE e com elas não se compensam[24].

As investigações no âmbito do MPT se dão no bojo de procedimentos que podem ser do tipo inquérito civil (que demandam um maior tempo para colheita de provas das infrações trabalhistas cometidas) ou procedimentos preparatórios, com menor duração temporal, utilizados via de regra para fiscalizações menos aprofundadas. Essa investigação permite a notificação de testemunhas para serem ouvidas, a convocação da empresa para apresentar documentos, a requisição de documentos a outros órgãos públicos, a solicitação de ações fiscais aos auditores do trabalho, inspeções realizadas pelos procuradores nos estabelecimentos etc.

Filgueiras (2012), entretanto, assevera:

Por fim, muito do que há à disposição dos agentes, viabilizado pelo quadro jurídico, não é explorado e, por isso, o modus operandi adotado pelas instituições ajuda a explicar a baixa efetividade das instituições na regulação do direito do trabalho.

O estudo de casos realizado no âmbito do MPT, relacionado com a atuação frente às empresas de construção civil, revela que o padrão conciliatório da instituição também é hegemônico no Estado do Amazonas; no máximo o que se obtém é o cumprimento da lei com atraso (Filgueiras, 2012).

Diante de infrações comprovadas às normas trabalhistas, praticadas por empresas do setor da construção civil, três possibilidades válidas e legais se abrem ao MPT: a) ajuizamento de ação civil pública contra o infrator, b) assinatura de termo de ajuste de conduta com o infrator, c) arquivamento do procedimento[25]. Em que pese somente haver essas três possibilidades, deve ser dito que nenhuma lei impõe que o procurador adote qualquer uma das três condutas. As normas legais que regem a matéria, implicitamente[26], buscam evitar que os procuradores arquivem procedimentos de forma arbitrária porque, nesta hipótese, o arquivamento será submetido à chancela da Câmara de Coordenação e Revisão, composta por outros três procuradores. Mas em geral, o procurador age de forma discricionária, podendo mesmo arquivar um procedimento de forma válida, atendendo ao que se chama de independência funcional.

O que ficou evidente pelos dados colhidos é que houve descumprimento reiterado da legislação trabalhista por parte dos empregadores da construção civil. Esse descumprimento ocorreu mesmo após firmado um termo de ajustamento de conduta com os infratores[27].

Pode-se afirmar, com base na pesquisa realizada, que as irregularidades trabalhistas praticadas no setor da construção civil tiveram como consequência hegemônica uma das três hipóteses: 1. a formalização de um termo de ajuste de conduta sem cunho indenizatório (com o respectivo descumprimento posterior), 2. prorrogação do procedimento com novas investigações, ou 3. promoção do arquivamento dessa denúncia, nesta ordem. Mesmo questões que envolviam acidentes de trabalho com óbito tiveram a mesma consequência.

De qualquer sorte, em praticamente todos os casos não houve sanção pecuniária em face da empresa de construção civil que descumpria a legislação. Sanções somente foram aplicadas de forma pontual.

Foram colhidos dados específicos, pelo estudo dos procedimentos, que foram posteriormente convertidos em um banco de dados. Com fundamento nesse banco de informações, os demais indicadores foram extraídos.

A pesquisa analisou um total de 39 procedimentos que se encontravam em curso no MPT (ativos) ou mesmo que já foram arquivados (inativos) junto ao 7º ofício da PRT-11. Foi realizada consulta ao sistema de informática do MPT intitulado de “MPT Digital”, bem como foi consultado o conteúdo dos procedimentos físicos, em tudo quanto se relacionava ao setor da construção civil. Outros procedimentos também foram analisados, ainda que para excluí-los da referida pesquisa, porquanto não envolviam o setor da construção civil.

Durante a pesquisa verificou-se que a quase totalidade dos procedimentos que envolviam a construção civil estão relacionados ao descumprimento de normas que tutelam a saúde e a segurança do trabalhador.

