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A contratação integrada

O que? Por que? Para que?

A contratação integrada: O que? Por que? Para que?

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O RDC trouxe um novo regime de execução para os contratos públicos, a contratação integrada. Em contraposição com as formas tradicionais de licitação, esse novo regime apresenta vantagens ou é um risco administrativo?

INTRODUÇÃO

O Regime Diferenciado de Contratações é um novo regime licitatório instituído pela Lei 12.462/2011. Embora primeiramente tenha sido elaborado como método “diferenciado”, voltado às contratações relacionadas à Copa das Confederações e a Copa do Mundo Fifa de 2013 e 2014 e às Olimpíadas e Paraolimpíadas de 2016, sua existência no ordenamento jurídico está perdendo o caráter transitório através de alterações legislativas que ampliam a aplicabilidade do RDC[1].

Essa ampliação da Lei 12.462/2011 e a enorme influência que ela tem causado no cenário jurídico e político nacional chamam a atenção à sua análise.

Esse novo regime, consagrador de diversas inovações quando confrontado com a Lei Geral de Licitações, guarda diversas polêmicas. Com efeito, uma das mais importantes inovações da LRDC é a previsão da contratação integrada, um regime de execução controverso, que altera diversos das compreensões anteriormente firmadas derredor licitações públicas.

Proceder-se-á, portanto, com o estudo desse instrumento licitatório, buscando compreendê-lo, conhecer das motivações que influenciaram em sua criação e analisá-lo criticamente.


1. CONTRATAÇÃO INTEGRADA        

Através da contratação integrada, a Administração poderá contratar conjuntamente a elaboração do projeto básico e executivo e as obras serviços de engenharia, além de se valer das operações identificadas como turney key[2]. A viabilidade de manejo desse instrumento jurídico, contudo, imprescinde de uma adequação com o caso concreto, de uma avaliação profunda do objeto licitável e das condições de contratação que favorecerão na prática ao interesse público, para que se possa apreciar a vantajosidade técnica e econômica a justificar a escolha.

A bem da verdade, o regime já havia sido previsto pelo Decreto Federal 2.745/97, responsável pela disciplina legal das licitações realizadas pela Petrobras. Entretanto, a sua atual consagração em lei geral de licitações suscita maiores preocupações – sobretudo doutrinárias - acerca de seus contornos, sua adequação formal e suas consequências práticas. Aliás, como pontua Marçal Justen Filho:

[...] nem mesmo a Petrobras se utiliza do modelo de contratação integrada como padrão usual de seus contratos com terceiros. A ponderação é relevante para evitar o equívocos de supor que a contratação integrada é uma solução universal, uma espécie de panaceia para as dificuldades enfrentadas pela Administração Pública brasileira.[3]

Assim, é necessário, pois, conhecer bem os contornos da contratação integrada antes de utilizá-lo no âmbito da RDC, ainda que já haja experiências anteriores de sua aplicação em processos licitatórios. É necessário identificar seus limites, seus benefícios e os riscos (jurídicos e materiais) envolvidos em sua utilização.


2. A CONTRATAÇÃO INTEGRADA COMO UM REGIME DE EXECUÇÃO

Ao contratar obras e serviços, a Administração deve optar por um dos regimes de execução do objeto contratado previstos em lei. A execução pode ser direta, quando os meios empregados são próprios da Administração, como pode ser indireta, utilizando-se de meios contratados a terceiros, que se responsabilizam, nos termos do contrato, pela realização do objeto[4].

Nos termos da Lei 8.666/93, o Gestor, ao optar pela execução indireta, deverá ainda indicar qual o regime de execução será empregado (art. 6º, VIII): a) empreitada  global – quando se contrata a execução da obra ou do serviço por preço certo e total; b) empreitada por preço unitário – quando se contrata a execução da obra ou do serviço por preço certo de unidades determinadas; c) tarefa – quando se ajusta a mão-de-obra para pequenos trabalhos por preço certo, com ou sem fornecimento de materiais; d) empreitada integral – quando se contrata um empreendimento em sua integralidade, compreendendo todas as etapas das obras, serviços e a sua entrega ao contratante em condições de entrada em operação, atendido os requisitos técnicos e legais para sua utilização em condições de segurança estrutural e operacional e com as características adequadas às finalidades para que foi contratada.

O Legislador de 2011 trouxe para o RDC a mesma realidade proposta pela Lei Geral de Licitações, adicionando, outrossim, aos regimes de execução indireta, a contratação integrada, aplicável, logicamente, apenas nas contratações realizadas no âmbito da lei especial.

