Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/32686
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

O que é delação premiada?

Colaboração (delação) premiada é a "plea bargaining" brasileira

O que é delação premiada? Colaboração (delação) premiada é a "plea bargaining" brasileira

Publicado em . Elaborado em .

Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, fez acordo de colaboração premiada com a Justiça brasileira. Confessou crimes, delatou pessoas, indicou contas bancárias fora do Brasil, prometeu devolver o dinheiro surrupiado... O que é isso?

Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, acaba de fazer um acordo de colaboração premiada (incluindo-se delações) com a Justiça brasileira. Negociou com delegados e o Ministério Público, confessou vários crimes, delatou pessoas, indicou contas bancárias fora do Brasil, prometeu devolver o dinheiro surrupiado ilicitamente (cerca de R$ 70 milhões) e tudo foi homologado pelo ministro Teori Zavascki, do STF. O que é isso?

É a "plea bargaining" norte-americana, introduzida agora de forma mais sistematizada no ordenamento jurídico brasileiro sob o nome de colaboração premiada (que é a "plea bargaining" brasileira). Dos EUA estamos copiando esse instituto. Do Brasil os EUA estão copiando a desigualdade (de renda e de capital). Norteamericanização e brasilianização do mundo.

Pela lei brasileira, a colaboração pressupõe uma organização criminosa. Para outros crimes, fora do crime organizado, vale a Lei 9.807/99 (Lei de Proteção às Vítimas e Testemunhas). Ou seja: tudo pode no campo criminal terminar em acordo. A diferença é que na lei do crime organizado o promotor pode inclusive deixar de denunciar o réu colaborador. Essa possibilidade da lei especial deve ser estendida para a lei geral? Se no mais (no crime organizado) pode o promotor abrir mão da ação penal (pode deixar de denunciar), porque no menos isso não seria possível?

Um milhão de questionamentos esse assunto (revolucionário) vai provocar. 

Dentre os pontos controvertidos um merece especial atenção: a negociação criminal, com admissão da culpabilidade, é constitucional? Note-se que nos juizados criminais o suspeito também faz transação, porém, não admite culpabilidade (continua presumido inocente). Lá vigora o instituto do nolo contendere (não quero litigar, por isso aceito a transação).

Na plea bargaining (original) o réu admite culpabilidade (admite que é culpado). Confessa sua participação no crime e, eventualmente, incrimina outras pessoas (delação premiada). Mas é possível admitir a culpabilidade sem o clássico devido processo legal?

Na original plea bargaining (nos EUA), a negociação se faz entre o promotor do caso e o réu, com presença de advogado. O juiz apenas homologa o acordo. Aqui no Brasil (na Lei do crime organizado - Lei 12.850/13) previu-se a possibilidade de o acordo ser feito entre o delegado, investigado e advogado ou entre o Ministério Público, investigado ou acusado e o advogado (art. 4º, § 6º). O acordo feito pela polícia vale?

Sobre essa questão controvertida manifestou-se o processualista Fauzi Choukr, entendendo e argumentando que seria impossível a polícia fazer o acordo de colaboração premiada sem a participação efetiva do Ministério Público.

Como afirmamos, são incontáveis as questões controvertidas em torno desse tema. Sobre ele vamos ter que escrever muito, porque parece que a plea bargaining veio para ficar e tende a se alastrar por todo país, quebrando a lógica completamente de todo o sistema processual que vem vigorando no país desde 1988 (a começar pela indisponibilidade da ação penal pública, que está sendo substituída nos casos de Justiça negociada pelo princípio da oportunidade ou discricionariedade regrada).


Autor

  • Luiz Flávio Gomes

    Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Estou no www.luizflaviogomes.com

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor

    Site(s):

Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Luiz Flávio. O que é delação premiada? Colaboração (delação) premiada é a "plea bargaining" brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4118, 10 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32686. Acesso em: 18 abr. 2024.