O comportamento padrão do MPT consistiu na convocação do infrator para assinar um termo de ajuste de conduta. Esse comportamento hegemônico não fez distinção entre a forma como a denúncia chegou no órgão (Ministério Publico do Estado, Polícia Civil, MTE ou denúncia de trabalhador), bem como não fez distinção entre a maior ou menor gravidade da infração cometida (infrações relacionadas à emissão de atestados de saúde ocupacionais ou à morte de trabalhadores).

Na construção civil, as denúncias levadas ao MPT no período tiveram como consequência padronizada a convocação de empresas para propositura de um TAC.

De um total de 29 procedimentos que permitiriam a convocação para o empregador firmar um TAC[28], o MPT convocou 20 para efetivamente fazê-lo (68% do total). Nas outras hipóteses, outra medida foi adotada – nova requisição de ação fiscal ou promoveu-se diretamente uma ação judicial.

Portanto, o modus operandi padrão encontrado no MPT foi a convocação dos empregadores da construção civil para a assinatura de um termo de ajustamento de conduta diante das infrações à legislação trabalhista.

As empresas infratoras, após esse convite para a realização de um acordo, tinham efetivo interesse em firmar TAC com o MPT. De um total de 20 propostas de TAC realizadas, em 17 delas (85%[29]) as empresas aceitaram firmar um instrumento de ajuste de conduta[30].

Em apenas uma hipótese, a recusa do TAC implicou em ação judicial. Nas outras hipóteses, mesmo não tendo firmado o TAC proposto, o procedimento foi arquivado. Como veremos adiante, o descumprimento do TAC também não ensejaria a execução judicial das multas dele decorrentes[31].

Em 90% dos casos analisados (excluídos aqueles procedimentos em que não houve ação do Estado para aferir o cumprimento posterior da legislação), houve novo descumprimento da legislação[32]. Assim, mesmo após a atuação do MPT (instaurando um procedimento de investigação contra o infrator da construção civil), houve descumprimento de normas por parte das empreiteiras (18 casos), o que permite a conclusão de que a simples comunicação acerca da instauração de um inquérito civil por uma autoridade pública do MPT não constituía empecilho para as empreiteiras continuarem violando a lei. A isto chamamos reincidência genérica[33].

A possibilidade de prevenção de infrações trabalhistas foi praticamente nula por conta da simples instauração de procedimentos investigativos. Em outras palavras, a instauração de um procedimento no MPT não era fator que desestimulava um comportamento ilícito empresarial. Em apenas três hipóteses, após a instauração do procedimento, não foram mais constatadas infrações trabalhistas.

Constatou-se também que em 18 hipóteses não houve formalização de TAC nem houve judicialização da demanda. Nestas 18 hipóteses, não houve por parte do MPT a consequência sugerida por lei (TAC ou ACP), o que não significa que a investigação tenha sido necessariamente arquivada. O procedimento pode ter prosseguido, por exemplo, com pedido de nova fiscalização pelo MTE.

Essa hipótese correspondeu a 46% do total de procedimentos pesquisados. Assim, a não-conclusão do procedimento era também uma hipótese bastante comum no MPT no que tange ao descumprimento das normas trabalhistas no setor da construção civil no Amazonas. Havia, por exemplo, inquéritos com duração superior a 10 anos, sem qualquer tipo de finalização.

Outro comportamento que se mostrou muito comum foi o arquivamento do procedimento. Para 17 procedimentos houve o arquivamento sem que fosse formalizado o TAC ou promovida a ACP. Este número representa um percentual de 43% em relação ao total de procedimentos analisados. Implica dizer que um alto índice de procedimentos envolvendo o tema construção civil no Estado do Amazonas era arquivado sem qualquer formalização dos instrumentos previstos em lei (TAC ou ACP), ainda que as infrações trabalhistas ali relatadas tenham sido formalmente constatadas.

Dentro deste percentual, puderam ser encontrados procedimentos que versavam sobre acidentes fatais, inclusive com autos de infração lavrados pela SRTE/AM, mas que, no entanto, foram arquivados por conta do tempo de duração entre o sinistro e a denúncia formal, considerado extenso em relação ao prazo bienal de prescrição trabalhista previsto em lei.

A pesquisa apontou igualmente que de um total de 17 TACs firmados com as construtoras, em 100% (cem por cento) deles não existiu qualquer pagamento pecuniário decorrente do descumprimento pretérito da legislação.