A escolha do regime de execução é discricionária, respeitando o elenco demonstrado na LGL ou na LRDC (a depender do regime licitatório adotado), que em ambas as leis é numerus clausus, não sendo admitida a criação de um novo regime ou a mescla entre alguns dos existentes. A Lei 8.666/93, no caput do art. 40, impõe que a escolha dos regimes de execução encontre-se de forma clara e precisa no instrumento convocatório do certame. Previsão semelhante não se encontra na Lei 12.462/2011, sendo, contudo, de se entender que a regra é mantida, posto que, "a definição do regime de execução é relevante para definir a disciplina jurídica da remuneração do contratado e as consequências de seu inadimplemento"[5], além de influenciar no desenvolver de toda a fase externa da licitação, sendo imprescindível a noção exata do regime adotado para a qualidade da participação do interessado e das atividades de controle.

Ademais, incide sobre o caso o princípio da motivação, que deve ser observado, invariável e obrigatoriamente, em todas as situações em que o Legislador confere ao Administrador o exercício de uma competência discricionária. Nesse sentido, expõe Agusto Neves Dal Pozzo:

[...] deverá o administrador promover todas as justificativas técnicas e jurídicas de sua opção, expondo, de maneira minuciosa, clara e transparente, todos esses elementos, de modo a demonstrar que a opção escolhida foi a que melhor se coadunou com o interesse público. Dessa forma, deverá demonstrar que, para executar determinada obra pública ou serviço de engenharia, o regime de execução mais adequado é aquele escolhido e, mais, que a obtenção de preços mais vantajosos , à luz do quanto preconizado pelo princípio da economicidade.[6] (grifos do original)

Vale anotar, ainda, que há uma semelhança entre os regimes da contratação integrada e o da empreitada integral. Em ambos regimes o contratado terá o dever de "executar e entregar um 'empreendimento' em sua integralidade, pronto, acabado e em condições de funcionamento"[7]. Particulariza-se o regime trazido pelo RDC pelo tratamento dado aos projetos básico e executivo, que deixam de ser uma condição da licitação e da execução (respectivamente) – como são nos demais regimes executivos já previstos na Lei 8.666/93 – para serem objetos da contração, conjuntamente com a execução da obra ou do serviço. É neste diferencial que o presente ensaio focará.


3. OS MODELOS ANTERIORES[8]

3.1. LEI GERAL DE LICITAÇÕES E CONTRATOS PÚBLICOS

No âmbito da Lei Geral de Licitações, toda e qualquer contratação para execução de obras e para a prestação de serviços necessitará da elaboração prévia do projeto básico e do projeto executivo (art. 7°, § 2°, I, Lei 8.666/1993). Ainda na fase interna da licitação, deverá, pois, o Gestor, providenciar esses dois documentos.

Lucas Rocha Furtado introduz o tema afirmando que tais projetos são "documentos de fundamental importância para correta e regular execução dos contratos administrativos. Sempre que mencionados projetos contêm omissões ou impropriedades, a execução do contrato é afetada e, muitas vezes, paralisada"[9].

O Projeto Básico é documento que descreve detalhada e exaustivamente a obra ou serviço que a Administração protesta contratar com a licitação, contendo, sobretudo, os requisitos e elementos exigidos pelo art. 6°, inciso IX e alíneas. O projeto executivo, por sua vez, deve conter as informações e orientações necessárias à execução completa da obra ou do serviço, de modo a permitir uma atividade de pura execução do objeto[10].

Nota-se, pois, que o Legislador exige projetos de extrema complexidade, trabalhosos e que, por vezes, diante da complexidade do objeto a ser contratado, exige uma perícia não presente no quadro da Administração. Entretanto, a exigência do projeto básico e do projeto executivo é a regra das licitações para a contratação de obras e serviços.

Há autorização legal para que o projeto executivo seja desenvolvido no mesmo momento da execução da obra e serviço (§ 1°, art. 7°, Lei 8.666/93) - e é, de fato, somente neste momento que ele será, na prática, imprescindível - ao passo que o projeto básico figura como verdadeira conditio sine qua non da licitação que contrata obra ou serviço (§2° do mesmo dispositivo). 

As rigorosas exigências são justificadas pela importância que os projetos possuem para a contratação pública.