No âmbito do MPT, o descumprimento da legislação não representou em nenhuma hipótese o dever da empresa infratora indenizar a coletividade atingida[34]através dos TACs.

Mesmo nas hipóteses em que houve acidentes de trabalho que culminaram em mortes ou mutilação de trabalhadores (7 casos), o TAC firmado não previa a obrigação da empresa indenizar a coletividade. Isto explicaria, em parte, o motivo pelo qual as empresas não se opuseram à formalização dos TACs com o MPT.

De acordo com os dados pesquisados, do mesmo modo, para um total de 17 TACs firmados, em 11 deles a assinatura se deu em menos de um ano, a contar da primeira constatação das irregularidades. Em apenas 6 hipóteses, o TAC demorou mais de um ano para ser formalizado. Em algumas hipóteses, o TAC lograva ser assinado após 2 meses a contar da verificação das infrações.

Além de fácil, era rápida a assinatura de um TAC no MPT/AM no setor da construção civil. A velocidade de assinatura de TACs também não discriminava o tipo de infração cometida. Infrações mais graves e menos graves possuíam o mesmo tempo de duração para a assinatura.

Para um total de 17 TACs firmados, houve a fiscalização do seu cumprimento em 14 dessas hipóteses; dentro desse universo (ocorrência máxima possível), houve o descumprimento do TAC em 11 desses procedimentos, o que representou 78% das hipóteses pesquisadas. A isto chamamos de reincidência específica[35].

Pode-se afirmar, com segurança, que os TACs foram massivamente descumpridos - e aqui sequer está sendo questionada a qualidade na forma como o TAC foi fiscalizado.

Apenas 22% dos TACs firmados foram minimamente cumpridos pelos infratores. Esse dado é relevador e deveria levar mesmo a uma maior reflexão por parte da instituição acerca da motivação que fundamenta a formalização dos Termos de Ajustamento de Conduta. Partindo-se da premissa de que o MPT quer a máxima efetividade do direito do trabalho, se os termos de ajustamento de conduta não são cumpridos[36]da forma como se espera, não haveria qualquer fundamento lógico para que continuassem a ser pactuados com os infratores.

A pesquisa verificou também que, mesmo quando descumprido o TAC - o que se deu em um total de 11 TACs fiscalizados - não houve, na ampla maioria dos casos, qualquer medida judicial buscando obrigar a empreiteira a quitar as multas devidas.

Para um total de 11 TACs formalmente descumpridos, o que foi constatado pela fiscalização do MTE ou do MPT, em apenas duas hipóteses houve ajuizamento de ação na Justiça do Trabalho buscando cobrar as multas devidas.

Esta informação é surpreendente, porque a premissa apresentada aos infratores pelos membros do MPT é a de que o descumprimento do termo de ajustamento de conduta irá implicar, necessariamente, na cobrança das multas ali estipuladas. O TAC corresponderia a uma oportunidade para o infrator adequar a sua conduta, com a promessa deste de que não voltaria a descumprir a legislação, impondo-lhe o MPT multas mais severas contempladas naquele instrumento. Em contrapartida, a ação civil pública, com pedido de indenização, não seria ajuizada.

A reincidência deveria engendrar, por suposto, a cobrança exemplar das multas devidas, porquanto a justificativa para a firmatura do compromisso foi justamente a garantia de que o ilícito não voltaria a ocorrer. A relação de causa e efeito entre o descumprimento da avença e a execução das multas decorrentes seria fator imprescindível para que a palavra empenhada pela instituição não caísse em descrédito.

No entanto, como regra geral, os TACs foram descumpridos, mas suas multas não foram sequer cobradas – consequentemente também não foram pagas. Ou seja, não foram tomadas quaisquer medidas judiciais (ou mesmo administrativas[37]) para obrigar as empresas a pagar as multas dali devidas. Mesmo quando os TACs decorreram de acidentes fatais ou graves e, posteriormente, constatou-se o seu novo descumprimento não houve qualquer medida judicial no sentido de obrigar as empresas a pagarem as multas devidas.