Na opinião de Cláudio Altounian, o projeto básico é a peça mais importante para a condução da licitação, frisando que "falhas graves na definição desse projeto trarão enormes dificuldades ao gerenciamento das obras sob os aspectos prazo, custo e qualidade"[11].

Neste sentido, afirmam Moreira e Guimarães:

O projeto básico determinará o universo de licitantes. Quanto mais preciso e circunscrito ao indispensável, mais seguros estarão os interessados para a apresentação das propostas, maior o número de licitantes a competir e menores os preços. Ao contrário, quanto mais intenso a lassidão técnica e /ou o número de exigências impertinentes, proporcionalmente maior o acréscimo nos preços (para garantir a exequibilidade antes as incertezas) e menor a quantidade de interessados. [12]

Acrescentando ainda que:

Um projeto básico deficiente compromete o julgamento objetivo e a isonomia na disputa. A falta de informações fundamentais acerca da execução do objeto propicia a instalação de julgamento subjetivo e impede a formulação de propostas sérias: diante da falta de indicação de elementos precisos de definição do objeto a ser executado, as propostas eventualmente apresentadas não serão equiparáveis sob o ponto de vista das prestações subjacentes. [13]

Fica, assim, identificado que o projeto executivo é documento que serve de vetor para a fiel execução da obra ou do serviço pelo contratado, sendo necessária sua elaboração e aprovação, no máximo, em momento concomitante a esta (a execução). Já o projeto básico descreve o objeto do certame com "precisão cirúrgica" (compatível com a complexidade da obra ou serviço), sendo necessária sua divulgação no instrumento convocatório, posto que é necessário para a elaboração das propostas dos interessados, permitindo a comparação objetiva desta e influenciando na grau da competição.

3.2. LEI DE CONCESSÕES

A Lei de Concessões (Lei 8.897/95) traz previsão distinta da Lei Geral de Licitações, determinando que os editais elaborados pelo Poder Concedente deverá conter, nos casos em que a concessão do serviço público necessite de execução de obra pública prévia, "dados relativos à obra, dentre os quais os elementos do projeto básico que permitam sua plena caracterização" (art. 18, XV, segunda parte). 

Sobre a expressão “elementos de projeto básico”, Ribeiro e Prado demonstram que as Agencias Reguladoras vem interpretando-a no sentido de indicadores de resultado de serviço, de maneira que, “sempre que se tiver um conjunto de indicadores que permitam a caracterização adequada do serviço a resultar do contrato, teremos elementos do projeto básico”[14].

Caminhou bem o Legislador, primando pela eficiência. No âmbito das Concessões - incluindo-se, aqui, as PPPs - não mais se exige o projeto básico, com todas as minúcias e detalhamentos complexos exigidos pela Lei 8.666, mas apenas os seus aspectos suficientes para a plena caracterização da obra que deverá ser realizada pelos concessionários ou parceiro privado. Dessa forma, é possível adimplir com todos os valores do projeto básico sem o dispêndio de recursos excessivos e desnecessários. Atende-se à formalidade sem prender-se ao formalismo.

3.3. O NOVO MODELO

Na contratação integrada - regime de execução possível no RDC -, como visto, a elaboração dos projetos básico e executivo são atribuídas ao contratado. Há, portanto, uma grande diferença em relação à sistemática já consagrada desde a Lei 8.666/93, na qual se veda, inclusive, que o autor do projeto, básico ou executivo, participe, direta ou indiretamente da licitação ou da execução da obra ou do serviço, nem mesmo podendo participar do fornecimento de bens a eles necessários (art. 9°, I).

Para tais contratações, será necessário que a Administração elabore, anteriormente à fase externa da licitação, tão somente o que se denominou de "anteprojeto de engenharia" (art. 9°, § 2°, I, LRDC). Atento a essa exigência, expõe Marçal Justen Filho:

Não existe uma disciplina específica sobre o conteúdo de um anteprojeto de engenharia. Trata-se de uma expressão utilizada vulgarmente no meio técnico, indicando esboços e estudos necessários, mas não suficientes, para a concepção de uma obra ou serviço. Não existe uma determinação sobre o nível de precisão que caracteriza algo como um anteprojeto de engenharia. No entanto, isso não autoriza reputar que a contratação integrada poderia ser levada a disputa sem a existência de elementos mínimos aptos a identificar o objeto das propostas. [15]

A despeito de sustentar conceito vago, o dispositivo traz elementos mínimos que devem estar inclusos no anteprojeto de engenharia, quais sejam: a) a demonstração e a justificativa do programa de necessidades, a visão global dos investimentos e as definições quanto ao nível de serviço desejado; b) as condições de solidez, segurança, durabilidade e prazo de entrega c) a estética do projeto arquitetônico; e d) os parâmetros de adequação ao interesse público, à economia na utilização, à facilidade na execução, aos impactos ambientais e à acessibilidade.