A pesquisa permitiu constatar, finalmente, que foi ínfimo o percentual de ações ajuizadas pelo MPT. Privilegiou-se de forma generalizada o termo de ajustamento de conduta como instrumento. Apenas 4 ações civis públicas foram ajuizadas em face de empresas do setor da construção civil no 7º ofício da PRT-11 durante todo o período analisado. Nenhum termo de ajustamento de conduta descumprido culminou no ajuizamento de ação de execução.

A amostra colhida no âmbito regional do estado do Amazonas, no setor da Construção Civil, apenas corroborou a conclusão de Filgueiras (2012):

Essa ampla e crescente primazia dos TACs (atingindo, em 2003, a relação de 9,27 termos assinados para cada ação ajuizada) revelada pela Tabela apenas ratifica um fato de que toda pessoa que lida cotidianamente com o MPT sabe. Mais do que isso, com uma preferência pelos TACs, o MPT instituiu um modus operandi quase automático de ajuizar ACP apenas em último caso, sendo sistematicamente oferecido ao infrator o TAC, antes de eventual ação judicial. Ou seja, quando o procurador detecta o descumprimento da regra, quase sempre dá chance de acordo à empresa, que só é acionada judicialmente se não aceitar a conciliação.

Para um total de 39 procedimentos analisados, apenas 4 deles culminaram na judicialização da demanda, com pleitos indenizatórios (perdas pecuniárias).

A chance de que uma infração fosse constatada e resultasse numa ação civil pública no âmbito do MPT no Amazonas, no setor da construção civil, correspondeu a apenas cerca de 10% do total de procedimentos (em média 1 ACP para cada 10 procedimentos). Isso explica, por exemplo, o fato de que ao serem questionados, os juízes do trabalho integrantes do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região afirmarem que, em sua atividade profissional, praticamente nunca tiveram a oportunidade de julgar uma ação civil pública[38].

Outro ponto importante a ser destacado é que esta pesquisa permitiu a conclusão de que mesmo ações civis públicas somente são ajuizadas após a propositura de termo de ajuste de conduta para o infrator, afinal, em apenas dois casos houve ajuizamento direto da ação civil.

Quando se compara, por exemplo, a quantidade de TACs firmados (17) com a quantidade de ACPs ajuizadas (4), chega-se ao percentual de 23%, o que representa uma relação de quatro TACs firmados em média para cada ACP ajuizada, mas como crítica, não se pode deixar de dizer que o TAC é fundamentalmente conciliatório, já que exige sempre o consentimento do infrator (Filgueiras, 2012).

Foi interessante notar, por exemplo, que em um caso analisado, mesmo após o descumprimento do TAC, a empresa ao invés de ser acionada judicialmente para pagar as multas devidas foi novamente convocada para firmar outro TAC, o que se mostrou em verdade muito coerente com o padrão conciliatório encontrado.

E, seguindo esse padrão de conciliação com o agressor das normas trabalhistas, mesmo nas ações judiciais, o acordo era a regra. Nas quatro únicas ações civis públicas ajuizadas houve acordo entre o MPT e o infrator, com redução significativa dos valores cobrados inicialmente[39].

Enfim, tivemos aqui inúmeros exemplos concretos de que como a flexibilização do cumprimento da norma norteou o modus operandi do MPT.


CONSIDERAÇÕES

Em conclusão, a quantidade de acidentes do trabalho que atingiu o setor da construção civil no Estado do Amazonas, relatada acima, não foi acompanhada de um comportamento repressivo por parte das instituições de vigilância do trabalho.

O comportamento das instituições de vigilância do trabalho – abrangendo o MPT e o MTE - no combate à precarização das relações de trabalho no setor da construção civil no Estado do Amazonas chegou mesmo a incentivar o desrespeito à legislação.

O MPT e o MTE amazonense não sancionaram as empreiteiras diante de infrações formalmente constatadas às normas que tutelam a saúde do trabalhador, ou quando o fizeram, não aplicaram sanções em valor significativo.


Referências:

CARDOSO, Adalberto; LAGE, Telma. As normas e os fatos. Rio de Janeiro: FGV, 2007.