Em 11 de outubro de 2011, a Presidência da República regulamentou o RDC, por meio do Decreto 7.851. A norma infralegal, no tocante ao anteprojeto em questão, enumera determinados documentos técnicos que deverão constar do anteprojeto em questão, nos casos em que couberem. Tais documentos, previsto pelo §1°, do art. 74, do Decreto, são: I - concepção da obra ou serviço de engenharia; II - projetos anteriores ou estudos preliminares que embasaram a concepção adotada; III - levantamento topográfico e cadastral; IV - pareceres de sondagem; e V - memorial descritivo dos elementos da edificação, dos componentes construtivos e dos materiais de construção, de forma a estabelecer padrões mínimos para a contratação.

Ademais disso, exige-se ainda que, nos casos que houver possibilidade dos interessados apresentarem projetos com metodologia diferenciadas de execução, o instrumento convocatório deverá estabelecer critérios objetivos para avaliação e julgamento das propostas (art. 9°, § 3°, Lei 12.462/2011 e art. 74, § 2°, Decreto 7.581/2011). A mais, o anteprojeto sempre deverá possuir detalhamento do objeto licitado suficiente para proporcionar a comparação (objetiva) entre as propostas recebidas dos licitantes (art. 74, § 3°, do Decreto).    


4. JUSTIFICATIVAS PRAGMÁTICAS, ECONÔMICAS E JURÍDICAS

Imbuído pelo afã de aprimorar a eficiência das contratações públicas, o Legislador de 2011 optou por consagrar no RDC a contratação integrada, prevista na regulamentação da Petrobras. Entretanto, não se pode perder de vista que o Decreto Federal 2.745/97 é norma infralegal por demais controversa, cujos méritos e constitucionalidades são alvos de fortes críticas, sobretudo da doutrina e do Tribunal de Contas da União[16]. Assim, a conveniência da sua previsão na Lei 12.462/2011 merece certo debruçar.

Trata-se de regime de execução que promete maior celeridade, menores custos e mais segurança às contratações públicas.

Como visto, os projetos básico e executivo exigidos para os serviços e obras de engenharia devem conter o detalhamento preciso do objeto contratado e de sua execução. Sendo esses documentos preparados de forma deficiente, há prejuízos para a licitação, para a contratação e para o controle da execução, há maiores gastos em correções, problemas com os órgãos de controle, além de aumentar as possibilidades de não haver satisfação do interesse público.

O mau planejamento tem sido um grande problema nas contratações públicas. A Administração, por vezes, não possui, em sua estrutura, profissionais com a expertise necessária para elaboração desses projetos. É impossível exigir que haja no Estado profissionais especializados, experientes e atualizados nas mais diversas áreas da engenharia. É por isso que Guilherme Fredherico Dias Reisdorfer constata que “é recorrente que os contratantes deparem-se com algum aspecto defasados ou, mesmo, com algum erro ou imprecisão no projeto originalmente licitado. Isso acaba por impor a revisão do contrato e a ampliação dos custos inicialmente previstos”[17].

É comum, portanto, que, nas contratações de obras e serviços de engenharia de especial complexidade, haja licitação para contratar particular para elaborar esses projetos.

A contratação integrada se propõe a encurtar o processo, integrando à já conhecida contratação no modelo tuney key o processo criativo, intelectual, através de um contrato de eficiência, que visa aos resultados. Explicam Moreira e Guimarães:

A administração não pretende, com a contratação integrada, adquirir a mera execução das prestações incumbidas ao contratado, segundo a lógica de que o exato cumprimento dos encargos (cumprimentos dos meios) o exonera da responsabilidade pelo funcionamento eficiente do empreendimento (obtenção dos resultados). Diversamente – e como acima já desenvolvido –, este regime pressupõe o alcance de resultados. Isto significa que as ineficiências do projeto serão suportadas pelo próprio contratado, que assume a responsabilidade pelo funcionamento do empreendimento. Por isso, é de todo relevantes para o contratado, sob este regime, perseguir a ótima concepção do projeto[18].