CASAGRANDE, Cassio L.; ARAÚJO, Adriane, PEREIRA, Ricardo José M. de B. Ações Civis Públicas no TST: Atuação do Ministério Público do Trabalho e dos Sindicatos em Perspectiva Comparada. Rio de Janeiro, Escola Superior do Ministério Público da União, 2006

FILGUEIRAS, Vitor. Estado e Direito do Trabalho no Brasil: Regulação do Emprego entre 1988 e 2008. Salvador, UFBa-FFCH, 2012


Notas

[1]Maiores taxas de mortalidade no Amazonas no quinquênio 2007-2011. Os CNAEs assinalados em verde são da construção e os em vermelho da indústria da transformação (em preto são outros). Elaborada pelo auditor-fiscal do Trabalho Josemar Franco, 2013 (SRTE/AM)

2007

2008

2009

2010

2011

1094

4631

4292 (montagem de instalações industriais)

5022

4632

4662

151

4743

810

3702

5239

5231

4110 (incorporação e empreendimentos imobiliários)

4222 (construção de redes de abastecimento de água)

4784

8122

4722

1610 (desdobramento de madeira)

2732 (fabricação de material elétrico)

2320 (fabricação de cimento)

4641

4221 (obras p/ geração de energia elétrica)

4520

4299 (construção de instalações esportivas)

2949

1069

722

1413

1921 (fabricação de derivados do petróleo)

4211 (construção de rodovias e ferrovias)

3512

4322 (instalações hidráulicas)

2599 (confecção de armações metálicas)

4682

5021

2342 (fabricação de azulejos e pisos)

4212 (construção de obras de arte)

4221 (obras para geração de energia elétrica)

4211 (construção de rodovias e ferrovias)

7020

4221 (obras para geração de energia elétrica)

600

3011 (construção de embarcações)

600

4321 (instalação e manutenção elétrica)

4922

2342

4299 (construçao de instalações esportivas)

4321 (instalação e manutenção elétrica)

2511 (fabricação de estruturas metálicas)

[2]Pelo sétimo ofício já passaram ao todo 901 procedimentos em toda a sua existência conforme dados do MPT Digital.

[3]O sistema MPT Digital não permite aferir a totalidade de procedimentos do ramo da construção civil ativos, ou em sua totalidade (ativos e inativos) que já passaram por aquela Procuradoria. Apenas a aferição pelo nome do Investigado permitiu um conhecimento imperfeito acerca da atividade econômica por ele desenvolvida. É isto que foi feito em relação ao sétimo ofício. Nenhum dos procedimentos analisados estava sob sigilo, fator que a lei impediria a divulgação das informações. Considera-se aqui procedimentos ativos aqueles que foram arquivados mas se encontram disponíveis fisicamente para consulta. Estes procedimentos foram arquivados no sistema MPT Digital, mas puderam ser consultados. Há procedimentos que foram arquivados e não se encontram disponíveis porque já estão no que se intitula de “arquivo morto”.

[4]Em verdade, esse percentual pode ser muito maior, uma vez que durante aproximadamente 3 anos, somente o sétimo ofício recebeu procedimentos envolvendo meio ambiente do trabalho, de forma que a amostra coletada se mostraria ainda mais representativa de um padrão de atuação. Pela procuradoria regional da 11a Região, em todo o seu histórico de existência, já passaram mais de 14.014 procedimentos genéricos, envolvendo todo e qualquer tipo de atividade econômica. Dados do MPT Digital. Durante o período pesquisado, mais de 8 (oito) procuradores estiveram à frente do 7o ofício da Procuradoria Regional do Trabalho, o que afasta a possibilidade de comportamentos individuais heterodoxos terem influenciado esta conclusão. Além disso, outros procedimentos pertencentes a ofícios diversos foram redistribuídos para o sétimo ofício, o que implica na análise do comportamento de um número ainda maior de procuradores do trabalho.

[5]Banco de dados informatizado, constituído pelo Ministério do Trabalho em 1995 para compilação das informações sobre a fiscalização do trabalho, e, desde o ano de sua formatação, contempla dados sobre todas as fiscalizações realizadas pelo MTE. (Filgueiras, 2012)

[6]Pela quantidade de empregados informada no SFIT.