Acredita-se, pois, que este “regime diferenciado de execução” será capaz de contratar pessoa de expertise para elaborar projetos de excelência para a satisfação da necessidade da Administração em obras e serviços de engenharia e que se preocupará em empregar os meios, métodos e materiais mais adequados para a obtenção de empreendimento hábil a funcionar com perfeição, com viabilidade técnica e econômica.

Há aumento da autonomia do contratado, resultando que, "a ausência de produção de projetos básicos e executivo por parte da Administração conduz à assunção pelo particular dos riscos correspondentes às soluções escolhidas"[19].

É nesse sentido que Alécia Paolucci Nogueira Bicalho afirma que a contratação integrada é “a limonada”, o suco refrescante do indigesto limão. Contudo, há outro dizer popular que se aplica ao regime, pois neste o particular estará com “a faca e o queijo nas mãos”[20]. Ora, uma vez contratado, o planejamento, a execução da obra ou serviço e o funcionamento do empreendimento estarão nas mãos do particular. Neste ponto de preocupação, vale, mais uma vez, citar as lições de Moreira e Guimarães[21]:

Não se olvide que o regime da contratação integrada é apto a produzir efeitos desastrosos nas constatações administrativas se aplicado sem certas cautelas fundamentais. A falta de projeto básico prévio à licitação pode propiciar enormes dificuldades em relação ao dimensionamento dos custos envolvidos na contratação (impedindo a confecção de orçamentos confiáveis). Além disso, a incompletude do projeto impede o estabelecimento de condições objetivas de disputa, que propiciem a plena comparabilidade das propostas.

Haverá, pois, necessidade de cautela por parte da Administração. Todos os cuidados possíveis devem ser tomados para que não haja gastos públicos excessivos, através fixação consciente dos orçamentos e do controle da atuação do contratado. A mais, na fase de julgamento das propostas, é necessário que haja uma análise profunda destas, sobretudo quanto a sua exequibilidade e viabilidade. 

Neste ponto, perde guarida a justificativa pragmática de não haver equipe técnica apta a conduzir tais contratações dentro do Estado Gestor. Se ela não foi necessária para a elaboração do projeto básico, será agora para o controle das propostas, dos projetos básico e executivo apresentados e da execução do quanto contratado.

Aliás, é interessante trazer as considerações de Dal Pozzo. O autor reflete sobre a exigência do anteprojeto de engenharia e citar os já apresentados requisitos, elementos e documentos mínimos deste e constata que a construção legislativa leva a crer que o anteprojeto seja menos completo que o projeto básico, mas questiona-se se essa distinção entre os documentos não seria meramente taxinômica. Indaga-se, pois, se "não seria mais adequado simplesmente exigir o projeto básico, cujos embates doutrinários e jurisprudenciais férteis já permitiram sua consolidação a partir de elementos e requisitos que permitem verificar quando estamos diante dessa peça técnica"[22] (grifos do original).

Ribeiro, Prado e Pinto Junior percebem grande redução no tempo demandado para a contratação no novo regime, apresentando que:

Contudo, a questão que emerge no caso da contratação integrada é quanto tempo o contratado vai depender, após a assinatura do contrato para fazer  o seu projeto básico de engenharia. Certamente isso pode ser feito em parte durante o período de mobilização, mas dificilmente o contratado vai conseguir iniciar a obra sem um prévio aprofundamento dos estudos, o que pode impactar o cronograma crítico de entrega da obra.

De qualquer modo, ainda assim, parece-nos que haverá ganhos de tempo, decorrentes do RDC e da contratação integrada, da decisão administrativa de realização da obra até a sua entrega. [23]

É possível encontrar, pois, sérias dúvidas na doutrina quanto aos reais benefícios da contratação integrada, até diante dos que a defende. Até o presente momento, é difícil constatar na prática um ambiente seguro sobre elaboração de anteprojetos de engenharia e redução ou não do tempo necessário para satisfação da necessidade da Administração, uma vez que o RDC tem exigido diversas discussões e contratação de consultores para realização dos certames e tem gerado estranhamento entre os licitantes, acostumados ao regime geral de 1993.

A mais, os três autores citados acima ainda notam que "somente em situações raras a Administração Pública é capaz de realizar diretamente (sem contratar ente privado para tanto) o anteprojeto de engenharia"[24]. Ou seja, mesmo na contratação integrada, na maior parte das vezes, serão necessárias duas licitações antes da realização da obra ou serviço de engenharia.

Marçal Justen Filho ainda pondera sobre a economicidade do contrato a ser realizado pelo regime:

É fundamental tomar em vista que a ampliação da responsabilidade do particular produz um efeito inafastável de elevação da remuneração a ele devida. Se o particular assumir os encargos por eventos incertos, isso se refletirá nos preços exigidos. Portanto e como já afirmado, o modelo da contratação integrada é tendencialmente mais oneroso para a Administração do que as demais modalidades de empreitada. Assim se passa porque o preço devido ao particular compreende não apenas os eventos previsíveis, abrangidos na álea ordinária do negócio. Também estarão compreendidos eventos decorrentes da álea extraordinária[25].

O aumento do preço é consequência aceitável quando se quer segurança, mas o conjunto de riscos envolvidos deixa em dúvida se a contratação integrada é realmente a evolução desejada para os regimes de execução.

O fato é que a contratação integrada deixa para o contratado a tarefa de elaborar o projeto básico e exige que a Administração elabore o anteprojeto de engenharia, que se pretende menos complexo, menos detalhado. Diante disso, as já comentadas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIN 4645 e ADIN 4655) questionam a constitucionalidade do novo regime executivo. Alega-se que a ausência de projeto básico acarreta na ausência de definição do objeto do certame, o que impediria a comparação objetiva entre as propostas e ofenderia o princípio da isonomia entre os licitantes (art. 37, XXI, CF).

Discorda-se, data venia, dessas alegações. Recorde-se que o Legislador – legal e infralegal – preocupou-se em prever a necessidade de que haja condições objetivas para a comparação objetiva entre as propostas. Não se pode declarar prima facie a inconstitucionalidade da contratação integrada, devendo essa inconstitucionalidade ser constatada na prática. Sempre que o certame, seu edital e anteprojeto de engenharia, não for capaz de garantir a igualdade entre seus participantes, sua inconstitucionalidade e ilegalidade deverão ser decretadas.


CONCLUSÃO

Diante de tudo demonstrado, é forçoso ponderar se a contratação integrada é de fato conveniente para as contratações pátrias.

Os riscos da contratação integrada são muitos e os resultados positivos prometidos não podem ser seguramente garantidos.

A ausência de projeto básico anteriormente elaborado pela Administração (ou terceiro contratado) embaraça o controle dos custos, dificulta a realização de julgamentos objetivos das propostas realizadas no certame (o que pode prejudicar o tratamento entre os licitantes) e aumenta a contraprestação do contratado sem que haja garantia de as economias em tempo e recursos serão conquistados. Ademais, são frágeis os argumentos em torno dos benefícios da realização anterior tão somente de anteprojeto de engenharia, uma vez demonstrado que muitos dos procedimentos realizados nas contratações regidas pela Lei Geral de Licitações ainda serão necessários.

A contratação pública deve, sim, evoluir, sobretudo no desenvolvimento de obrigações de resultado para o contratado e na garantia de utilização das melhores técnicas e recursos na execução da obra e serviço de engenharia. O Brasil está em crescimento econômico e precisa de formas mais eficientes a garantir o crescimento da infraestrutura pública.  A contratação integrada, entretanto, não representa o melhor caminho.

É necessário notar que a empreitada integral já estava apta a realizar vários dos valores protestados pelo novo regime, primando pela eficiência e a divisão de riscos com o particular, que será também, responsável pela entrega integral do empreendimento, sendo, pois, de seu interesse o emprego das melhores técnicas e recursos.

Talvez fosse o caso de adotar, mutatis mutandis, a disciplina das concessões, exigindo-se elementos do projeto básico para a contratação. Garantir-se-ia, pois, a economia de tempo e recursos (financeiros ou não), sem que houvesse necessidade de cumprir com exigências que extrapolam as necessidades da contratação que se realizará.

Por fim, vale ressaltar que este é um entendimento particular, e o novo regime tem sido aplicado como válido.  


REFERÊNCIAS

ALTOUNIAN, Cláudio Sarian. Obras Públicas: Licitação, Contratação e Utilização. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

BICALHO, Alécia Paolucci Nogueira. Contratação integrada - A limonada. Revista Zênite - Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 230, abr. 2013.