[7]Não se deve esquecer que os valores das multas administrativas do MTE, além do seu valor intrinsecamente baixo, estão há 15 anos sem reajuste. De acordo com o anexo II, da Portaria 290 de 1997, o valor máximo das multas relativas a segurança e medicina do trabalho não chega a R$ 6.304,47. Deve ser levado em conta, ainda, que é possível o pagamento destas multas com desconto de 50%, de forma que o valor máximo de uma multa chega a R$ 3.152,24. Toda multa administrativa do Ministério do Trabalho e Emprego tem início com a lavratura do auto de infração pelo auditor-fiscal. Esse auto de infração passa por um procedimento interno de revisão, em que o autuado tem direito a apresentar defesa e provar as suas alegações. Confirmada a legalidade do auto de infração, o Superintendente Regional do Trabalho impõe a penalidade. A quase totalidade dos autos de infração lavrados são convertidos em multas administrativas. Para esta pesquisa, a fim de facilitar o entendimento, as expressões autos de infração (documento formal que inicia o procedimento de imposição de multas administrativas) e multas administrativas (sanção pecuniária decorrente da lavratura de um auto de infração) foram utilizadas de forma sinônima.

[8]No entanto, deve ser dito que não houve fiscalizações com frequência igual ou superior a 1 em todas as empresas; por outro lado, algums empresas foram fiscalizadas com maior frequência durante o espaço de tempo de um ano.

[9]É mesmo natural que assim seja, porquanto são os itens legais que mais tem relação com essa atividade empresarial. Neste ponto, o objeto das fiscalizações mostrou-se coerente com o perfil da atividade econômica desempenhada pelas empresas de construção civil.

[10]Dentre as 29 empresas analisadas, em 27 delas houve fiscalização por parte dos auditores fiscais do trabalho. Logo, esse foi o número total de ações fiscais que permitiram aferir a proporção de orientações com concessão de prazos.

[11]E isso não se relaciona com o dispositivo legal que veda a autuação na primeira visita a um estabelecimento (Art. 627 - A fim de promover a instrução dos responsáveis no cumprimento das leis de proteção do trabalho, a fiscalização deverá observar o critério de dupla visita nos seguintes casos: a) omissis b) em se realizando a primeira inspeção dos estabelecimentos ou dos locais de trabalho, recentemente inaugurados ou empreendidos) Conforme Nota Técnica de n. 62 da Secretaria de Inspeção do Trabalho, o critério orientador, sem aplicação de multas, somente se dá em situações que permitam a correção da irregularidade de forma retroativa no tempo, o que não é o caso das irregularidades encontradas em canteiros de obras. Da mesma forma, as situações encontradas estão relacionadas a itens legais tidos como graves, como ausência de proteções coletivas, andaimes irregulares, situações que ensejam risco de vida aos trabalhadores. Essas situações também não permitem a mera orientação sem lavratura de autos. Por fim, como veremos, mesmo na segunda inspeção aos canteiros de obras, o procedimento meramente orientador também é hegemonico. Logo, não houve qualquer vinculação entre a conduta da Fiscalização e o dispositivo da CLT.

[12]Apesar da legislação prever o procedimento da dupla visita por parte do fiscal do trabalho, continua sendo uma reivindicação constante dos empresários das MPE a fiscalização pedagógica, como verificou-se pela sistematização das propostas do Seminário realizado pelo Sebrae com empresários em MPE de todo o país5. Essa persistência da demanda pode ser um indicador de que esteja ocorrendo uma falha de comunicação dos órgãos responsáveis pela implementação e cumprimento das normas do trabalho, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e as Delegacias Regionais do Trabalho (DRTs) junto ao setor empresarial, mais precisamente, junto ao segmento das MPE (Krein, Biavaschi e outros, disponível em < http://www.eco.unicamp.br/cesit/images/stories/TextoParaDiscusso19.pdf> acesso em 08.07.2013)

[13]Art. 628. Salvo o disposto nos arts. 627 e 627-A, a toda verificação em que o Auditor-Fiscal do Trabalho concluir pela existência de violação de preceito legal deve corresponder, sob pena de responsabilidade administrativa, a lavratura de auto de infração

[14]Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Amazonas

[15]Para quatro empresas, não houve fiscalização posterior, de forma que somente se pode considerar para a análise estas 25 possíveis.