DAL POZZO, Augusto Neves. Panorama geral dos regimes de execução previstos no Regime Diferenciado de Contratação e contratação integrada e seus reflexos. In: CAMMAROSANO, Márcio; DAL POZZO, Augusto Neves; VALIM, Rafael (Coord.). Regime Diferenciado de Contratação Pública – RDC (Lei nº 12.462/2011 e Dec. Lei nº 7.581/2011): Aspectos Fundamentais. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

FURTADO, Lucas Rocha. Procedimento da licitação. Fórum de Contratação e Gestão Pública FCGP, Belo Horizonte, ano 9 , n . 99, mar. 2010. Disponível em:<http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=65960>. Acesso em: 28 jun. 2013.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Pública. 15. ed. São Paulo:  Dialética, 2012.

_______. Comentários ao RDC: Lei 12.462/11 e Decreto 7.581/11. São Paulo: Dialética, 2012.  

MOREIRA, Egon Bockmann; GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Licitação Pública: A Lei Geral de Licitação – LGL e Regime Diferenciado de Contratação – RDC. São Paulo: Melhoramentos, 2012.

PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentário à Lei de Licitações e Contratações da Administração Pública. 8. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

REISDORFER, Guilherme Fredherico Dias. A contratação integrada no Regime Diferenciado de Contratações Públicas.  In: JUSTEN FILHO, Marçal; PEREIRA, Cesar A. Guimarães (Coord.). O Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC): comentários à Lei n° 12.462 e ao Decreto n° 7.581. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

RIBEIRO, Maurício Portugal; PRADO, Lucas Navarro.  Comentários à Lei de PPP – Parceria Público Privada: Fundamentos Econômico-Jurídicos. São Paulo: Melhoramentos, 2007. 


Notas

[1]Lei 12.462/2011, Art. 1o  É instituído o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), aplicável exclusivamente às licitações e contratos necessários à realização:

I - dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, constantes da Carteira de Projetos Olímpicos a ser definida pela Autoridade Pública Olímpica (APO); e

II - da Copa das Confederações da Federação Internacional de Futebol Associação - Fifa 2013 e da Copa do Mundo Fifa 2014, definidos pelo Grupo Executivo - Gecopa 2014 do Comitê Gestor instituído para definir, aprovar e supervisionar as ações previstas no Plano Estratégico das Ações do Governo Brasileiro para a realização da Copa do Mundo Fifa 2014 - CGCOPA 2014, restringindo-se, no caso de obras públicas, às constantes da matriz de responsabilidades celebrada entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios;

III - de obras de infraestrutura e de contratação de serviços para os aeroportos das capitais dos Estados da Federação distantes até 350 km (trezentos e cinquenta quilômetros) das cidades sedes dos mundiais referidos nos incisos I e II.

IV - das ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)     (Incluído pela Lei nº 12.688, de 2012)

V - das obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS.        (Incluído pela Lei nº 12.745, de 2012)

VI - das obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo.       (Incluído pela Lei nº 12.980, de 2014).

(...)

§ 3o  Além das hipóteses previstas no caput, o RDC também é aplicável às licitações e contratos necessários à realização de obras e serviços de engenharia no âmbito dos sistemas públicos de ensino.       (Incluído pela Lei nº 12.722, de 2012)

Lei 12.873/2013, Art. 2o A Companhia Nacional de Abastecimento - CONAB, por conveniência administrativa, poderá contratar instituição financeira pública federal, dispensada a licitação, para atuar nas ações previstas no art. 1o desta Lei, tais como contratação e fiscalização de obras, serviços de consultoria, inclusive outros de natureza técnica, e aquisição de bens e equipamentos e também gerir recursos financeiros direcionados pela União para reforma, modernização, ampliação e construção de Unidades Armazenadoras Próprias.  

§ 1o A instituição financeira pública federal contratada fica autorizada a utilizar o Regime Diferenciado de Contratações Públicas - RDC, instituído pela Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, para a contratação de todas as ações previstas no caput deste artigo. 

[2] Através dos mecanismos de turney key, a empresa contratada fica obrigada a entregar a obra em condições de pleno funcionamento, ou seja, basta que a empresa a Administração “vire a chave” para que seja possível a realização de suas atividades .

[3] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários ao RDC: Lei 12.462/11 e Decreto 7.581/11. São Paulo: Dialética, 2012. p. 180.

[4] PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentário à Lei de Licitações e Contratações da Administração Pública. 8. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 114. 

[5] MOREIRA, Egon Bockmann; GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Licitação Pública: A Lei Geral de Licitação – LGL e Regime Diferenciado de Contratação – RDC. São Paulo: Melhoramentos, 2012. p. 194.

[6] DAL POZZO, Augusto Neves. Panorama geral dos regimes de execução previstos no Regime Diferenciado de Contratação e contratação integrada e seus reflexos. In: CAMMAROSANO, Márcio; DAL POZZO, Augusto Neves; VALIM, Rafael (Coord.). Regime Diferenciado de Contratação Pública – RDC (Lei nº 12.462/2011 e Dec. Lei nº 7.581/2011): Aspectos Fundamentais. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 66 e 67.

[7] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Pública. 15. ed. São Paulo:  Dialética, 2012. p. 138.

[8] O uso da palavra “anteriores” não quer dizer que tais modelos foram revogados, apenas que foram consagrados legislativamente antes que a contratação integrada.

[9] FURTADO, Lucas Rocha. Procedimento da licitação. Fórum de Contratação e Gestão Pública FCGP, Belo Horizonte, ano 9 , n . 99, mar. 2010. Disponível em:

<http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=65960>. Acesso em: 28 jun. 2013. n.p.

[10] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Pública. 15. ed. São Paulo:  Dialética, 2012. p. 141.

[11] ALTOUNIAN, Cláudio Sarian. Obras Públicas: Licitação, Contratação e Utilização. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 57.

[12] MOREIRA, Egon Bockmann; GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Licitação Pública: A Lei Geral de Licitação – LGL e Regime Diferenciado de Contratação – RDC. São Paulo: Melhoramentos, 2012. p. 142.

[13] Idem. Ibidem. p. 143.

[14] RIBEIRO, Maurício Portugal; PRADO, Lucas Navarro.  Comentários à Lei de PPP – Parceria Público Privada: Fundamentos Econômico-Jurídicos. São Paulo: Melhoramentos, 2007. p. 280.

[15] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários ao RDC: Lei 12.462/11 e Decreto 7.581/11. São Paulo. Dialética, 2013. p. 191.

[16] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Pública. 15. ed. São Paulo:  Dialética, 2012. p. 32-35.

[17] REISDORFER, Guilherme Fredherico Dias. A contratação integrada no Regime Diferenciado de Contratações Públicas.  In: JUSTEN FILHO, Marçal; PEREIRA, Cesar A. Guimarães (Coord.). O Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC): comentários à Lei n° 12.462 e ao Decreto n° 7.581. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 153.

[18] MOREIRA, Egon Bockmann; GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Licitação Pública: A Lei Geral de Licitação – LGL e Regime Diferenciado de Contratação – RDC. São Paulo: Melhoramentos, 2012. p. 207 e 208.

[19] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários ao RDC: Lei 12.462/11 e Decreto 7.581/11. São Paulo. Dialética, 2013. p. 201.

[20] BICALHO, Alécia Paolucci Nogueira. Contratação integrada - A limonada. Revista Zênite - Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 230, abr. 2013. passim.

[21] MOREIRA, Egon Bockmann; GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Licitação Pública: A Lei Geral de Licitação – LGL e Regime Diferenciado de Contratação – RDC. São Paulo: Melhoramentos, 2012. p. 211.

[22] DAL POZZO, Augusto Neves. Panorama geral dos regimes de execução previstos no Regime Diferenciado de Contratação e contratação integrada e seus reflexos. In: CAMMAROSANO, Márcio; DAL POZZO, Augusto Neves; VALIM, Rafael (Coord.). Regime Diferenciado de Contratação Pública – RDC (Lei nº 12.462/2011 e Dec. Lei nº 7.581/2011): Aspectos Fundamentais. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 72.

[23] RIBEIRO, Maurício Portugal; PRADO, Lucas Navarro; PINTO JUNIOR, Mario Engler. Regime diferenciado de contratação: licitação de infraestrutura para Copa do Mundo e Olimpíadas. São Paulo: Atlas, 2012. p. 34.

[24] RIBEIRO, Maurício Portugal; PRADO, Lucas Navarro; PINTO JUNIOR, Mario Engler. Regime diferenciado de contratação: licitação de infraestrutura para Copa do Mundo e Olimpíadas. São Paulo: Atlas, 2012. p. 30.

[25] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários ao RDC: Lei 12.462/11 e Decreto 7.581/11. São Paulo. Dialética, 2013. p. 201


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QUINTELLA, Luiz. A contratação integrada: O que? Por que? Para que?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4654, 29 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34332. Acesso em: 24 abr. 2024.