[16]O salutar critério da dupla visita corporifica uma das finalidades institucionais da fiscalização do trabalho, qual seja, a orientação dos empregadores no cumprimento das normas trabalhistas, especialmente as normas de segurança e medicina do trabalho, que é campo dos mais tormentosos na rotina da empresa. (disponível em< http://www.trt3.jus.br/escola/download/revista/rev_70_II/Vander_Vale.pdf> acesso em 08.07.2013).

[17]Esse dado deve ser relativizado porquanto, como dito acima, esse percentual envolve ainda fiscalizações em empresas em que não houve formalização da aferição do item fiscalizado (o auditor-fiscal não apôs no sistema SFIT do MTE a informação de que o item fiscalizado estava regular; ele apenas não disse que estava irregular), não se permitindo averiguar se houve ou não posterior cumprimento efetivo da legislação de segurança e saúde no trabalho com certeza.

[18]I.Por óbvio, não se pode desconsiderar que a maior constatação de infrações pode ter decorrido de inúmeros motivos, tais como auditores fiscais mais preparados, por conta de cursos de qualificação, ou lançamentos de dados mais detalhados no SFIT. No entanto, ainda que considerados estes fatores, é de extrema relevância o fato de que, com o passar do tempo, e com a adoção da postura não-punitiva, tenha havido um aumento na quantidade de itens irregulares.

II. Em pelo menos um item da legislação houve reincidência nas ações fiscais, além da ampliação das infrações.

III.O incremento leva em conta a ampliação do número de infrações constatadas pelo critério cronológico. Assim, é possível que na primeira fiscalização tenham sido encontradas um número determinado de irregularidades (x), na segunda esse número dobra, e na terceira ação fiscal esse número é reduzido. Ainda assim consideramos que houve incremento em face da relação existente entre a quantidade de infração relativas à primeira e segunda ação fiscal.

[19]Isto não significa, por óbvio, que o meio ambiente de trabalho das demais empresas (22) encontra-se saudável e seguro.

[20]São exemplos disso, as infrações relacionadas por Filgueiras (2012). Estas infrações, historicamente, são aquelas que mais ensejaram embargos por parte da Fiscalização do Trabalho. A nível nacional, como também no Estado do Amazonas, deveriam ensejar, em tese, a suspensão de atividades.

Tabela 8.2 - Itens de risco grave e iminente irregulares, percentual de interdição ou embargo, Brasil, anos selecionados:

Item 1996 2000 2004 2008
Proteção coletiva, queda 18.13.4 8,7% 26% 22,3% 27%
Abertura no piso, 18.13.2 7,1% 22,0% 14,9% 19,2%
Andaime sem guarda-corpo 11,1% 32% 32,2% 32,2%
Abertura nr 8       2,7%

Fonte: SFIT, elaboração própria (os itens com * são considerados expressamente de grave e iminente risco pela respectiva Norma Regulamentadora)

[21]Não estamos falando de itens individuais de SST que foram notificados sem autuação. Estamos falando de ações fiscais que costumam envolver mais de uma dezena de itens fiscalizados.

[22]Mas poderia ter sido, uma vez que o auditor-fiscal, quando inspeciona um canteiro de obras, tem a praxe de verificar o livro de inspeção do trabalho aferindo se aquela empresa já foi previamente orientada quanto a itens legais descumpridos.

[23]Houve uma média de 7,28 ações fiscais meramente orientadoras para cada uma das empresas fiscalizadas.

[24]Mesmo procuradores do trabalho têm consciência de que o que está no cerne do descumprimento das leis trabalhistas é o aspecto pecuniário. Não fosse assim, os TACs não teriam previsão de multas pecuniárias.

[25]Somente no ano de 2011, foram arquivados 23.061 procedimentos no MPT. Desses, 19.939 foram arquivados sem termo de ajustamento de conduta. Apenas 2657 ações foram ajuizadas em contrapartida. Disponível em <http://www.cnmp.gov.br/portal/images/stories/RetratoMP.pdf > acesso em 08.06.2013). O arquivamento do procedimento também é considerado uma conduta válida, por conta do que se intitula independência funcional.

[26]Neste sentido temos a Lei n. 7.347/85 e a Resolução n. 69 do CSMPT

[27]Isto quando se chegava a formalizar esse instrumento com o infrator. Como veremos, foram encontradas inúmeras situações em que o procedimento foi arquivado sem qualquer instrumento.

[28]Os demais foram sumariamente arquivados ou a empresa não foi localizada.

[29]É no mínimo curioso notar a boa vontade do infrator em adequar a sua conduta com a autoridade que tem por atribuição a própria responsabilização do agente do ato ilícito, quando a adequação dessa conduta não implica em qualquer prejuízo financeiro.

[30]Busca-se aqui, também, tentar explicar a razão para a facilidade com que o MPT logrou êxito em firmar compromissos com os infratores. A razão disso nos parece óbvia: a firmatura de um termo de compromisso não envolveu nos procedimentos analisados qualquer custo para a construtora que descumpriu a lei.

[31]As empreiteiras e seus advogados, ao longo de anos lidando com o MPT, adquirem de antemão o conhecimento de que o descumprimento dos TACs não enseja o pagamento de multas dele decorrentes (quando muito, multas cobradas administrativamente são sensivelmente reduzidas). Essa informação é crucial para a decisão empresarial de firmar ou não um termo de ajustamento de conduta.

[32]Dentre 20 hipóteses possíveis, foi constatado novo descumprimento à legislação em 18 delas.

[33]Convencionamos chamar de reincidência genérica o descumprimento de normas trabalhistas após a instauração de procedimento junto ao MPT visando apurar a irregularidade, mesmo que não tenham sido as mesmas normas trabalhistas violadas.

[34]Aqui abre-se um dilema. Poder-se-á argumentar que não houve indenização por danos morais coletivos pelo fato de que a lesão não maculou direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos. No entanto, se não houve qualquer lesão a direitos fundamentais da coletividade, mesmo a legitimidade do MPT para agir nestas hipóteses deveria ter sido questionada. Uma coisa ou é, ou não é.

[35]Convencionamos chamar de reincidência específica aquela que ocorre após o descumprimento do termo de ajuste de conduta, diferenciando-se daquela reincidência constatada (pelo MTE ou pelo MPT) antes ou depois da assinatura do termo de ajuste de conduta.

[36]A premissa largamente utilizada por membros do MPT é no sentido de que os TACs representam uma vantagem em relação às ACPs porquanto contém, como diferencial, o cumprimento espontâneo da legislação por parte do infrator, significando melhorias imediatas e futuras para os trabalhadores por ele atingidos. A ACP, alegam, não teria esse caráter resolutista já que ela implicaria numa demanda judicial longa e com poucas chances de êxito, sem qualquer benefício direto à coletividade de trabalhadores. Mesmo esse último argumento – sem qualquer demonstração empírica - é completamente equivocado porque desconsidera, mesmo abstratamente, a possibilidade de concessão de tutela antecipada nas ações civis públicas, o que também permitiria benefícios imediatos aos obreiros – além da indenização por danos morais coletivos que os termos de ajuste de conduta não costumam ter.

[37]Não se observou nenhum pagamento de multas decorrente de TACs realizado na esfera administrativa no período.

[38]  Deve-se levar em conta que há uma distribuição de processos entre todos os 40 magistrados locais.

[39]IMPÉRIO, HOSS, PLATINUM e NV ENGENHARIA.


Autor

  • Ilan Fonseca de Souza

    Procurador do Trabalho na 5ª Região (Bahia), Especialista em Processo Civil, Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília. Doutor em Estado e Sociedade pela Universidade Federal do Sul da Bahia.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Ilan Fonseca de. MTE e MPT: reação diante de infrações trabalhistas praticadas por empresas do setor da construção civil no Amazonas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4184, 15 dez. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32536. Acesso em: 10 maio 2024.